Etiqueta: Vítor Ilharco

  • Cavaco Silva: a arte de pavonear

    Cavaco Silva: a arte de pavonear


    A reforma traz destes riscos: Cavaco Silva conseguiu tempo, e disposição, para escrever mais um livro.

    Nada de grave.

    Todos os dias aparecem dezenas de títulos novos e raro será o português que não tenha publicado um livro.

    Ou tenha algum guardado com a esperança de haver uma editora que lhe pegue ou de arranjar dinheiro para uma edição de autor.

    Cavaco Silva não é excepção.

    Para mal dos nossos pecados há o pequeno risco de ele continuar a publicar às quintas feiras e outros dias, como já ameaçou, aliás.

    Sendo assim algo com pouquíssima importância, porque é que eu decidi, então, escrever sobre isto?

    Simplesmente porque, desta vez, Cavaco Silva promete bater todos os recordes no que toca ao seu narcisismo doentio.

    Pelo título podemos prever um texto onde o exibicionismo, imodéstia e cabotinismo atingirão o auge do descaramento.

    “O Primeiro Ministro e a Arte de Governar”, chama-se aquela coisa.

    Conhecendo o personagem, parece óbvio que o tal Primeiro-Ministro de que se propõe falar, com arte para governar, só poderá ser a mesma pessoa que tem, na capa, o nome que o identifica como autor.

    E essa “arte” é conhecida por todos os cidadãos deste país.

    Porque a sofreram na pele.

    Foi Cavaco quem teve a “arte”, enquanto Primeiro-Ministro, de acabar com a pesca e a agricultura em Portugal.

    Graças a ele, o número de pescadores passou de 41 mil para 17 mil e Portugal chegou a um défice anual, nas pescas, de 800 milhões de euros.

    Fernando Nobre garantiu, na altura, e os factos vieram a dar-lhe razão, que “nada tendo contra os nossos irmãos espanhóis” não compreendia que estes conseguissem mais licenças de pesca, e de pescado, nas costas nacionais, do que os pescadores portugueses.

    Também, durante os seus mandatos, defendeu o abandono da agricultura a “troco de indemnizações” que chegavam da Europa.

    Anos mais tarde, um Presidente da República, curiosamente com o mesmo nome, Aníbal Cavaco Silva, arrasou estas medidas num discurso lido no dia de Camões.

    Artur Coimbra, num texto publicado no “Correio do Minho”, dizia não haver ninguém melhor do que “o coveiro da agricultura portuguesa e da actividade pesqueira, enquanto primeiro-ministro, para apelar à necessidade de o país voltar a pegar nas máquinas e nas rabiças do arado de modo a dar a volta à situação calamitosa em que os portugueses se encontram, em resultado de políticas destruidoras do que melhor o país tinha, apenas porque a ganância da União Europeia impunha a lei do mais forte”.

    Para o Presidente da Confederação Nacional da Agricultura, Cavaco, na década em que governou o país, “ora apoiava a plantação de pomares, ora incentivava o arranque das macieiras, ora mandava investir na vinha, ora pagava para erradicar a vinha, em decisões irracionais e criminosas, meramente economicistas, que ainda hoje estamos a pagar e a lamentar”.

    E concluía, “pelo meio, desde o cavaquismo, ficaram os cadáveres de centenas de milhares de pequenas e médias explorações agrícolas familiares, que os programas europeus destruíram, inapelavelmente”.

    Também há “arte” para governar quando, com a maior descontração, se tenta desmentir algo que todos, sem excepção, sabem ser verdade.

    Não há um português que não tenha visto, dezenas de vezes, as imagens de Cavaco a garantir, nas televisões, que “dado que as folgas de capital são mais do que suficientes para cobrir a exposição que o banco tem à parte não financeira, mesmo na situação mais adversa, os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo”.

    Apesar disso não hesitou em garantir, mais tarde, com toda a calma, que não falou do BES antes deste entrar em situação de crise.

    Até Marcelo Rebelo de Sousa veio lembrar que, na realidade, falara.

    “Falou e em termos que levaram a acreditar que o aumento de capital era para levar a sério”, esclareceu.

    Também há alguma “arte” a governar quando se consegue que o Meo Arena fique nas mãos de um empresário capaz de o transformar num local de grandes espectáculos. Mesmo que, este, seja seu genro.

    Juntou-se o útil ao agradável e acabou por ser um bom dote (ou indemnização), há que reconhecer. 

    E os exemplos poderiam suceder-se “ad aeternum”.

    O livro pode, assim, ser uma obra esclarecedora já que escrita por quem sabe da matéria indicada no título.

    Ainda assim, só o comprarei (está em pré-venda a 15,98 €) se a sua lombada tiver, exactamente, três centímetros e vinte e oito milímetros.

    É a altura necessária para servir de calço a uma mesa de cozinha com uma perna mais curta, exactamente com essa medida.

    Pode ser que tenha sorte!

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O pão e a broa

    O pão e a broa


    O pão é o alimento, por excelência, do português.

    Lembro, na infância, o prazer que me dava assistir a todo o cerimonial da sua preparação.

    As mulheres da casa, depois de lavarem as mãos com mil cuidados, preparavam a farinha, acrescentavam o fermento, água e sal, misturavam tudo, com as mãos, durante larguíssimos minutos.

    Depois, na mesa de madeira, colocavam a massa que “sovavam” durante vários minutos até que a consideravam preparada.

    Depois, davam-lhe o feitio que queriam. De um modo geral umas bolas de diversos tamanhos.

    cereal and three buns

    Antes de ir para o forno o pão era benzido.

    As mulheres faziam, nele, o sinal da cruz e rezavam a Oração do Pão:

    “São Mamede te levede, São Vicente te acrescente, São João te faça bom pão, a Virgem Nossa Senhora te deite a Santa Bênção.”

    Nalguns locais, acrescentavam:

    “Em louvor de São Gonçalo que não saia insosso nem salgado. Que Deus te acrescente que é para comer muita gente.”

    Na maior parte das aldeias o pão era preparado em fornos comunitários sendo que cada família tinha o seu próprio dia para o cozer.

