Em apenas dois anos de plena actividade, a Spinumviva – a empresa de consultadoria fundada por Luís Montenegro no início de 2021, agora pertencente à mulher e filhos – facturou 650 mil euros e apresentou lucros de cerca de 345 mil euros. Tudo através de prestação de serviços de consultadoria realizada, ao que tudo indica, maioritariamente pelo actual primeiro-ministro, que não respondeu a um conjunto de questões colocada pelo PÁGINA UM. E foram bem pagas: só em 2022, a novel empresa da família Montenegro, com duas pessoas em funções (uma a tempo inteiro e outras a tempo parcial), facturou 415 mil euros, o que dá uma média de 162 euros por hora de trabalho.
Na análise detalhada do PÁGINA UM às demonstrações financeiras da Spinumviva, da qual o primeiro-ministro renunciou à gerência e às quotas em 2022 a favor da mulher e dos dois filhos, existem sinais de inexistência de qualquer património imobiliário ou terrenos com potencial de valorização – os activos fixos tangíveis cifravam-se apenas em 20.550 euros.
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Apesar de o objecto social integrar a compra, venda e arredamento de bens imobiliários, estas actividades surgem com o terceiro e quarto CAE (Classificação das Atividades Económicas), sendo que o CAE principal da Spinumviva é “outras actividades de consultoria para os negócios e a gestão”. Como primeiro CAE secundário aparecem “Outras actividades de consultoria, científicas, técnicas e similares não especificadas” e a seguir ainda se indica a “viticultura” como segundo CAE secundário.
Um dos aspectos mais relevantes da empresa da família Montenegro – que no ano da sua criação, em 2021, apenas facturou 67.850 euros – tem sido a sua elevadíssima margem operacional, ou seja, a percentagem dos resultados operacionais face à facturação. Com efeito, apesar do que o nome possa sugerir – Spinumviva evoca, numa raiz latina, uma conjugação da ideia de espinho (e, por associação, a cidade de Luís Montenegro) com vida –, a ainda breve trajetória da empresa tem sido tudo menos espinhosa, revelando-se um verdadeiro mar de rosas.
Se em empresas de consultadoria, esse rácio se situa entre os 15% e os 35%, podendo chegar aos 40% em empresas altamente especializadas, a Spinumviva começou em 2021 por ter logo uma margem operacional de 35,3%, disparou no ano seguinte para 75,3% – com Luís Montenegro a ser ainda gerente e sócio até Junho – e em 2023 ficou pelos 46,2%. Esse desempenho permitiu à empresa, em apenas três anos, acumular lucros de 345 mil euros, descontados salários e despesas. Como não têm sido distribuídos dividendos, Luís Montenegro – que está casado em comunhão de bens como a sua mulher Carla, gerente e detentora de 70% do capital social –, não está obrigado a declarar esses valores.
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As demonstrações financeiras da Spinumviva em três anos – as contas de 2024 somente serão apresentadas nos próximos meses, até Julho – não mostram quem são e foram os seus clientes, sendo certo que não surge qualquer contrato público no Portal Base. Mas esta é uma empresa que ‘vive’ dos eventuais pergaminhos e contactos de Luís Montenegro, uma vez que nem sequer tem um site, e tudo indica que a prestação de serviços, pelo menos na primeira fase, tenha sido suportada pelo actual primeiro-ministro. Com efeito, no ano de maior facturação, a empresa tinha apenas um trabalhador a tempo inteiro e outro a tempo parcial, enquanto em 2023, já sem Luís Montenegro como sócio, apresentava três pessoas a tempo inteiro e uma pessoa a tempo parcial, embora como salários baixos para uma consultora (menos de 1.200 euros por mês).
Sendo uma empresa familiar numa área de consultadoria altamente especializada – pela margem operacional –, nada indica que esse know how venha da mulher e dos dois filhos, que são agora os sócios-gerentes. Carla Montenegro tem formação académica como Educadora de Infância e em Ciências das Educação, o filho Diogo faz 20 anos este mês e o filho mais velho, Hugo, conta 23 anos, e terá terminado há poucos meses a licenciatura em Administração de Empresas na Universidade Católica do Porto, depois de desistir de Direito. O PÁGINA UM não conseguiu apurar mais informações porque não foram respondidas diversas questões pela Spinumviva.
Ontem, na edição do Correio da Manhã, Luís Montenegro afiançou que apenas executou serviços de consultoria “no âmbito da protecção de dados pessoais”, acrescentando que, “por ironia do destino”, a Medialivre, dona daquele jornal, fora “um dos clientes”. Mas ao PÁGINA UM, tanto o gabinete do primeiro-ministro como a gerência da Spinumviva não revelaram quais foram os outros clientes.
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Aliás, mesmo existindo a garantia dada por Luís Montenegro ao Correio da Manhã de não haver necessidade de alteração do objecto social no sentido de eliminar os negócios imobiliários e extinguir o potencial conflito de interesses, na verdade a empresa pode executá-los quer estejam ou não previsto no objecto social. Isto porque o Código das Sociedade Comerciais pemite a realização de actos complementares ou conexos com o seu objecto social, ainda que este não mencione explicitamente essa actividade. Nessa medida, a consultadoria imobiliária pode ser vista como conexa à actividade principal, envolvendo aconselhamento sobre investimentos, avaliação de activos ou planeamento estratégico no sector.
O PÁGINA UM perguntou a Luís Montenegro e à Spinumviva se revelariam todos os clientes e tipo de consultadorias que passassem a realizar, mas, como já referido, não obteve qualquer reacção.