Luís Montenegro tem desde Agosto de 2023 uma marca de vinhos

O primeiro-ministro Luís Montenegro é detentor desde Agosto de 2023 de uma marca registada de vinhos que se insere num projecto pessoal que deverá passar também pela empresa familiar Spinumviva, actualmente no ‘olho do furacão’ por eventuais conflitos de interesses com as alterações da Lei dos Solos. A Spinumviva, com sede na residência do primeiro-ministro em Espinho, tem a viticultura como segundo CAE (Classificação das Atividades Económicas) secundário, descrito antes mesmo da compra e venda de bens imobiliários (terceiro CAE secundário).

Embora no vasto objecto social da Spinumviva se destaque as actividades de consultadoria e mesmo a mediação de seguros e a possibilidade de gestão de bens imóveis (terrenos e edifícios), há uma outra actividade relevante que tem passado de forma discreta: “exploração de recursos naturais e exploração e produção agrícola, predominantemente vitivinícola”.

Ora, Luís Montenegro é, desde Agosto de 2023, detentor da marca Murus, registada no Instituto Português de Propriedade Industrial, sob a classe 33 da Classificação de Nice, que inclui bebidas alcoólicas, excepto cervejas. No entanto, no registo consultado pelo PÁGINA UM é indicado expressamente que a Murus é uma marca de vinhos.

A Murus – que aparentemente nunca teve uso comercial até agora – foi inicialmente registada em 2008 por Virgínia Montenegro Esteves, antiga funcionária da ARS do Norte e mãe do primeiro-ministro. Houve uma renovação de uso exclusivo da marca em Abril de 2018, o que, em princípio, daria para um período de mais 10 anos. Porém, em 18 de Agosto de 2018, seria feita uma transmissão entre mãe e filho, assim ficando Luís Montenegro como proprietário exclusivo da Murus. O actual primeiro-ministro deu como endereço a sua residência em Espinho, também sede da Spinumviva.

A possibilidade de esta marca de Luís Montenegro vir a ser usada futuramente pela Spinumviva é significativa, uma vez que essa autorização pode ser concedida sem grandes formalismos, mesmo se o primeiro-ministro não é, em termos formais, sócio da empresa que criou e do qual foi sócio maioritário e gerente até finais de Junho de 2022, passando as quotas para os filhos e mulher. No entanto, como está casado em comunhão de adquiridos, a sua ligação à Spinumviva mantém-se por essa via.

Registo da Murus em nome de Luís Montenegro.

O PÁGINA UM não conseguiu ainda obter qualquer esclarecimento de Luís Montenegro sobre os seus projectos vitivinícolas actuais e futuros, sabendo-se, de acordo com uma notícia do Correio da Manhã de Agosto do ano passado, ter declarado ser proprietário de 54 prédios urbanos e rústicos. Neste último grupo estão 46 terrenos em Bragança e três em Resende, que aliás poderão vir a ser valorizados pela alteração da Lei dos Solos, que permite que os prédios rústicos sejam transformados, de forma arbitrária, em áreas urbanizáveis.

O PÁGINA UM ainda não conseguiu consultar os registos do primeiro-ministro na Plataforma Electrónica da Entidade para a Transparência, de modo a saber se aí constam as áreas em concreto e se têm actividade agrícola. No entanto, a entidade que agora acolhe as declarações de rendimentos dos políticos exigiu que o PÁGINA UM fundamentasse as razões do pedido, apesar de se ter anexado cópia da carteira profissional.

Em resposta, o PÁGINA UM forneceu a seguinte justificação, ainda sem resposta: “Se a política fosse transparente por vontade própria, este pedido seria desnecessário. Mas como a transparência política é um conceito mais mitológico do que real, peço acesso à informação porque sou jornalista e a teimosia profissional é uma das minhas virtudes.”

Empresa familiar de Luís Montentegro tem uma descomunal margem operacional para uma consultora.

Saliente-se que o PÁGINA UM revelou em primeira-mão – não sendo citado pela SIC que plagiou a notícia – que a Spinumviva registou uma facturação de 67 mil euros em 2021, de 415 mil euros em 2022, ano em que Luís Montenegro deixou formalmente a empresa familiar, e 235 mil euros em 2023, desconhecendo-se aindas contas do ano passado.

A empresa familiar Montenegro registava no final de 2023 um lucro acumulado de 345 mil euros, não tendo sido revelada a lista de clientes para apurar se houve consultadoria na área imobiliária.