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  • Açores: o laboratório para o que aí vem

    Açores: o laboratório para o que aí vem


    Por norma fala-se pouco dos Açores nos jornais nacionais, e é uma pena. Não são apenas os furacões e as paisagens irrepetíveis que trazem o arquipélago para a ribalta. Há circo, e do bom, no Parlamento regional que mereceria alguma atenção naqueles programas onde o Calafate ou o Bugalho fingem saber o que estão a dizer.

    Como sabeis, as ilhas de bruma são administradas por uma geringonça de direita. Nas eleições regionais de 2020, o PS foi o partido mais votado, mas à direita foi onde a organização se deu para criar uma maioria de Governo. Uma repetição do golpe de asa de António Costa, mas com gente mais duvidosa.

    Nas eleições regionais não se aplica o método de Hondt, uma forma encontrada para proteger a representatividade das ilhas mais pequenas. Assim, e só assim, é possível perceber que o PPM, com uma votação de 40% na ilha mais pequena (Corvo com cerca de 300 eleitores), consiga eleger dois deputados para a Assembleia Regional e, dessa forma, ser válido para uma coligação de Governo. Refiro-me, neste caso, a 115 votos, para ser mais concreto. É sempre de enaltecer quando um partido monárquico quer muito pertencer a um Governo republicano. Quase como o obeso que não falha uma sobremesa, mas coloca adoçante no café.

    Igual cenário beneficia o defunto CDS que, em apenas duas ilhas (Terceira e São Jorge), consegue eleger outros dois deputados à custa de quatro mil votos no total. Tal como o PPM, também o CDS foi utilizado pelo PSD como muleta para formar Governo. Notem que os Açores são habitados por 250 mil pessoas e com 4115 votos há dois partidos sem qualquer representação que chegam ao poder.

    Mas há aqui um pormenor interessante que, de certa forma, pode ser utilizado como ensaio para a realidade nacional. PSD, PPM e CDS tinham deputados suficientes para uma maioria e, como tal, precisaram de acordos parlamentares com o Chega e a IL.

    José Manuel Bolieiro, ao centro.

    Um dos temas quentes dessa campanha foi o ‘cordão sanitário’ ao Chega. O PSD disse que não faria acordos com um partido de extrema-direita e até André Ventura, em cima das eleições, afirmou que não seria bengala do PSD regional nem nacional. Mas mal cheirou a poder, de parte a parte, a história alterou-se e o PSD lá tentou organizar aquele ninho de ratos.

    Enquanto José Manuel Bolieiro andou estes anos a tentar agradar aos parceiros de coligação e a segurar a maioria, Artur Lima, líder do CDS, passou para a fila da frente da governação e tentou, ao máximo, colher benefícios para a sua ilha (Terceira), à custa dos tais quatro mil votos.

    Os problemas essenciais da região ainda continuam por resolver. A pobreza extrema em algumas freguesias, a eterna SATA, a falta de emprego qualificado, o isolamento repetido de algumas ilhas, o compadrio e tráfico de influências, os baixos salários com excepção de uma pequena elite, a incapacidade de segurar os jovens, a falta de serviços de saúde, as ligações marítimas, etc..

    A dívida da região continua a aumentar, mas o PSD justifica-se com a herança do PS. Neste aspecto os Açores são iguais à República. Os partidos do Centrão usam os Governos anteriores para justificarem as suas falhas. Eu não acho que a realidade fosse melhor com o PS, devo admitir. Anos não faltaram aos socialistas para fazerem algo pela região durante este século. Mas vejo o que por ali se passa como um pequeno laboratório do que por aí virá nas legislativas de 2024.

    Asssembleia Regional dos Açores.

    Bolieiro cruzou a linha vermelha e fez acordos com o Chega, um partido que repete uma ideologia fascista, mesmo que o seu líder não acredite propriamente nela. É apenas a porta para ter mais votos e, como tal, ele usa-a. Como é óbvio não se pode confiar responsabilidades governativas a um partido que navega nas ideias consoante a moda das redes sociais. Não demorou muito até que, dentro do próprio Chega, começassem as divisões e um dos deputados resolveu sair, passando a independente.

    Lembro-me que, entre as exigências do Chega para viabilizar o Governo de Bolieiro, estava a medida cega de cortar em 50% as ajudas sociais aos mais desfavorecidos. Ninguém lhes perguntou porquê 50% e não 60%. Ou 30%. Ou até 20%. É tudo feito sem contas, sem saber quem são os beneficiários ou sequer o que lhes aconteceria sem a miséria do Rendimento Social de Inserção (RSI), os tais 100 euros que incomodam Ventura. O que importa é espalhar ódio. Rui Rio achou tudo isto normal e o Chega, lá assinou o papel.

    A Iniciativa Liberal, com o seu deputado único, seguiu um caminho semelhante e exigiu 10 medidas para viabilizar o Governo. Entre estas, estavam coisas como a redução dos funcionários da Função Pública, a privatização de partes do fornecimento de electricidade, a redução da carga fiscal, os cortes no RSI e as privatizações na Saúde. O mantra habitual. Só o transporte marítimo, que mercado nenhum quer pegar, é que devia continuar a ser fornecido pelas obrigações públicas.

    Agora, perto do fim da legislatura, a Iniciativa Liberal rasga o acordo e acusa o PSD de incumprimento unilateral, e chumba o Orçamento para 2024. Apesar de eu não meter a Iniciativa Liberal e o Chega no mesmo saco, devo reconhecer que é um tiro no escuro fazer acordos com partidos que, de três em três dias, mudam de estratégia, ideologia e opinião.

    Este Governo vai cair – o que é óptimo, acrescente-se – e Marcelo fará uma pausa no caso das gémeas para convocar eleições antecipadas na região. No essencial perderam-se quatro anos de fundos e oportunidades. E nem a estabilidade política foi conseguida, porque, e é tão simples quanto isto, não se podem fazer acordos com partidos que não respeitam a democracia ou nem sequer sabem o que defendem a cada semana.

    Há ainda outra lição importante a retirar desta realidade regional: por mais que um político nos diga que não fará isto ou aquilo, por mais que nos tente mostrar alguma decência, a verdade é que, assim que existir a hipótese de ir ao pote, deixam de existir linhas vermelhas.

    Rui Rio sempre me pareceu um homem íntegro e alinhou nisto. Quando chegar a vez de Montenegro, não tenho a menor dúvida que fará exactamente o mesmo. Nos Açores, na Madeira, no Continente. Tanto faz. A sede de poder é o que os move. Ou até a garantia de um posicionamento que os coloque em posição de escolher o que fazer aos fundos europeus.

    No fim, é apenas isso. Não há cores, linhas vermelhas, ideologias. Há um pote no fim do arco-íris dos fundos europeus que o Centrão, os liberais e a extrema-direita fazem o possível por conseguir dividir. Entre eles, com as empresas amigas, o que for. Nunca com vocês, com os vossos centros de saúde ou as escolas dos vossos filhos.

    Esse é que é o drama real e a razão que não me deixa perceber, quase 50 anos depois, como é que se continua a ouvir a triste frase: “em Portugal as eleições ganham-se ao centro”.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Flexibilização do trabalho: um sonho molhado ou um pesadelo?

    Flexibilização do trabalho: um sonho molhado ou um pesadelo?


    Sempre que ouço “liberalização do mercado de trabalho”, como se isso fosse o cálice sagrado do Indiana Jones, fico ligeiramente enervado. Em Portugal, por norma, essa grotesca resolução surge no programa da Iniciativa Liberal e, consoante as semanas e os pedidos das redes sociais, também aparece na gritaria perpetuada pelo Chega. Agora, mais recentemente, foi Milei, na Argentina, a levantar a bandeira da “liberdade” no trabalho com a liberalização de todo e qualquer direito.

    Trocando por miúdos – expressão curiosa esta –, liberalizar o mercado pressupõe que se for mais fácil despedir, então também será mais fácil contratar porque o medo dos empregadores desaparece. Reparem como a narrativa liberal é sempre feita do lado do empregador. Ele tem medo, tem muitas regras para cumprir, e quando contrata tem dificuldade em despedir; ele, no fundo, quer gerar emprego, mas a lei não o permite.

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    Ora, meus amigos, o empregador não quer, não manda e não decide. O empregador, quando muito, tem o privilégio de recolher o lucro do trabalho dos outros; portanto, a história tem que ser vista na perspectiva de quem trabalha, não de quem arrecada.

    Prédios vazios são só prédios vazios. Com ou sem dono. Já prédios com gente a trabalhar lá dentro é que passam a ser empresas; portanto, é bom que percebamos, de uma vez, onde está a força no mundo do trabalho. Está em quem gera, não em quem recolhe os dividendos.

    Flexibilizar o despedimento e enfraquecer sindicatos, como defende a direita de uma forma geral, não traz riqueza ou progresso para ninguém. Quando muito, cria uma selva onde as diferenças entre as diferentes classes profissionais se acentuam.

