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  • Método fácil de roubar votos aos partidos ‘fascistas’ em 5 passos

    Método fácil de roubar votos aos partidos ‘fascistas’ em 5 passos


    Pela Europa fora, fala-se na “ascensão do populismo” e do “aumento de votos na direita” e na “extrema-direita”. As perspectivas apontam para que, nestas eleições europeias, se incline para a direita a balança dos deputados eleitos.

    Da Avenida da Liberdade, no dia 25 de Abril, passando pela comunicação social, pela opinião de comentadores/influencers pagos e publicações nas redes sociais, somam-se os apelos ao “combate ao populismo e à extrema-direita”. Em resumo, “aos fascistas”.

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    (Foto: Tetiana Shyshkina)

    Esta visão simplista, infantil e a preto e branco só não espanta porque todos temos observado a enorme bolha em que confortavelmente têm vivido os que apontam o dedo ao “perigo” do “fascismo” como a grande batalha dos nossos tempos, na Europa.

    Jornalistas, comentadores, influencers diversos (incluindo antigos políticos a lucrar com grandes empresas e lobbies), acotovelam-se a ver quem grita mais alto “fora os fascistas!” depois de anos a apoiar políticas anti-democráticas e perigosas, que promoveram a opacidade e a censura e criaram crises em várias frentes.

    Claro que não lhes dá jeito nenhum contar a verdade e defender soluções para os problemas que levam a um certo sentido de voto. Dá-lhes muito jeito apontar o dedo a um novo “inimigo” contra o qual “todos se têm de unir”. Faz lembrar algo?

    Este estratagema antigo e conhecido pode resultar com alguma franja da população (normalmente, sem acesso a informação além das TVs e dos mass media). Mas falha em conseguir já convencer a grande maioria dos cidadãos.

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    (Foto: Slim Emcee)

    Os problemas que afectam hoje muitas famílias e empresas na Europa são sérios. As crises que se acumulam são sérias. O futuro não parece auspicioso e faltam soluções credíveis. Da subida do custo de vida, à habitação, passando pela insegurança, os rendimentos, segurança, impostos e emprego, têm faltado respostas convincentes aos mais vulneráveis e aos jovens.

    Todas estas crises alimentam-se de medidas e políticas que foram tomadas sucessivamente ao longo dos anos por governos que não tiveram como absoluta prioridade o bem-estar das populações e a saúde da economia.

    Uma chatice. Não se pode culpar os “populistas” e a “extrema-direita”, os “fascistas”, pelas medidas lamentavelmente adoptadas na última década, incluindo o abandono a que foram votados muitos imigrantes, que vivem sem condições e vulneráveis a redes de criminosos.

    Mas existe uma solução. Em cinco passos, é possível combater os partidos “populistas” e a “extrema-direita”. Apenas é necessário que todos os partidos que têm governado, nomeadamente com o apoio da suposta esquerda e de centristas, adoptem as seguintes bandeiras:

    • 1 – Pacifismo e “não à guerra”. Ninguém quer ver os maridos, filhos e netos em risco de ir para a guerra. NINGUÉM. Além disso, as guerras criam deslocados e podem abalar os alicerces das economias, atirar milhões para o desemprego e fazer, em simultâneo, disparar o custo de alguns bens. Assim, para atrair votos, é crucial que os partidos de esquerda e centro defendam a diplomação, a negociação e a … PAZ.
    • 2 – Defesa dos direitos humanos, das mulheres, das crianças e da soberania sobre o próprio corpo. Este ponto é fundamental. Para retirar votos aos partidos “populistas” e de “extrema-direita” é crucial que os restantes partidos políticos defendam os direitos humanos. Isto implica mudar algumas das linhas dos seus programas eleitorais que defendem políticas internacionais limitativas aos direitos humanos e civis, nomeadamente na área da Saúde. Defender os direitos humanos é também defender os imigrantes, promover a inclusão e a diversidade. É combater a insegurança e as redes de tráfego humano que assolam a Europa. É também combater o ódio, nomeadamente contra as mulheres, que enfrentam hoje também a discriminação no desporto e outras competições por via da concorrência desleal e injusta por parte de atletas nascidos homem.
    a close up of an open book with some writing on it
    Têm sido aprovadas na União Europeia, nos anos recentes, políticas que condicionam a liberdade de imprensa e promovem limitações à liberdade de expressão. Ao mesmo tempo, tem estado a ser construída e financiada uma vasta indústria de censura no mundo ocidental que envolve a eliminação de informação verdadeira e a perseguição e difamação de jornalistas, académicos, políticos e cientistas. (Foto: Mick Haupt)

