Etiqueta: Vítor Ilharco

  • Ministério (para o) Público

    Ministério (para o) Público


    As investigações criminais em Portugal, feitas sob a supervisão do Ministério Público, têm sido arrasadas, nos últimos anos, por dois motivos fundamentais:

    1. Perante a suspeita de um crime, os investigadores partem do pressuposto que a primeira opinião que têm é a correcta e, a partir daí, tentam que os indícios que possam encontrar se encaixem na sua teoria descurando uma busca mais racional e lógica da verdade dos factos e chegando a omitir alguns indícios que possam conduzir a “outra” versão;
    2. Para conseguirem um apoio à sua narrativa, vão passando informações a alguma comunicação social que, com grandes parangonas, a defendem e apoiam. São inúmeros os casos em que jornalistas têm acesso às buscas em escritórios e residências, operação que deveria ser secreta, chegando ao ponto de haver alguns que conseguem a proeza de aparecerem nos locais antes mesmo dos agentes e magistrados. 

    Os arguidos e os seus advogados, nestes casos, são notificados pela primeira vez já depois de terem lido nos jornais, ouvido na rádio e vendo nas televisões toda a história criada pelo Ministério (para o) Público.

    As acusações seguem o mesmo caminho, chegando à comunicação social antes de os arguidos e seus advogados a conhecerem.

    Muitas delas delirantes e facilmente desmontáveis em Tribunal.

    Mas, e os custos desta distorção da Lei?

    Os arguidos entram nos Tribunais já com o rótulo de culpados, com a obrigação de provarem a sua inocência, numa distorção absoluta do espírito da Lei que defende exactamente o oposto.

    Muitos chegam a aparecer, no dia do Julgamento, algemados, entre guardas prisionais, por estarem em prisão preventiva.

    brown wooden stand with black background

    Nada que preocupe os cidadãos que se regem pela velha máxima “se está preso algo fez porque não há fumo sem fogo”.

    Infelizmente, há.  

    Isto porque, para além da péssima qualidade de algumas investigações, os Tribunais de Instrução tendem a acreditar nelas e também são pródigos nas acusações mal fundamentadas, ou suportadas em indícios frágeis, que muitas vezes acabam por se mostrar insuficientes em julgamento, levando a absolvições.

    Muitos dirão que acaba por se fazer Justiça já que, constatando-se que os arguidos são inocentes, os tribunais os absolvem.

    Conclusão precipitada e errada já que esquecem as parangonas nos jornais, e as reportagens nas televisões, com os rostos dos acusados em grande plano, motivos mais do que suficientes para destruírem a credibilidade, o carácter e a honra dos implicados que, ainda que posteriormente sejam inocentados, serão sempre observados de soslaio já que, para os portugueses, nunca deixarão de ser culpados, “mas com a sorte de terem sido beneficiados pela brandura dos juízes”.

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    Assustador é saber que, segundo um estudo que a Direcção-Geral da Política de Justiça tornou público (foi publicado na revista “Visão” de 12 de Novembro de 2015 nas páginas 64 a 72), depois de ter analisado os Processos-Crime findos em Julgamento de 1ª Instância, entre 2007 e 2013, se concluiu que, nesses sete anos, foram acusados pelo Ministério Público, e muitos deles enviados para as cadeias em prisão preventiva, e depois absolvidos – segundo as estatísticas, “154.569, cidadãos, universo superior ao da terceira cidade mais populosa do País, Braga, com 138.000 habitantes.”

    Escreve-se naquele estudo: “As percentagens de absolvição por “carência de prova”, em processos-crime findos em julgamento de 1ª instância, em Portugal, oscilam entre 40,4% e 48% do total de arguidos não condenados, estes, na sua maioria, por desistência de queixas em crime semipúblicos ou particulares.”

    E acrescenta que houve casos em que o arguido chegou ao Tribunal “depois de dez juízes diferentes terem validado a sua prisão preventiva, até a tese da acusação desmoronar em Julgamento, como um castelo de cartas.”

    Em média, em todos os dias desses sete anos, incluindo sábados, domingos e feriados, houve 65 cidadãos que foram acusados, e muitos deles presos, para serem, passados anos, absolvidos.

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    Como escreve o autor do texto da “Visão”, o jornalista J. Plácido Júnior estas acusações: “chegam a representar 48% do total de arguidos não condenados, quando o máximo admitido por peritos europeus é de 12%.”

    Para cúmulo, a 4 de Agosto de 2018, o Jornal “Expresso” apresentou um estudo, sobre presos preventivos, que prova que, em Portugal, em dez anos, houve 562 detidos preventivamente e que foram absolvidos em Tribunal.

    Ou seja, que houve um cidadão, por semana, durante dez anos, a ficar preso (porque os juízes consideraram não só que havia indícios fortes para o considerar culpado como, também, que nenhuma outra medida de coacção seria suficiente para que pudesse aguardar o julgamento em liberdade) e, depois, ser absolvido por não se conseguir qualquer prova da sua culpabilidade.

    Além do mais, o estudo garante que este número não inclui os cidadãos que estiveram presos preventivamente e, depois, nem sequer foram acusados.

    Provado que está, e por um Departamento do próprio Ministério da Justiça, que houve 154.569 cidadãos acusados, muitos deles presos, por erros grosseiros, ou mesmo com bases em ilegalidades, quantos dos magistrados que solicitaram e decretaram as prisões preventivas, ou redigiram as acusações, foram punidos?

    Não sei porquê, mas acho que o número deve andar próximo do… zero.

    E esta impunidade dói quase tanto como a injustiça de ver alguém com a vida destruída sem qualquer motivo para além da incompetência ou perseguição de quem o acusou de modo leviano.

    Temos um Ministério que trabalha na criação de histórias para o Público.

    Histórias que provocam ondas de indignação numa população inculta, invejosa, desejosa de criticar quem tem algum poder ou vida mais desafogada que a sua.

    Falta-nos um Ministério Público rigoroso, isento, conhecedor da Lei.

    Mas… como estão acima desta, e com o Poder de castigar quem se lhes opõe, ficarão impunes.

    Temidos, mas não respeitados. Nada que os incomode, segundo parece.

    Vítor Ilharco é secetário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A diferença entre medo e terror

    A diferença entre medo e terror


    Foi uma semana de loucos.