    Há anos que trabalho num mercado liberalizado. Com regras, é certo, mas onde o despedimento e a contratação são relativamente simples. Um mercado com poucas pessoas, com elevado nível de formação, e com uma economia forte que gera muito emprego, assente nas empresas multinacionais e em milhares de PMEs tecnológicas. Esta é uma realidade (Suécia) que começa com um ensino verdadeiramente universal, base de tudo, e que continua com imposições fortes para salários mínimos que começam num nível de dignidade aceitável. Na verdade, não existe, sequer, um valor mínimo. Mas ninguém trabalha um mês por menos do que 2.000 euros.

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    No fim desta história, há mais empregos do que pessoas e, dessa forma, é possível despedir e contratar todos os dias porque há sempre falta de alguém na porta ao lado. Esta não é a realidade portuguesa e não será nas próximas décadas, portanto, tentar reproduzir algo semelhante serviria apenas para mais abusos sobre os trabalhadores.

    Mas, já agora: mesmo em países de Primeiro Mundo, e ao fim de 18 anos de contratos temporários, deixem-me dizer-vos, claramente, que a selva laboral jamais será a solução seja para o que for.

    Já perdi a conta aos empregadores que tive e aos colegas com quem troquei ideias. Tenho que ler o curriculum para me lembrar por onde andei e o que fiz. Em todos, sem excepção, nunca tive mais do que meses de estabilidade. Não é fácil planear uma vida com contratos de seis meses. É muito complicado tomar decisões familiares e assumir riscos sem saber o que acontecerá no ano seguinte.

    Nos últimos dois anos resolvi trabalhar com uma empresa chinesa. Tem as suas vantagens, não o nego, mas o ritmo de trabalho e a instabilidade é diária. Hoje estão a traçar metas para 2025, no dia seguinte estão a despedir 60 pessoas e, um dia passado, resolvem afinal despachar mais 40. Uma pessoa de meia-idade, como é o meu caso, anda por ali a pensar quando é que a espada deixa de passar ao lado e finalmente encosta em nós. Todas as semanas vejo empregos no Linkedin e preparo planos de saída para o caso de os chineses apontarem ao oásis luso. E a Lagarde não quer saber de flexibilização laboral; ela quer é ver os meus 5% de juros no crédito à habitação a baterem no Banco Central todos os meses; o resto não é problema dela.

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    Todos os dias há um colega que anuncia que se vai embora e a maior parte das equipas naquela empresa foram afectadas, reduzidas ou, como eles dizem, reestruturadas. A excepção foi de facto a equipa portuguesa que, aos olhos dos chineses, deve manter-se intacta. Para isso, foram necessários sete meses sem fins-de-semana, Verão sem férias e uma disponibilidade total que, em última análise, nos vai queimando um a um.

    Portanto, nada que seja saudável ou sequer possível de manter. E mesmo assim, com este esforço todo e com os despedimentos que vemos em redor, temos todos a consciência de que o nosso lugar só está seguro até ao Verão de 2024. Um luxo: quase sete meses para imaginar como seria uma vida estável.

    Por outro lado, os despedimentos colectivos na Suécia passam pelos sindicatos – é bom dizê-lo. As negociações duram normalmente uma manhã, julgo que devem ser feitas entre um bolo e um café (a famosa fika), e consistem essencialmente em dizer ao sindicalista de serviço onde é que ele tem que assinar. Os sindicatos suecos servem apenas para coleccionar cotas mensais e dar um dízimo mensal, durante três meses, em caso de despedimento. São mais inúteis do que um par de barbatanas num bidé.

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    Em resumo, os trabalhadores dos tal mercado liberalizado são deixados entre duas hipóteses: trabalhar até rebentar, abdicar de tempo de lazer com a família, danificar a saúde mental e manter o emprego por mais uns tempos ou, ser apenas normal e aceitar o despedimento como uma parte normal do percurso profissional.

    Isto é o mercado flexível e liberal num país de Primeiro Mundo. Agora imaginem num país com índices menores de desenvolvimento e de baixos salários.

    Como há pobres que ainda aplaudem e sonham com isto, da Argentina a Portugal, é algo que jamais perceberei.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A atracção pelo ódio da extrema-direita

    A atracção pelo ódio da extrema-direita


    O PÁGINA UM achou boa ideia colocar-me frente-a-frente com um libertário, o Luís Gomes, todas as semanas, para discutirmos a actualidade em formato de podcast, O Estrago da Nação. Saiu ontem o segundo episódio dessa experiência, e um dos temas em debate, as eleições na Argentina, fez-me pensar um pouco para lá da gritaria do momento.

    Há uma regra simples para uma análise política ter o mínimo de consistência: se Trump e Bolsonaro apoiam alguém, então, em princípio, vem aí problema.

    Não é que a presidência argentina influencie o Mundo ou as nossas vidas como, por exemplo, o inquilino da Casa Branca, mas o fenómeno da subida da extrema-direita, um pouco por toda a parte, é digno de debate.

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    Há um denominador comum na ascensão do extremismo: o descontentamento da população. Os motivos podem ser diferentes – suecos, portugueses e argentinos não se queixarão certamente do mesmo. Mas a forma populista como os políticos apresentam as suas soluções é, essencialmente, a mesma. Radical, de corte, surfando a onda das queixas daquela semana. Raramente há um plano a longo prazo ou sequer algo exequível no futuro imediato, mas a exacerbação do ódio é uma excelente forma de dividir a sociedade e de nos colocar a apontar culpados. Seja qual for o tema fracturante, entenda-se.

    Quando o Chega apareceu em Portugal, confesso, fiquei um pouco espantado com o sucesso da receita. Um homem que é a personificação do sistema (André Ventura) gritava com tudo e todos, dizendo que ia acabar com a corrupção, a pobreza, o despesismo, a pesada máquina pública. Ele, cuja função no sector privado era ajudar capitais a desaparecerem para paraísos fiscais, atropelava toda a gente com um misto de populismo, demagogia e racismo que agradou a pelo menos 1 milhão de portugueses. É obra.

    Quando o Chega apresentou o seu programa eleitoral, a primeira versão, falava em acabar com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a escola pública, transferindo essa responsabilidade para os privados. Ao mesmo tempo que sugeriam uma taxa única de 15% de impostos, ou seja, acabando com várias prestações sociais, numa população onde 40% está no limiar da pobreza antes destas ajudas.

    Curiosamente, a esmagadora maioria dos eleitores do Chega são tipicamente pessoas da classe trabalhadora, que dependem do SNS e colocam os filhos na escola pública. Há qualquer coisa nesta relação que nunca percebi. Por mais racista que se seja, e se acabe a votar num partido sem quadros e com ideias profundamente anti-democráticas, como é que não se tiram cinco minutos neste processo para perceber que estamos a dar tiros nos pés?

    A lógica é simples: se não sou rico, não posso votar em partidos que defendem os ricos e advogam uma selva para os pobres. Boa parte da população portuguesa é pobre. Diria mais: por comparação com os países civilizados e de primeiro mundo, quase toda a população portuguesa é pobre.

    Sendo assim, como é que a extrema-direita tem tanto sucesso? Por mais que gritem contra os imigrantes ou a corrupção do actual poder, não conseguimos todos ver que o único interesse da extrema-direita é o mesmíssimo poder e a possibilidade de daí retirar os mesmos dividendos?

    Para lá chegar farão o que for necessário consoante as queixas da população. Em Portugal, durante anos, andou André Ventura a pregar contra o Rendimento Social de Inserção (RSI), uma miséria de cento e poucos euros que abrange uma franja mínima da população. Uma gota num oceano do erário público com os ciganos como chamariz. Zero impacto nas nossas vidas, mas óptimo para o grito nos comícios e nos 20 segundos da ChegaTV.

    Na Argentina, a corrupção também é um problema gigante, a inflação ultrapassa os 140%, as filas de espera nos hospitais são enormes, a taxa de desemprego é elevada e o risco de pobreza apanha 40% dos argentinos.

    E o que propõe Javier Milei? Fechar o Banco Central, reduzir o Governo, acabar com as prestações sociais, pedir dólares emprestados para deixar de usar o peso, permitir a venda de armas, legalizar a venda de órgãos, passar a escola e saúde públicas para as mãos dos privados. Em poucas palavras, pretende deixar uma população pobre à sua mercê. Sem solidariedade social e sem perspectivas de estabilidade e segurança no emprego. Um salve-se quem puder que, na visão dos argentinos, era um risco aceitável, considerando as desilusões dos Governos anteriores.

    Um pouco por toda a Europa, vamos vendo isto. Finlândia, Suécia, Rússia, Hungria, Holanda, Polónia, Itália, entre outros, converteram o descontentamento da população em assentos parlamentares para partidos xenófobos e racistas. Os líderes não são todos iguais, reconheço isso: Jimmie Åkesson (Suécia), André Ventura, Javier Milei ou Putin, são homens inteligentes. Bolsonaro e Trump são exemplos de populistas com uma ignorância confrangedora. Mas a mensagem repete-se, o sucesso é o mesmo.

    Na Escandinávia, ao contrário do sul da Europa, a discussão não se centra na corrupção ou na inflação. Muito menos no tamanho do Estado, impostos ou falta de emprego. A todos chega tudo, eu diria. O campo fértil para o crescimento da extrema-direita foram os refugiados e as ondas de migrantes. A insegurança, os problemas de integração, as guerras de gangs.

