Ando tentado a lançar-me na agricultura do mirtilo e das framboesas e, enquanto não arranjo três nepaleses para explorar – como o Macário Correia (alegadamente) –, vou-me entretendo a procurar um veículo para carregar caixotes, pranchas, bicicletas e todas essas coisas que um jovem agricultor precisa nas ilhas de bruma. Ou apenas para percorrer as estradas sem cair nas crateras a que por aqui se chamam, carinhosamente, de buracos.
Fui visitar o senhor J, conhecido comerciante na minha ilha. O senhor J já deve uns bons 10 anos à reforma, mas gosta de trabalhar. Diz quem o conhece que não deixa cair uma moedinha no chão e que raramente perde um bom negócio. Entre as latas que rodeiam a oficina tinha para lá duas ou três carrinhas a cair de maduras que serviam os meus propósitos. Velha e barata, eram as qualidades desejadas.
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O senhor J sorriu e disse-me que tinha ali uma em excelente estado, apenas com 30 anos. Ia passar-lhe uma água seguida de sabão e estava pronta para vender por 10.000. Seria 8.500 para mim, porque tinha andado com o meu sogro na escola. Eu pensei afincadamente durante uns bons centésimos de segundo, tempo de sobra para perceber que estava a ser enrolado. Disse-lhe: “Senhor J, 8.500 por uma carroça com 30 anos e 300.000km?” Ao que ele respondeu: “Isso não interessa! Eu também tenho 75 anos e ainda mexo bem!”
Com a informação de que o senhor J ainda conseguia saltar sempre que preciso, vim-me embora e julgo ter usado um ou outro impropério para descrever, ao meu sogro, o que achava do amigo de escola.
Invariavelmente, acabo as minhas pesquisas e conversas com um “como é que é possível?”. Aqui e ali assumo alguma irritação, nada de muito grave; só aquele “f******, mas está tudo doido?” da praxe.
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Depois do senhor J, corri outros comerciantes, falei com particulares, meti anúncios. De todos recebi respostas que, de facto, o respectivo ferro-velho era melhor do que os vizinhos – e, por menos de 10.000 euros, só um skate.
Fiz o comparativo devido para o mercado onde vivo (Suécia), e concluo que a mesmíssima velharia que procuro custa cerca de um terço do preço cobrado em Portugal. A Suécia, onde as pessoas ganham em média três vezes mais, pagam três vezes menos por um carro velho.
Portanto, a culpa não é do senhor J ou de qualquer outro vendedor. A culpa dos preços faraónicos é da carga fiscal absolutamente surreal.
De facto, sempre que dou uma perninha no recrutamento do meu empregador e entrevisto portugueses a caminho de uma vida no Ártico, vem algures no processo a pergunta sobre o custo de vida.
A minha resposta, já gasta, e repetida 500 vezes, é de que tudo, à excepção do supermercado e do vinho, é mais barato ou tem um custo idêntico ao português. A conversa dos carros surge sempre como exemplo da carga fiscal, tal é a diferença, absolutamente pornográfica, de preços.
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Não é propriamente uma grande revelação se vos disser que nos primeiros três meses de 2022, no top 5 de carros mais vendidos em Portugal estão 3 Peugeot, um Renault (Clio) e um Citroen (C3).
A carga fiscal é tão grande que para a bolsa de um português, um Renault Clio com um motor de um corta-relva é um luxo que, quase novo, custa mais de 20.000 euros. Na Suécia, o mesmo carro, com zero quilómetros, custa menos 3.000 euros.
Nas ilhas portuguesas, onde resido, a este cenário dantesco juntam-se os custos do transporte. O resultado final é tão disparatado que acabamos a discutir preços de carros com 20 ou 30 anos e quatro voltas dadas ao Mundo como se tivessem saído das fábricas ontem.
O drama maior nem é a carga fiscal disparatada, mas o facto de esta não reverter em função dos contribuintes. Pagamos em Portugal por impostos noruegueses, mas recebemos serviços do Zimbabué.
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Se uma Toyota de 1985 custasse 10.000 euros por causa da carga fiscal, mas depois os putos, aqui da freguesia, tivessem uma creche gratuita, tudo bem. Agora quando a carga fiscal se destina a tapar buracos do BES, do Rendeiro e das PPPs, eu já tenho alguma dificuldade em aceitar tais disparidades.
De modo que fico um pouco limitado nesta minha aventura agrícola, e não estou bem a ver como posso ser um gestor de unicórnios decente. Nem os meus pais me ofereceram hectares, como fizeram em tempo útil os do Macário, nem o Estado me dá uma folga com os impostos sobre o ferro-velho. E julgo, é só uma suspeita, que nada do PRR me cairá no bolso.
Não é, enfim, Macário quem quer. Há que aguentar e ir desviando dos buracos.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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