    Marcelo de Rebelo de Sousa, incomodado por ter sido acusado de meter uma cunha, a pedido de uma sua nora, para que o Serviço Nacional de Saúde pagasse medicamentos no valor de quatro milhões de euros a duas crianças estrangeiras, ainda mais com os médicos a garantir que aqueles não ofereciam qualquer garantia de sucesso no tratamento de que necessitavam.

    Depois, soube-se que durante uma visita ao Bazar Diplomático, no Centro de Congressos de Lisboa, e na presença de uma dezena de jornalistas que tudo gravaram, Marcelo Rebelo de Sousa disse ao chefe da missão diplomática da Palestina, em Portugal, que alguns palestinianos não deviam ter começado esta guerra com Israel e aconselhou-os a serem moderados e pacíficos.

    Após o que se seguiu uma troca de palavras que teve muito de bazar e pouco, ou nada, de diplomático.

    Marcelo, é sabido, não leva desaforos para casa e diz o que lhe vai à cabeça independentemente de quem o contesta e do local em que o faz. Como bem ficou a saber o Embaixador da Palestina que nem teve que esperar para ser recebido no recato do Palácio de Belém, talvez com a presença do Ministro dos Negócios Estrangeiros, para ouvir das boas do Presidente da República.

    Perante as reacções, e as promessas de ajuntamento de protesto em frente ao Palácio de Belém, Marcelo resolveu ir para a rua afim de se manifestar contra si próprio. Mais, foi o primeiro a chegar, tecendo fortes críticas aos seus contestatários pela falta de pontualidade.

    Depois, teve a oportunidade de discutir com todos eles, um a um, e ainda o cuidado de, passados uns minutos, tirar o palito da boca não fosse o caso de qualquer um dos mal educados que por ali se manifestavam lhe acertar com os dedos que apontavam a poucos centímetros da sua cara.

    No dia seguinte, Marcelo justificou-se:

    “Nem percebo o alarido, não percebo. Foi o embaixador da Palestina que levantou a questão, não fui eu. Ele é que disse que a situação era muito complicada e deu as suas razões. No meu comentário, eu disse: atenção, é muito importante a moderação. E depois disse que foi pena que este caso tivesse nascido de um determinado lado.”

    Aos amigos mais próximos, terá dito:

    “O gajo é que começou e eu ficava-me?”

    E foi dar uma volta no primeiro automóvel que circulou em Portugal no longínquo ano de 1895.

    Em viaturas mais recentes, uma quantidade de Procuradores do Ministério Público, e agentes da Polícia Judiciária, deslocaram-se para fazerem umas buscas a residências particulares e oficiais, incluindo a do Primeiro-Ministro.

    Ao que consta a razão principal tem a ver com os negócios do lítio, do hidrogénio e de um data center, e poucos portugueses ficaram surpreendidos.

    Era mais que previsível que, mais dia menos dia, isso iria acontecer.

    Não houve um português que tivesse ficado surpreendido.

    Quem conhece o funcionamento da Justiça sabe que tudo se desenrolaria depois da “investigação” terminar.

    O que, em português, quer dizer: “Depois de todas as escutas telefónicas terem sido ouvidas:”

    Para se fazer uma acusação, no nosso país, basta isso.

    Os portugueses, ao telefone, e nas redes sociais, contam toda a sua vida, convictos de que uma chamada telefónica é uma conversa “a dois”.

    Ou que bastará usar um código primário para possíveis investigadores ficarem baralhados.

    Dizem: “Tábem, eu desenrasco isso mas tens que me depositar vinte lençóis dos maiores na minha conta. Depois mando o nib.” e ficam convictos de que os magistrados aceitarão que se referiam a roupa de cama e não a notas.

    Não é que eu considere os nossos juízes e procuradores gente de inteligência superior, mas há que reconhecer que, até eles, perceberão que algo não bate certo nesta conversa.

    Concluídas as buscas, ficaram cinco pessoas detidas, duas delas muito ligadas ao Primeiro-Ministro, e ele próprio, para além do ministro que ele tanto tem apoiado (João Galamba), ficou ligado ao Processo.

    O que levou a que António Costa tivesse pedido a sua demissão.

    Aqui chegados, começam os portugueses a temer o pior.

    Gente com medo do futuro próximo atendendo aos putativos candidatos ao lugar de líder do Governo.

    Imaginar que o Partido Socialista avance, por exemplo, com o nome de Medina faz suor frio ao mais corajoso.

    Pensar na hipótese de, perante estes dois anos de autoflagelação dos dirigentes do PS, a recolha cair em Luís Montenegro dá medo.

    Admitir a hipótese deste se coligar a André Ventura aumenta esse medo e a vontade de seguir o conselho de Passos Coelho e emigrarmos.

    Mas o terror, o verdadeiro terror, é sabermos que quem está a gerir esta situação complicada é Marcelo Rebelo de Sousa.

    Não creio que ele tenha mais capacidade nas opções políticas do que na escolha das suas bebidas e, ele mesmo confessa, chega a desmaiar por beber um moscatel quente depois de um Fortimel…

    Por mim falo: estou em pânico!

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Serviço Nacional de Saúde: as saudades que tenho do ‘SNS do Arnaut’

    Serviço Nacional de Saúde: as saudades que tenho do ‘SNS do Arnaut’


    O que se passa com a Saúde em Portugal?

    Ouvimos críticas diárias da população, em geral, e de praticamente todos os políticos que não sejam os do Partido no Poder.

    Os médicos e os enfermeiros andam em luta, há meses, com reivindicações que o Governo considera impossíveis de atender.

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    Os Bombeiros não conseguem fazer o seu trabalho em condições, já não só por falta de verba mas porque as suas ambulâncias ficam paradas, durante horas, às portas dos hospitais, porque os doentes que transportam têm de ficar nas macas das viaturas por não haver camas vagas no edifício.

    A maior parte dos hospitais vão perdendo médicos especialistas levando a que os seus antigos utentes se tenham que deslocar para outras localidades, muitas vezes a dezenas de quilómetros de distância. 

    No entanto, sempre que o Primeiro-Ministro se debruça sobre este tema é peremptório: nunca houve tantos médicos em Portugal, o número de consultas tem aumentado em dezenas de milhares todos os anos, tal como as cirurgias e, mais, nunca se investiu tanto na saúde como nos dias de hoje com o Orçamento do Serviço Nacional de Saúde a chegar aos 14 mil milhões de euros.