    Mesmo que a maioria desses imigrantes sejam trabalhadores e contribuam, também com impostos, para o desenvolvimento do país, pouco importam estatísticas quando existem casos pontuais que possam ser apontados. Foi assim que o SD (o Chega da Suécia) chegou ao ponto de ser a segunda força mais votada do país, com interferência directa nas decisões do Governo. A população fartou-se de quem vinha de fora e o racismo, habitualmente envergonhado e mais reservado, passou a ser assumido.

    Tal como os portugueses que dependem do SNS ou da escola pública e votam no Chega, um em cada cinco suecos, que imagino apreciem a economia do país, vota no SD (sverigedemokraterna), um partido que pede aos imigrantes que se vão embora.

    Gostava de ver os eleitores do Chega a viverem num país sem SNS e sem escola pública e, já agora, queria ver a Economia da Suécia sem a contribuição dos 20% de imigrantes que por aqui se vão esfolando ao frio. Neste edifício de 14 andares onde trabalho, julgo que ficariam pessoas suficientes para uma partida de Monopólio. Da recepção aos escritórios de engenharia, das limpezas à cozinha, vejo poucos louros. E depois das 16:00, só vejo mesmo peles mais curtidas pelo sol.

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    Entendo as queixas nos diferentes países e os problemas em realidades opostas. A saturação com a pobreza e corrupção nos países do sul ou as pinceladas de racismo nos países do norte. O que não entendo é que alguém imagine que a alternativa a partidos do Centrão (sejam mais inclinados para a esquerda ou para a direita), sejam hordas de populistas; demagogos mais preocupados em saber como assaltar o sistema do que propriamente com o bem-estar da população e o crescimento da qualidade de vida nos respectivos países.

    Há vida para lá do Centrão e da extrema-direita. Está nos livros. Esperar que as diferentes versões do Chega melhorem a vida das populações, é como beber piripiri para matar a sede. Também está nos livros, do século passado.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O câmbio de uma vida

    O câmbio de uma vida


    Perdi a conta a quantas centenas de móveis já montei, nesta vida itinerante que teimo em perseguir. O IKEA é o LEGO dos adultos. Num desses dias, recentemente, enquanto acabava um desses armários pintados à pressa, ouvia um pastor que ensaiava um discurso sobre Gaza.

    Não era um pastor daqueles que guia uma rebanho de ovelhas, e que contribui para a sociedade com uns queijitos e um ou outro ensopado. Era um pastor de pessoas. E de pessoas norte-americanas, ainda por cima. Um daqueles que grita para a congregação e os enche de pensamentos únicos, brilhantes, inovadores.

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    Parei com os parafusos e fui fazer um gin. É como aprecio melhor o disparate. Aos gritos, anunciava o ancião, representante de um deus menor, a solução para Gaza. Se os Estados Unidos estão a pressionar Israel para que se façam pausas humanitárias e se os vizinhos árabes estão tão preocupados com a vida dos irmãos da Palestina, porque não aproveitam a misericórdia israelita e, de uma assentada, trazem o maior número possível de aviões e evacuam os civis de Gaza? “Hallelujah brother!”, gritam os fiéis “rednecks” que assistiam à descoberta da pólvora. De facto, que ideia absolutamente genial.

    O que fazer em caso de invasão e genocídio? Ir embora, desocupar a terra e ir viver como refugiado para o resto da vida. Nem percebo como é que as Nações Unidas não pensaram em adoptar esta resolução de forma permanente. De uma vez, resolvia-se Gaza, o Donbass, Caxemira, Nagorno-Karabakh, Kosovo e todos os pedaços de terra disputados ou invadidos.

    Claro que a congregação de caucasianos que vibrou com o brilhantismo do pastor não acharia esta uma boa ideia se, por exemplo, os mexicanos invadissem o Texas. Mas se for lá longe, ainda por cima com árabes, enfim, toda a lógica é permitida.

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    Como os palestinianos não parecem gostar da ideia de abandonar a terra, nem os vizinhos estão interessados em engrossar o número de refugiados que por lá vive há 50 anos, vão avisando Israel que a solução passa pelos dois estados. Ou seja, a solução do problema terá de ser encontrada dentro do actual território que Israel invadiu. E enquanto se vão entretendo nestes debates, em Gaza vai-se morrendo todos os dias. 

    Passaram cinco semanas e os mortos chegam aos 14.000 do lado palestiniano. Diana Soler, uma comentadora que por norma gosto de ouvir, mesmo quando não concordo, dizia que o seu lado de humanista não permitia comparar mortos, afinal, “cada vida é única”. É uma afirmação que pretende meter no mesmo prato os 1.200 mortos israelitas e as cerca de 5.000 crianças que já foram bombardeadas em Gaza. Percebe-se o intuito, mas como sabemos, o mundo não funciona assim. As vidas não valem todas o mesmo.

    Se for um milionário num submarino a caminho do Titanic, essa vida vale, em tempo de antena nas televisões e recursos para a salvar, mais do que 500 migrantes que estejam a naufragar no Mediterrâneo. Se forem 50 palestinianos na Cisjordânia, valerão menos do que um israelita cuja casa ficou com a marquise suja com fumo de rocket. Aliás, não estaríamos há um mês a discutir a terraplanagem de Gaza se não existissem umas centenas de mortes do lado israelita, porque essa é que é a novidade. Tudo o resto é repetido. Portanto, não, as vidas não valem o mesmo. Aliás, basta pensar como seria esta dívida eterna que o Ocidente tem com Israel se os nazis tivessem mandado quatro ou cinco judeus para Auschwitz. Provavelmente, há muito que deixariam de ter apoio para invadir fosse quem fosse. Mas como Hitler aprovou a “solução final” que chegou a seis milhões de pessoas… O mundo passou a ficar com uma dívida eterna. Portanto, sim, os números contam.

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    Depois de vários dias a ver morrerem crianças que foram retiradas das incubadoras, durante o ataque ao hospital Al-Shifa, em Gaza, as IDF fizeram questão de transmitir vídeos onde mostravam mochilas de “grab & go”, com munições e armas, escondidas atrás de equipamento hospitalar.

    Não faço ideia se é propaganda ou não, mas para alguns comentadores da nossa praça, isso transformava aquele hospital num alvo militar segundo as convenções das Nações Unidas. Os mortos que por ali vão tombando, enfim, são danos colaterais. O que importa é ver se as alíneas das Nações Unidas estão a ser respeitadas. Encontraram uma mochila com uma pistola? Então toca a arrasar com mais umas centenas de crianças. Está lá no papelinho a dizer que é legal.

    O Hamas é o culpado por usar casas civis. O Hamas é culpado por ter túneis. O Hamas é culpado por não estar exposto, com néons na testa, a fazer de alvo. O Hamas, aparentemente, só não é culpado de a sua criação ter sido ajudada por Israel.

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    Faz-me alguma confusão esta discussão diária sobre a guerra em Gaza, como se dois exércitos se enfrentassem. Há tanques, aviação, porta-aviões, maquinaria pesada e todo o tipo de tecnologia de um lado. Há guerrilha, metralhadoras com mais de 40 anos e rockets do outro lado. Não é uma guerra. 

    Os mesmos que há dois anos criticam a invasão russa, são aqueles que hoje procuram leis, lógica e razões, que justifiquem o genocídio.

    Não é preciso muito para compreender. Basta, de facto, ser humanista.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Neto de sapateiro deve andar num Fiat 127, é isso?

    Neto de sapateiro deve andar num Fiat 127, é isso?


    Quando comecei a trabalhar, há 23 anos, seguia por norma para o “escritório” com uma farda. Não era uma farda propriamente bonita ou elegante, mas eu gostava dela. Não me chateava com roupa e não perdia muito tempo a ir a lojas – coisa que, ainda hoje, detesto. Gostaria de salientar que o dito escritório ficava num complexo industrial, paredes meias com uma fábrica, portanto, a farpela não era propriamente a de um piloto da KLM, se é que me faço entender.

    Algures pela Primavera, provavelmente no meu aniversário, o meu pai ofereceu-me algumas daquelas camisas que a malta de Cascais usa. Todas garridas e com marcas cheias de cavalinhos, ursinhos ou pessoas a jogar polo, esse desporto tão cativante. Levei-a para a fábrica no dia seguinte, com aquele orgulho próprio de quem enverga algo que não consegue comprar. O meu colega da frente, contestatário por natureza, disse-me: “mas afinal a malta de esquerda, sempre preocupada com os pobres, também usa camisas da Ralph Lauren?”. Disse-lhe que a camisa de flanela aos quadrados, com as nódoas de vinho, tinha ido para lavar e por isso, era obrigado a recorrer à das festas. Ainda hoje somos amigos, embora eu tenha largado a farda mal José Sócrates chegou ao poder. Foi uma coincidência, note-se.

