Estou a fingir que a imagem não me importa. Como se fosse possível não investir nos meus olhos.
Havia um encantamento nas passeatas de Nikon em punho. Alerta. Atenta. Amante de uma certa estética — ou de muitas horripilâncias.
A imagem como um diálogo improvável que se tem com um certo universo. Um não ser preciso contracenar.
Vieram depois defender mais os direitos das pessoas, proteger-lhes as imagens e as privacidades…

Não fotografarás!
Não fotografarei…
Não filmarás, também?
Pode uma pessoa pagar um bilhete para se divertir publicamente e, pela captação e divulgação da sua imagem, ver a sua vida arruinada em segundos?
Pode um jornalista brincar na rádio com o sucedido, dizendo que é pago para falar sobre escândalos, papagueando que nunca se deve fazer xixi fora do penico — porque a mentira tem perna curta?
Posso eu pagar taxa de audiovisuais para ouvir isto?
Pode a minha Nikon continuar sossegada num canto, por ser ela a malvada que capta e expõe a vida dos outros?
Podem as pessoas ficar realmente humilhadas pelos condicionalismos sociais que lhes tiram a coragem de defender a sua liberdade de movimentos?

E rimo-nos todos disto, moralizando e chacoteando?
E falamos ainda da crise dos valores, do medo da supremacia das ideias de extrema-direita, sem sequer nos apercebermos de que são as pessoas comuns que dão força àquilo que dizem abominar?
Que respeito é este pela privacidade, que se passeia em trajes de um carnaval demolidor — e que destrói, moralizando?