Aqui na Graça, em Lisboa, há uma padaria antiga que fabrica o seu pão no forno, diariamente. O aroma naquela rua é delicioso. Sou cliente habitual, como muitos dos meus vizinhos. No outro dia, dizia-me o padeiro: “a minha filha adolescente prefere pão do tipo ‘Bimbo’. Diz que este pão daqui sabe muito a pão. Gosta mais do outro, que está cheio de ‘produtos’”.
Os meus filhos adoram o pão da padaria da Graça mas também comem pão do tipo ‘Bimbo’, de vez em quando. Mas recordei-me daquela situação na padaria a propósito do que se passa hoje no Jornalismo em Portugal e na regulação do sector. Os reguladores, grandes órgãos de comunicação social e muitos jornalistas já não apreciam o Jornalismo feito no forno, à antiga. Preferem o outro, que se vende no supermercado, mais apetecível, cheio de ‘produtos’, conservantes e aromatizantes para ser levezinho e durar mais tempo. Que segue a corrente das ideologias da moda e das temáticas amigas do poder, que prende e amansa as massas. O Jornalismo à antiga ‘sabe’ demasiado a Jornalismo, para eles.
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O caso que se passou comigo na última semana, com a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) a ponderar não revalidar a minha carteira profissional sem qualquer fundamentação, gerou uma onda de apoio por parte dos leitores do PÁGINA UM, de cidadãos e de jornalistas (incluindo ex-membros da CCPJ). Foi a pressão gerada por essa onda de apoio que, acredito, levou à rápida revalidação do meu título profissional. Mas esta atitude arbitrária e perigosa da CCPJ é uma das provas de que o jornalismo ‘Bimbo’ está a vingar. Pelo menos junto dos reguladores, como a CCPJ.
Mas não só. Também esta semana recebemos no PÁGINA UM uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Em causa estava uma queixa contra mim e contra o jornal feita pelo pivot da CNN/TVI André Carvalho Ramos (CP 6177). O jornalista foi um dos mencionados numa notícia que publicámos recentemente sobre jornalistas que exercem funções incompatíveis com a carteira profissional, por ser formador no Curso de Especialização em Media Training, o qual é promovido por um grupo de comunicação, GCIMedia Group, com a Universidade Europeia. São os dirigentes do grupo de comunicação que comandam o curso dirigido, designadamente, a gestores e executivos e com saídas profissionais na área de relações públicas. Frise-se que não se trata de uma licenciatura, pós-gradução ou curso de mestrado. [O jornalista da CNN/TVI referiu à ERC que “não fazia parte do curso”, tendo “cancelado a sua participação por motivos pessoais”. Por outro lado, referiu que não é formador, mas docente. Contudo, o seu nome continua a figurar na lista de formadores deste curso, como se pode confirmar no site que promove esta formação em media training. E o curso de especialização em causa não confere o estatuto de professor universitário.]
Na sua deliberação, a ERC até reconhece o interesse público da notícia que publicámos e a sua relevância. Contudo, apesar de ser informação pública o facto de o referido jornalista ser um dos formadores do curso, porque está no site da Universidade, a ERC entende que o jornal deveria tê-lo ouvido. Note-se que na notícia são mencionados dezenas de jornalistas. Tudo o que está na notícia é público e os leitores (e os reguladores, como a ERC) encontram lá os links para conferir a informação que é dada sobre cada jornalista e as funções ‘extra’ jornalismo que desempenham, em situação de incompatibilidade.
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Mais. O mesmo jornalista fez queixa junto da CCPJ que, perante os factos, pediu esclarecimentos… a mim. Regulação ‘Bimbo’, de novo.
Mas estas atitudes da CCPJ e da ERC não são isoladas. Inserem-se numa cultura medíocre e decadente em que um dos seus expoentes foi o que sucedeu no último Congresso dos Jornalistas. O evento foi presidido pelo jornalista Pedro Coelho, da SIC, e teve entre os seus promotores o Sindicato dos Jornalistas. Ora, a organização entendeu (de forma perigosa) que os jornalistas que pretendiam cobrir o evento teriam de pagar para entrar. Ou seja, a pagar para poderem cobrir o Congresso dos Jornalistas.
