Mas afinal, quem é que vota no Chega?


Os portugueses que votam no Chega serão fascistas? Serão xenófobos e racistas? Serão broncos de extrema-direita?

Garantidamente, os portugueses que votam no Chega têm problemas; problemas gravíssimos.

Ganham salários inferiores a 1.000€ (mais de metade dos jovens adultos, entre os 18 e os 35 anos); ganham reformas inferiores a 500€ (cerca de metade dos pensionistas); não conseguem comprar casa; não conseguem arrendar casa; trabalham em situação de precariedade (uma percentagem assustadora dos jovens adultos a trabalhar com contratos a prazo e, portanto, sujeitos à ‘montanha russa’ do ‘emprego-desemprego-emprego-desemprego’).

Continuando: os portugueses que votam no Chega não conseguem encontrar em Portugal condições de vida que lhes proporcionem estabilidade profissional, autonomia residencial, capacidade financeira para sustentar filhos, e então… emigram.

Os portugueses que votam no Chega têm filhos, jovens adultos, que não conseguem arranjar trabalho nem conseguem comprar casa; ou têm filhos, jovens adultos, que compraram uma casa com muita dificuldade (o valor da entrada, as despesas no dia da escritura, a prestação ao Banco) e que trabalham contratados a prazo, com um salário baixo; mas ao mesmo tempo sabem que há uns felizardos, membros da comunidade de etnia cigana, que não trabalham porque não querem trabalhar, que recebem subsídios e que, de vez em quando, fazem cursos profissionais para continuarem a não trabalhar, e que têm direito a uma casa, sem nada pagarem, apenas porque são uns coitadinhos.

Coitadinhos? Curiosamente, quem se cruza com eles aqui e acolá, porque os tem como vizinhos, vota no Chega. Talvez porque os que votam no Chega são uns sociopatas sem um pingo de amor pelo próximo?

people gathered on street

Por falar em sociopatas, e por muito que nos custe acreditar, há portugueses que fazem licenciaturas e mestrados em Serviço Social, que, com dificuldade, conseguem arranjar trabalho, lidando no dia-a-dia com ‘famílias carenciadas’ em termos de ‘inclusão social’, e que, a dada altura, constatam que têm um rendimento, proveniente do trabalho, inferior ao rendimento dessas famílias que são apoiadas pelos nossos impostos. Ora, estes portugueses, que estudaram, que trabalham e que ganham menos que os ‘carenciados’, votam em quem?

Os portugueses que votam no Chega, na sua maioria, pertencem a uma classe média empobrecida e a uma classe média-baixa revoltada.

Não são fascistas, não são racistas, não são broncos, nem são sociopatas.

E depois há os portugueses que têm medo de passear à noite e que dizem às filhas que estão proibidas de chamar um UBER. E estes também votam no Chega.

E há ainda aqueles portugueses, que também votam no Chega, que, em certas regiões do país e em certos setores de atividade, não conseguem arranjar trabalho com um salário digno porque há imigrantes que aceitam trabalhar, sem recibo, auferindo salários de miséria.

Há finalmente portugueses que levam muito a sério a problemática da ética e da moralidade na vida política. Estes portugueses acham que os políticos deveriam cuidar dos cidadãos e do país, em vez de cuidarem de si próprios e dos interesses que, às escondidas, representam. E ficam irritadíssimos com os casos eticamente vergonhosos e com os escândalos moralmente deprimentes que se vão sucedendo, impunemente alimentados por uma classe política que não tem vergonha.

Querem que vos diga como é que estes portugueses votam?

Há entretanto uns partidos políticos que andam com um lenço palestino ao pescoço, que falam de multiculturalidade e inclusão, que pugnam, em abstrato, pelos direitos das mulheres (o que é altamente contraditório com o lenço palestino), dos mais vulneráveis (confundindo vulnerabilidade com recusa de integração) e dos LGBT+, que desculpam os bandidos e achincalham os polícias, que se propõem combater, sempre em abstrato, as desigualdades sociais… em suma, que defendem os palestinianos, os imigrantes, os transsexuais, os criminosos, mais a diversidade cultural e a integração a todo o custo.

people walking on grey concrete floor during daytime

E há portugueses que ficam de boca aberta; que perguntam a si próprios em que país é que estes partidos políticos vivem; que se interrogam acerca do conhecimento que estes partidos políticos têm da realidade em que, em Portugal, estamos todos mergulhados.

E estes portugueses votam no Chega.

Há também uns partidos políticos que governam Portugal há várias décadas e que, objetivamente, são responsáveis por aquilo que antes se retratou.

E há portugueses que dizem… basta!

E estes portugueses votam no Chega.

Os intelectuais da esquerda e os espertalhões do poder instalado vão algum dia conseguir perceber porque é que há portugueses a votar no Chega?

Claro que não!

question mark, important, sign

Vão continuar a dizer que quem escreveu estas linhas mete no mesmo saco transsexuais e criminosos, inclusão e recusa de integração, e assim por diante, quando a verdade é que o autor destas linhas, longe de meter tudo isto no mesmo saco, está simplesmente a afirmar que estas não são as causas relevantes para muitos e muitos portugueses – o sofrimento do povo palestiniano, o respeito pelos LGBT+ e o bem-estar dos imigrantes, não são as questões que mais atormentam uma parte não despicienda da população portuguesa.

Os intelectuais da esquerda e os espertalhões do poder instalado vão continuar a dizer que é preciso proteger as minorias, uns, e que é preciso fazer reformas, os outros, quando a verdade é que há muitos e muitos portugueses convencidos de que é preciso cuidar da maioria e que não acreditam na conversa estafada das reformas.

Mais confrangedor ainda: vão continuar a dizer que os jovens adultos votam no Chega por causa das redes sociais; e que os pais dos jovens adultos votam no Chega porque têm fracas habilitações literárias; e que os reformados votam no Chega porque estão esclerosados; e que aqueles que conhecem os ciganos de ginjeira votam no Chega porque são racistas e porque querem incitar ao ódio; e que os emigrantes votam no Chega sabe-se lá porquê, quando a verdade é que…

man in gray hoodie and black pants holding brown cardboard box

Enfim, já chega!

Adenda: Como nota final, à luz do que ficou escrito neste artigo, será seguramente considerado, por uns quantos, um protofascista e um bronco iletrado, que não consegue ler um parágrafo com mais de duas linhas, nem consegue articular uma ideia que seja compatível com o politicamente correto, e neste ponto, pasme-se, estão carregados de razão.

Francisco Abreu é gestor, consultor e editor, doutorado em Filosofia das Ciências pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tendo sido docente do ensino superior.

N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.