    • 3 – Defesa da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão. Não confundir com a defesa dos mass media, ou media mainstream, que estão muito alinhados com partidos que têm governado na Europa e que têm apoiado políticas que limitam a liberdade de imprensa e de expressão. Para conquistar votos ao “populismo” e à extrema-direita” é importante defender o verdadeiro Jornalismo – o oposto da propaganda – a liberdade de imprensa e o acesso a informação. Isto implica, por exemplo, condenar e rejeitar algumas leis e políticas adoptadas na União Europeia e países do Ocidente, incluindo especificamente a Irlanda e o Canadá. E é crucial exigir a liberdade de Julian Assange, jornalista detido vergonhosamente no Reino Unido e em risco de ser extraditado para os Estados Unidos. O seu “crime” inclui ter publicado provas de crimes de guerra por parte de Estados, incluindo o assassinato de jornalistas. Do mesmo modo, por exemplo, deve acentuar-se a pressão sobre a Rússia para libertar o jornalista norte-americano Evan Gershkovich ou o russo Roman Ivanov. Ou apurar as verdadeiras causa da morte do jornalista Gonzalo Lira numa prisão da Ucrânia. É também crucial compreender que tem vindo a ser criada uma indústria de censura que elimina informação verdadeira e persegue jornalistas, académicos, cientistas, políticos, activistas, médicos que divulguem factos verdadeiros “não autorizados”. Esta indústria é vasta. Envolve governos, universidades, organizações não governamentais financiadas para o efeito, empresas de comunicação social e sites de suposta “verificação de factos”. Há documentos que apontam ainda o envolvimento de agências de informação governamentais em práticas de censura de informação verdadeira e na realização de campanhas de desinformação. É importante defender o debate, o contraditório e a reflexão crítica.
    • 4 – Defesa do ambiente e de uma sociedade verdadeiramente sustentável. Este é outro ponto fundamental. Para roubar votos ao “populismo” é preciso voltar a apostar em políticas de defesa do ambiente e da saúde e bem-estar das populações, com foco na protecção de paisagens naturais e combate aos grandes poluidores. Defender o ambiente é, também, apontar baterias a grandes indústrias poluidoras, fiscalizar e adoptar novas políticas que penalizam essas indústrias. É também desincentivar a sociedade de consumo desenfreado e a produção de bens de curto tempo de vida. É combater o abate de árvores e destruição de habitats. É defender as melhores práticas na agricultura, o bem-estar animal, eliminar de vez a autorização do uso de produtos como o glifosato, proteger bancos de sementes dos interesses de multinacionais e afastar o uso de organismos geneticamente modificados.
    • 5 – Defesa da Democracia. Este é um dos pontos mais relevantes. O nível de democracia tem vindo a cair nos países ocidentais, incluindo Portugal. Há planos para mutilar a Constituição da República Portuguesa. Há um histórico recente preocupante de políticas a serem implementadas sem serem seguidos os devidos procedimentos legais, não só em Portugal mas em outros países. Falta transparência em negócios com dinheiros públicos. Falta combate verdadeiro a corrupção e conflitos de interesses. Na União Europeia, há problemas com opacidade e o envolvimento de lobbies e influência de indústrias. O crescente poder e influência sobre políticas públicas por parte de organizações internacionais não eleitas é uma séria ameaça às democracias ocidentais.
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    (Foto: Shane Rounce)

    A receita para eliminar o “populismo” parece simples, mas não é. Muitos dos partidos de esquerda e centro apoiaram as políticas que têm diminuído o nível de democracia em países como Portugal e que têm ameaçado o respeito pelos direitos humanos, liberdade de expressão e liberdades fundamentais. Apoiaram políticas que afectaram gravemente a economia, o emprego e os rendimentos disponíveis no final do mês e geraram insegurança e instabilidade.

