O dia amanheceu tranquilo e mal imaginávamos o dia que nos esperava. Adivinhando as dificuldades de entrada na Arábia Saudita, que só abriu portas ao turismo em 2019, um mês antes desloquei-me à sua embaixada em Lisboa. Ninguém me recebeu, mas o segurança deu-me um e-mail para onde poderia colocar todas as questões.
Enviei um e-mail com os nomes de todos os viajantes, os vistos que iríamos tirar, avisando que tencionávamos passar a fronteira de Tabuque. Só me esqueci de referir que íamos guiando um carro no trajeto.
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Quando alugámos o carro, em lado nenhum perguntava se pretendíamos atravessar a fronteira de um país e, graças às boas relações entre os países, achei que seria pacífico. Só que não!
A cerca de uma hora da fronteira, um dos carros parou numa aldeia para abastecer, pois já estava com pouco combustível. Ainda gritei: “confirma se é gasóleo ou gasolina”, mas todos concordaram que uma carrinha de 9 lugares funciona a gasóleo…
Seguimos viagem e, já estávamos a 800 metros da fronteira, quando recebemos uma mensagem a dizer que o carro não andava… Bruxa! A nossa maré de sorte tinha começado. O carro avariou no meio de nenhures, mesmo em frente à única oficina mecânica do deserto.
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Limparam o motor, fizeram todos os truques de magia que só os mecânicos sabem fazer e 1h30 depois tínhamos a carrinha pronta para andar. Otimistas, seguimos confiantes rumo à fronteira, tentando recuperar o tempo perdido.
Na fronteira, ainda do lado jordano, mas já com véus na cabeça e sem falarmos com os homens, mostrámos toda a documentação, vistos comprovativos de alojamento. Olhando para o carro, disseram: este carro não pode passar. Têm visto para o carro? NÃO TÍNHAMOS!
Ligámos para a rent a car que nos disse que nenhum carro particular ou alugado podia pedir visto para passar a fronteira. É sempre necessário cruzar a fronteira com um guia ou motorista credenciado e fluente em árabe para nos acompanhar na viagem…
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E agora? Desistir não era opção. Era o ponto alto da viagem, o pretexto para voltar a Petra, mas o objetivo principal. Ao nosso lado, chegou um táxi para passar a fronteira. Rapidamente pedimos ajuda para encontrarmos um táxi, ou melhor, dois.
Fez uns telefonemas e consegue. “Têm de ir até Ma´na, a 1h30 daqui. Vão encontrar Zaccaria que vos arranja os carros. Vêm de Amã, demoram 2 horas”.
No caminho, a gasolina era pouca, pelo que optámos por parar num dos postos de controlo da polícia pedindo para nos ajudarem a chamar alguém que pudesse trazer a gasolina. Mais 1 hora de espera. Ali fomos recebidos pelos guardas como visitas. Ofereceram-nos o seu almoço, as suas maçãs. A hospitalidade jordana é única e valorizam a importância dos visitantes para o desenvolvimento do país.
Chegou a gasolina e seguimos para Ma´na, onde rezávamos para encontrar os nossos motoristas ou quase estarem a chegar. Numa loja – onde não percebíamos bem qual o negócio – orientaram-nos para entrar. Algumas pessoas do grupo estavam a achar o momento estranho. Não falavam inglês, recorriam ao tradutor. Muito difícil, a conversação. Depois de 10 minutos de dialetos, conseguimos falar com alguém do outro lado do telefone e, decorridos 5 minutos de negociação, garantiram-nos 2 carros dali a 2 horas.
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As 2 horas passaram a 3 horas e meia. O cansaço era muito, já tínhamos perdido as atividades pagas na Arábia Saudita e vislumbrávamos cada vez mais longe a chegada.
Chegou o primeiro motorista que estava com vontade de iniciar a viagem, mas optámos por seguir juntos. Mais 1 hora e eis que chegou o segundo motorista. Tirámos as malas e seguimos viagem. Chegámos novamente à fronteira, onde os guardas admiravam a nossa persistência.
Horas depois, e já de noite, atravessávamos a fronteira. Os motoristas estavam nervosos, os guardas do lado Saudita não eram afáveis e nem sequer nos olhavam bem. Passámos o primeiro controle e os restantes que culminavam com cães guarda a farejarem as nossas malas.