    Só as casas ricas tinham o seu próprio forno a lenha onde eram, igualmente, preparados outros petiscos, como os assados.

    Depois de pronto, o pão era guardado em arcas de madeira e dava para toda a semana.

    Por incrível que possa parecer a qualidade até melhorava a cada dia que passava.

    Para os cristãos o Pão é “o Corpo de Deus” e daí o imenso respeito que merecia, quer quando dele se falava quer no modo como era tratado, por todos, desde a infância.

    Ao lado de cada prato, no início das refeições, havia sempre uma fatia de pão, que não podia ser cortado de qualquer maneira.

    Como se dizia na altura, “comida sem pão, só no Inferno a dão”.

    Se no fim sobrava um pouco, ou se algum bocado de pão caía ao chão, nunca, mas nunca, se deitaria fora sem, primeiro, lhe ser dado um beijo.

    Ainda hoje, dezenas de anos passados, reconheço com humildade que sigo esses preceitos, mesmo sabendo que “este” pão nada tem a ver com aquele de que venho falando.

    Hoje compramos um produto industrial que, por muito saboroso que pareça, quando sai do forno e é comido ainda quente, é intragável à tarde.

    Só que, o verdadeiro apreciador do pão não o come enquanto quente.

    “Pão quente, muito na mão e pouco no ventre” ou “Pão quente, nem a são nem a doente”.

    Na verdade, o pão é insubstituível.

    Não há tortas, bolos, croissants ou brioches que se lhe comparem.

    Só em casos de total impossibilidade de o ter à disposição se deve recorrer a um desses sucedâneos.

    Acabo por dar razão a Maria Antonieta, quando, ouvindo nos seus aposentos a manifestação de um povo esfomeado a pedir pão, terá perguntado:

    “Tanto ruído por não terem pão? Porque não comem brioches?”

    Não fosse a pergunta feita por ignorância (ou sobranceria) e até era justificada.

    Não creio que tenha sido por isso que a decapitaram, mas…

    De qualquer maneira, esta semana pensei no pão, que tenho à minha frente a todas as refeições, pela triste informação da contaminação de um dos meus preferidos: a broa de milho.

    A Direcção-Geral de Saúde (DGS) e a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) alertaram, no passado dia 10 de Agosto, a população para o não consumo da broa de milho nos distritos de Leiria (aquele onde moro), Santarém, Coimbra e Aveiro, por haver o risco de estar contaminada.

    Segundo os especialistas todos aqueles que tivessem comido broa e sentissem sintomas de “secura da boca, alterações visuais, tonturas, confusão mental e diminuição da força muscular” deviam deslocar-se, de imediato às urgências “uma vez que estamos perante uma toxinfeção que ainda está a ser estudada, e tendo em conta que cada organismo é diferente de outro”.

    (Esqueceram-se de dizer que deviam levar um lanchezinho para aguentaram as horas de espera até serem atendidos e que, obviamente, este não devia ter mais broa.)

    Depois desse alerta, todavia, passaram-se semanas sem nunca mais se ouvir falar deste problema.

    O que me levou a crer que tanto o pessoal da DGS como a da ASAE se teriam oferecido para, como cobaias, experimentarem algumas broas e tivessem ficado com tonturas e confusão mental, esquecendo o propósito do estudo.

    person's hand with dust during daytime

    Vieram, agora, dizer que o problema estava solucionado.

    Na realidade, apesar do silêncio prolongado das autoridades, depois do comunicado de alerta para uma possível intoxicação em (e na) massa, continuei a ver muita gente a comprar broas em padarias e supermercados.

    Eu, que não deixo de comer a minha ração do pão nosso de cada dia, também ia comendo algumas dessas broas, confesso.

    Qual era o problema?

    Mesmo que me calhasse uma das broas contaminadas ninguém estranharia o meu comportamento dado que os sintomas que me provocaria já os mostro no meu estado normal… 

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os incêndios são um negócio?

    Os incêndios são um negócio?


    Esta é a pergunta que os portugueses fazem amiúde.

    Na realidade, como se pode justificar o número de incêndios em Portugal.

    Claro que o fogo pode deflagrar, em qualquer local, pelas mais diversas razões, e sabemos ser praticamente impossível evitar todas as ignições ao longo do país.

    Mas quando, durante a noite, vários focos acontecem numa mesma mata, dificilmente se aceitará que não haja intervenção de mão criminosa.

    Quando os especialistas analisam a situação conseguem apontar alguns problemas graves e de relativamente fácil solução.

    Fire Fighters

    Segundo um trabalho, do “Blogger” Francisco Lampreia, publicado em Agosto de 2022, “nas últimas duas décadas, de acordo com o relatório “O Mediterrâneo Arde”, de 2019, a média de área ardida do nosso país mais do que duplicou em comparação com a época de 1980 a 1989.

    Será esse o resultado do surgimento de uma onda de piromaníacos em Portugal? Talvez.

    Ou estará Portugal cada vez mais vulnerável a incêndios?

    Se olharmos para o FWI (um índice de perigo de incêndio rural que quantifica o efeito da humidade do combustível e do vento no comportamento do fogo) de Portugal, disponível no site do IPMA, é possível ver que praticamente todo o país apresenta um índice de FWI muito elevado.”

    A Polícia Judiciária, todavia, não descartava a hipótese de fogo posto.

    O diretor nacional adjunto da Polícia Judiciária, igualmente em Agosto de 2022 (dia 18) revelava que, “este ano, está a registar-se um aumento das ignições” e informava que “com a época de incêndios ainda a meio, Portugal é, nesta altura, o terceiro país da União Europeia com a maior área ardida. Crimes muitas vezes cometidos por pessoas de idades diferentes, mas com um perfil semelhante.”

    Aproveitou para, contrariando as notícias mais frequentes, garantir que “quando os alegados incendiários são presentes às autoridades, as medidas de coação aplicadas costumam levar a mais detenções do que noutros tipos de crimes.”