    Fiquei um pouco mais esclarecido – sobre o que tem levado a esta aparente contradição, de haver cada vez mais médicos, consultas, cirurgias e dinheiro, mas, em simultâneo, um aumento nas queixas por dificuldades nos atendimentos, incluindo aos doentes em risco, e um descontentamento generalizado de médicos, enfermeiros e utentes – quando li um texto do Professor Miguel Gouveia, da Universidade Católica de Lisboa.

    Escreveu ele:

    O problema é que no SNS estes profissionais de saúde têm uma produtividade baixa. A raiz do problema não é apenas a redução do horário de trabalho de alguns profissionais para as 35 horas semanais. As estimativas da produtividade por hora trabalhada indicam que mesmo nesta perspetiva mais específica a situação se deteriorou.

    Porque é que a produtividade dos profissionais de saúde baixou? Não é por falta de esforço ou pelas poucas horas de trabalho. Pelo contrário, as preocupações são que muitos profissionais de saúde estão em situação de “burn out”, ou seja, no limiar ou para lá do esgotamento. Como se explica então que haja mais médicos, que estes trabalhem tão intensamente e que tantos problemas de saúde não sejam resolvidos?”

    Quando eu pensava que o Professor Miguel Gouveia seria mais um a apontar para o envelhecimento da população como razão principal para o problema, fiquei surpreendido ao constatar que, sendo este um dos motivos apontados, os dois principais culpados deste caos, para ele, são a má gestão dos hospitais e “o não financiar de forma razoável as unidades de cuidados continuados, na sua grande maioria não estatais” fazendo com que “o Estado tenha estado a estrangular estas unidades e a reduzir a sua capacidade de oferta de cuidados e logo a forçar o desvio para dentro do SNS de muitos consumos de recursos”.

    Este texto, que devia ser de leitura obrigatória, é elucidativo sobre a criação e ampliação deste enorme problema, mas dá, também, algumas pistas para a sua correcção.

    Se, pelo menos, os responsáveis o tivessem em conta, talvez fossem evitados alguns dos dramas que se vivem nos nossos hospitais e que já vão sendo de tal modo frequentes que começamos a ser cúmplices das maiores vergonhas e humilhações a que os cidadãos que procuram cuidados médicos estão sujeitos.

    Nem que seja pelo silêncio e pelo engolir da revolta.

    É que a remodelação profunda no Serviço Nacional de Saúde também passa, ou deveria começar, pela consciência que todos os que ali trabalham deveriam ter pela gente fragilizada, muitas vezes em pânico, que a eles recorre como sendo a sua última esperança.

    Sim, muitas vezes estes profissionais estão esgotados, e legitimamente zangados, pelo modo como o Estado, e alguns utentes, os tratam.

    Sim, muitas vezes sentem-se impotentes por não terem os meios para o cumprimento escrupuloso da sua missão e têm que improvisar, que fazer horas extraordinárias e deixarem a sua vida, e a dos seus, para trás.

    No entanto, há linhas limite que não podem ser ultrapassadas. Custe o que custar.

    Esta semana atingiu-se o apogeu da falta de profissionalismo no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, onde uma jovem de 32 anos, grávida de oito meses, foi informada, numa consulta de rotina, que a filha “não tinha batimentos cardíacos”.  

    Foi medicada “para induzir o parto” e mandada para casa.

    No dia seguinte regressou ao hospital para o parto mas, por não haver pessoal para o realizar, voltou para a sua residência com o feto na barriga.

    A jovem optou por não ficar na enfermaria porque iria ficar “com outras mulheres grávidas ou recém-mães com os seus bebés” o que, obviamente, iria aumentar o seu terrível trauma.

    Só três dias depois o parto foi feito.

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    Sou um acérrimo defensor do Serviço Nacional de Saúde e estou imensamente grato aos seus fundadores e a todos os profissionais com que me tenho cruzado.

    Mas sei que nem eles se revêm naquilo em que ele se transformou.

    Tenho saudades do meu SNS.

    Do SNS de António Arnaut.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Doentes mentais são para esconder

    Doentes mentais são para esconder


    A APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso e a OVAR – Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos denunciaram, durante anos seguidos, a presença de centenas de reclusos inimputáveis espalhados pelas 49 cadeias portuguesas.

    Uma vergonha num país europeu que se quer moderno e democrático.

    Sobre este gravíssimo problema Mafalda Pissara escreveu, a 10 de Maio de 2017, no Jornal Universitário do Porto (JUP) um texto com o título “A Inimputabilidade no Direito Penal Português” onde esclarecia:

    “Para que se compreenda a inimputabilidade, importa primeiro falar na culpa. Para haver um crime, a ação que lhe corresponde tem de ser, entre outros, culposa, isto é: há um juízo de censura que se dirige ao concreto agente que cometeu o crime. Portanto, atendendo aos seus conhecimentos e às circunstâncias concretas do crime, pode ser censurável ou não.

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    Ora, o inimputável é aquele que é incapaz de culpa; ele pratica condutas que não são admitidas pelo Direito – são ilícitas -, mas sem culpa. O regime da inimputabilidade está previsto nos artigos 19.º e 20.º do Código Penal (CP).

    No artigo 19.º estabelece-se a inimputabilidade em razão da idade – “os menores de 16 anos são inimputáveis”.

    O artigo 20.º do CP, por sua vez, consagra a inimputabilidade em razão de anomalia psíquica: essa anomalia tem de impedir o agente de distinguir aquilo que é permitido do que não é permitido (o lícito do ilícito); ou, conseguindo distinguir, é-lhe impossível controlar-se e agir de acordo com o que é permitido.”

    O que acontece, todavia, é que um inimputável é julgado em Tribunal, muitas vezes condenado a uma pena de prisão, e não internado num hospital ou clínica psiquiátrica.

    Man in Black Pants Sitting on Bed

    Pior, quando acabava de cumprir os anos a que fora condenado era analisado por médicos que determinavam se continuava a ser perigoso para a Sociedade sendo que, nesse caso, era determinado que continuasse preso por períodos de mais dois anos após o que se seguia nova perícia e novo prolongamento da pena.

    Maneira encapotada de condenar um cidadão (para mais doente) a prisão perpétua que, como se sabe, foi abolida no nosso país onde ninguém pode ser condenado a mais de 25 anos de cárcere.

    A recente denúncia – por parte das duas Associações acima indicadas – do caso de um recluso, considerado inimputável, que estava preso há 37 anos, talvez porque tenha tido acompanhamento na comunicação social, fez tocar as campainhas de alarme e aconteceu o habitual: foi publicada, rapidamente, uma Lei a tentar corrigir a situação.