    Recuperar a confiança do eleitorado vai exigir mais do que novos programas eleitorais e frases bonitas.

    Porque, ao contrário do que acusam alguns partidos de esquerda e do centro, não são os partidos “populistas”, de “direita” e de “extrema-direita” que se apropriaram de temas como a defesa dos direitos humanos. Foram os partidos antigos, que têm governado, os partidos de esquerda e de centro que abandonaram temas cruciais como a defesa da Paz, dos Direitos Humanos, da Democracia, da Liberdade e do Jornalismo.

    A crise dos valores europeus é real. Apontar o dedo, criar um inimigo a abater, não é a solução. Criar novas guerras, novas crises, novas emergências não é a solução. A solução é mudar e restaurar a confiança perdida. Mesmo que isso implique reconhecer que se causou dano e que se errou. Reconhecer o erro pode ser o início da reconciliação e o princípio de uma nova era na Europa, em que partidos procurarão defender os interesses e bem-estar dos europeus e os seus valores universais de democracia, paz e respeito pelos direitos humanos e individuais.

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    Temo que partidos à esquerda e centristas não compreendam que o que têm defendido nos útimos anos tem sido, muitas vezes, políticas fascistas, totalitárias. Censura. Cultura de cancelamento e de difamação e perseguição de jornalistas, académicos, cientistas e políticos. Protecção da especulação e das grandes multinacionais. Protecção da opacidade e da corrupção. Em Portugal e na União Europeia.

    Apontar o dedo a um inimigo pode ser fácil. Mas, para muitos europeus, já não vai funcionar. O problema não está nos europeus nem no seu sentido de voto. Está, antes, naqueles que os traíram e desiludiram.

    Por isso, quando vir alguém que aprovou as políticas nos últimos anos a gritar “fora com o fascista!”, recomende-lhe que tenha vergonha na cara. E que arranje um espelho.

    Elisabete Tavares é jornalista


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  • O Povo Unido já foi vencido (e não sabe)

    O Povo Unido já foi vencido (e não sabe)


    Canta-se ‘Grândola, Vila Morena’ a descer a Avenida. Cravos vermelhos na mão, ao peito, ou no cabelo. Caminha-se emocionado, lado a lado com outros portugueses, respirando a memória daquele dia 25 de Abril, faz 50 anos (a minha idade).

    Como a Revolução, também eu nasci em Abril de 1974. Cresci a ouvir as histórias de censura, repressão e medo, muito medo. De política, não se podia falar. Na minha família, havia essa noção e esse conselho era passado às novas gerações. O medo pode ser poderoso. Já não se vivia em ditadura mas a memória dele permanecia (e ele vivia).

    Ouvindo os gritos e vivas à democracia na Avenida, vejo os rostos dos que, de cravo ao peito, desconhecem que nos jornais, nas rádios e nas TVs já não se pode falar de muitos temas importantes para ‘o povo’. Abril é hoje uma sombra do que foi. E o povo canta, sem saber que a nova era de censura e repressão chegou e prospera, cresce, alimenta-se, flui. O povo canta, mas não sabe.

    O povo não sabe que só sai na imprensa o que é ‘autorizado’. O mantra da ditadura de ‘não se fala de política’ foi substituído por ‘não se fala de políticas de Saúde’, ‘não se fala da censura’, ‘não se fala que há um jornalista preso há 5 anos no Reino Unido’. E, sobretudo, ‘não se fala das novas leis de censura e repressão’.

    Ouço na Avenida os cânticos da Revolução, incluindo ‘O povo é quem mais ordena’. Mas o povo não tem hoje um direito fundamental: o do acesso a informação. Porque os media, a imprensa, não dão informação fora da considerada válida pelo regime. Pior. Os media, hoje, são parte do regime. Estão soldados e inseparáveis.

