Pela segunda vez em 17 legislaturas, a Assembleia da República vai sentar três deputados de partidos políticos sem grupo parlamentar, ou seja, deputados únicos. Amanhã, na primeira sessão da nova composição do Parlamento, Mariana Mortágua (Bloco de Esquerda, que viu o seu grupo parlamentar colapsar em apenas seis anos — elegeu 19 deputados em 2019), Inês de Sousa Real, do Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN, que repete a experiência da legislatura anterior), e o estreante Filipe Sousa, do partido regional madeirense Juntos pelo Povo (JPP), não terão companheiros de bancada.
Estes deputados vão partilhar assim a mesma solidão parlamentar vivida em 2019, quando, pela primeira vez, mais de dois partidos conseguiram eleger um único deputado: Joacine Katar Moreira (eleita pelo Livre, mais tarde independente), João Cotrim de Figueiredo (Iniciativa Liberal) e André Ventura (Chega). Curiosamente, todos os partidos então com representação unipessoal conseguiram ampliar a sua presença nas legislaturas seguintes, sendo que o Chega lidera hoje a oposição com 60 deputados.

Porém, o PÁGINA UM sabe que Bloco de Esquerda, PAN e JPP vão, contudo, tentar quebrar uma duradoura praxe em Conferência de Líderes, ainda que a hipótese de sucesso seja escassa: um lugar na primeira fila do hemiciclo parlamentar.
Apesar de o longo e detalhado Regimento da Assembleia da República, nos seus 265 artigos, ser totalmente omisso sobre a distribuição dos deputados no hemiciclo, essa competência cabe, por tradição, à Conferência de Líderes e, em última instância, ao Presidente da Assembleia. Por regra, nunca um deputado único conseguiu acesso aos lugares da primeira fila, pois assume-se que não possui representatividade suficiente para ocupar um dos 24 lugares dianteiros habitualmente disponíveis.
Com efeito, se a atribuição dos lugares da primeira fila fosse feita com base estritamente proporcional — isto é, através de um critério aritmético rigoroso —, os partidos minoritários como o BE, o PAN e o JPP estariam manifestamente fora de qualquer expectativa de acesso a esse espaço. Mas o mesmo sucederia com outros partidos que, não obstante, terão presença na frente.

Num Parlamento com 230 deputados e apenas 24 lugares na primeira fila, o direito proporcional a um lugar dianteiro corresponderia a cerca de 9,58 deputados. Assim, apenas os partidos com pelo menos 10 deputados poderiam ambicionar legitimamente essa posição. Aplicando esse critério, a selecção tornar-se-ia inevitavelmente excludente — e não apenas para o BE, o JPP e o PAN. Só três partidos atingem esse limiar: o PSD, com 89 deputados; o Chega, com 60; e o PS, com 58.
Todos os restantes ficariam automaticamente arredados da primeira fila: a Iniciativa Liberal, com 9 deputados, não atinge o mínimo necessário; o Livre, com 6, também não; e o mesmo se aplica ao PCP, com 3 deputados. Até o CDS-PP, que regressou ao Parlamento à boleia da Aliança Democrática com dois eleitos, ficaria fora desse espaço, se a lógica fosse puramente aritmética.
Esta análise evidencia que, do ponto de vista estritamente matemático, permitir que partidos com uma expressão parlamentar reduzidíssima ocupem lugares de destaque na primeira fila constitui uma desproporção evidente. Um deputado único, que representa 0,43% do Parlamento, ao sentar-se na primeira fila — ocupando 1 em 24 lugares, ou seja, 4,17% do espaço visível — multiplicaria por quase dez vezes o seu peso real no hemiciclo.
Contudo, a democracia parlamentar não se resume à aritmética. Colocar deputados únicos na primeira fila pode ser interpretado, mais do que como um acto injusto de concessão de privilégios desproporcionados, como a expressão de um princípio democrático de inclusão representativa. Num sistema como o português, que adopta o método de Hondt e favorece os partidos mais votados em cada círculo, a eleição de deputados únicos representa, em si mesma, uma superação notável de barreiras estruturais. Em muitos casos, essa eleição constitui um primeiro passo para afirmações políticas mais robustas — como se viu com o Chega, a Iniciativa Liberal e o Livre, que em 2019 tinham apenas um deputado e hoje ocupam posições reforçadas.

Conceder-lhes maior visibilidade simbólica — através da sua colocação na linha da frente do hemiciclo — traduz-se, assim, num reconhecimento do pluralismo político e da legitimidade de minorias que, mesmo em desvantagem no sistema, conseguiram representação.
De facto, a visibilidade atribuída a essas vozes solitárias não distorce a democracia; pelo contrário, reforça-a, ao garantir que nenhuma corrente legitimada pelas urnas seja remetida ao esquecimento visual ou ao silêncio institucional. Trata-se, pois, não apenas de uma questão de espaço, mas de princípio: assegurar que o Parlamento se veja a si próprio como espelho, ainda que fragmentado, da pluralidade nacional.
Na reunião da Conferência de Líderes de 21 de Maio, três dias após as eleições e ainda com os deputados da anterior legislatura em funções, foi apresentada uma proposta provisória de distribuição de lugares no hemiciclo para a sessão inaugural. Contudo, José Pedro Aguiar-Branco — que deverá manter o cargo de Presidente da Assembleia da República — sublinhou que “a disposição definitiva de lugares na XVII Legislatura só será decidida” após a sessão desta terça-feira. Para já, ficou esclarecida a posição do JPP, que recusou ficar junto ao Chega, como se chegou a aventar inicialmente.

Assim, nesta terça-feira, o Chega ocupará, segundo apurou o PÁGINA UM, seis lugares na primeira fila, previsivelmente mais um do que o Partido Socialista. O PSD deverá sentar-se em oito lugares dianteiros, restando dois para a Iniciativa Liberal, um para o CDS-PP, outro para o Livre e outro para o Partido Comunista Português.
Depois, será a política — e o bom senso — a ditar se a tradição se mantém ou se Portugal opta por inovar. Porque, nos parlamentos de diversos países europeus, dificilmente o JPP, o Bloco de Esquerda e o PAN arrecadariam uma cadeira da frente. Veremos se Portugal decide olhar mais para os princípios ou para as proporções.