    Só que, analisada friamente, acabou por agravá-la.

    Determina essa Lei que nenhum recluso pode continuar preso após ter cumprido a sua pena, na íntegra.

    O que parecia ser uma descoberta digna de La Palisse resultou, neste caso concreto, no agravar de uma situação já de si dificílima.

    O recluso inimputável é colocado em liberdade. E depois?

    Low Section of Man Against Sky

    Quem protege a Sociedade de um cidadão perigoso?

    E quem o protege da Sociedade que se sente no direito de se defender?

    E quem protege a Família com um problema destes em casa?

    A APAR defendeu, sempre, que quando um cidadão chega a tribunal, para ser julgado, caso haja suspeitas sobre a sua saúde mental, os juízes devem requerer uma perícia médica.

    Se as suspeitas se confirmarem, e o cidadão for considerado inimputável, independentemente do crime que tenha cometido, deve sair da alçada da Justiça e passar para os cuidados do Ministério da Saúde.

    Pelo simples facto de ser um doente e não um criminoso na verdadeira acepção da palavra.

    Deve ser internado num quarto de hospital psiquiátrico, tratado e guardado por enfermeiros e médicos e não numa cela de uma qualquer prisão ao cuidado de guardas prisionais, sem capacidade para com ele lidar e para segurança de todos.

    Para além do mais, se a sua doença não for curável, o que infelizmente acontece com frequência, poderá e deverá ficar internado até ao fim da sua vida e sem se infringir qualquer lei.

    Photo of a Victim of Domestic Abuse

    É doloroso reconhecer isto, mas é a realidade.

    Para além do mais há a situação dos juízes que, certamente, não ficarão confortáveis ao condenar à prisão alguém que ali está por ser doente.

    Todos sabemos que a única razão para esta prática é que a falta de hospitais psiquiátricos, e a necessidade de isolar estes doentes, obriga ao recurso desumano de os “internar” numa cadeia.

    Poucos saberão, todavia, que ali são duplamente punidos porque a comunidade reclusa deles se defende, muitas vezes com violência, quando são fisicamente perigosos, ou deles abusa quando são apáticos, desligados do mundo, inofensivos.

    Esta lei é uma tentativa de lavar as mãos de décadas de inércia e incompetência de vários Governos.

    Como muitas outras, agravou o problema, repete-se.

    Não sei como o resolver, confesso, a não ser com a criação de mais clínicas e hospitais psiquiátricos.

    Vivendo em Portugal sei que isso é extremamente difícil.

    Person Washing Hands on Sink

    As prioridades, no nosso País, são estranhas.

    Aqui governa-se com prazos de quatro anos, no máximo, porque o que conta são os resultados das eleições e os inimputáveis não votam.

    Embora, por vezes, e atendendo aos resultados, eu fique com muitas dúvidas.

    Vítor Ilharco é secetário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • ISS: Impostos sobre sucata

    ISS: Impostos sobre sucata


    A imaginação do Ministro das Finanças não tem limites.

    Descobriu (também não era difícil) que os portugueses, há muito, tinham deixado de poder comprar veículos novos, muito pela sobrecarga dos impostos que têm de pagar, e encontrou uma solução para aumentar as receitas: cobrar impostos mais elevados aos carros com data de matrícula anterior a 2007.

    Segundo as contas de Fernando Medina, o Imposto Único de Circulação aumentará, para todos, à taxa de inflação, mas será mais penalizador para os mais antigos.

    Vintage rusty broken car on gravel

    Contas feitas por especialistas garantem, no entanto, que há a possibilidade de veículos, a gasóleo, anteriores a 2007, terem um agravamento do IUC de 1.746%.

    Vou escrever por extenso para se perceber bem: mil setecentos e quarenta e seis por cento!

    Esperemos que a inflação não chegue a esses números…

    O jornal ECO fez contas e concluiu que o IUC dos automóveis a gasolina aumentará, em média, 347% e os carros a gasóleo contarão com um aumento médio do imposto de 591% durante os próximos anos”.

    A “desculpa” dada para este aumento prende-se com a diferença actualmente existente no imposto pago entre alguns carros, a gasóleo, com matrículas anteriores a 2007 e os mais recentes.

    Garante o Governo que, por uma questão de justiça, se deveria diminuir essa diferença que chega a ser de sete vezes menos para os mais antigos.

    “Esquecem”, todavia, que os carros com matrícula anterior a julho de 2007 pagam hoje menos IUC (tal como nos últimos 16 anos) porque pagaram mais impostos no momento da sua aquisição.

    selective focus photography of assorted-color vehicles

    A realidade é que os carros velhos, de modo geral, são usados pelos portugueses de meia idade e idosos, muitos deles sobrevivendo, unicamente, com reduzidas pensões.

    Ou por trabalhadores com salários baixos, que precisam do seu automóvel para a labuta diária, mas sem dinheiro para o mudar por um mais novo.

    Tudo gente que raramente recebe uma boa notícia e que, quando tal acontece, sabe convictamente que a sua alegria não vai demorar muito.

    Aumento na pensão?

    Em breve chegará um aviso das Finanças com um novo imposto de valor superior a tal aumento.

    Fim das taxas moderadoras?

    Aumento substancial nos medicamentos.

    Muitíssimos trabalhadores portugueses, bem como praticamente todos os pequenos empresários, repito, têm o seu automóvel como uma “ferramenta” absolutamente essencial para o desempenho da sua profissão.

    wrecked single cab pickup truck on field

    Custa-lhes caro.

    Os combustíveis não param de aumentar, as reparações são absurdamente caras, tal como os seguros.

    Com este aumento num dos impostos a situação vai piorar ao nível do incomportável.

    Pode optar por mandar a viatura para abate, a troco de cem euros, e passar a andar de transportes públicos.

    Se e quando os houver.

    Se, porque em muitas localidades são uma miragem.

    Quando, porque são imensos os dias em que estes não cumprem os horários, seja pelo número de greves, seja por avarias ou, simplesmente, pela incompetência de gestores e preguiça dos motoristas.

    Tentei deixar de lado estas notícias, para não deteriorar, ainda mais, a minha saúde e começar a pensar em coisas mais agradáveis.

    green car

    Decidi preparar um petisco e sentar-me a ler um bom livro.

    Chegado à cozinha, olhando em volta, fiquei em pânico.