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    O estigma de que alguém mais identificado com a justiça social, solidariedade ou divisão de riqueza, não pode comer um bife do lombo, é algo que já vem de longe. Se és pobre, deves encostar à esquerda; e se fores rico ou classe média, deves apontar para a direita. Um rico não pode ter um filho na escola pública, um pobre não pode ir a um hospital privado. Um rico deve tentar fugir aos impostos, porque tem horror nos gastos públicos; e um pobre deve, feliz, contribuir com o que pode e agradecer a benesse do Serviço Nacional de Saúde.

    Eu não vejo o mundo assim, e nunca achei que as subidas ou descidas no elevador social estivessem necessariamente ligadas aos ideais políticos. Conheci agricultores no Alentejo profundo que votavam no CDS e empresários que se reviam na sociedade sem classes defendida pelo PCP (ou vá, mais justa, para não entrar agora em utopias).

    Isto para dizer, meus amigos, que quando querem eliminar o Pedro Nuno Santos da corrida à liderança do PS porque anda de Maserati, ou porque vem de uma família abastada… estamos a voltar à discussão da camisa. Interessa-me o que ele diz e, especialmente, o que pensa. O que veste, conduz ou come, é irrelevante.

    white mercedes benz car on road during daytime

    Salazar andou a pregar em cada freguesia que era poupado, de origens humildes e que servia a Pátria sem enriquecer. Nada contra essa parte do “resumé”, mas isso não o impediu de criar uma ditadura, impedir o livre uso da palavra, perseguir opositores e destruir uma geração de jovens na guerra colonial.

    Rishi Sunak, primeiro-ministro inglês, chegou ao poder com a etiqueta de um liberal milionário, que não precisava da politica para viver. É também uma vantagem, isto de chegar ao serviço público com a vida feita. Livra-nos de Armandos Varas, Relvas, Passos Coelhos e gente dessa. Por outro lado, se a riqueza e educação de Sunak desviam as atenções de possíveis abusos de poder, nada conseguiram perante a hedionda ideia de vender refugiados ao Ruanda. Um programa que Sunak apoia com alguma firmeza.

    Portanto, entre ricos e pobres, discutam-se ideias e não as famílias em que foram criados os políticos. Se ser pobre fosse curriculum para a liderança da esquerda, Tino de Rans estaria em São Bento há 20 anos.

    É-me relativamente indiferente que líder terá o PS depois de António Costa, mas acho sempre interessante quando ouço apoiantes dizerem que um é aventureiro e radical, enquanto o outro é mais moderado e discreto. Na dúvida sobre personalidades e na ausência do debate de ideias, aconselho que vejam quem é que o Medina apoia. Depois é só escolherem o outro lado.

    a person holding a stack of cash

    Quando vejo partidos do Centrão a elegerem líderes por “seriedade”, lembro-me logo de Santana, Sócrates, Barroso e Passos Coelho. Tudo gente com uma seriedade à prova de bala e ajudados por uns quantos escudeiros também de valor. Como se, neste país, o roubo fosse feito pela cabeça do polvo e não por todos os tentáculos. De assessores a ministros, de vogais a secretários de Estado, de deputados na última fila a presidentes de câmara. Há décadas que andamos a ver a banda a passar e a aplaudir a impunidade com que a corrupção nos é apresentada, da Assembleia às autarquias. Mas ainda nos perdemos com a aparente “seriedade” de um candidato a primeiro-ministro. Ou se come bife do lombo em vez de jaquinzinhos. Somos pelas aparências, interessa-nos pouco a essência.

    Enquanto nos perdemos em discussões sem interesse, os “senadores” da direita, com Relvas à cabeça, vão dizendo que não há que ter complexos em assumir uma coligação pós-eleitoral com o Chega. Passos Coelho, o criador, também já disse que o Chega é um partido que respeita a democracia e por isso, bola para a frente. Esta é que é a parte que realmente me importa. Ouvir André Ventura a implorar por uma coligação e perceber que, os antigos governantes do PSD, assentem com a cabeça e tentam, em horário nobre, normalizar um partido racista e xenófobo. É aqui que reside o verdadeiro problema. O assalto ao poder que a extrema-direita fascista tenta com o patrocínio do PSD.

    brown wooden chairs on gray concrete floor

    Espero que as forças de esquerda percebam isto e compreendam que, tal como em eleições anteriores, a palavra do PSD vale de muito pouco quando começa a cheirar a poder. Se a única hipótese de Montenegro chegar a primeiro-ministro for com a ajuda do Chega, nem que seja por acordo parlamentar, ele fá-lo-á.

    É tempo de as esquerdas se unirem. Sem medo. Sem complexos. E deixarem as discussões sobre o avô sapateiro para o Tilly na ChegaTV.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O milagre da Luz

    O milagre da Luz


    Desde que troquei a vida de emigrante, por um vaivém relativamente estranho entre diferentes localizações, noto que a minha vida é feita na base do improviso. Ou em cima do joelho, como diria a minha professora de Matemática.

    Aterrei em Lisboa e, a caminho de um médico, parei para comer bacalhau. Não existem momentos bons ou maus para comer bacalhau, julgo que todos concordamos nessa parte. Ainda o tinto alentejano ajudava o bacalhau a nadar no meu tubo digestivo e já ouvia, a poucos metros, num pavilhão ali ao lado, música estridente ao ritmo de ensaio. Era a banda da Madonna ajustando os acordes para essa noite, naquela sala de espectáculos vendida a preço de amigo ao genro do nosso Aníbal Cavaco Silva.

    Não sabia que a Madonna tinha voltado a casa, confesso, e lá fui eu, poucas horas antes do evento, ver se arranjava uns bilhetes para lá ir reviver os hits dos meus 10 anos de idade. Assim, meio aos trambolhões, dei por mim, ainda cheio do bacalhau, a ver um espectáculo da rainha da pop. Não lhe chamaria um concerto, não diria que ela cantou, mas certamente proporcionou entretenimento.

    O desejo de rever o fiel amigo, regado com bom azeite (um luxo nos dias que correm), levou-me à Madonna e à Isla Bonita da minha infância. Em cima do joelho, como diria a minha professora de matemática. Poucos dias depois, era suposto apanhar um avião e ir para outras paragens. Não entrei nele e acabei por ficar em Lisboa. Foi ontem e era dia de derby. Sim, este é um texto sobre futebol, embora não pareça.

    Tratei de procurar um bilhete de última hora e, entre falsos e oficiais, lá arranjei um que me deixasse transpor as portas da Luz. Era dia de ir à bola, fazer aquilo para que ela serve, ou seja, distrair-me dos problemas reais, nem que seja por 90 minutos.

    Dito isto, eu não sou um adepto fácil. Admito isso. Para mim, não chega ganhar de vez em quando, e muito menos ganhar sem se saber como. Irrita-me profundamente a mediocridade futebolística de uma equipa que tem, de longe, o melhor plantel em Portugal – mesmo com os erros de casting.

    Roger Schmidt, actual treinador do Benfica

    Por esta altura, já perceberam que além de o texto ser sobre futebol, o meu clube é o Benfica. Ao contrário da crónica do Pedro Almeida Vieira a partir do estádio, eu não corro o risco de ter de ser isento. Lembrem-se, o que vão ler a seguir, é opinião sobre o derby de ontem. Não é a crónica do jogo.

    Há qualquer coisa de kamikaze ou incompetência, ainda não percebi, no Roger Schmidt que esta época resolveu irritar o Terceiro Anel. Desde os tempos da conclusão do Estádio da Luz antigo, do fecho do mítico Terceiro Túnel, que todos sabemos que por aí se concentram os sábios da bola. Treinador algum sabe mais do que nós, sobre o nosso clube, ao fim de anos e anos a viver noites épicas com Isaias ou vergonhas inesquecíveis com Jorge Jesus. A idolatrar Pablo Aimar e a pensar como é que, algum dia, Nelo foi o nosso número 10. A relembrar os anos em que João Pinto carregava uma equipa miserável às costas e como Trapattoni, com vitórias de 1-0, acabou com o fado por nós conhecido por “Anos do Vietname”.

    Na época de estreia usou o mesmo 11 até os jogadores se arrastarem, e este ano, com um plantel mais rico (em teoria), não repete a mesma equipa dois jogos e parece já ter tentado todas as combinações possíveis de esquemas tácticos.

    Giovanni Trapattoni

    Qualquer equipa coloca problemas ao Benfica este ano. A defesa não é sólida, o ataque é inexistente e o meio-campo, a parte mais forte, tem soluções a mais. O sonho de qualquer bom treinador e um drama para os incompetentes. Tudo o Terceiro Anel aguentou. A inutilidade dos dois laterais esquerdos comprados para o lugar de Grimaldo. A dispensa de um que já lá estava e era melhor (Ristic). A incompreensível insistência em João Mário, que simplesmente não existe encostado à linha. Os jogos na Liga dos Campeões sem o único trinco do plantel. A dispensa de Vlachodimos. A compra de Tengsted e a dispensa de Henrique Araújo. Ainda assim, de longe, de muito longe, Roger Schmidt tem o melhor plantel em Portugal e a tarefa mais facilitada quando comparado com os seus adversários directos.

    Sérgio Conceição tem uma equipa que nem ele percebe bem o que fazer daquilo, e Ruben Amorim deposita toda a confiança em bola para a frente e o sueco que se desenrasque. A propósito, que grande jogador.

