A exposição frequente a um determinado estímulo gera tal familiaridade que nos vemos conduzidos a uma mudança de atitudes, na forma de preferências e afectos. Esta preferência é acima de tudo emocional e forma-se ao nível do subconsciente, ou seja, antes de se ter consciência dela.
Mas, antes de mais, ilustremos esta ideia com uma breve história.
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Um homem muito rico desejou ser eremita e, por isso, foi viver para o deserto. Queria libertar-se do trabalho, das pessoas, da loucura social. Isolado e sem ter onde comprar alimentos, decidiu cozinhar um caldo com diversos tipos de ervas que foi encontrando aqui e acolá.
Depois de muitas horas de colheita, ferveu a água e acrescentou-lhe os poucos ingredientes que colhera. Finalmente, depois de cozinhado o caldo, ao levantar a tampa para cheirar o paupérrimo manjar, um gafanhoto saltou para dentro da panela. Enojado, apagou as brasas, deitou a sopa fora e, nesse dia, fez jejum.
No dia seguinte, desejava um caldo e, por isso, repetiu o mesmo cerimonial de recolha e confeção. Mas, cada vez que cozinhava, havia um gafanhoto a invadir-lhe a panela. Certa vez, aborrecido e cansado de desperdiçar a sopa, decidiu retirar o insecto com a concha e mesmo assim comê-la. Aquele gesto passou a ser rotina, pois percebeu que se assim não fosse acabaria por morrer de fome.
Pergunto-me se não será isto mesmo que acontece connosco quando crescemos e nos familiarizamos com o que está (e o que acontece) à nossa volta, desde a mais tenra idade. Comparemos, neste contexto, a vida a uma representação teatral.
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As pessoas, ou melhor, os “actores”, procuram deixar uma impressão favorável de si mesmos mediante a sua personagem, fazendo a distinção entre aquela que é a zona de cena e os bastidores. Naquela existe um público para quem representamos e de quem esperamos aplausos. Nos bastidores, “desmanchamos” a nossa personagem, andamos sem maquilhagem, sem roupas exuberantes e estamos despreocupados.
Para quem já esteve em cena, num palco a sério, sabe o quão exigente pode ser aquela circunstância. O desconforto das luzes que batem nos olhos, a permanente colocação da voz, os movimentos repetidos que não podem ser esquecidos, os textos, os imprevistos e acima de tudo, a expectativa acerca da reação do público.
Num exercício rápido e atento sobre o que nos rodeia, percebemos que não somos nós a escrever a peça, que em vez de “actores principais”, somos, na maior parte das vezes, “actores secundários” num espectáculo triste e amargurado por falta de público que aplauda. Percebemos que não há quem encontre o guião e que o palco carece de espaço para que todos brilhem em cena, simultaneamente.
Nos bastidores, encontramos gente cabisbaixa, deprimida, frustrada, drogada.
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Aparentemente, ninguém nos explicou, desde cedo, que não se trata de representação teatral alguma, mas sim de viver uma vida livre e completa. Ninguém nos ensinou o quão bom é sentir cada beijo, cada respiração, cada abraço de forma plena e espontânea.
As religiões e a moral são acusadas de serem castradoras da felicidade. Porém, aqueles que nos rodeiam não param de nos gritar que subamos ao palco, que repitamos cenas, uma e outra vez. E de tanto repetir, passamos a acreditar que, de facto, há um público à nossa espera, à espera de que sejamos alguém que ninguém sabe quem é…
Voltando à história do eremita: conta-se que este, a partir de certa altura, passou a procurar gafanhotos para com eles fazer sopa, até ao final da sua vida.