    Quando é que o Medina vai pensar em criar impostos sobre os electrodomésticos antigos?

    Se não pelo ambiente (desculpa que tem servido para tudo), por razões estéticas, por exemplo.

    É que o meu frigorífico já não vai para novo, o fogão tem o forno a trabalhar a cinquenta por cento e o micro-ondas faz birras.

    Sabendo que a diferença entre um cidadão vulgar e um membro do Governo é que enquanto aqueles se deparam com problemas estes arregalam os olhos perante oportunidades de fazer dinheiro, a constatação do estado destes aparelhos é um péssimo presságio.

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    Este país não é o mais indicado para a “peste grisalha”, avisou-nos um deputado, que muitos apelidaram de imbecil, mas que, com toda a certeza, não corre o risco de ver aumentar o imposto dos seus automóveis.

    É menino para ter vários, mas todos comprados nos últimos anos.

    Tivesse eu força e coragem e seguiria o conselho de outro político, não menos imbecil, e emigraria.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Um catraio de fato de treino

    Um catraio de fato de treino


    O Orçamento de Estado é, indiscutivelmente, um dos principais documentos políticos, elaborado pelo Governo, para posterior análise e aprovação da Assembleia da República.

    Nele são definidas as grandes prioridades do Executivo e é a sua leitura que permite saber, com exactidão, quais as reais prioridades de quem nos governa pois ali são discriminadas todas as verbas destinadas a cada um dos sectores da nossa vida em comum.

    A leitura atenta e a análise profunda, são uma obrigação óbvia dos políticos de todas as tendências, mas também dos empresários, sindicalistas, economistas, jornalistas e, de um modo geral, de todos quantos se preocupam com o dia-a-dia do País.

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    A verificação, até ao mais ínfimo pormenor, que pode até ser considerada científica, é uma obrigação para quem tenha como intuito uma carreira política.

    Até porque, é sabido, o Orçamento de Estado é analisado, com toda a minúcia, também na Comunidade Internacional, em geral, e na Europeia em particular.

    A Oposição espera, com ansiedade, a divulgação do documento.

    De um modo geral para poder demonstrar as divergências que tem com o Executivo na escolha dos principais objectivos e nas verbas a atribuir a cada área.

    A população, nomeadamente a mais esclarecida, fica a aguardar as explicações do Governo, que tentará provar o rigor e a correção das suas opções, mas também, as críticas da Oposição indicando eventuais más escolhas nas preferências do Executivo.

    A apresentação do Orçamento para 2024 não fugiu à regra.

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    Logo após a entrega na Assembleia da República, e distribuído pelos Grupos Parlamentares, o Orçamento começou a receber todo o género de críticas.

    A primeira surpresa veio da velocidade com que os deputados conseguiram ler um documento extenso e que, como ensinam na Faculdade, “contém três documentos essenciais: a Lei do Orçamento do Estado, o Relatório Descritivo e os Mapas de Previsões”, sendo que “cada um destes documentos desempenha uma missão fundamental para a rigorosa e organizada gestão das finanças nacionais, sendo alvo do escrutínio e análise das diferentes instituições democráticas. O conjunto de todos os documentos, com diferentes graus de detalhe, reúne não só informação analítica relacionada com o Orçamento, mas também várias definições estratégicas e políticas que estão na sua base.”

    Nada que deputados, e líderes políticos, não tenham conseguido apreender em poucos minutos.

    Ouvi, atentamente, os representantes de todos os partidos na Oposição.

    De um modo geral foram muito críticos aos autores do documento e prometendo, desde logo, um inócuo voto contra a aprovação do mesmo.

    Inócuo porque, tendo o Partido do Executivo uma maioria absoluta no Parlamento, o Orçamento será, evidentemente, aprovado.

    Ainda assim, ouvi com interesse e toda a atenção, as críticas sendo que, com muitas delas, estava de acordo.

    Aguardei, com pouca expectativa, reconheço, a análise do líder da Oposição que, por enquanto, ainda é o Presidente do PSD.

    Por absoluta deficiência da qualidade da imagem do meu televisor, apareceu um catraio, vestido com um fato de treino, com um palito ao canto da boca, que definiu , deste modo, o documento:

    “É assim uma espécie, mais uma vez, de um orçamento pipi, de um orçamento que aparece bem vestidinho, muito apresentadinho, mas que é só aparência, é assim muito betinho.”

    Os responsáveis de Escolas e Universidades, Hospitais e Centros de Saúde, Polícias e Forças Armadas, Investigação, Cultura, Desporto, Prevenção e Combate aos Incêndios, Transportes Públicos e Justiça ficaram esclarecidos sobre a alternativa ao Governo actual.

    Este candidato a Primeiro-Ministro de Portugal já tinha aparecido, há dias, nas televisões, para dar a sua opinião sobre as diferenças políticas entre o Partido Socialista e o Chega.

    Dizia o rapaz de fato de treino e palito ao canto da boca, que António Costa e André Ventura eram “um casal de namorados que andavam aos beijinhos um ao outro” só para fazerem ciúmes ao seu Partido.

    Como ninguém tem coragem para o impedir de se chegar a um microfone só espero, para bem de todos, que este Governo tenha, no momento do debate sobre o Orçamento para 2025, um outro líder de Oposição e que esse não se veja forçado a descer de um andaime de obras para falar em nome do seu Partido.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Ensaio sobre os chalupas

    Ensaio sobre os chalupas


    Os dicionários ensinam que chalupa é “uma pequena embarcação com um ou dois mastros, usada sobretudo para navegação de cabotagem”.

    Depois, acrescentam que a palavra também pode definir “pessoa que perdeu o uso da razão, que não tem sanidade mental, que é demente, doido, maluco”.

    Conheço gente, cruzo-me diariamente com muita, a quem o segundo significado fica que nem uma luva.

    Não conseguirei distinguir a chalupa/embarcação, de um cacilheiro ou de um barco de pesca.

    Preferia que fosse o contrário, mas não sou conhecido pela minha sorte.

    man in black crew neck shirt

    Vem isto a propósito de um comentário do nosso Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aos jornalistas do “Tal & Qual”, quando estes o questionaram sobre o seu equilíbrio mental, devido ao comentário que fez sobre o decote de uma jovem lusodescendente, no Canadá: “Ainda apanha uma gripe, já viu bem, com esse decote?”