    Ao fim de 36 minutos de jogo, já o Terceiro Anel exigia a substituição de João Mário. Todas as bolas que ali chegaram, sem excepção, ou saíram para o lado ou foram perdidas. Nenhum ataque teve continuidade. O jogo que João Neves carregava, entupia nas alas. Di Maria também andou pelo Instagram nos primeiros 45 minutos e, que me lembre, pouco mais fez do que dois remates. Muito pouco para quem apenas ataca e deixa o trabalho defensivo para o lateral e o médio de cobertura.

    Nem com Di Maria o público foi particularmente simpático, apesar do seu número de títulos e da sua história com o Benfica. Gritavam para que se levantasse. Ao contrário de outros adeptos, que procuram pressionar os árbitros a cada mergulho dos seus jogadores, nós, no estádio da luz, não pactuamos com isso. E um pouco por todo o lado, acompanhado de alguns impropérios, lá iam gritando a Di Maria que se levantasse e corresse – o que pudesse, pelo menos.

    Não sei se Schmidt tirou algum curso de treinador de futebol quando acabou o de engenharia, mas, lá do alto, e em uníssono, os adeptos explicaram o que fazer. O Sporting jogava com menos um e havia mais espaço para correr. As nossas alas não carburavam por culpa de João Mário e Di Maria. Era tempo de os substituir por Guedes e Tiago Gouveia. A leitura era tão simples e óbvia que a poderíamos ter recitado em coro para que ele a ouvisse no balneário. Aliás, era tão cristalina que foi repetida nos quatro canais informativos por antigos jogadores, técnicos e comentadores. Não é Física Quântica porque, se fosse, não estariam mais de 60 mil Einsteins no Estádio da Luz.

    Esperei mais alguns minutos e, a cada tentativa de Tengsted fazer alguma coisa com a bola, eu fui desesperando. Notem que o meu objectivo era ir para ali descontrair da vida real e, afinal, tudo o que estava a conseguir era acumular problemas. O João Neves ainda me tentava dar esperança levando a equipa ao colo em frente a um Sporting que, por esta altura, fazia o que podia apenas para aguentar e perder algum tempo.

    Fui-me embora e já estava no carro quando Gonçalo Guedes entrou. Não aos 83 minutos como escrevi na minha página de Facebook, mas sim aos 86. Uma substituição que chegou com cerca de 86 minutos de atraso e que todos, mas mesmo todos, exigíamos desde o intervalo. Guedes fez o que sabe: correr para a baliza, em contraponto com João Mário que habitualmente corre para os lados. As oportunidades foram surgindo, até que João Neves, o próximo Senhor 100 Milhões, fez o que os génios – os tais que não precisam de tempo de adaptação, bolas mais redondas ou relvas mais aparadas – sabem fazer: parou a bola com perfeição, na sua única tentativa, e fuzilou Adán.

    E depois, enquanto o estádio vinha abaixo e a equipa saltava em redor do novo Menino de Ouro, o outro menino, António Silva, puxava toda a gente para o outro lado do campo, porque havia um jogo para ganhar. Estes miúdos, que respiram Benfica, é que devem ser a aposta. Quase sempre, mas em especial quando são melhores do que o refugo que se compra por 10 milhões.

    O Benfica ganhou, apesar do treinador e sem jogar nada de especial. Os adeptos ficam eufóricos porque, no fim, conta a vitória. Eu faço parte daquela minoria que acha que, jogando assim, é mais fácil perder do que ganhar.

    A imprensa fala hoje num milagre, porque foi isso mesmo que aconteceu, de facto. Nunca tinha visto algo semelhante e, como se percebe, também não vi ontem. Roger Schmidt fez tudo o que podia para perder o jogo, mas a equipa não deixou. Note-se ainda que, “o bom momento do Sporting” que vinha desde o início da época, estava suportado por jogos de nível inferior. Tirando Braga e Atalanta (a quem não ganhou), o Sporting não tinha ainda defrontado um adversário de peso esta época. Já o Benfica, em “crise”, já jogou com o Porto duas vezes, Inter e Real Sociedad. Parece a mesma coisa, mas não é.

    Não sei o que virá aí, mas se fosse eu o presidente do Benfica, e vendo como todos os anjos (e João Neves), protegeram Roger Schmidt no milagre da Luz, somando a todos os erros acumulados da época, trataria de lhe endereçar o convite para passar o Natal à Alemanha. Sorte como a de ontem não se repete. Já a incompetência, temo que sim.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Costa e o circuito fechado da democracia portuguesa

    Costa e o circuito fechado da democracia portuguesa


    Não sou um grande fã de julgamentos na praça pública e, por isso, depois de tantas vezes ter criticado António Costa e o seu Governo, queria deixar-lhe agora, nesta altura, algumas palavras mais meigas nesta. Pelo menos para mim, é difícil perceber todos os contornos desta teia que levou à queda do Governo. Aliás, depois de ler o comunicado da Procuradoria-Geral da República, continuo sem entender ao certo qual é a acusação. O nome de Costa é referido nesta parte que aqui transcrevo:

    No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido [processos do lítio e do hidrogénio]. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente“.

    Portanto, de acordo com as escutas feitas pelo Ministério Público, alguém usou o nome do primeiro-ministro para desbloquear negociatas. Essa é, até ver, a suspeita que recai sobre António Costa. Tratará agora o Ministério Público de provar a acusação e de nos explicar maiores envolvimentos e compadrios. Voltarei à teia do favorecimento e aos envolvidos quando a clareza for maior. Por enquanto estamos na fase do grito e dos ajustes de contas. De Marcelo a Sandra Felgueiras, o activo tóxico Galamba parece estar a produzir resultados.

    Para já, quero comentar a atitude de António Costa que, naquela conferência de imprensa em que anunciava a demissão, sozinho, me pareceu um homem decente. Bem sei que vivemos tempos de fogueiras e precisamos de sangue a toda a hora, mas, se muitos fazem tábua rasa do direito de presunção de inocência, eu prefiro correr o risco contrário, e assim dizer que António Costa, com todas as divergências das políticas escolhidas – que fui aqui escrevendo desde o primeiro dia no PÁGINA UM –, sempre me pareceu um homem honesto. E assumo esta frase sem certezas, mas também sem grandes problemas.

    Pareceu-me um homem decente porque teve a honestidade de, perante a gravidade da suspeição e a esperada morosidade habitual da Justiça portuguesa, não se agarrar ao poder. Não faço ideia em que resultará mais este mega-processo, mas certamente que o nome de António Costa andará pela lama por uns tempos. E isso, mesmo num país onde a desonestidade faz escola, não pode ser normal para o detentor de um cargo político, em especial da função de primeiro-ministro.

    Mostra-se infindável a quantidade de funcionários públicos – convém não esquecer que um político é um funcionário público ou, pelo menos, alguém em funções públicas – que vemos envolvidos em casos mediáticos. com acusações de corrupção ou abuso de poder. Aliás, é um dos cancros da nossa jovem democracia, a normalização do roubo, da desonestidade e da má gestão de dinheiro público.

    O país empobrece, vários políticos enriquecem, há horas e horas de diretos à porta de cada investigado, mas…. no fim, poucos acabam por pagar seja por que crime for ou ver sequer acusações provadas. Nesse sentido, António Costa marcou alguma diferença e teve a sensatez que a posição exigia.

    O Ministério Público fez em quatro anos de investigações aquilo que a Oposição não fez em oito, mas foi engraçado ver, também em horário nobre, a sede de poder dos líderes de direita, enquanto pediam por eleições antecipadas.

    Uma prenda de Natal antecipada que André Ventura, o principal interessado em eleições, não se coibiu de aproveitar. Até o tom do discurso mudou para algo mais moderado – como diria Passos Coelho –, abrindo portas para conversas com o PSD e percebendo que é agora ou nunca.

    Só de imaginar um Governo português com o Montenegro e o Ventura – e eventualmente o rapaz da Iniciativa Liberal – até me crescem pêlos indesejados no pescoço, mas é de facto uma possibilidade. Escrevi aqui na semana passada que o PSD, com Montenegro na liderança, não ganharia eleições enquanto António Costa por cá andasse. Pois António Costa vai-se embora e arriscamos ver o maior número de medíocres que alguma vez representou a direita portuguesa chegar ao poder.

    Miguel Relvas, esse senador da transparência e da respeitabilidade, dizia que o melhor candidato a primeiro-ministro do PS, na óptica do PSD, seria Pedro Nuno Santos. Eu concordo com ele, embora por razões diferentes.

    Pedro Nuno Santos, ao contrário de Costa, encosta-se mais à esquerda e menos ao centro. Ou seja, em teoria, liberta votos que o PSD tinha perdido para António Costa. Contudo, Pedro Nuno Santos também pode ser um candidato bom para recuperar uma segunda versão da geringonça e unir as esquerdas – portanto, na minha perspectiva, pode de facto ser a melhor solução para o período pós-Costa.

    Assim de repente, e olhando para os anos de governação PS, pior do que uma maioria dos socialistas, só mesmo um Governo de coligação entre liberais, tutti-frutti e racistas assumidos. E Portugal já tem problemas que chegue sem esta gente.

