A empresa 10 Events, a principal do universo empresarial de Rui Costa, presidente do Benfica, é um inferno de incongruências, omissões, erros contabilísticos graves e até potenciais ilegalidades por eventuais desvios de fundos para os sócios e falsificação da real situação financeira. O PÁGINA UM analisou detalhadamente as contas dos últimos quatro anos desta sociedade fundada em 2016, detida em 70 % pela holding familiar do dirigente, e cujo objecto social é a gestão de instalações e equipamentos desportivos, bem como a organização de eventos e actividades de manutenção física. E o cenário económico e financeiros encontrado é devastador.
Em síntese: entre 2021 e 2024 (que podem ser consultadas aqui, aqui, aqui e aqui), a empresa duplicou o activo, triplicou o passivo, destruiu o capital próprio e converteu prejuízos acumulados em miragens de equilíbrio financeiro. Nada disto, porém, traduz recuperação. Pelo contrário: revela uma entidade à beira do colapso, a recorrer a expedientes contabilísticos frágeis, quase artesanais, para disfarçar uma ruína completa. E também existem fortes indícios de pedidos de empréstimos que se destinaram aos bolsos dos sócios, Rui Costa – através da sua ‘holding’ familiar, que detém 70% da 10 Events – e Hugo Pires Domingues. Recorde-se que a 10 Events detém 50% da empresa FootlabWorld, cujo parceiro de negócios é Cristiano Ronaldo (através da 7Egend e a CR7), mas a gerência e contabilidade são distintas, conforme destacou o PÁGINA UM na semana passada.

Em 2021, já se notavam sinais estranhos na gestão da 10 Events. O balanço ainda mostrava capital próprio positivo, mas de apenas 77 mil euros, embora com prejuízos acumulados (resultados transitados) negativos de quase 257 mil euros. O aparente milagre explicava-se por uma rubrica ambígua de “outros instrumentos de capital próprio”, usada, em regra, quando há reforços de sócios através de participações sem direito de voto, acções preferenciais, suprimentos convertíveis em capital ou aumentos de capital ainda não registados formalmente.
Contudo, nada indica que tenha entrado qualquer verba real. Pelo contrário: criou-se simultaneamente uma rubrica de “Sócios” no activo, no valor de 91 mil euros — um artifício que só seria aceitável se o capital estivesse subscrito mas não integralizado à data de fecho das contas ou, em alternativa, se a empresa tivesse emprestado dinheiro aos sócios, o que seria gravíssimo numa sociedade com resultados negativos.
As contas de 2021 — que já exibiam um passivo de 1,5 milhões de euros, dos quais 1,26 milhões em dívida bancária, e um activo suportado essencialmente em activos intangíveis (marcas e direitos) — denunciavam, pois, um mascaramento de prejuízos sem aumento efectivo da tesouraria, simulando solvência ou, em cenário extremo, empréstimos ilegais aos sócios, violando o Código das Sociedades Comerciais, que proíbe operações que comprometam o capital mínimo.

O desequilíbrio agravou-se em 2022. Nesse ano, as vendas colapsaram, passando de 597 mil euros para apenas 121 mil, e a 10 Events fechou o exercício com prejuízo de 461 mil euros. Apesar disso, os capitais próprios permaneceram positivos em 73 mil euros. Como? De forma simples, mas suspeita: a rubrica de “outros instrumentos de capital próprio” triplicou, atingindo 657 mil euros, mascarando prejuízos acumulados de 591 mil euros.
Para justificar tal movimento, a gerência — presidida pelo próprio Rui Costa — voltou a recorrer à rubrica “Sócios”, que subiu para 489 mil euros, e a um aumento artificial dos activos intangíveis, que cresceram de 530 mil para 800 mil euros.
Convém salientar que os activos intangíveis (como marcas, patentes ou direitos) podem ser inflacionados através de reavaliações arbitrárias, capitalização de despesas correntes ou estimativas subjectivas de “valor de marca”, criando a ilusão de riqueza sem correspondência com fluxos de caixa. Constitui um expediente comum para melhorar rácios de solvência e disfarçar falências técnicas, mas que representa, em rigor, uma distorção do património real.