Passámos a fronteira. Era tempo de abastecer os carros, comprar chocolates, águas e sumos para nos ajudarem na viagem. A primeira estrada era boa mas a condução na Arábia Saudita é assustadora. Vemos carros em fúria a ultrapassarem pelas bermas, uma condução Fast and Furious nunca vista.
Parámos em Tabuque e começámos a outra parte da viagem por estradas piores, com sinalética de possibilidade de camelos na estrada. Estávamos de rastos, mas como qualquer deserto, depois de ultrapassado, chegámos ao oásis.
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Mais do que um oásis, chegámos ao Habitas Alula, um hotel destino integrado nas paisagens naturais de Alula. É ali a porta de entrada para Hegra, o mais recente património da UNESCO, a cidade dos nabateus na Arábia Saudita, encontrada em 2008 e que apenas em 2019 abriu portas ao turismo.
Chegados ao Habitas Alula, foi como se tivéssemos chegado ao paraíso. Para mim, é o melhor exemplo de beleza, conjugando a simplicidade com o luxo da natureza. Um projeto sustentável e o futuro das tendências para a hotelaria que valoriza o lifestyle e a sustentabilidade.
Habitas, o nome do grupo, significa Casa que é como toda a equipa tentou fazer-nos sentir. A magia das estrelas num céu azul profundo, um calor do deserto e a sensação de que tudo valeu a pena e, sem dúvida, que toda a sincronicidade de acontecimentos foi para nos trazer aqui.
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Acordámos no paraíso. O pequeno-almoço era dos deuses e aproveitámos a piscina mais bonita do mundo e o hotel que mais queria conhecer de sempre. Expectativas? Altamente superadas.
Era tempo de tentar mais um milagre, pois as tours compradas para a véspera, se não comparecêssemos, não eram reembolsáveis nem reagendáveis. Fui para a recepção. Num país rigoroso e rígido como a Arábia Saudita, tentar apelar à excepção… desconfio que não conheçam a prática do termo.
Mas no Habitas todos conheciam a nossa história. A equipa uniu esforços para me ajudar a ter o reagendamento da tour em Land Rover Vintage e reembolso das Heli Tours, que apenas operavam de quarta a domingo e, como era segunda, não conseguíamos o reagendamento.
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Durante 1h30 de espera, falei com Rasha Faris que, estando de folga, me deu o conforto de estarem a tentar ajudar-nos. Disse-me que falaríamos com Ahmad Alblawi que, na ausência dela, nos tentaria ajudar com a empresa parceira, para o reagendamento das atividades.
Ahmad ligou-me, dizendo que precisava de um documento que provasse o problema que tivemos, pois sem prova não aceitariam o nosso pedido. Falámos com o Zaccaria e, milagrosamente, no seu modus lento, em menos de 1 hora, chegou o documento em árabe explicando o sucedido. Li na expressão de Ahmad que, como eu, estava admirado de termos conseguido. Nunca menosprezar um tuga!
Na recepção, Fahad tratou de nos entreter e fazer com que o tempo de espera não fosse sentido. De 5 em 5 minutos recebíamos café, chá, frutas, sumos, pulseiras, livros. Olhei o relógio e percebi que tinha passado 1 hora e meia.
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Era altura de fazer a visita ao hotel com o diretor, que nos apresentou o conceito e os fatores diferenciadores do Grupo Habitas para os restantes grupos. Terminada a visita, almoçámos junto à piscina e ali recebemos a resposta afirmativa ao pedido para reagendamento da Tour a Hegra.
Escoltados pelos nossos motoristas, seguimos para o Winter Park, de onde saem as tours. Estava deserto. Apenas os 2 Land Rover vintage à nossa espera. Mais um sonho realizado, imaginando como seria Petra há 30 anos atrás, como Hegra, com muito poucos visitantes.
A guia fez uma visita muito interessante. Só lhe víamos os olhos, mas adivinhávamos a sua doçura e simpatia.
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Hegra é uma antiga cidade situada a norte de Hejaz, na Arábia Saudita. Dista 22 quilómetros da cidade de al-Ula e está a cerca de 320 quilómetros de Petra, na Jordânia. Em conjunto, as duas localidades são um testemunho histórico da arquitetura dos povos da região, sobretudo os nabateus.
