Hambúrgueres: como uma ‘gaffe’ arrisca engordar (ainda mais) o Chega

Mouthwatering cheeseburger with fresh tomatoes and lettuce on a wooden surface.

Nos últimos dias, multiplicaram-se as celebrações, os comentários jocosos e os memes virais devido à “gaffe dos hambúrgueres” cometida por André Ventura, presidente do partido Chega.

Os comentários na imprensa e nas redes sociais foram implacáveis com Ventura, que confundiu o evento Bürgerfest – Festa dos Cidadãos – com uma festival de hambúrgueres. O evento, que se realizou a partir de sexta-feira em Berlim, teve Portugal como país convidado e o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, marcou presença – graças aos contribuintes que “assumiram” as despesas de deslocação.

Foto: Chega/ D.R.

Mas os opositores e críticos de Ventura deitaram os foguetes cedo demais. Abriram prematuramente as garrafas de champanhe, vaticinando o início da queda de popularidade do presidente do Chega — e actual líder da oposição —, que continua em ascensão.

Aliás, quem se tem rido à custa da gaffe de Ventura está, na realidade a fazer-lhe um enorme favor. Por três motivos.

Por um lado, os portugueses não parecem apreciar muito os “sabichões”. Aquelas pessoas que corrigem as outras. Que citam trechos de livros. Que sabem tudo. Também não parece serem grandes fãs de malta intelectual, que, mesmo sem querer, dá naturalmente ares de superioridade. A não ser que sejam um pouco freaks — como Marcelo, com as suas selfies, modo peculiar de falar e episódios caricatos.

person holding burger bun with vegetables and meat
Foto: D.R.

Por outro lado, os portugueses parecem ter uma “queda” para os “pobrezinhos”, os injustiçados, os vitimizados, os perseguidos. Os “coitadinhos”. Não é que Ventura seja um coitadinho ou pobrezinho, mas, claramente foi diminuído e escarnecido em público pela cómica gaffe que cometeu.

Por fim, com esta gaffe, Ventura mostrou ter fraquezas e vulnerabilidades. Mostrou que também comete erros. Enfim, mostrou que é humano. Como todos. E comete erros e gaffes.

Ventura não é um intelectual. Um sabichão. Um sabe tudo. Ventura é um tipo “normal”. E isso é muito apelativo a quem já o admira. Cria empatia. E é apelativo para quem já cometeu erros e gaffes. Para quem não sabia o que é, afinal, o evento Bürgerfest, na Alemanha. Para quem não pertence ao clube restricto dos “intelectuais” de topo do país.

Foto: Chega / D.R.

Ou seja, esta gaffe de Ventura tem o potencial de lhe trazer mais seguidores — e votos — vindos de quem se identifica com ele — enquanto português “normal”.

No livro ‘The the new psychology of leadership‘, os autores elaboram sobre como líderes de sucesso conseguem criar uma espécie de comunidade — uma ideia de “nós”. Assim, o líder não está acima de ninguém, mas está ao lado, faz parte da comunidade. É um semelhante.

Num artigo que os mesmos autores publicaram antes, em 2007, sobre este mesmo tópico, referem como essa percepção de identificação e proximidade pode ser passada através da linguagem utilizada pelo líder. E dão um exemplo. Quando houve o atentado às Torres Gémeas, George W. Bush, então presidente dos Estados Unidos, fez um discurso ao país em que prometeu “to hunt down and to find those folks who committed this act“. O uso de expressões como “hunt down” e “folks” aproximou o presidente do norte-americano comum. Este tipo de posicionamento ajudou a reforçar o seu poder político nos primeiros anos na Casa Branca.

Depois, há todo um histórico de marcas, empresas e políticos que aproveitaram crises, erros, gaffes e até acusações de adversários para se promoverem. Por exemplo, em 2018, uma conhecida cadeia de fastfood transformou a sua marca KFC em FCK, para pedir desculpa aos clientes no Reino Unido e Irlanda, durante uma crise que afectou a empresa — uma mudança de distribuidor levou ao fecho de restaurantes por falta de frango. A empresa não só assumiu o erro como o transformou numa campanha de marketing de sucesso.

Foto: D.R.

E vale a pena recordar uma das muitas gaffes de Donald Trump, que se tornou um fenómeno, quando, no seu primeiro mandato na Casa Branca, escreveu um tweet com um erro de escrita: “covfefe”. Trump quereria escrever “coverage”. O que é certo é que a gralha tornou-se um fenómeno viral.

Desengane-se, pois, quem aposta já numa descida a pique do número de admiradores de Ventura e de militantes do Chega. Esta confusão dos hambúrgueres ainda vai parar a uma tese de mestrado sobre marketing político.

Resta saber se o Chega ainda vai fazer como fizeram algumas marcas, empresas e até políticos, que aproveitaram erros, deslizes e confusões para aumentar a sua popularidade. Talvez com um Chegafest? Com hambúrgueres, claro.

Elisabete Tavares é jornalista


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