A Carris deixou caducar no passado domingo, 31 de Agosto, o contrato de manutenção de segurança dos quatro ascensores de Lisboa – Glória, Bica, Lavra e Elevador de Santa Justa – e encontrava-se, hoje, no momento do fatídico acidente no elevador da Glória – que terá causado já 15 mortes e 18 feridos –, sem acordo em vigor para assegurar a prevenção de falhas e a resposta a emergências.
O PÁGINA UM apurou que um novo concurso público lançado em Abril deste ano, com um preço base de cerca de 1,2 milhões de euros para três anos, foi cancelado pela Administração da Carris no passado dia 14 de Agosto por considerar que todas as propostas apresentadas superavam o valor-base.

O efeito da suspensão foi imediato, coincidindo com o termo do contrato anterior, o que significa que, desde anteontem, dia 1 de Setembro, a empresa pública não tinha cobertura contratual para a manutenção e segurança dos ascensores. O PÁGINA UM confirmou que não tinha sido ainda sequer assinado um ajuste directo urgente para garantir a continuidade dos serviços.
O contrato agora extinto tinha sido assinado a 31 de Agosto de 2022 com a MNTC – Serviços Técnicos de Engenharia, no valor global de 995.515,20 euros para 36 meses. Apesar de só ter sido publicado no Portal Base em 2024, o acordo previa a execução de manutenção preventiva e correctiva, bem como serviços de resposta rápida a emergências, para os quatro equipamentos icónicos da cidade. Havia também uma componente para reparação de actos de vandalismo.
O preço mensal pago pela Carris em cada um dos ascensores era de apenas 5.913,30 euros (acrescido de IVA), valor que aparenta ser muito económico face à complexidade técnica dos ascensores, que exigem supervisão constante para garantir a segurança dos passageiros e a fiabilidade das operações.

No caso do Elevador da Glória, o caderno de encargos era particularmente exigente, prevendo um regime de manutenção diária, semanal, mensal e semestral. As tarefas incluíam, entre outras, a limpeza e lubrificação do pantógrafo, a verificação das baterias e do cabo de tracção, a inspecção do governador e do controller, a purga do compressor e a lubrificação geral das cancelas, bem como a inspecção periódica do motor de tracção e disjuntores. Estava ainda estipulado que o cabo de tracção fosse substituído após 1.500 dias de serviço ou sempre que houvesse uma reparação geral, de forma a reduzir o risco de avarias graves.
Para garantir um serviço fiável, o contrato fixava uma taxa mínima de disponibilidade de 98%, com um regime de penalizações pesadas em caso de falhas: mil euros por trimestre se a taxa caísse para 97%, dois mil euros para 96% e três mil euros se descesse para 95% ou menos, com agravamentos adicionais em caso de indisponibilidade prolongada. Este modelo permitia pressionar a empresa de manutenção a assegurar intervenções rápidas e eficazes, protegendo os milhares de utentes diários que utilizam os ascensores.

Certo é que, desde o início de Setembro, os ascensores de Lisboa funcionam sem a cobertura contratual que assegurava a sua manutenção e segurança, uma situação que pode ter implicações e responsabilidades no contexto do acidente de hoje.
O Elevador da Glória foi inaugurado em 24 de Outubro de 1885, foi o segundo ascensor a ser construído em Lisboa e continua a ser um dos símbolos da cidade. Originalmente movido a vapor e, mais tarde, a água, foi electrificado em 1915, ligando a Praça dos Restauradores ao Jardim de São Pedro de Alcântara, vencendo um desnível de 265 metros. Está classificado como Monumento Nacional desde 2002.