    Por sua vez a TSF emitiu, a 4 de Março do corrente ano de 2023, uma reportagem intitulada “Metade dos incêndios florestais em Portugal tiveram origem criminosa”.

    Outdoor Fireplace during Nighttime

    O que deixava sobressaltado qualquer cidadão atento.

    Segundo os jornalistas, “os dados revelados pela Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais (AGIFR) mostram que houve 4892 fogos com origem criminosa e foram detidas 51 pessoas pelo crime de incêndio florestal.

    A AGIFR apresentou o relatório de balanço do ano onde adianta que se registaram em 2020, 6.257 autos, 4.892 crimes e 51 detidos por crime de incêndio florestal, num ano que existiram 9.690 incêndios rurais, dos “quais resultaram 67 mil hectares de área ardida”.

    A questão que importava esclarecer era se o número de pirómanos, em Portugal, era mais elevado do que nos restantes países ou se, pelo contrário, os incêndios podiam ser “encomendados” a delinquentes e, nesse caso, por quem?

    É que, se tal acontecesse, a prisão dos incendiários não resolveria, por si só, o problema já que seriam facilmente substituídos.

    A solução seria, também aqui, seguir o rasto do dinheiro.

    Tentar saber quem ganha com os incêndios.

    A “vox populi” acusa, sempre, os madeireiros.

    Qual a realidade?

    bare trees on rocky hill under white sky during daytime

    É verdade que, por exemplo, depois dos fogos em Pedrogão, o preço da madeira queimada baixou de modo acentuado (de 36 para 27 euros a tonelada, menos de 25%) mas com as Associações destes empresários, que a compram aos produtores, a garantir que os preços eram impostos pela indústria.

    O Presidente da Associação de Produtores Florestais de Vila de Reis garantia que “É um mito que apareceu e ainda não morreu. Para os madeireiros isto não é nada interessante. Podem fazer um bom negócio agora, mas são precisos anos para que a floresta volte a crescer. Para quê aproveitar agora para comprar madeira queimada mais barata se isso acaba e se ficam anos sem nada, nada para ninguém?”

    A notícia que, acreditava eu, iria ser um grande choque, mas que depressa foi esquecida, veio de Espanha, em 2017.

    O Jornal “El Mundo” publicou, então, um artigo sobre os concursos para aquisição de meios de combate ao fogo em Portugal com o título “Quem ganha dinheiro quando arde Portugal?”.

    Aí escrevia, preto no branco, que “Portugal recorre ao sector privado para ter apoio aéreo no combate aos fogos, mas que o problema, conhecido da Polícia Judiciária Portuguesa, está em que as empresas manipulam os concursos públicos o que, nos últimos 12 anos, teria rendido 821 milhões de euros.”

    a red plane is flying over a mountain

    Continuando sem se saber quem ganha muito com os fogos, podemos dizer, todavia, e com toda a segurança, quem ganha pouco: os Bombeiros.

    Um Bombeiro Sapador aufere menos de mil euros por mês.

    Um Bombeiro Voluntário recebe 2,5 euros por hora ou 61 euros por dia, mas desde que trabalhe as 24 horas!

    Para além disso, claro, todos os elogios dos políticos que enchem a boca de extraordinários adjectivos sempre que qualificam o trabalho dos “Soldados da Paz”.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Justiça no futebol: uma treta

    Justiça no futebol: uma treta


    O futebol, como se sabe, há muito deixou de ser um desporto-espectáculo para passar a uma das mais lucrativas indústrias a nível global.

    Os contratos feitos diariamente, em todo o mundo, só terão paralelo com as áreas onde o dinheiro se conta pelos biliões (armas, petróleo, drogas lícitas e ilícitas).

    Pensar que um clube pode oferecer, pela contratação de um jogador, para o período de um ano, mil milhões de euros, sendo trezentos milhões para o seu clube e setecentos milhões para o atleta, é algo que soa a irreal.

    three white-and-black soccer balls on field

    E esse foi o valor que um clube (um país, na realidade) ofereceu a Kylian Mbappé para, durante um ano, envergar a camisola de uma equipa de futebol.

    Para percebermos bem, o atleta receberia cerca de dois milhões de euros… por dia!

    Estes exageros escandalosos poderão resultar na morte de uma galinha de ovos de ouro se os responsáveis máximos da FIFA e UEFA não colocarem um travão a estes absurdos.

    O problema maior é que a justiça desportiva consegue, por incrível que pareça, ser ainda pior do que a que rege a vida na sociedade civil.

    Os negócios das contratações, principalmente, com milhões de euros a serem distribuídos por empresários e dirigentes, sem um controle apertado das autoridades desportivas, são de todos conhecidos, mas ficam, sempre, impunes.

    A “justiça desportiva”, e em especial no futebol, é uma treta aceitando sem o mais pequeno sinal de desagrado, as maiores vergonhas que se possam imaginar.

    Desde logo não reage ao aumento constante de uma violência vergonhosa porque assente no facciosismo.

    Impedir, por exemplo, que uma criança, por pequena que seja, possa entrar num estádio vestindo a camisola do seu clube, somente porque este é o adversário da equipa “da casa”, é inconcebível.

    Mas acontece, todas as semanas, em dezenas de campos, mesmo nos das equipas de topo.

    A falta de rigor na vigilância à entrada dos estádios, principalmente em dias de jogos entre equipas de conhecida rivalidade, é outro problema grave porque permite a entrada de objectos e artefactos que a Lei proíbe e que põem em causa a segurança dos espectadores.

    O aumento escandaloso dos preços de bilhetes para adeptos do clube rival, muitas vezes enviados para as zonas com pior visibilidade são, também, habituais sem a intervenção de quem de direito.

    Mas o pior de todos os males é, sem dúvida, o desdém com que os Conselhos de Disciplina (?) analisam e “punem” futebolistas, treinadores e dirigentes que não cumprem a Lei nem, muitas vezes, as regras mais básicas da educação e do desportivismo.

    a large crowd of people

    Aceitar que se lute pela vitória usando uma “agressividade” que roça a violência, os insultos mais soezes, as ameaças mais criticáveis, é inadmissível.

