O primeiro-ministro Luís Montenegro possui 46 prédios rústicos na freguesia do Rabal, em pleno Parque Natural de Montesinho, e pode vir a beneficiar economicamente da alteração da Lei dos Solos, que permite, em determinadas condições, que as autarquias autorizem construções. O líder do Governo possui ainda, além de cinco prédios urbanos, incluindo a polémica vivenda em Espinho, mais três prédios rústicos na freguesia de Barro, no concelho de Resende, um dos quais um terreno de 4,5 hectares, com cultura de regadio, uma vinha, pastagens, mato e árvores de fruto.
O Parque Natural de Montesinho, criado em 1979, é um santuário natural e uma das mais extensas áreas protegidas de Portugal, estendendo-se por 75 mil hectares nos concelhos de Bragança e Vinhais, com uma paisagem diversificada, onde se alternam serras, vales profundos e vastos planaltos, moldados por uma interação secular entre a Natureza e as práticas agrícolas tradicionais. Além de bem preservados carvalhais, predominam bosques de castanheiros e azevinhos. Porém, no seu mosaico de habitats habitam importantes populações de lobo ibérico, símbolo da região, de corço e da lontra, para além de águia-real, tartaranhão-azulado e picanço-real.
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De acordo com a declaração do primeiro-ministro na Entidade para a Transparência – que agora é responsável por disponibilizar informações sobre o património e rendimento de titulares de cargos –, as 46 parcelas que Montenegro possui no concelho de Bragança não se destacam pelo seu valor patrimonial nas Finanças, que historicamente têm valores simbólicos. Com efeito, na zona de Montesinho, os valores patrimoniais estão compreendidos entre os 10 cêntimos, numa parcela de apenas 90 metros quadrados, e os 86,1 euros, para uma parcela de 5.400 metros quadrados (um pouco mais de meio hectares).
Contudo, se se considerar as parcelas de Montenegro naquela área protegida – todas de uso ‘passivo’, ou seja, são pastagens, lameiros ou áreas de arvoredo –, identificam-se várias com potencial de uso urbano, se se considerar a possibilidade de transformar prédios rústicos em áreas urbanizáveis.
De facto, de entre as 46 parcelas em Rabal, o PÁGINA UM identificou 29 com uma superfície susceptível de se poder edificar uma vivenda de mais de 150 metros quadrados com um índice de construção de 0,20. Isto porque, no lote de parcelas, ainda existem algumas que, no sistema de minifúndio daquela região transmontana, ‘exibem’ áreas consideráveis, havendo oito maiores do que meio campo de futebol. A parcela maior nesta zona tem 9.900 metros quadrados (quase um hectare).
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Na zona de Resende, além do terreno agrícola de 4,5 hectares, Luís Montenegro tem uma pequena vinha de 470 metros quadrados e uma área de pastagem com oliveiras e vinha de 1.480 metros quadrados.
Embora os preços dos terrenos não urbanizáveis e urbanizáveis em zonas periféricas, como as localizadas em aldeias do concelho de Bragança, não tenham um preço de mercado similar aos de zonas urbanas, em consulta de sites imobiliários os preços podem variar numa proporção de 1 para 2. Ou seja, a ‘migração’ administrativa do uso de solo rural para solo urbano duplica o preço, podendo atingir nesta região entre os 5 e os 10 euros por metro quadrado.
O somatório das áreas das parcelas de Luís Montenegro no Parque Natural de Montesinho atinge os 87.210 metros quadrados. Não existem garantias de que toda esta área seja convertível em solo urbanizável, uma vez que a alteração da Lei dos Solos somente permite que tal ocorra nos perímetros das aldeias. Ou seja, o potencial de alteração depende da localização em concreto dos prédios rústicos. Saliente-se que, ao contrário da sua atitude quando apenas deputado e presidente do PSD, Luís Montenegro não solicitou que a Entidade da Transparência apagasse a inscrição matricial dos prédios rústicos e urbanos de que é proprietário.
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Carlos Aguiar, professor no Instituto Politécnico de Bragança, salienta que nesta zona do Parque Natural de Montesinho, a procura e a oferta de terrenos não segue a linha do mercado das cidades. “É mais uma questão de oportunidade, de alguém que quer vender e alguém que aparece a querer comprar”, salienta, manifestando críticas à alteração da Lei dos Solos por não resolver os problemas da habitação e somente ir buscar áreas com potencial agrícola.
“Pelo facto de determinadas zonas não terem agora uso agrícola, não lhes retira valor; pelo contrário, constitui uma reserva para o futuro, que não apenas se preserva mas que até melhora a fertilidade”, diz Carlos Aguiar.
N.D: Pelas 22:55 fez-se o seguinte acrescento: “Não existem garantias de que toda esta área seja convertível em solo urbanizável, uma vez que a alteração da Lei dos Solos somente permite que tal ocorra nos perímetros das aldeias. Ou seja, o potencial de alteração depende da localização em concreto dos prédios rústicos.”