    A questão, que tem a sua pertinência porque, a provar-se tal deficiência, seria motivo para a sua destituição do cargo, mereceu a seguinte resposta:

    Não estou maluco, estou igual ao que sempre fui, mas prometo quando tiver o primeiro sinal avalizado por especialistas, ou sentido por mim, telefono ao Tal&Qual e aviso que estou chalupa“.

    Foi pouco esclarecedor e confuso.

    Em primeiro lugar, o facto de dizer que está “igual ao que sempre foi” tanto pode provar que “ele não está chalupa” como “ele sempre foi chalupa”.

    Dúvida que fica mais forte depois do relato do jornal sobre caso idêntico passado em 2005.

    “Enquanto estava num jantar-conferência da Universidade de Verão do PSD, uma aluna de 19 anos, disse o seguinte ao então professor e comentador político: Gostava de dizer que o grupo azul não está hipnotizado, mas ouviu com toda a atenção e todo o prazer.

    Marcelo respondeu na altura: “Começo por dizer que hipnotizado estou eu com o decote da companheira! Obviamente não pelo decote, mas pela beleza da companheira!”.

    Em segundo lugar porque admite a hipótese de alertar a população para o facto de estar chalupa no caso de se sentir tal.

    Tanto quanto julgo saber, qualquer chalupa negará, sempre, que é chalupa.

    Pior, quanto mais chalupa for, mais veementemente se recusará a admitir que o é.

    Muitíssimo pior, se chegar ao apogeu da “chalupice” (seja lá isso o que for) até nos especialistas deixar de acreditar.

    Sei que o texto a que me estou a referir foi escrito em termos simpáticos, bem-humorados e a tentar tornar inócuos estes episódios.

    Comigo resultaria se, ao mesmo tempo, não houvesse outras frases bombásticas do nosso Presidente.

    Infelizmente, houve.

    O último exemplar da revista “Sábado” traz a seguinte citação de uma frase proferida pelo Presidente, na conferência da Confederação do Turismo:

    “Pela primeira vez estou optimista. Temia chegar ao fim do mandato sem sequer ver a primeira pedra do aeroporto.”

    A frase é ambígua, outra vez, porque não esclarece de que aeroporto fala e não é óbvio que a primeira pedra que ambiciona ver seja a indicadora da construção de um novo.

    Pode, muito bem, estar a falar da primeira pedra, lançada há décadas, no início da construção de um já existente.

    Pelo que se conhece de Marcelo Rebelo de Sousa, parece óbvio, todavia, que ele se refere ao sempre anunciado novo aeroporto de Lisboa.

    O Aeroporto Santa Engrácia.

    E isso é muito preocupante.

    Se se confirmar esta última hipótese seria caso para ser “avalizado” pelos especialistas de saúde mental.

    O seu segundo mandato – que é, como se sabe, de cinco anos – começou em 2021, pelo que dois desses anos já se passaram, e terminará, se tudo correr normalmente, em 2026.

    Marcelo pensará que, durante esse período, vai assistir, quiçá participar, ao lançamento da primeira pedra do novo aeroporto de Lisboa (digamos assim), que ainda ninguém sabe, ao fim de décadas de estudos, propostas e concursos, onde será construído.

    E diz isso sem se rir?…

    Há quem diga que “muito riso, pouco siso”.

    Neste caso, é exactamente o contrário.

    Dizer o que disse, sem se rir, é preocupante porque, quem não o conheça bem, vai pensar que falou depois de ponderar.

    E até acreditar no que diz.

    As suas palavras não serão tão graves como as garantias do seu antecessor sobre a qualidade das contas do BES, há que reconhecer.

    Todavia, a simples hipótese de acreditar na possibilidade que anunciou, vai deixar muita gente a pensar que, a qualquer momento, o “Tal & Qual” irá receber uma chamada preocupante de Marcelo Rebelo de Sousa.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Ecologistas radicais

    Ecologistas radicais


    Acredito que não haja um único cidadão, com um nível de cultura médio, que não esteja de acordo com a necessidade da defesa do ambiente.

    O problema é que, de igual modo, mesmo entre estes, uma grande maioria pensa que o simples facto da mudança individual de hábitos, em prol deste objectivo, tenha resultados significativos a nível global.

    Que importância terá que eu compre um carro de que gosto embora saiba que é mais poluidor do que o habitual?

    Que mal vem ao mundo se eu estiver quinze minutos, diariamente, debaixo do chuveiro para um duche retemperador?

    high-angle photography of woman bathing below waterfalls during daytime

    Separar o lixo, em casa, é importante mesmo sabendo que, depois, em muitos concelhos, a recolha é feita misturando tudo por falta de viaturas apropriadas para levar o processo até ao fim?

    Porque é que eu não poderei comprar computadores, ou telemóveis, de última geração, mesmo tendo outros em bom estado e com todas as condições para todos os meus trabalhos?

    Regressar aos sacos de pano, para evitar, numa ida às compras, o gasto de alguns sacos de plástico, que importância pode ter a nível global?

    As respostas a estas, e a tantas outras perguntas acerca do despesismo desenfreado em água, material plástico, produtos petrolíferos, transportes, seria extraordinariamente surpreendente.

    A consciência colectiva só pode existir, obviamente, com o apoio de todos e cada um dos cidadãos.

    É fácil culpar as grandes empresas e os governos dos países mais poluidores.

    Evidentemente que são eles os culpados. Mas só porque há milhões de “eus” a optar pelos seus produtos.

    Os radicalistas começaram a explicar tudo isto de modo simples e sentido.

    aerial photography of concrete roads

    Quase sempre com o apoio de uma juventude cada vez mais culta e interventiva.

    A mensagem começou a passar e a ganhar força.

    Começou, até, a ser moda.

    Às manifestações públicas aderiam dezenas de milhares de cidadãos.

    As televisões divulgavam.

    Os políticos começaram a prestar atenção (e um apoio envergonhado) ao Movimento.

    Os partidos Verdes começaram a ganhar força e militantes.

    Como seria de esperar as grandes empresas industriais, para quem o lucro é o essencial, reagiram.

    E fizeram-no com profissionalismo e grandes investimentos, tentando pôr em causa as informações de cientistas de diversos países.

    Chegou-se ao ponto de um Vice-Presidente dos Estados Unidos, se apresentar como candidato à Presidência usando o combate contra a política ambiental como bandeira na campanha eleitoral.

    Al Gore em debate contra George Bush nas eleições presidenciais norte-americanas de 2000.

    Este, Al Gore, Vice-Presidente de Bill Clinton, perdeu contra George W. Bush por uma percentagem de 0,009 dos votos.

