Principal accionista da Global Notícias usa truques contabilísticos ilegais para esconder falência técnica


As contas de 2024 da Páginas Civilizadas, principal accionista da Global Notícias controlada pelo empresário Marco Galinha – dona do Diário de Notícias e com participação na sociedade que detém o Jornal de Notícias e a TSF –, apresentam gravíssimas irregularidades e artifícios contabilísticos, transformando uma evidente falência técnica numa aparente robustez financeira.

De acordo com a análise contabilística e financeira do PÁGINA UM à empresa liderada por Marco Galinha – que controla directa e indirectamente 45,87% da Global Notícias e detém ainda por via indirecta 13,8% da Notícias Ilimitadas (dona do JN e da TSF, entre outros títulos) –, a Páginas Civilizadas reportou lucros de cerca de 190 mil euros e capitais próprios superiores a 4,7 milhões de euros nas demonstrações financeiras do ano passado. Contudo, estes resultados só foram possíveis graças a expedientes contabilísticos dificilmente aceitáveis numa empresa com esta dimensão e relevância.

Marco Galinha (à direita), accionista de referência da Global Notícias e gerente da Páginas Civilizadas, com a direcção do Diário de Notícias – Filipe Alves, Valentina Marcelino e Nuno Vinha – numa fotografia publicada pelo próprio director no Facebook, a assinalar o primeiro ano da actual liderança do jornal. Foto: D. R.

Recorde-se que a Páginas Civilizadas foi o ‘veículo’ usado pelo enigmático fundo das Bahamas (World Opportunity Fund) para controlar, durante alguns meses de 2023 e 2024, a Global Notícias sob a égide de José Paulo Fafe, num episódio que gerou forte polémica e instabilidade e motivou mesmo a intervenção da ERC. No início de 2024, Marco Galinha retomou o controlo financeiro da Páginas Civilizadas – surgindo no registo de beneficiário efectivo com uma quota de 59,75% – antes de proceder à separação do Jornal de Notícias e da TSF (entre outros títulos) da Global Notícias, num negócio ainda envolto em falta de clareza.

Um dos pontos mais polémicos nas contas de 2024 da Páginas Civilizadas está na rubrica “Investimentos financeiros”, onde inscreveu mais de 2,8 milhões de euros, correspondentes à participação na Global Notícias, mas sem aplicar o método da equivalência patrimonial que seria exigido pela dimensão da posição e pela influência exercida na gestão do grupo de media cujo principal activo é ainda o Diário de Notícias.

Na própria Informação Empresarial Simplificada (IES), entregue na Base de Dados das Contas Anuais, a Páginas Civilizadas declara que os investimentos em subsidiárias, empresas conjuntamente controladas e associadas são registados pelo método da equivalência patrimonial.

Demonstração de resultados de 2024 da Páginas Civilizadas ignoram a participação relevante (45,87% por via directa e indirecta) na Global Notícias, escondendo assim um descalabro financeiro.

Ora, mas se tivesse aplicado essa regra, teria de reconhecer no seu balanço a parte proporcional dos resultados catastróficos da Global Notícias em 2024, divulgados no Portal da Transparência dos Media, mas ainda não enviados para a Base de Dados das Contas Anuais. O atraso atingirá amanhã os 55 dias.

Como detém directamente 41,5% do capital da Global Notícias, a Páginas Civilizadas teria de assumir nas suas contas pelo menos cerca de 11 milhões de euros de perdas, correspondentes a uma parcela dos capitais próprios negativos de 19,3 milhões e dos prejuízos líquidos de 26,4 milhões registados em 2024. Assim, em vez de um activo de 2,86 milhões contabilizado como se fosse sólido, a empresa liderada por Marco Galinha através de três empresas (Páginas de Prestígio, Norma Erudita e Grupo Bel) teria de registar um valor líquido nulo ou praticamente nulo, entrando assim em falência técnica.

O expediente da Páginas Civilizadas – que tem Marco Galinha como gerente – foi, pura e simplesmente, ignorar a participação relevante na Global Notícias. Esta opção não é um detalhe técnico nem é legalmente aceitável, porque não se trata de uma posição minoritária irrelevante. Aparentemente, a empresa ‘encosta-se’ ao regime das pequenas entidades (NCRF-PE), que permite o uso de rubricas simplificadas.

Extracto do anexo à Informação Empresarial Simplificada (IES) da Páginas Civilizadas relativa a 2024, onde a empresa declara aplicar o método da equivalência patrimonial às suas participações em subsidiárias e associadas. Contudo, no balanço, a participação de 41,5% na Global Notícias surge registada como “investimentos financeiros” ao custo, sem reconhecimento da quota-parte nos prejuízos e capitais próprios negativos da dona do Diário de Notícias.

Porém, mesmo neste regime, vigora o princípio fundamental do Código das Sociedades Comerciais: as contas devem dar uma imagem verdadeira e apropriada da realidade económica. Ao não reflectir os capitais próprios negativos e os prejuízos avultados da Global Notícias, a Páginas Civilizadas fabrica uma saúde financeira fictícia. Na verdade, em vez de lucros de 190 mil euros, deveria apresentar prejuízos de 10,8 milhões; e em vez de capitais próprios positivos de 4,7 milhões, deveria revelar capitais negativos de 6,3 milhões. Ou seja, falência técnica.

Nesta linha, o expediente da Páginas Civilizadas é materialmente irregular e contrário ao espírito da lei. Mais do que uma interpretação contabilística, trata-se de uma manipulação para contornar um maior controlo financeiro, pois a aplicação da equivalência patrimonial obrigaria à nomeação de um Revisor Oficial de Contas (ROC), que nunca aceitaria semelhante manobra.

Mas mesmo admitindo, por hipótese académica, que a Páginas Civilizadas pudesse registar a sua participação na Global Notícias ao custo, teria então de constituir em 2024 uma imparidade ou, pelo menos, uma provisão que reflectisse a perda quase total de valor económico desse investimento. Só assim o balanço daria uma imagem verdadeira, uma vez que a participação na Global Notícias (em falência técnica) já não representa um activo sólido, mas sim um encargo de elevado risco.

O Código das Sociedades Comerciais é igualmente claro ao exigir que sociedades com participações relevantes em empresas com capitais próprios negativos reflictam tais factos nos seus balanços. Ao subvalorizar os rendimentos e inflacionar o valor do investimento na Global Notícias, Marco Galinha garante que a Páginas Civilizadas se mantém, no papel, saudável e sem necessidade de auditor externo – quando, na realidade, está numa situação de extrema fragilidade, perante a indiferença da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

Há cerca de duas semanas, o PÁGINA UM colocou diversas questões a Marco Galinha sobre a situação da Global Notícias, mas o empresário escusou-se a fazer declarações em ‘on’. E o PÁGINA UM não aceitou declarações em ‘off’.