Mais de 41 mil falsos alarmes de incêndios rurais na última década

Nos últimos dez anos, mais de 41 mil alertas de incêndios florestais e agrícolas acabaram por não passar de falsos alarmes, segundo dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) a que o PÁGINA UM teve acesso. Estes registos representam mais de 40% do total de chamadas relacionadas com incêndios rurais, um fenómeno persistente que, ano após ano, mobiliza meios humanos e materiais para situações que afinal não existem.

Só este ano, até às 18h30 de hoje, o ICNF já contabiliza 2.389 falsos alarmes, correspondendo a 41% das 5.847 ocorrências registadas — entre fogachos, incêndios florestais e incêndios agrícolas. Em muitos destes casos, o alerta chega através do número de emergência 112 ou por contacto directo com as corporações de bombeiros. A consequência é sempre a mesma: deslocação de meios que se revelam desnecessários e desgaste acrescido para equipas já sobrecarregadas em períodos de risco elevado.

O fenómeno não se limita aos incêndios. Também nos serviços de assistência médica e de protecção civil são frequentes ocorrências falsas, mas no caso específico dos incêndios rurais, a dimensão é particularmente expressiva e dispersa por todo o território nacional. Não existe, no entanto, qualquer estudo conhecido que permita identificar padrões regionais ou causas mais frequentes.

Hoje mesmo, a base de dados do ICNF registava 19 falsos alarmes, dos quais quatro em Vila Nova de Gaia e um em cada um dos seguintes concelhos: Torres Novas, Vinhais, Alvaiázere, Cascais, Paredes, Viseu, Torres Vedras, Tomar, Condeixa-a-Nova, Nelas, Vouzela, Mealhada, Seixal, Gondomar e Vila do Conde. Ontem, domingo, contabilizaram-se 42 falsos alarmes; no sábado, 35; na sexta-feira, 40; e na quinta-feira, 28. Em apenas cinco dias, foram 164 falsos alarmes em 638 ocorrências, ou seja, cerca de 26% dos registos.

A análise do PÁGINA UM mostra que, desde quinta-feira, os falsos alarmes afectaram 81 municípios, com maior incidência em Paredes e Vila Nova de Gaia (11 cada), Valongo (8), Gondomar, Tavira e Torres Vedras (5 cada) e Amarante, Aveiro, Cascais, Cinfães, Sintra e Vila do Conde (4 cada). Quanto à origem das chamadas, seis em cada dez chegam através do 112, duas em cada dez por telefone directo para os bombeiros, e as restantes por outras vias.

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Apesar de elevados, os números deste ano ainda ficam aquém dos de 2024, quando foram registados 3.547 falsos alarmes em 6.255 ocorrências, o que representou um rácio de 57%. O ano com mais falsos alarmes na última década foi 2017, com 5.512 registos, embora correspondendo a apenas 26% das ocorrências — recorde-se que 2017 foi o pior ano de que há registo em termos de área ardida, com 540.654 hectares consumidos pelo fogo, sobretudo nos dois períodos trágicos de Junho e Outubro, que também provocaram a morte de mais de uma centena de pessoas.

Desde 2001, o ano com maior número de falsos alarmes foi o de 2007, com 5.707 registos deste tipo de ocorrências, mas como nesse ano houve mais de 25 mil intervenções, o peso relativo rondou apenas os 23%. Aliás, somente a partir de 2018 o peso dos falsos alarmes ultrapassaram, de forma consistente, a fasquia dos 40%.

Contactado pelo PÁGINA UM, António Nunes, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, admite não conhecer as causas para estes números tão elevados.

Registo de falsos alarmes de incêndios rurais. Fonte: ICNF.

“Nunca foi um assunto que tivéssemos estudado em termos de conhecer as causas”, afirma o líder máximo dos bombeiros voluntários, sublinhando que, como sucede noutros tipos de emergência, os falsos alarmes podem constituir um problema por afectar recursos humanos e materiais. Ainda assim, considera provável que, em muitos casos, estes episódios resultem de percepções erradas ou interpretações precipitadas de sinais que, afinal, não correspondem a incêndios reais.

A ausência de um estudo aprofundado sobre esta realidade deixa por esclarecer questões essenciais: quantos falsos alarmes resultam de boa-fé e quantos são fruto de chamadas negligentes ou mesmo maliciosas? E até que ponto o peso destas ocorrências no dia-a-dia dos bombeiros afecta a sua capacidade de resposta a situações reais e urgentes? Enquanto essas respostas não chegam, os números mostram que, todos os anos, milhares de deslocações de meios se fazem para combater fogos que nunca existiram.