    Também agora é preciso saber se o Orçamento de Estado vai ser aprovado – com tudo o que isso implica nos escalões do IRS e no aumento das pensões –, ou se a crise política também vai afectar, ainda mais, uma população que não sabe fazer outra coisa que não seja empobrecer.

    Adivinham-se tempos complicados para Portugal e para os portugueses. Horas de debate, sangue e especulação nas televisões, sem que venha daí grande informação. Se tudo seguir o seu curso habitual, daqui a uns anos teremos prescrições administrativas e, com algum azar, um Governo por onde passou o Ventura. Mais uns milhões desperdiçados pela corrupção institucional que devora o país. Mais uma hipótese perdida de sermos um país civilizado.

    Quando vejo a dança e a azáfama, na demarcação da corrida ao poder, que se seguiram à declaração de António Costa, percebo que essa é a verdadeira luta. Os actores políticos, aqueles que nos dirigem e em quem votamos, não estão preocupados com a verdade ou com o apuramento de responsabilidades. Ninguém quer tornar a nossa democracia um lugar mais respirável para se viver. Aquilo que querem é, essencialmente, perceber quem será o próximo a tirar vantagem do sistema de Terceiro Mundo em que vivemos.

    Ou, como se diz nos Açores, querem “terminar uma vidinha”. A malta dos 900 euros mensais, os tais 75% que seguram o país, podem ir trocando discussões nas redes, nos cafés, entre um golo falhado do Rafa ou um roubo mais ou menos denunciado de um político. No essencial, receio que vamos mudar para tudo ficar igual. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Agora a sério, Marcelo: ¿Por qué no te callas?

    Agora a sério, Marcelo: ¿Por qué no te callas?


    Marcelo Rebelo de Sousa, o nosso Marcelo, Presidente dos Afectos e das Selfies, disse a um representante palestiniano, no Bazar Diplomático, que, “desta vez, foram vocês que começaram” e “têm que ser mais moderados”. Há muito que deixei de prestar atenção a MRS, não só por ser um presidente no qual não me sinto representado mas, principalmente, pela vergonha alheia que me causa.

    Sempre achei o Marcelo, suposto ‘afilhado’ do outro Marcelo, um excelente actor. Alguém que, lá no íntimo, bebeu os ensinamentos do Estado Novo, maturou aquele conservadorismo ao longo das décadas e deu-lhe uma nova roupagem de modernidade nos comentários da TVI, até se tornar um suportável moderado para ganhar eleições.

    No fundo, no fundo, Marcelo é aquele velhinho hiperactivo que não distingue proximidade da população com demagogia barata. Aquele que não separa a pose de Estado da piada barata. Aquele que pensa que estar à vontade e à vontadinha são a mesma coisa.

    Marcelo é o homem profundamente sensível e preocupado que aparece na capa das revistas agarrado a outro ancião que chora, desesperado, a perda da casa e pertences engolidos pelo fogo de Pedrógão, mas que, depois das luzes das televisões se desligarem, o viu morrer alguns anos depois, ainda sem ter uma casa para viver.

    Marcelo é o presidente que visita a comunidade portuguesa no Canadá e comenta o tamanho dos decotes alheios, ou é aquele que passa pelo Alentejo e faz questão de realçar a obesidade de uma das pessoas com quem tira fotografias. Marcelo é um homem que me envergonha, por estes dias, enquanto primeira figura da Nação.

    Se enquanto o tema são decotes, ainda se pode mudar de canal e procurar temas fracturantes. Mas quando a gaffe acontece dirigida a Gaza, já é mais difícil de tolerar. Essencialmente, por uma questão: não é uma gaffe.

    Não foi um deslize. Não foi uma inconveniência. Foi sim a demonstração de uma ideologia e de um pensamento profundamente enviesado, onde Marcelo não está sozinho neste chamado “Mundo Ocidental”, note-se. Mesmo sabendo ser nula a importância de Portugal nas decisões que contam para a política externa da União Europeia, eu fico, ainda assim, incomodado por ver que um Presidente, o do país onde nasci, dizer a um diplomata palestiniano que, “desta vez, eles é que começaram”.

    De forma educada, o representante da Palestina ainda respondeu: “Senhor. Presidente, nós estamos a ser ocupados há 56 anos… Como é que começámos algo?” E Marcelo, como não é rapaz de se calar perante as asneiras, ainda retorquiu que precisam de mais moderação.

    Faz sentido. De facto, tudo aquilo que precisa um povo a viver há décadas numa prisão, e a ser chacinado perante a aprovação do Ocidente, com uma tenebrosa regularidade, é de mais calma e de mais moderação. Como não pedir a pessoas que andam há 50 anos a retirar os filhos de baixo dos escombros de edifícios, que tenham mais calma e moderação perante o invasor?

    Há uma imagem deste fim-de-semana que me marcou. Um pai, relativamente novo, que gritava desesperado para encontrarem o filho no meio da destruição provocada pelo bombardeamento. Um entre milhares que ficam sem os filhos sem terem feito absolutamente nada que não seja aceitar nascer, viver e morrer numa terra cercada.

    Enquanto vejo o desespero daquele homem, e de imediato penso na dor que deve ser perder um filho, imagino o novo militante do Hamas que ali se criou. Em que Mundo vivemos nós se imaginarmos que, para destruir o Hamas, se torna aceitável arrasar milhares de palestinianos inocentes? A única coisa que Israel conseguirá é, sem a mais pequena dúvida, engrossar as filas dos guerrilheiros que defendem o fim de Israel.

    Entretanto, o ‘nosso’ general-NATO, Isidro Pereira, comentava um destes dias que a Resolução das Nações Unidas sobre alvos permitidos é muito clara. Se por lá anda o inimigo, deixa de ser zona civil e passa a militar. Ou seja, num espaço tão pequeno como Gaza, isto é uma espécie de bar aberto. Se entre túneis, um militante do Hamas passar numa qualquer rua de Gaza, aquela rua passa a ser um alvo possível. E é dessa forma que, ao fim de três semanas, os mortos palestinianos vão a caminho dos 11.000. Mais crianças e adultos civis do que em toda a guerra da Ucrânia.

    Dizia outro diplomata palestiniano em Londres que, desta vez, os olhos do mundo se viraram para Gaza porque há mortos israelitas para lamentar. Esta parte é muito importante, pois também mostra o nosso racismo primário nas décadas deste conflito.

    No dia 7 de Outubro, o Hamas fugiu ao controlo israelita, que por norma controla a prisão onde os palestinianos vivem, e num ataque sem precedentes, matou mais de mil israelitas entre soldados e civis. O mundo condenou (e bem) o Hamas, e o racismo presente em boa parte dos analistas, tratou de sincronizar o relógio do conflito israelo-árabe para a linha temporal definida por Marcelo Rebelo de Sousa.

    Desta vez, “foram vocês que começaram”. Desta vez, foram vocês que não ficaram quietos e moderados, satisfeitos e pacientes, dentro do pátio da prisão. Desta vez, foram vocês que não se deixaram matar, tranquilamente e sem grande barulho do Ocidente, pelos bombardeamentos habituais e rotineiros.

    Hoje, três semanas passadas, cada morto israelita foi honrado e vingado com 11 mortos palestinianos, quatro ou cinco dos quais crianças. Mais de um milhão de pessoas deslocadas. Um genocídio em curso perante a protecção norte-americana e, parcialmente, europeia.

    Há 50 anos que estamos habituados aos rodapés de Gaza e da Cisjordânia. Mais uma bomba, mais 50 mortos; mais uma retaliação, mais 100 presos como resposta à morte de um rabino; mais quatro prédios no chão por causa do rocket que ficou no Iron Dome.

    A moderação dos palestinianos levou-os a aguentar uma ocupação durante 75 anos, a ver mais de 30.000 pessoas morrerem em bombardeamentos indiscriminados de Israel e a ter um terço da população deslocada. Quase 1,5 milhões de palestinianos não sabem o que é viver fora de um campo de refugiados. Mas notem… Foram eles que começaram, desta vez.

    Marcelo, como diria um rei espanhol de má memória: ¿Por qué no te callas?

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Miguel Sousa Tavares na taberna da Inquisição

    Miguel Sousa Tavares na taberna da Inquisição


    Quando Miguel Sousa Tavares, no seu habitual espaço de comentário na CNN, perguntou a José Alberto de Carvalho se ele casaria com a Miss Portugal, imaginei que a polémica rapidamente estalasse. Pensei se deveria contribuir para isso, numa altura em que Gaza arde e o massacre de palestinianos já ultrapassa as 9.000 mortes.  Achei, ainda assim, que haveria um ponto interessante nesta discussão, que não propriamente um concurso de misses. Voltarei ao genocídio em curso na Faixa de Gaza na próxima segunda-feira, no meu sexto texto sobre o tema, aqui no PÁGINA UM.

    Começo por dizer que só percebo o rasgar de vestes pelos tempos em que vivemos, onde as fogueiras da inquisição são substituídas pelas redes sociais. Precisamos de causas para a indignação 24 horas por dia. Não há nada, absolutamente nada que se diga ou escreva, que não ofenda pelo menos um ouvinte ou um leitor.  