    Tanto mais que se sabe que tudo isso é visto, hoje em dia, por milhões de pessoas em todo o mundo.

    Isto para não falar das substâncias ilícitas que algumas equipas dão aos seus atletas com o único intuito de poderem aumentar, no momento, os seus índices físicos ainda que tal possa provocar males irreparáveis à saúde destes num futuro próximo.

    A vitória num jogo sobrepõe-se, para alguns, a tudo o mais incluindo a vida dos seus próprios atletas.

    O discurso do ódio e as atitudes irracionais dentro dos estádios, por vezes em jogos transmitidos para todo o mundo, são frequentes e, também elas, punidas com pequenas reprimendas ou castigos menores.

    Tudo isto pode levar a afastar, dos campos de futebol, milhares de adeptos ou simples apreciadores de futebol.

    Ninguém, no seu perfeito juízo, quer correr o risco de levar a família, principalmente crianças, para locais onde, a qualquer momento, pode haver uma luta entre dezenas de energúmenos.

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    Tudo isto porque a Justiça Desportiva é branda com os prevaricadores.

    Várias vezes escrevi que os clubes deveriam deixar entrar, gratuitamente, em todos os jogos, as crianças, e jovens, até 15 anos.

    Encheriam estádios, na maior parte das vezes vazios, valorizando o espectáculo, para além de criarem futuros fiéis espectadores.  

    De uma coisa estou seguro, enquanto os responsáveis máximos não criarem regras que impeçam, de uma vez, a impunidade de todos quantos incumprem em relação a todas as regras de civismo e desportivismo no futebol, este não deixará de perder adeptos.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Este Papa não merecia tanto!

    Este Papa não merecia tanto!


    A visita do Papa Francisco a Portugal criou enormes expectativas e teve, como sempre acontece neste nosso país, defensores acérrimos, críticos acirrados, polémicas várias e custos extraordinários.

    Eu, que estou longe de poder ser considerado um católico, na verdadeira acepção da palavra, tinha esperança de que a vinda de Francisco fosse uma festa.

    Tenho uma extraordinária admiração pelo Papa.

    E pelo Homem.

    Já escrevi, várias vezes, que o vejo como um Avô bem-disposto, com sentido de humor, simples, simpático e de uma inteligência fulgurante.

    Poderia ficar a ouvi-lo, e a tentar aprender, durante horas.

    As suas análises, as suas metáforas, os seus conhecimentos sobre tantas matérias, tornam-no naquele Mestre que todos gostaríamos de ter tido.

    O modo como encara a Juventude, razão principal da sua vinda a Portugal, deveria servir de exemplo aos nossos políticos.

    Dar lições como se falasse de igual para igual, responder a questões complicadas como se estivesse a perguntar, ou a tentar descobrir a resposta em comunhão com quem questiona, são sinais de uma superioridade intelectual que não pretende exibir, mas que surge naturalmente.

    O aceitar das diferenças, nos mais pequenos pormenores, por vezes com uma frase irónica é, também, uma característica do Papa.

    Como exemplo, a frase com que, numa escola, se despediu de alunos de muitas religiões:

    “Rezem por mim ou, se não souberem, ou quiserem rezar, pelo menos mandem uma boa onda!”

    Plateia conquistada.

    Depois, as muitas horas em que, apesar da idade e das maleitas, andou de lado para lado, sempre no meio de multidões querendo tocá-lo, cumprimentá-lo, abraçá-lo, sempre com um sorriso tranquilo e olhos nos olhos com quem pronunciava o seu nome.

    As centenas de milhares de jovens que encheram Lisboa de alegria, expressaram bem a sua admiração com a frase que gritavam aos quatro ventos:

    “Esta é a juventude do Papa!”

    O Papa mereceu tudo isto, mas… não merecia muitas outras coisas que a sua viagem deu a conhecer.

    Não merecia que um Presidente quisesse parte da atenção que toda a população, e em especial os jovens, queria dar, exclusivamente, ao seu Convidado.

    A presença constante, a tentativa absurda de se fazer notar, o modo, mais que efusivo, absolutamente desadequado, com que o cumprimentava, a tentativa exagerada de se mostrar “próximo” de Francisco tornou-se deprimente. 

    Não merecia, também, que o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa escondesse os sem-abrigo da cidade.

    Disse que foi uma operação planeada, há muitos meses, e que todos aqueles pobres tinham sido abrigados em locais decentes.

    Veremos, na semana seguinte ao regresso do Papa, a Roma, se à Baixa de Lisboa não regressam as camas de cartão, as barracas e os pedintes.

    Não merecia que uma Associação, que ninguém conhece, espalhasse cartazes a falar do número de crimes cometidos por padres já condenados, veementemente, por este Papa.

    Ninguém, muito menos um grupo de anónimos justiceiros, terá legitimidade para apontar o dedo a Francisco, nesta matéria.

    Os cinco minutos de fama que todos os idiotas procuram, não podem justificar tudo.

    Não merecia o Papa que, em todos as Cerimónias da Quaresma, lava os pés a doze presos (“todos podemos ser reclusos um dia”, já o repetiu várias vezes), e não a doze políticos, a doze padres, a doze empresários, que – para além de ficar a conhecer a vergonha da Lei de Amnistia aprovado sob o pretexto da sua vinda – não tivesse, no seu programa, a visita a uma cadeia.

    Sendo as Jornadas da Juventude poderia ir, e gostaria de ter ido, por exemplo, à Prisão Escola de Leiria, ou ao Estabelecimento Prisional do Linhó. Dois locais repletos de jovens.

    Esse gesto seria mais eficaz, na luta pela reabilitação, do que todo o trabalho que pudesse ser feito por psicólogos, durante meses.

    Não merecia, finalmente, este Papa, que o padre da Igreja de São João de Brito, na Praça de Londres, em Lisboa, expulsasse de um espaço dessa igreja, desde há muito usado por centenas de sem-abrigo, que ali tomavam banho, comiam graças ao apoio de Associações como a “Vida e Paz” e dormiam, para ali alojar dois mil peregrinos.