    A ecologia acabou, de novo, derrotada pelo apoio da indústria petrolífera e de todas aquelas que sentiam poder perder lucros fabulosos se fossem criadas as restrições que se impunham em prol da conservação ambiental.

    Campanhas fortíssimas de publicidade, denegrindo os esforços de ecologistas, pondo em causa todas as suas informações e teorias, muitas vezes sem permitir contraditório, começaram a fazer com que estes perdessem algum do seu protagonismo e espaço na comunicação social.

    Contra isso, iniciaram uma luta que se mostrou desastrosa porque baseada num radicalismo que uma grande franja dos seus apoiantes não entendia e considerava exagerada e, mesmo, ilegal.

    Acções como as da Greenpeace e da Just Stop Oil, atacando petroleiros, ou, noutra proporção, invadindo e destruindo, propriedades privadas, como aconteceu em Portugal, num campo de milho transgénico de uma herdade de Silves, fizeram milhares de pessoas descrer destes activistas e, por arrastamento, deixarem de apoiar a sua luta.

    man in green hoodie walking on street during daytime

    Nos Estados Unidos, por exemplo, o FBI considera alguns movimentos ecológicos como “terroristas” acusando-os de envolvimento em incêndios criminosos, em empresas revendedoras de veículos desportivos de vários estados americanos, de ataques contra laboratórios que usam animais em pesquisas e contra a indústria farmacêutica e cosmética. Os ataques não terão causado mortos, mas, de acordo com o FBI, esses atentados têm-se tornado maiores e mais frequentes nos últimos tempos.

    A ânsia de dar nas vistas leva alguns activistas à tomada de medidas que a população critica e que, muitas vezes, fazem passar uma imagem de infantilidade e má-educação que acaba por se virar contra eles.

    A última cena, com um grupo de imbecis atirando ovos com tinta verde ao Ministro do Ambiente, em Portugal, é disso um exemplo.

    Para mais, este nem sequer apresentou queixa fazendo passar a ideia que considerava os agressores uns desmiolados inimputáveis.

    O radicalismo é, sempre, uma prova de menoridade.

    green leafed plant in egg shell

    Os ecologistas terão, para defesa de todos, de regressar à actividade com base num trabalho de esclarecimento credível, porque assente em estudo, seguindo os conselhos dos cientistas e estudiosos do tema, e sem facilitarem nos seus posicionamentos pessoais.

    O seu comportamento, no dia-a-dia, tem de ser condizente com o que dizem defender.

    Um ecologista “Frei Tomás, faz o que ele diz e não faças o que ele faz” não só não merece qualquer crédito como é o principal inimigo da comunidade científica.

    E isso, aqueles que querem um Planeta melhor, não lhes podem perdoar.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Estou com os azeites

    Estou com os azeites


    As últimas notícias, sobre o aumento em produtos essenciais, têm feito com que a minha tensão arterial suba, os nervos fiquem descontrolados e a raiva me invada.

    Sempre que algum Governo anuncia um aumento de três, ou quatro, por cento, nos salários ou nas reformas, logo aparecem responsáveis pela produção e venda de produtos de primeira necessidade a apontar para subidas vertiginosas nos produtos essenciais à nossa vida.

    Hoje, a notícia é a de que o azeite deve chegar, em breve, aos dez euros por litro. Talvez mais.

    Em Espanha já optaram por assaltar um armazém para roubar azeite no valor de 420.000 €.

    Conseguiram mais do que se tivessem levado todo o conteúdo de um cofre bancário.

    Sou um português idoso e, para aqueles que dizem que a vida, hoje, está difícil, quero garantir que este é o estado normal de Portugal desde que me conheço.

    Lembro bem o saudoso Raul Solnado a queixar-se do custo de vida, em relação ao seu ordenado, que estaria longe de ser dos mais baixos:

    “Com este meu salário, e o aumento do custo de vida, passo grandes dificuldades nos últimos dias de cada mês. Principalmente nos últimos vinte e nove!”

    A vida melhorou imenso nestas últimas décadas, há que reconhecer, mas é nossa sina nunca conseguirmos apanhar os países mais desenvolvidos.

    10 and 20 banknotes on concrete surface

    E sem que consigamos estar de acordo quanto às verdadeiras razões desse falhanço.

    A dimensão do país?

    Mas há países muito mais pequenos e muito mais evoluídos.

    As riquezas naturais?

    Há países com muito menos que nós e onde os habitantes têm uma vida melhor.

    Será pela capacidade intelectual dos portugueses?

    Mas como, se em todos os países de referência, há portugueses em lugares de destaque e tornando os países para onde imigraram mais ricos e poderosos?

    A explicação mais coerente, pelo menos para mim, é que Portugal tem sido, ao longo de séculos, mal governado.

    Os portugueses consideraram, sempre, os políticos como indivíduos à procura de “tachos” e dos proveitos que poderão ter, depois de saírem do Governo (“a posta, depois da pasta”, dizia-se no tempo de Salazar).

    E têm alguma razão.

    close-up photo of assorted coins

    Não querem é entender o porquê desta situação.

    E a resposta é simples se formos analisando, friamente, o que se passa.

    Portugal tem gente competente para constituir um muito bom Governo?

    Resposta: “Sim, sem dúvida!”

    Essas pessoas seguem essa carreira?

    Resposta: “A imensa maioria, não!”

    Sabemos porquê?

    Resposta: “Sim. Porque consideram que os cargos de ministros, secretários de Estado, deputados, autarcas, são mal pagos e conseguem ordenados muito superiores nas empresas privadas.”

    Devíamos pensar nisto.

    Não pagar, a um putativo Ministro – capaz de apresentar obra, com aptidão para fazer evoluir o país, que seja competente, culto e com provas dadas na sua área – um ordenado equiparado ao que as empresas privadas lhe oferecem, optando pela solução mais barata, que é o escolher jovens acabados de sair das faculdades ou das “juventudes partidárias”, sem experiência de vida, sem cultura, sem curriculum, não pode dar bom resultado.

    Apostamos na poupança imediata e perdemos, pela incompetência dos escolhidos, milhões de euros e anos de progresso a médio e longo prazo.

    E o pior é que tudo isto acontece, de igual modo, nas diversas oposições.

    Salvo raríssimas excepções, os líderes dos partidos fora do Governo são igualmente maus, pelo que os eleitores não têm qualquer esperança numa mudança radical, a curto prazo.    