O PÁGINA UM recusou alinhar com aquela prática de jornalismo ‘Bimbo’ e avançou com queixa para a ERC e, posteriormente, para a Provedoria de Justiça. O resultado foi esclarecedor. Certamente que, para não ser politicamente incorrecta e não ferir as ‘sensibilidades’ dos organizadores do congresso, a ERC deliberou que “a necessidade de inscrição prévia e o dispêndio de uma verba correlativa como condição de acesso ao Congresso [dos Jornalistas] não consubstancia um tratamento discriminatório relativamente a jornalistas que apenas pretendem assegurar a cobertura editorial desse evento”.
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Já a Provedoria de Justiça, após promover uma “reunião técnica com o Departamento Jurídico da ERC” deliberou num outro sentido. “Em resultado do diálogo assim estabelecido, e para futuro, concluiu-se existir margem para a concretização de um sistema de credenciação de jornalistas neste tipo de eventos — diferenciado do que sejam os direitos de ali apresentar comunicações, intervir nos debates e votar”, refere a missiva com o parecer enviada ao PÁGINA UM, no final de Agosto passado, assinada pelo provedor-adjunto Ravi Afonso Pereira . “Neste sentido, reforçou-se junto da ERC a importância de ser desencadeada essa reflexão, que envolva também a participação dos diferentes agentes e parceiros institucionais”, rematou.
Ou seja: o próximo Congresso dos Jornalistas terá de acomodar a entrada de jornalistas em trabalho, para cobrir o evento, sem lhes cobrar absolutamente nada. Como deve ser e como devia ter sido sempre, como é óbvio para quem defende e ama o Jornalismo.
Mas não só. Recorde-se que o V Congresso dos Jornalistas aceitou receber financiamento de 15 — quinze — empresas. Isto não se inventa.
Que o Sindicato tenha alinhado com aquelas práticas é um sinal de fraqueza e desorientação. Que Pedro Coelho tenha considerado que era normal cobrar a jornalistas para fazerem o seu trabalho, é um sinal dos tempos também. Tempos em que jornalistas se confundem com ‘estrelas mediáticas’, ocupando (demasiado) tempo de antena nas suas reportagens e nas TVs. E organizam congressos a cobrar aos colegas para o cobrirem jornalisticamente.
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Desde que o PÁGINA UM nasceu que alguns dos jornalistas ‘Bimbo’ portugueses desprezam o jornal, as suas investigações e os seus jornalistas, eu incluída. (E ainda bem!) Espalham desinformação sobre o jornal e sobre os jornalistas do PÁGINA UM em conversas nos grupos de jornalistas nas redes sociais e no Whatsapp (dos quais nunca quis nem nunca quererei fazer parte). Também almoçam e convivem com algumas das personalidades e governantes alvo de investigações do PÁGINA UM. E não escondem a sua simpatia por alguns eles. São estes jornalistas ‘Bimbo’ que são ávidos a fazer corta e cola de notícias da Lusa (mesmo as enviesadas ou com erros), mas boicotam claramente, de forma evidente, as notícias e investigações do PÁGINA UM. (Melhor para o jornal, que, graças a isso, até tem ganho ainda mais leitores, pois não conseguem ler a maioria das nossas notícias nos meios tradicionais).
Entre a regulação cheia de conservantes, jornalistas com o ego inchado e cheio de espessantes, e órgãos de comunicação social carregados de aromatizantes artificiais (como as aberrantes parcerias comerciais), onde fica o futuro Jornalismo em Portugal? Fica nas mãos dos leitores, do público. Só eles podem fazer a diferença. Só eles podem pressionar para a mudança. Podem exigir qualidade na regulação e na cobertura noticiosa. E só eles podem apoiar financeiramente e possibilitar que haja quem faça Jornalismo ‘à antiga’, seja no digital, no papel, na rádio, na TV.
Não nos enganemos. Haverá sempre quem prefira ‘Bimbo’. É mais fácil de engolir, mais leve, mais molinho. É preciso comer muito para ficar ‘cheio’. A aposta é na ‘quantidade’. O Jornalismo ‘à antiga’, feito no forno, sacia e preenche. Mas é mais ‘duro’, nem sempre é fácil de engolir. Até há quem se engasgue com ele. Mas sem ele a Democracia fica em perigo. Sem ele, a Liberdade fica em perigo, incluindo a liberdade de nos expressarmos e de pensarmos diferente. E se partidos políticos e Governos preferem alimentar e financiar o jornalismo com aromatizantes artificiais e conservantes, é compreensível. Será excelente para eles. Cabe aos leitores apoiar ‘o outro’ Jornalismo. Mesmo que, por vezes, seja mesmo duro de roer.
Elisabete Tavares é jornalista
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