    Um gesto que, estou certo, causaria uma enorme tristeza ao Papa Francisco.

    Não fosse a vaidade de alguns, a subserviência de outros, a ignorância de muitos, no que concerne aos verdadeiros valores que o Papa defende, e a viagem teria sido ainda mais extraordinária.

    É difícil ter a grandeza de Francisco, há que reconhecer.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A exibição da incompetência

    A exibição da incompetência


    Uma vez mais fomos confrontados com o espectáculo de buscas levadas a cabo por elementos do Ministério Público, a casas de suspeitos de actividades criminosas, em directo, pela televisão.

    Desta vez, os visitados foram a casa do antigo dirigente do PSD, Rui Rio, e a Sede do seu Partido.

    Não vou tecer qualquer consideração sobre o motivo das buscas, porque só conheço o que a imprensa divulgou, mas pretendo analisar o método de trabalho de alguns Magistrados do Ministério Público, em Portugal.

    Desde logo porque, finalmente, houve críticas públicas, e da parte do Poder Político, que, como é sabido, só reage quando lhe toca na pele.

    Rui Rio, ex-presidente do PSD

    A prática da Justiça-Espectáculo, tão do agrado destes Magistrados, que querem aparecer como lutadores intransigentes contra o crime, merece ser analisada e, ela própria, julgada.

    O esquema é facilmente explicado: na suspeita de um crime, mesmo que baseada numa queixa anónima, o Ministério Público deve agir analisando todos os factos.

    Caso apareçam, entre os denunciados, nomes de figuras públicas, a investigação chega, por vias estranhas, a alguma comunicação social que, a partir daí, os divulga como “suspeitos de crimes”.

    “Suspeitos” que passam, de imediato, à categoria de criminosos porque, o Povo ensina, “não há fumo sem fogo”.

    Ou seja, se o Ministério Público investiga é mais que certo que há um crime à espera de ser descoberto.

    Mas, será assim?

    Números provenientes do Ministério da Justiça provam o contrário.

    Preto-no-branco esclarecem que 47% das acusações do Ministério Público terminam com a absolvição dos investigados.

    Muitos acabam por nem ir a Julgamento, mesmo depois de verem os seus nomes divulgados em jornais, rádios e televisões.

    Alguns chegam a passar por prisão preventiva até serem inocentados.

    Em sete anos foram mais de 150.000 os portugueses que viveram este drama.

    Sessenta e cinco, por dia.

    Sendo que nenhum dos Magistrados detentor desses processos sofreu, com essa incompetência, qualquer chamada de atenção.

    Esta situação só é possível porque o acordo entre estes e os órgãos de comunicação social termina na fase em que a acusação deixa de parecer credível.

    Obviamente não é do interesse de nenhum destes dois “parceiros” a demonstração de falhanço.

    Na melhor das hipóteses, às centenas de parangonas em primeiras páginas e aberturas de telejornais, corresponderá, no fim, uma nota de rodapé, ou uma notícia de segundos, sobre o arquivamento do processo.

    Como se chegou a este ponto?

    Para a notícia essencial ter impacto, as buscas são levadas a cabo por muitas dezenas de polícias e peritos, sob a orientação de um Procurador, ou Juiz, e com transmissão em directo pelas televisões.

    Uma operação que tem de ser preparada no maior dos segredos, para evitar que os suspeitos se livrem de documentos, ou equipamentos, que possam ser essenciais para os investigadores, chega, no entanto, e sempre que o caso é considerado mediático, ao conhecimento antecipado de jornalistas que, por vezes, aparecem nos locais das buscas ANTES das autoridades.

    O que faria corar de vergonha qualquer Magistrado num país civilizado é, em Portugal, considerado normal.

    A falta de pudor que há neste procedimento é assustadora.

    Mas de tremenda eficácia para quem pretende acusar.

    Qualquer investigação que corra o risco de ter que ilibar os potenciais arguidos, por falta de indícios suficientemente fortes para tornarem credível uma acusação, socorre-se de uma opinião pública, instrumentalizada pela opinião publicada que aceita participar numa troca de favores: eu dou-te uma “cacha”, que te faz aumentar as audiências, e tu dás a entender que as minhas suspeitas são fundamentadas.

    Lucília Gago, procuradora-geral da República desde 2018.

    Mais cedo ou mais tarde, muitas destas notícias bombásticas acabam por cair no esquecimento só sendo recordadas, em escassos minutos, quando se reparam os erros ilibando os acusados.

    Mas, semanas a fio com as fotografias e nome estampados em jornais, ou em programas televisivos, não perdoam e esses acusados, sem critério, ficam, para sempre, com o nome destruído e as suas carreiras destroçadas.

    Ao contrário de quem, por absoluta incompetência (não quero acreditar que seja má-fé), continua, serena, segura e impunemente a subir na carreira.

    Este país, até que, entre os investigados, comecem a surgir políticos com poder, vai estar muito perigoso!

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os efeitos secundários do relatório à TAP

    Os efeitos secundários do relatório à TAP


    A Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP reuniu, durante centenas de horas, ouvindo inúmeras pessoas para tentar saber, fundamentalmente, se a atribuição de uma indemnização de meio milhão de euros a uma administradora, que passados uns dias já trabalhava noutra empresa, da mesma Tutela, era legítima.

    Tivessem perguntado aos catraios de uma qualquer escola primária, e teriam a resposta em segundos: “Não!”  

    Só que o Parlamento é, sobretudo, uma Feira de Vaidades e quando chega às narinas daqueles deputados o cheiro a sangue… nada os faz parar.

    A verdade é que, na análise à entrega daquele dinheiro todo, se foram descobrindo pormenores rocambolescos que, para uma Oposição sedenta de uma oportunidade “de ir ao pote”, eram ouro sobre azul.

    Tanto mais que havia a garantia de cobertura televisiva em directo e integral.

    Durante semanas assistimos a uma caricatura de um qualquer Tribunal Judicial do nosso País onde, ao arrepio da Lei, os arguidos entram como condenados tendo que provar, aos ilustres Magistrados, que estão inocentes.