    Os discursos destes são, de um modo geral, de uma pobreza atroz.

    Alguém lhes terá dito que uma frase com sentido de humor é eficaz, esquecendo-se de os informar que o humor é irmão siamês da inteligência.

    O resultado, muitas vezes, é catastrófico.

    Montenegro, por exemplo, considerou hilariante dizer que o actual Primeiro-Ministro e o líder do Chega “são namorados e andam aos beijinhos”.

    Não deu vontade de rir mas, sim, de lhe calçar uns patins a jacto que o levassem até Boliqueime para sabermos se Cavaco Silva repetiria que o rapaz está mais preparado para ser Primeiro-Ministro do que ele estava quando assumiu esse cargo pela primeira vez?

    Para mim seria um empate técnico, mas espero não ter que vir a descobrir se estou certo porque isso seria sinal de que o povo português tinha ensandecido no momento da votação.

    Os últimos dias têm sido penosos.

    Tivemos que acompanhar o debate da Moção de Censura ao Governo, que resultou nas oposições a censurarem-se entre elas, para gáudio dos militantes do PS, ouvir a intervenção de Marcelo, dizendo que “we are bacalhau, we are caldo verde, we are cozido à portuguesa, we are vira, we are corridinho e fandango”, esquecendo-se de acrescentar “we are os idiotas da Europa” e ficámos a saber que Cavaco Silva escreveu um livro intitulado O Primeiro-Ministro e a arte de governar.

    Fiquei convencido de que este país não tem cura.

    Desculpem o meu desalento, mas, como sabem, eu costumo andar em contramão e, hoje, estou com os azeites.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O ridículo mata

    O ridículo mata


    Um professor de História, nos meus tempos de Liceu, garantiu à sua turma de alunos que Winston Churchill teria afirmado que “Governo que não cai com um Golpe de Estado pode cair pelo ridículo”.

    Não consegui encontrar essa citação em mais lado nenhum, mas acredito que a frase tem lógica.

    Quando um governante, ou um chefe, toma uma atitude ridícula, seja para se promover seja para se justificar, consegue unicamente que se ponha em causa a sua sanidade mental.

    Por alguma razão os políticos actuais contratam assessores com a intenção de que estes os alertem para os riscos que alguns discursos, ou atitudes, possam causar.

    Ainda assim, somos confrontados, diariamente, com situações que nos fazem questionar o bom senso de alguns deles.

    Lembro as inúmeras intervenções dos líderes de todos os partidos da oposição ao Governo sobre o que consideravam ser, na altura, o único problema do País: o caso Galamba!

    Com a ânsia de abrir brechas no Governo, de o enfraquecer, de o derrubar, esmiuçaram uma parvoíce passada no gabinete daquele Ministro.

    Conscientes do baixo nível cultural e político de muitos portugueses apelaram ao populismo e ao ódio para os tentarem arregimentar.

    Semanas seguidas a discutirem todas as nuances de um caso de polícia, como se este fosse o grande problema da Nação.

    white and brown hallway with white columns

    Não devem ter parado um minuto para pensar que, por muito que as suas críticas tivessem algum fundamento, o tom dos seus discursos e a repetição, até à náusea, dos mesmos, fariam com que um cidadão, que vai às cinco da manhã para uma fila num qualquer Posto Médico, na ânsia de conseguir uma consulta, fique com vontade de atirar com o rádio portátil que levou para o ajudar a passar aquelas horas, às trombas do primeiro político que com ele se cruzasse, mesmo que fosse o secretário da sua Junta de Freguesia.

    Meses depois de António Costa decidir não aceitar a demissão que o Ministro lhe pediu (até este, farto de todo aquele Carnaval), confrontando o próprio Presidente da República, mostrando quem era ele, o líder do Governo, quem fala em Galamba que continua no seu posto?

    Este caso serviu de exemplo?

    Nada!

    Os políticos continuam, diariamente, a debitar conselhos, promessas, ameaças, a um Governo que não lhes dá qualquer atenção porque sabe que o Povo já não pode ouvir Montenegro, Mortágua e aqueles novos líderes, do Partido Comunista e da Iniciativa Liberal, cujo nome ninguém conhece.

    Gente que vai cair pelo ridículo.

    O Presidente está seguro no seu lugar. Unicamente porque essa é a regra.

    Mas são tantas as situações caricatas em que tem sido protagonista que o seu capital político acabou por se desvanecer e, hoje, os portugueses olham-no com um misto de desconforto e tristeza.

    Ver o seu modo de cumprimentar as diversas personalidades com quem tem de se cruzar, com um aperto de mão seguido de um movimento de tal modo brusco que lhes provoca desequilíbrio, ouvi-lo a dar opiniões sobre tudo e sobre todos, em qualquer lugar e em todas as circunstâncias, é deprimente.

    Recordar a sua presença, constante e forçada, ao lado do Papa Francisco, não percebendo o desconforto que isso provocava, é angustiante.

    Não há dia em que não fale demais ou não tenha uma atitude deselegante.

    E ainda faltam uns largos meses para a sua rendição, pelo que o nível de ridículo pode vir a atingir proporções alarmantes.

    Na linha do seu antecessor que, agora, conseguiu bater todos os recordes do caricato com a ideia de publicar um livro sobre “A Arte de Governar”!

    Decisão terrível e que pode abrir a porta a outros portugueses com ambições idênticas.

    Imagino a Maria Leal a escrever um livro sobre “A Arte de Cantar” ou o Jorge Jesus um outro, sobre “A Arte da Eloquência”!

    Os exemplos da falta de noção dos perigos de cair no burlesco são inúmeros e continuam a surgir em catadupa.

    O actual Primeiro-Ministro promete ajudar os estudantes a optarem por Portugal, em vez de emigrarem à procura de melhor vida, acenando-lhes com o prémio de quatro viagens na CP (ainda se a promessa fosse só para os que reprovam, e como castigo…)!

    O líder da Oposição jura que, se for eleito, baixará drasticamente os impostos. Terrível ameaça para quem se lembra de Passos Coelho.

    O comentador Marques Mendes promete que se irá candidatar ao lugar de “Mais Alto Magistrado da Nação” sem que um único amigo lhe chame a atenção para a risota que vai pelo país.

    Que Deus me ajude.

    Se tiver que morrer pobre, que seja.

    Mas que não deixe que eu perca o juízo ao ponto de fazer destas figuras. 

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.