Na Antiguidade, a região – denominada Hegra, – era habitada pelos tamudis e nabateus. Os monumentos tumulares apresentam inscrições e gravações do século II a.C., sendo que foram construídos até ao século I d.C., pelos nabateus. Outras relíquias da arquitectura histórica da região datam de períodos posteriores, coincindentes com as civilizações tamudi e liã.
O Sítio Arqueológico de al-Hijr foi declarado Património Mundial, em 2008, tornando-se a primeira localidade na Arábia Saudita a integrar a Lista do Património Mundial da UNESCO.
Madaim Salé é, a seguir a Petra, considerada o mais importante testemunho vivo da cultura e arquitectura do povo nabateu. Foram descobertos 131 túmulos esculpidos nas rochas, muralhas, torres e várias esculturas, ao longo de uma área de 16 quilómetros.
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Seguimos de coração cheio de regresso à Jordânia para a reta final desta viagem e 10 horas depois chegaríamos ao Kempinski Hotel, no Mar Morto. Ali dormimos nas melhores camas da viagem e, mesmo num sono supersónico, sentimos o conforto da cama e da roupa que a vestia e nos confortava.
O Kempinski Hotel Mar Morto é um hotel inspirado nos jardins suspensos da Babilónia. Apresenta um serviço irrepreensível. Tem nove piscinas e acesso ao Mar Morto com grande conforto. Aproveitámos todo o dia no hotel. Outra parte do grupo visitou o local de baptismo de Jesus e participou na cerimónia de baptismo no Rio Jordão.
Foi um momento alto no final desta viagem que trouxe o aconchego que precisávamos, depois de tantas noites mal dormidas e algumas preocupações. Celebrámos mais um final de dia com um bonito pôr-do-sol nas montanhas israelitas, um cenário de sonho e uma paisagem que não dá para esquecer.
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No final do dia, foi tempo de passearmos pela capital, Amã, onde degustámos os doces tradicionais e nos deixámos levar pelos sons e luzes da cidade ao anoitecer. No caminho para o hotel, passámos pela zona nobre e sofisticada: o Boulevard.
O dia amanheceu e iniciámos a viagem de regresso a casa, já descomprimidos e com pressa de chegar. Mas ainda tínhamos um dia inteiro em Chipre – mais um país para a coleção.
Ainda no aeroporto de Amã, quando passei o controlo das malas, um polícia chamou-me pediu-me para abrir a carteira. Fez uma série de perguntas sobre as moedas dos nabateus. Queria ficar com uma delas ao que eu disse, prontamente, que não. Chegou a Interpol e, depois, mais alguns polícias. Perceberam que o horário do voo estava a aproximar-se e pediram o meu número de telefone. Fotografaram a moeda e o meu passaporte.
Em Chipre, alugámos um carro (parte do grupo regressava via Paris e já não teve tempo de visitar Chipre). Deixámos parte do grupo no Beach Club, onde íamos passar o dia a recuperar as energias, com mergulhos de mar e banhos de sol.
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Seguimos para o Túmulo dos Reis, um parque arqueológico também património da UNESCO, em Paphos, e a apenas 10 minutos da praia onde escolhemos passar o dia.
Foi um dia de praia muito divertido. A amizade, cooperação e os momentos que passámos e ultrapassámos juntos, fizeram de nós pessoas mais ricas e com a perfeita noção da sincronicidade dos acontecimentos que o Universo tratou por nós, em que tudo acaba bem.
Que aventura, que viagem! Umas das viagens sem regresso nem repetição.
Nota: Dedico este artigo a todos e a cada um dos meus companheiros de viagem! Aos beduínos de Petra, em especial Raaed e Ibrahim que trago no coração e que espero continuem a conseguir viver em liberdade e a tornar mágicos os momentos de quem visita a cidade rosa. Dedico também o artigo a Rasha Faris, Ahmad Alblawi, Fahad do Habitas Alula que fizeram tudo para tornar a nossa estadia na Arábia Saudita memorável. Conseguiram!
Raquel Rodrigues é gestora, viajante e criadora da página R.R. Around the World no Facebook e no Instagram.