    O que não é fácil dada a convicção antecipada de Juízes e Procuradores.

    Na Comissão Parlamentar os Deputados seguiram essa estratégia.

    Todos os interrogados que não se revissem nas teses de cada um dos Deputados Inquiridores passavam à categoria de adversários vendo todas as suas declarações serem postas em causa.

    Nuno Pedro Santos, ex-ministro das Infraestruturas e da Habitação.

    Necessário era fazer cair, no descrédito total, toda a estrutura governativa da área em análise.

    Nem que se tivesse de inquirir sobre factos para além do que estava estabelecido.

    Ainda assim, houve diferenças entre os Juízes dos nossos Tribunais e os Deputados da Comissão de Inquérito?

    Desde logo, os primeiros têm legitimidade para interrogar os arguidos sobre (quase) todos os factos, ao contrário dos Deputados.

    Depois, os Juízes só devem preocupar-se com a verdade enquanto os Deputados se preocupam com a “verdade” que mais favorável seja para o seu Partido.

    Finalmente, os Juízes interrogam (na imensa maioria das vezes) num tom sereno, educado, profissional.  

    Já na Comissão de Inquérito houve interrogatórios feitos com sobranceria, arrogância, desdém, apartes mal-educados, por parte de Deputados interessados em mostrar quem era o mais agressivo, o mais contundente o mais temível.

    Fernando Medina, ministro das Finanças.

    Mais importante que fazer com que o interrogado caísse em descrédito era levar o cidadão espectador a admirar a sua coragem no enfrentar os representantes do Poder.

    A tentativa infantil de mostrar que se conheciam os dossiers era outra imagem de marca destes inquiridores.

    “O Senhor diz que isso aconteceu às 21.30 mas parece que há provas de que foi às 21.25. O que tem a dizer sobre isto?”

    Perguntas só possíveis a quem desconhece que o pior que pode acontecer a um político é ele cair no ridículo.

    Semanas com o mesmo tipo de perguntas, com a agressividade a subir de tom, começaram a cansar quem, de início, apoiava a Comissão.

    Até que esta se tornou insuportável.

    Na memória de quem assistia só ficava a repetição das mesmas perguntas, os insultos constantes aos interrogados, o ar professoral, ou de gozo, dos interrogadores.

    João Galamba, ministro das Infraestruturas.

    Não foi admiração quando o tom de crítica generalizada, a quem era alvo de inquérito, passou a alguma compreensão e, mesmo, simpatia.

    Chegámos a um ponto em que o Primeiro Ministro, para sair vencedor de todas as lutas que tem que travar com estes oposicionistas, só tem que ficar quieto à espera que eles se destruam uns aos outros.

    O relatório preliminar da Comissão mostra isto mesmo à evidência.

    Desde logo porque garante que, “o Governo não interferiu na gestão da TAP”, “não sabia do valor da indemnização paga à sua administradora”, “não se conseguiu provar, por falta de evidências, que o Ministério das Finanças sabia da indemnização”.

    Depois, porque optou por não fazer considerações sobre o caso ocorrido no gabinete do Ministro João Galamba.

    Finalmente, não teve em conta inúmeras horas de debate na Comissão porque os assuntos abordados não estavam no âmbito desta.

    Ou seja, o Relatório final – redigido, como se sabia que iria acontecer, por uma Senhora Deputada do Partido Socialista – está longe de ser tão crítico para o Governo como a Oposição esperava e, em parte, compreende-se a fúria dos seus Deputados.

    António Costa, ao centro, ladeado por Ana Abrunhosa (ministra da Coesão Territorial) e Manuel Pizarro (ministro da Saúde).

    Todavia são eles os grandes culpados deste fracasso e dos efeitos secundários por ele provocado.

    Ao pretenderem extravasar as suas funções, ao quererem fazer um julgamento em praça pública em vez de um inquérito, ao quererem aparecer como grandes paladinos da Verdade, da Justiça, da Honra, esqueceram-se de olhar para baixo e verem a quantidade de pés de barro que os espectadores tão bem conhecem há tantos anos.

    Pobres diabos!

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Como matar um sonho!

    Como matar um sonho!


    Não creio que haja algo de mais gratificante do que podermos exercer uma profissão de que se goste tanto que nem dê para definir como “trabalho”.

    Se a conseguirmos desempenhar, ao longo da vida, sendo ainda principescamente remunerado por tal e, graças a ela, ganharmos o estatuto de “pessoa mediática”, é o cúmulo da felicidade.

    Essa será, provavelmente, a principal razão que leva centenas de pais, por todo o mundo, a investir fortunas para que os seus filhos possam tentar vencer nessas carreiras.

    person seated on grass

    Principalmente se considerarem que têm essas vocações.

    O futebol será, provavelmente, o exemplo mais forte.

    Não deve haver espectáculo, em todo o mundo, com tantos seguidores nem onde se invista mais dinheiro.

    A quantidade de jornais, revistas, programas de rádio e televisão que vivem deste fenómeno é caso único.

    A ligação dos adeptos às diversas equipas supera, em muito, a que os crentes têm para com as suas igrejas.

    Um adepto que se revolta quando se levanta a hipótese de aumento de uns euros aos seus governantes, considera da mais elementar justiça que se assinem contratos, com jovens de dezoito anos, com salários mensais superiores ao de todos os membros do Governo do país durante um ano.

    Obviamente que este cenário só poderia levar ao aparecimento de oportunistas querendo facturar com as expectativas das famílias de jovens a quem se aponta talento.

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    Portugal não é diferente e os casos de exploração sucedem-se.

    Nenhum com a gravidade do último caso conhecido.

    Gente importante, e com cargos na estrutura futebolística nacional, e na política, criaram uma escola, pomposamente chamada de “Academia”, para jovens a quem se reconhecesse o dom para este desporto.

    O presidente da “Academia” era, nem mais nem menos do que, o Presidente da Mesa da Assembleia-Geral da Liga Portugal.