    People At The Bar

    Miguel Sousa Tavares foi deselegante e brejeiro. Importa pouco para a discussão sobre um transsexual num concurso de misses, se ele acha o produto final apresentável, com ou sem plásticas. Um estúdio de televisão não é o sítio adequado para conversas de taberna ou para as questões que, imagino, o Miguel Sousa Tavares deve colocar aos amigos quando vai às perdizes, ali em redor do monte alentejano em Mora.

    Também não sei se este comentário teria incendiado opiniões se fosse feito a propósito de uma mulher biológica ou de um homem, biológico ou não. Notem até que para escrever isto, não sei bem como me referir às pessoas em questão porque imagino que alguma formulação possa ofender seja quem for. Para o termo “mulher biológica”, usei uma expressão dita pela própria miss, numa entrevista dada ao JN no dia 22 de Outubro.

    Talvez seja um defeito geracional, acredito que sim, mas cresci a ver descrições nada simpáticas de personalidades portuguesas sem grande celeuma da sociedade em geral. Nos premiados bonecos do “Contra-informação”, programa que durante muitos anos foi transmitido pela RTP diariamente, a antiga deputada comunista Odete Santos era representada por uma imagem particularmente feia. Manuela Moura Guedes aparecia com uns lábios enormes (tal como Guterres), e Marques Mendes como um pigmeu. Sempre achei as caricaturas mais suaves para uns do que para outros, e questionava-me se os visados não se sentiriam desconfortáveis. O programa (de sátira política) era genial, entenda-se, mas a forma como algumas pessoas eram caracterizadas estaria hoje na categoria de body shaming.

    Importa-me muito pouco o tema de “nascer A mas sentir-se B”. Se um humano se identificar como gato e passar o resto da vida a lavar-se com a língua, mesmo que necessite de retirar umas costelas para atingir tal objectivo, não vejo qualquer problema nisso. Não me incomoda, absolutamente nada, que cada pessoa faça o que quiser da sua vida (e do seu corpo) para se sentir melhor. A parte que me parece mais discutível e com algum interesse é a forma como o todo é afectado pela escolha individual. Espero conseguir explicar esta frase.

    Não é fácil, pelo menos para mim, acompanhar todas as etiquetas que a sociedade vai criando para catalogar preferências sexuais, de género, religiosas, alimentícias e sei lá mais o quê. Acabo por ficar no campo que imagino ser o do bom senso, que é: sejam felizes, mas não me obriguem a defender a teoria do pensamento único onde tudo, todos e a toda a hora cabem em todos os sítios. Não dá. Não é ser inclusivo, é ser idiota e abrir caminho ao disparate eterno.

    Se um homem se sente bem num corpo de mulher, tudo bem. Para mim, até esse momento não há discussão. É uma decisão individual. Se deve entrar num concurso de misses? Já tenho as minhas dúvidas e essa não é certamente uma decisão de uma só pessoa; é da sociedade. E notem, uso o concurso de misses porque é daí que vem a frase infeliz do Sousa Tavares. Num mundo civilizado, não existiriam concursos onde as mulheres são avaliadas pela sua beleza. Seja lá isso o que for. Quando nos dizem, e bem, que vivemos num mundo machista, os concursos de misses são exactamente uma das provas disso.

    Mas essa discussão é interessante. É por aí que quero ir. Deve uma mulher transsexual concorrer a uma disputa de misses? Em teoria, não teria qualquer vantagem, logo, não vejo grande problema. Mas se assim for, a bem de evitar qualquer discriminação, deve um homem que se identifica como mulher ou uma mulher que se identifica como homem, poder concorrer em qualquer competição restrita ao género no qual se identificam?

    No caso de um concurso de beleza, julgo que ninguém vê vantagens aparentes. Ou até no Festival da Canção, onde Conchita Wurst venceu, também não vislumbro qualquer relevância na escolha de género. Se as vitórias forem em nome das escolhas justas (mais bonita, melhor voz), seja lá qual for o critério, e não o “vamos apoiar a coragem e dar o prémio para marcar uma posição”, então tudo bem. Se por oposição, acontecer como em 2022, onde, a propósito da invasão russa, a Ucrânia ganhava todas as competições onde entrava, por solidariedade dos restantes, então já me faz alguma confusão.

    Mas se com beleza e voz, em princípio, não há aparente vantagem na troca de géneros, o que acontece, por exemplo, numa competição onde o físico marca a diferença? O caso de Lia Thomas, a primeira mulher transgénero a vencer um campeonato nacional de natação nos Estados Unidos. Um nadador desconhecido e com resultados modestos na competição masculina que, ao concorrer no género com o qual se identifica, passou a ganhar, causando desconforto nas mulheres biológicas com quem competia. Neste caso, há um claro benefício em usar a parte biológica para obter resultados no outro género.

    People Gathered Near Building Holding Flag at Daytime

    Como resolver a situação? Como é que se garante a liberdade individual das escolhas sem prejudicar o colectivo? Criam-se competições só para trans? Arranjam-se mais umas caixinhas?

    Em tempos, trabalhei com uma pessoa chamada Teresa. Chamemos-lhe assim. Durante dois anos cumprimentei-a todos os dias e dirigi-me a ela com o nome com que se apresentara. Um dia, informaram-me que ela deixara de ser Teresa e agora se identificava como Roberto. A pessoa que estava à minha frente era a mesma, mas, a partir daí, eu deveria tratá-la por Roberto. Foi o que fiz. Mas nunca a consegui ver como um homem. E é aqui que as liberdades se cruzam e devem respeitar. Ela sentia-se melhor como homem num corpo de mulher e com um nome diferente. Eu passei a chamar um
    nome de homem a um corpo de mulher, respeitando a escolha da minha colega. E espero eu, que ela, aliás, ele, tenha conseguido compreender que, aos meus olhos, eu via exactamente a mesma mulher com outro nome.

    Quem sente e muda, vê uma coisa; quem acompanha a mudança, vê outra.  E isto não tem de ser necessariamente negativo. Se todos conseguirmos lidar com as diferenças de opinião e pudermos aceitar as escolhas, sem impor doutrinas, então temos uma boa base para conversar e chegar a qualquer lado.

    Portrait of Woman Wearing Teal Eyelashes

    Se quisermos obrigar toda a gente a escrever “todes“, para não ofender quem não se identifica com o género masculino ou feminino, ou aceitar que um homem passa a ser uma mulher só porque ele diz que sim, então vamos andar a saltar de gritaria em gritaria, e de barricada em barricada, sem chegarmos a grande porto de abrigo.

    Enfim, a questão, para mim, não é se a Miss “marchava” ou não pelos pergaminhos do Miguel Sousa Tavares.

    Conversa de taberna será sempre conversa de taberna, e obviamente não cai bem no Jornal da Noite. A questão, na verdade, é se uma mulher trans deve ser legalmente equiparada a uma mulher biológica. Se sim, temos um caminho onde casos como o de Lia Thomas passarão a ser comuns. Se não, teremos de criar uma infinidade de casos, regras e leis que tragam conforto a todos os tipos de identificação. Para aquelas que hoje conhecemos e para aquelas que possam seguir.

    A Man Looking at the Woman Wearing Brown Hijab

    Nenhum dos caminhos me choca. No primeiro, vejo uma mulher, bem mais flexível que homens, a ganhar ouro olímpico no all around de ginástica masculina. No segundo, vejo o código civil de cada país a ter novos volumes em cada ano. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Nada disso me assusta. Aquilo que me assusta é o radicalismo na discussão de ideias e a necessidade de impor regras ao pensamento do vizinho.

    Miguel Sousa Tavares tem um pensamento, que está longe de ser isolado, sobre um transsexual num concurso de misses. Não é a minha visão e, se fosse, não a diria certamente no Jornal da Noite. Mas, ainda assim, ser inclusivo não é queimar Miguel Sousa Tavares no lume brando das redes sociais. É perceber como se faz a inclusão do indivíduo sem ser injusto para com o todo. Essa é a discussão certa. O resto é apenas ruído, radicalismo e taberna. Vossa e do Miguel.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Comentar os comentadores

    Comentar os comentadores


    O domingo é, em semanas boas e de alguma sorte, o meu dia de folga. Tento, nessa altura, desligar-me da realidade e fazer qualquer coisa que me relembre como a vida era antes de 2020. Tenho a sensação que desde que embirraram com o morcego que trazia o covid-19, nunca mais o Mundo foi o mesmo. Ficámos com os movimentos restritos, perdemos empregos, ficámos sem casas, multiplicaram-se as guerras, levantámos mais muros, empobrecemos em larga escala.

    Viver agora numa pequena ilha, algo remota, tem a vantagem de me permitir desligar do Mundo, se assim quiser. Vou pedalar pelas encostas, ver o mar, caminhar na areia, enquanto o mar não a leva para passar o Inverno, ou então escondo-me na garagem, a arranjar o que estiver na lista de afazeres domésticos.