Face ao ano anterior, o passivo da 10 Events em 2022 aumentou cerca de 350 mil euros, atingindo 1,86 milhões, com renegociação da dívida bancária (transferida de curto para longo prazo) e possível empolamento da facturação — um indício sugerido pela rubrica “Adiantamentos de clientes”, que subiu de 200 mil para 665 mil euros, valor desproporcionado face às receitas anuais.
O ano de 2023 manteve o padrão — ou piorou-o. O exercício terminou com prejuízo de 43 mil euros para receitas de 375 mil euros. O capital próprio permaneceu ilusoriamente estável, mas a dívida bancária aumentou para quase 1,3 milhões, mais 125 mil euros que no ano anterior. A explicação surge na mesma fonte de distorção: a conta “Sócios” subiu então, nesse ano, para 784 mil euros, sinal inequívoco de que a empresa se endividou ainda mais para emprestar dinheiro aos próprios sócios — um circuito de autofagia financeira difícil de justificar.
Em 2024, as receitas subiram para 558 mil euros, ligeiramente abaixo de 2021, e a 10 Events apresentou um lucro modesto de 22 mil euros. No entanto, os resultados positivos não se traduziram em qualquer melhoria da saúde financeira. Pelo contrário. Após correcções de exercícios anteriores — que ajustaram resultados transitados negativos de 634 mil para quase 690 mil euros —, a empresa passou a exibir capital próprio negativo (-3.386 euros), ou seja, formalmente já se encontra em falência técnica.

Mesmo assim, o impacto teria sido muito pior sem a já habitual rubrica de “outros instrumentos de capital próprio”, que continuou a amortecer o desastre. Paralelamente, a conta “Sócios” explodiu ao longo do ano passado, subindo de 784 mil para 1,66 milhões de euros — um acréscimo de 877 mil euros que indicia transferências de fundos da empresa para os sócios, num momento em que a sociedade já se encontrava em falência técnica.
Saliente-se que a transferência de fundos através de empréstimos aos sócios, ainda que em empresas lucrativas, é sempre uma operação suspeita do ponto de vista fiscal — e torna-se especialmente grave quando ocorre numa empresa em situação de fragilidade ou crise financeira. Nestes casos, e sobretudo se o empréstimo tiver contribuído para o agravamento do desequilíbrio patrimonial, tal operação pode vir a ser considerada uma dissipação de activos ou mesmo uma forma de apropriação indevida, com implicações civis e penais em eventual processo de insolvência.
Na contraparte, o passivo total disparou no ano passado para 2,92 milhões de euros, composto por 685 mil em empréstimos bancários, 1,55 milhões em passivos não correntes e 665 mil em adiantamentos de clientes, valores sem correspondência nas demonstrações de fluxos de caixa (que a 10 Events apenas começou a apresentar em 2024) nem nos movimentos bancários anexos.

Assim, em apenas três anos, o passivo da empresa de Rui Costa quase duplicou — de 1,5 milhões para 2,92 milhões —, a empresa entrou em falência técnica e acumulou um crédito sobre os sócios de 1,66 milhões, parte significativa do qual representa saídas injustificadas de dinheiro. Paralelamente, os activos fixos tangíveis (instalações e equipamentos) minguaram de 525 mil euros em 2021 para menos de 315 mil euros em 2024. Ou seja, a ‘carne’ da empresa esfumou-se em 40%.
O PÁGINA UM contactou directamente a gerência da 10 Events, através do endereço electrónico constante no Registo Central do Beneficiário Efectivo, submetendo um conjunto detalhado de perguntas a Rui Costa, na passada quarta-feira. Até ao momento, não foi obtida qualquer resposta.
N.D. — O director do PÁGINA UM é, conforme declarado desde a fundação do jornal, sócio do Sport Lisboa e Benfica desde o ano 2000. É autor da rubrica “Da Varanda da Luz” desde 2023, sendo que as acreditações para a assistência aos jogos são concedidas de acordo com o estabelecido no Estatuto do Jornalista, ocupando sempre os lugares habituais na bancada de topo. Não votou no recente acto eleitoral e não votará no próximo que decidirá a presidência do clube. Aliás, nunca votou em quaisquer eleições para o clube.