    Entre os seus “embaixadores” constava um ex-Secretário de Estado e ex-Presidente da AICEP e TAP cujas funções, segundo o próprio, consistiam em fazer contactos com vários players nacionais e internacionais, institucionais e empresariais”, estando, entre essas entidades, “Embaixadas de Portugal no estrangeiro, Embaixadas do estrangeiro em Portugal, SEF, Ministérios e Departamentos Governamentais e empresas privadas nacionais e internacionais”.

    4 women playing soccer on green grass field during daytime

    Estes nomes e cargos, que eram apresentados aos potenciais interessados, levaram a que muitos pais, de países estrangeiros e longínquos, lhes confiassem os filhos, pagando propinas que chegavam aos dois mil euros mensais, para os formarem como futebolistas.

    O destino era uma “escola” em Riba de Ave que, veio a saber-se agora, não passava de um esquema, que as autoridades consideram criminoso, com o único intuito de ganhar dinheiro.   

    Nas buscas ao local as autoridades encontraram mais de cem jovens atletas, estrangeiros, muitos deles menores, que dormiam em camaratas fechadas a cadeado.

    Os jovens tinham acesso limitado ao exterior, tinham ficado sem os documentos e eram muitas vezes sujeitos a medidas disciplinares.

    Alguns deles, em entrevista à Rádio Renascença denunciaram a prática de retenção de passaportes dos atletas, por parte da direção, e queixaram-se de má alimentação e de restrições de circulação.

    Pelo que as autoridades concluíram que eram, alegadamente, vítimas de uma rede de tráfico de seres humanos.

    yellow and black soccer ball

    Ao contrário do “Embaixador” distraído, o Presidente do Sindicato dos Futebolistas não se mostrou surpreendido.

    Até porque já tinha denunciado estas situações, em 2021, quando alertou o então Secretário de Estado da Juventude e do Desporto para o problema.

    Garantiu que, na altura, foram convocadas as organizações, directa ou indirectamente envolvidas neste caso, nomeadamente o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Segurança Social e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, que “houve uma reunião”, mas que “nada mais foi feito”.

    O terminar (ou o adiar) da concretização dos sonhos desta centena de jovens é muito preocupante.

    Os prejuízos, que este episódio pode trazer para as Academias dos clubes profissionais, que tanto têm dado ao desporto e a centenas de jovens, são incalculáveis.

    Nada que mereça a milésima parte da atenção concedida, quer pelos nossos políticos quer pelas nossas televisões, por exemplo, ao célebre roubo de um computador do gabinete de um ministro.

    timelapse photo of soccer player kicking ball

    O Governo, pelo Secretário de Estado da Juventude e Desporto, já veio considerar que “é inaceitável, chocante e condenável a situação que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras nos deu a conhecer, publicamente, através de uma operação de tráfico de seres humanos numa academia”.

    Que teste magnífico para a nossa Justiça.

    Vai ser curioso conhecermos a decisão, lá para 2040!

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A educação em Portugal

    A educação em Portugal


    A greve dos professores levou-me a prestar um pouco mais de atenção à Educação que se pratica no Portugal de hoje.

    Como sempre que decidi analisar, com algum cuidado, o que se passa no meu País, o resultado foi uma tremenda decepção, uma dolorosa angústia e imensas perguntas para as quais não consegui resposta.

    Começo por dizer que, não sendo expert (também) nesta área, é possível que algumas das minhas dúvidas possam parecer disparatadas à maioria daqueles que tenham a suficiente pachorra para me ler.

    red apple fruit on four pyle books

    Há, até, a hipótese de algumas das minhas observações parecerem “estranhas” (para não ser o primeiro a insultar as minhas próprias ideias).

    Ainda assim, deixo aqui algumas das questões para as quais não vislumbro resposta.

    Comecei por comparar a minha passagem pelas diversas escolas com o dia-a-dia dos estudantes de hoje.

    Lembro a escola primária do meu tempo.

    Recordo que todos os alunos do Minho ao Algarve, Ilhas e Colónias, tinham as mesmíssimas disciplinas e estudavam pelos mesmos livros.

    Desde há muito que cada escola tem os livros que o professor selecciona para cada disciplina.

    A “explicação” mais comum é que as realidades são diferentes nas diversas regiões.

    man in gray crew neck t-shirt and black pants standing near black wooden table

    Num país do tamanho de uma caixa de fósforos (das pequenas) a explicação não faz muito sentido.

    Menos ainda quando sabemos que os exames (ou provas, ou lá como é que se chamam, hoje) são iguais para todas as escolas do país.

    Não vejo grande problema em haver livros únicos, para cada disciplina, desde que elaborados por educadores qualificados e que não tenham, como missão, quaisquer tentativas de criação de “pensamento único” ou, pior, de incutir, nas crianças em idade escolar, as grandes linhas políticas e sociológicas de qualquer área política.

    O livro único tinha, pelo menos, a enorme vantagem de ser muito mais barato por ser editado em grandes quantidades.

    O grande murro no estômago que apanha quem começa a analisar a escola dos nossos dias é, todavia, o facilitismo, a falta de exigência, a ausência de qualidade.

    Das escolas desapareceram livros essenciais como a gramática e, até, a tabuada.

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    Hoje, um aluno vai do primeiro ano da escola primária ao último ano da universidade sem ter, nas mãos, uma gramática.

    O resultado é conhecido.

    Os erros gramaticais, mesmo de profissionais que deveriam ser mais exigentes (professores e jornalistas, por exemplo), são constantes.

    A matemática é a disciplina mais temida e odiada porque exige método, atenção e disciplina.

    Tudo o que não existe na maioria das salas de aulas onde se presta mais atenção aos telemóveis do que aos professores.

    E será “estranho” acreditar que haja material escolar “ridículo”, aos olhos de alunos, pais e professores de hoje, a fazer falta nos primeiros anos de ensino?

    Pode parecer absurdo, mas lembrei-me, por exemplo, do “caderno de duas linhas”, onde aprendíamos a escrever direito, e com letra legível, quando li que testes de miúdos de sete anos, vou escrever de novo, sete anos, serão feitos, este ano, com respostas à base de cruzinhas, em computadores.

    woman wearing blue denim jacket holding book

    Gravíssimo é, também, constatar o desdém pelo esforço e trabalho dos alunos com a ausência do prémio ao mérito e castigo ao desleixo.

