Entendo que Zelensky não pode deixar que os holofotes se apaguem. O pior que pode acontecer ao povo ucraniano, depois da guerra que não se evitou, é serem esquecidos. No fundo, o pior que podemos fazer ao povo ucraniano é fazermos, essencialmente, o que fazemos a todos os outros povos: passar ao drama seguinte quando o sangue se torna velho.
Assim que a cortina se fechar, os russos terão palco e espaço para agirem como bem lhes apetecer. A velha teoria de o tempo ser ainda o maior aliado do exército russo.
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Não tenho qualquer opinião formada sobre Zelensky, para lá de um rapaz que foi apanhado nos Panama Papers e que era governante de uma democracia pouco saudável quando os verdadeiros donos do Mundo resolveram usar o quintal dele.
E antes que me apareçam os puritanos da ordem, asseguro que Putin só não está nos Panama Papers porque não precisa deles para nada: esconde o dinheiro que rouba na Sibéria. O Panamá é para totós que ainda não a sabem fazer bem feita.
Noto o desinteresse na causa ucraniana a cada dia que passa. Já não é novidade, já não é tão dramático, já nem dá tantos directos. Na verdade, ainda é mais dramático, mas quem não vê é como quem não sente. A História do Mundo Ocidental.
Pelo meio, Zelensky vai dando uns tiros nos pés como, por exemplo, exigir que todos os cidadãos russos sejam bloqueados onde quer que vão. O Zé e a Maria de Vladivostok, que nem sabem onde fica o Panamá, não podem ir ao Intermarché de Tóquio, que fica mais em caminho do que o Pingo Doce de Moscovo.
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Uma guerra feita por velhos ditadores que Zelensky, amigo dos cancelamentos de partidos, quer que seja culpa de populares.
Até os mais acérrimos defensores da guerra começam, paulatinamente, a assinalar as vezes em que Zelensy mete água. Na Vogue, nos cancelamentos, nos pedidos de mais sanções.
Diga-se que, ainda assim, eu concordo com ele: é preciso que não se deixe arrefecer o assunto e que se vá discutindo a causa. Venha de onde vier o tema, o que importa é não deixar cair no esquecimento.
Mas, deste lado, as sanções já pesam. A malta das bandeirinhas também se aborrece com a inflação, com os juros, com os impostos, com o custo da energia. A Ucrânia começa a ter costas muito largas para a comoção diária que nos exige.
É preciso lembrar que a nossa natureza é não querer saber. É olhar para o umbigo. É largar um “coitados”, e depois fazer scroll down.
Ontem, enquanto Luís Delgado – o homem das análises se chove-molha – falava na SIC sobre a festa do Pontal, os apelos de Zelensky apareciam em rodapé. Mais sanções e exigências, ali a 200 à hora no fundo da televisão, e apareciam imagens em loop com Montenegro de camisa branca e dois dedos no ar.
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Quando algo já só surge em rodapé, ao mesmo tempo que se mostra a Festa do Pontal – que é tão relevante para o país como a Festa da Nossa Senhora da Aparição da Nazaré –, é porque já atingiu o estatuto de refugo noticioso.
Como disse inicialmente, interessa-me pouco Zelensky ou os seus gritos. Como ainda menos me interessa Putin e as suas certezas ou loucuras imperialistas. Tenho é pena dos mesmos que, desde Fevereiro, vão perdendo casas, vidas, amigos e familiares, em nome de uma guerra que nunca foi sua.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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