    Ontem foi dia de fazer lego para adultos, também conhecido por Ikea. Uma pessoa pode fugir da Escandinávia, mas há sempre uma parte que nos persegue. Em princípio, já é tarefa para irritar por si mas, não satisfeito com a hipótese, resolvi deixar a televisão ligada e fui ouvindo análises, debates e podcasts em atraso. Devo dizer que os melhores momentos desta experiência aconteceram quando tinha o berbequim ligado e deixava, por isso, de ouvir os comentadores locais.

    A cada dia que passa constato que, salvo raras excepções, os comentários e análises nas televisões portuguesas são de uma tal pobreza que me pergunto se o campo de recrutamento será assim tão limitado. Enquanto partia a cabeça de um parafuso, deixando o resto dentro da parede (qual seria a probabilidade?), ouvia Helena Ferro de Gouveia (HFdG), sempre naquele tom calmo e pensado, a dizer que Israel já tinha perdido a guerra da comunicação, mas tinha o dever de se defender à luz do direito internacional.

    HFdG é o paradigma dos comentadores televisivos com uma agenda presa por ideologia. Não se limitam aos factos e às informações que conseguem recolher. Moldam a opinião dos ouvintes com a sua opinião formada, muitas vezes, por uma ideologia que não se consegue disfarçar. Não tenho nada contra o debate de opiniões; não gosto é de ver esse exercício a ser apresentado como análise isenta de factos.

    turned-on flat screen television

    Há mais de um ano que ouço HFdG defender activamente o empobrecimento generalizado da população europeia como resultado do incondicional apoio à Ucrânia, para que esta se possa defender da invasão russa. Como todos os que defendem esta tese (mais bombas pela paz), HFdG coloca o relógio do conflito na Ucrânia com início para Fevereiro de 2022, e daí traça toda uma série de cenários onde, basicamente, se deve alimentar militar e financeiramente a Ucrânia até que o último soldado ucraniano morra. É, em resumo, a teoria americana. Ou seja, usar sangue ucraniano enquanto der, até se enfraquecer a Rússia de forma a que fique sossegada nos próximos anos e deixe americanos e chineses a dividirem as rédeas do globo.

    Agora, no caso de Gaza, perante factos semelhantes (um invasor e um invadido), a nossa Helena volta a acertar o relógio para o dia 7 de Outubro (ataque do Hamas) e ignora olimpicamente os 70 anos anteriores para apelar ao direito de defesa israelita. Aqui, o estatuto de invasor já não colhe, como se percebe. Mas pior mesmo, é ver a lista de mortos a crescer diariamente naquele território sem fuga possível e ver como alguns dos nossos comentadores, com HFdG à cabeça, a tentar justificar o injustificável.

    O “direito de defesa de Israel”, frase que já não consigo ouvir, significa, ao fim de 20 dias de bombardeamentos, um saldo de 8.000 mortos, 7.000 dos quais em Gaza e, notem este detalhe, mais de 3.000 crianças. Ou seja, em cálculos simples, a cada 10 minutos morre uma criança na Faixa de Gaza. Isto não é o direito à defesa: é um genocídio com o alto patrocínio dos Estados Unidos e boa parte da União Europeia.

    Estamos novamente na discussão redutora: se não se defende a carnificina em Gaza, então somos apoiantes do Hamas. Já o disse e repito que não acho o Hamas benéfico para a libertação da Palestina, mas pergunto: quem pode criticar o aparecimento de movimentos radicais de libertação entre um povo encarcerado? Recupero aqui uma frase de Miguel Tiago durante um debate com Tiago Mayan Gonçalves: “durante a guerra do Ultramar, também o Estado Novo chamava terroristas aos combatentes que lutavam pela independência dos colonizadores”. Portanto, a visão da História depende sempre de quem a conta e do momento temporal em que é discutida.

    Há ainda outro detalhe que raramente se discute nas televisões portuguesas, a propósito deste conflito: Israel não permite a entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza e, como tal, tudo o que vemos e ouvimos são relatos do exterior. Em alguns casos, como são as intervenções de Ana Sofia Cardoso (CNN), estamos perante peças altamente sensacionalistas, a largos quilómetros do conflito e sempre a procurar mostrar o sofrimento no interior de Israel.

    Eu percebo ser difícil mostrar os dois lados quando a entrada em Gaza não é permitida, mas, convenhamos, com crianças a morrer todos os dias debaixo dos bombardeamentos israelitas, torna-se algo anedótico um momento de reportagem com uma janela partida numa prédio intacto, por causa de um rocket do Hamas. Ou ‘rámas’, como a própria Ana diz, fazendo as vezes de Milhazes do Médio Oriente.

    green tree on brown sand during daytime

    Mudei o canal porque não consigo mesmo ouvir mais este nível de hipocrisia e racismo básico.

    Entretanto, resolvi o problema do parafuso sem cabeça. Não foi bonito de se ver, acrescente-se.

    Paro na RTP e estou na análise de Rui Moreira. O tema é a TAP. Não prevejo grande futuro, mas lá está, como já vos expliquei, não resisto a um bom acidente.

    Desligo o berbequim, porque adivinho asneira da grossa. Rui Moreira analisa o veto presidencial ao negócio da venda da TAP e, entre outras coisas, explica que alguns dos grupos interessados já foram falar com ele, enquanto presidente da Câmara do Porto, por causa do investimento pretendido no Aeroporto Sá Carneiro. Segundo ele, a Iberia estaria interessada em passar muitas rotas para lá, dadas as limitações existentes em Lisboa. Expliquem-me, porque o meu limitado vocabulário de emigrante me vai pregando rasteiras, se a palavra “incompatibilidade” ainda está contemplada no dicionário da Língua Portuguesa.

    Como é que um homem que há anos faz campanha contra a TAP pública, com o aberrante argumento que “não serve o Porto”, pode agora estar no papel de comentador a opinar sobre a venda, hubs, interessados e o que melhor serve Portugal,quando há anos que faz, a proveito dos votos, exactamente o contrário? Não há um mínimo de vergonha na cara e alguma coerência no alinhamento informativo? É a RTP, caramba! Não é a CMTV. Exige-se algo mais.

    Voltei a carregar apressadamente no comando e passei pela homilia do Paulo Portas, que desfazia António Guterres, a propósito das declarações do secretário-geral das Nações Unidas sobre o aumento da violência por parte de Israel. Aqui não aguentei sequer um minuto, e decididamente não entendo como há espaço de propaganda e restauração de imagem para políticos que se viram envolvidos em escândalos de corrupção, abuso de poder ou conflito de interesses.

    José Sócrates, Paulo Portas, Miguel Relvas, entre outros, estiveram debaixo das objectivas em diversos momentos das respectivas governações por crimes, suspeitas ou abusos. Como é que aparecem nas televisões, algum tempo depois, como senadores da opinião e alguém a quem os portugueses devem prestar atenção? Não há mesmo mais ninguém? Como é que um político português a quem ainda hoje não se conseguiu retirar toda a verdade do desastre da compra dos submarinos, pode vir criticar Guterres, depois deste ter sido o único dirigente do mundo ocidental a alertar para o genocídio que acontece em Gaza?

    Desisti da televisão e passei para os podcasts. O primeiro era o do Rogeiro com o Milhazes. Ao fim de cinco minutos, já ouvia o Milhazes a dizer que “não nos podemos esquecer da Ucrânia”, como quem faz um apelo de emprego. Compreendo-o. Quem é que quer perder receita depois destes dois anos de sonho? Foi sol de pouca dura e continuei a desfazer móveis ao som de uma playlist do Spotify que era exactamente por onde deveria ter começado. E ficado.

    Motherland Monument among green trees on embankment in Kiev

    Enfim, mas o que custa afinal fazer jornalismo mostrando os dois lados do mesmo conflito? Custa assim tanto dar às pessoas as diferentes versões do mesmo tema e deixá-las formar opinião livremente? Na Al Jazeera, um destes dias, via um painel com um professor de História Árabe, um antigo funcionário das Nações Unidas ligado à ajuda humanitária em Gaza e um antigo membro da Mossad.

    Portanto, um debate com três visões (duas delas totalmente opostas) sobre um conflito com 75 anos. Não há um despejar de narrativas e muito menos horas e horas de especulação criada a partir de um lado. Há discussão, troca de opinião e um verdadeiro debate com argumentos de parte a parte que permite, a quem vê, criar uma opinião mais informada.

    Parte da nossa pobreza e atraso estrutural vem, também, da forma como aceitamos tudo aquilo que alguém, sentado num estúdio de televisão, nos diz. Mesmo que a coerência não exista, o contraditório seja raro e os argumentos mudem entre situações semelhantes.

    Em 10 milhões de habitantes, não deve ser assim tão difícil conseguir ouvir pessoas, em análises televisivas, com mais conhecimento e menos ideologia. E certamente, mesmo entre os antigos políticos que tanto parecem apreciar, devem existir duas mãos cheias que tenham mesmo feito os cursos através de aulas e exames ou não tenham desviado dinheiro público.

    Se a bitola está na CMTV, então tudo bem. Se queremos um pouco mais do que uma população que ainda vê o Big Brother, então é preciso dar um pouco mais do que palha em horário nobre. A começar pelos canais de informação.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.