    Como se pode compreender que, no fim de um ano escolar, todos os alunos passem para o ano seguinte sem se ter em conta o trabalho desenvolvido?

    Com o fim das reprovações o esforço deixou de ser valorizado e, logicamente, a qualidade do ensino baixou assustadoramente.

    A medida, recorde-se, foi tomada para poupar, aos cofres do Estado, cerca de 250 milhões de euros, visto que era estimado que cada um dos 50 mil alunos do 9º ano que, em média, reprovava todos os anos, custasse cerca de 5 mil euros.

    Fizeram contas a uma poupança imediata esquecendo os custos dessa estupidez no futuro.

    Os pais têm, por tudo o acima dito, e muitas mais razões que uma crónica não permite desenvolver, um papel cada vez mais preponderante no acompanhamento escolar dos seus filhos.

    woman in black jacket sitting on blue chair

    Tentemos perceber porque raio é que, actualmente, entre os melhores alunos das escolas portuguesas, de norte a sul, uma enorme percentagem seja de jovens chineses e ucranianos.

    Não nos preocuparmos com estas realidades, não pormos a Educação como a grande prioridade do País, vai fazer com que nos afastemos, cada vez mais, dos países desenvolvidos.

    Nada que não seja conhecido de todos.

    Apesar de tudo, vamos continuar na mesma pela simples razão que nos falta… Educação.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A maldição das condecorações

    A maldição das condecorações


    Chegou o 10 de Junho e os fornecedores de medalhas e comendas da Presidência da República esfregam as mãos numa demonstração de felicidade.

    Este é o Natal dos empresários do ramo.

    As encomendas, que foram sempre volumosas, passaram a ser extraordinárias com o Presidente dos afectos e selfies.

    Desde o 25 de Abril, as medalhas distribuídas rondam as vinte mil.

    Eanes, um militar circunspecto, entregou 4.602, Mário Soares, 5.145, Jorge Sampaio 4307 e Cavaco Silva 2.325.

    Espera-se um recorde absoluto do actual Presidente.

    Portugal, como se sabe, está cheio de gente empenhada na luta pela melhoria da vida dos seus conterrâneos, de cientistas brilhantes e com descobertas marcantes, de desportistas aclamados pelo talento reconhecido internacionalmente, de escritores consagrados por obras notáveis, de actores prestigiados por interpretações aplaudidas à exaustão, de músicos ilustres criadores de obras que todo o mundo conhece, de actores procurados por todas as grandes companhias de teatro ou realizadores de cinema.

    Isto para não falar dos inúmeros políticos que nos enchem de orgulho cada vez que se pronunciam no Parlamento, nos diversos Ministérios ou na Presidência da República.

    Quem não se curvou, respeitosamente, depois de ouvir algumas intervenções de Parlamentares, na Casa da Democracia?

    Quem não levantou, alguma vez, a cabeça e olhou, de modo sobranceiro, para um pobre estrangeiro com quem se tenha cruzado, depois de escutar, enlevado, as palavras de um qualquer Ministro, a explicar, de modo simples e pragmático, as medidas tomadas para resolver o mais complicado dos problemas?

    Quem não aguardou, com impaciência, que o Presidente Marcelo se dirigisse à Nação, quer num discurso patriótico quer numa ida a comprar gelados, certo de que as suas palavas dissipariam as mais preocupantes dúvidas e acalmariam os mais tenebrosos receios?

    Quem não aplaudiu, veementemente, o regresso, ainda que fugaz, de Cavaco, que nos permitiu concluir que, por mal que pensemos estar, estamos muito melhor do que no tempo áureo do homem de Boliqueime?

    Toda esta gente é merecedora de uma medalha no peito.

    É tudo gente que o Povo quer ver justamente agraciado com um penduricalho ou um colar.

    A ânsia com que a população aguarda os nomes dos seleccionados este ano é enorme.

    Mais, o Povo estaria receptivo a outros nomes e a outras profissões.

    Desde logo, por exemplo, os comentadores televisivos que nos esclarecem as dúvidas, nos indicam o caminho, nos sugerem interpretações.

    Começando por Marques Mendes, um crítico à sua dimensão, que fala convictamente sobre qualquer tema.

    Há, pois, uma quantidade enorme de portugueses que merecem e esperam, ansiosamente, por uma condecoração.

    Pessoalmente os nomes interessam-me por uma única razão:

    Vendo a lista dos condecorados eu sei quem serão os arguidos em processos judiciais nos próximos meses.

    É da praxe.

    O Presidente condecora, o Ministério Público acusa.

    Não sei se por causa da conhecida inveja dos portugueses, a verdade é que, nos últimos anos, condecorado mediático torna-se, em pouco tempo, arguido.

    Muitas vezes condenado.

    Recordo alguns nomes com o cuidado de os colocar por ordem alfabética porque sei que as suas acusações são de gravidades muitíssimo diferentes e acreditando, até, que alguns acabarão por ser considerados inocentes:

    António Mexia, Armando Vara, Carlos Cruz, Cristiano Ronaldo, Dias Loureiro, Diogo Gaspar, Duarte Lima, Helder Bataglia, Henrique Granadeiro, Jardim Gonçalves, João Pereira Coutinho, Joe Berardo, Jorge Ritto, José Mourinho, José Sócrates, Lino Maia, Macário Correia, Manuel Maria Carrilho, Mesquita Machado, Narciso Miranda, Ricardo Salgado, Rovisco Duarte, Valentim Loureiro e Zeinal Bava.

    Tenho a certeza de que faltarão alguns, mas esta lista dá para entender que há uma maldição nas condecorações.

    Tenho a certeza de que não passará pela cabeça de qualquer um dos responsáveis pela distribuição destas distinções, depois de ler os meus textos, ousar pensar, sequer, em entregar-me a mais insignificante delas.

    O meu mais sincero bem-haja.

    E faço votos de que o Presidente o condecore por essa inteligente decisão.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.