    E que regime é esse? É um regime cuja função é, exclusivamente, defender e proteger interesses financeiros e comerciais. É um regime apropriado à era do consumo fácil, do compra e deita fora, do troca de carro todos os anos.

    O povo não sabe e canta. Caminha de cravo na mão, feliz por estarmos todos a celebrar Abril. Mas celebrar Abril estando às escuras quanto à realidade actual, que inclui a censura e a repressão, não é uma celebração, é uma condenação. Celebrar Abril na ignorância das notícias que não são autorizadas a sair é condenar a Revolução.

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    Esta semana, foi debatido na Assembleia da República um tema de enorme relevância para o futuro do país e dos portugueses. Em outros tempos, seria tema de telejornais em horário nobre. seria tema de primeira página. Seria tema a destacar pelas agências noticiosas e pelas rádios. Mas tente-se procurar notícias sobre esse debate. Deixo esse desafio. O tema que foi debatido foi tão somente o plano da Organização Mundial de Saúde (OMS) de preparação do mundo para futuras pandemias e crises de saúde pública. Que tenha reparado, o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação social a acompanhar o debate.

    O povo não sabe que houve mudanças profundas no plano nos últimos dois meses. Porquê? Porque tiveram de cair propostas que estavam na mesa, incluindo a eliminação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais do artigo 3º do Regulamento Sanitário Internacional. Mas esta era apenas uma das medidas totalitárias e extremistas que estavam na mesa. Outras tiveram de ser ‘riscadas’ do plano. Mas outras medidas polémicas continuam na mesa de negociação. O povo não sabe e este plano da OMS pode ser já adoptado por Portugal no final de Maio.

    E porquê a censura? Porque é um tema sobre políticas de Saúde. O leitor pergunta: porque há censura de temas de Saúde? Porque é uma área que envolve muito, muito dinheiro dos cofres estatais e que é fácil de controlar pela informação que é passada ao ‘povo’. Se o povo só souber o que as TVs passam, o povo é fácil de dominar e aprovará tudo o que lhe disserem que ‘é para o seu bem’. O povo obedecerá e tudo o resto será ‘desinformação’.

    A área de Saúde envolve algo crucial para controlar a população: o medo. O medo de se ficar doente, de morrer, de perder familiares e amigos para vírus e doenças.

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    Mas não é apenas a área de saúde que é alvo de censura por parte dos media. Também a Ciência em geral. Os melhores estudos científicos em diversas áreas são omitidos ao ‘povo’ pela imprensa. Os cientistas e especialistas mais conceituados nunca são entrevistados e até são difamados pela imprensa.

    A censura chega aos jornalistas. Muitas ‘cachas’, temas que seriam manchete, abertura de telejornal, são metidos na gaveta, abafados, escondidos. Jornalistas incómodos , que querem fazer o seu trabalho, são metidos na prateleira.

    Mas o povo canta na Avenida. Os jornais publicam cravos na capa. As TVs passam as imagens da festa de Abril com tom emocionado dos pivots.

    Recordar Abril é fácil (e bom). Honrar Abril é que é cada vez mais difícil na nova era de censura e perseguição.

    Numa entrevista recente ao PÁGINA UM, Stella Assange, mulher do jornalista Julian Assange, disse que o seu marido tem sido “um canário na mina de carvão”. Julian está detido numa prisão de alta segurança no Reino Unido há cinco anos e arrisca a extradição para os Estados Unidos. Biden quer julgá-lo por… ter publicado informação confidencial, incluindo denunciando crimes de guerra cometidos por Estados, incluindo a morte de jornalistas.

    Pouco ou nada se fala de Assange nos media portugueses. Se estivesse preso na Rússia seria notícia todas as semanas.

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    (Foto: Samuel Regan-Asante)

    As ditaduras estão aqui, à nossa porta e a porta já foi aberta. O totalitarismo foi convidado a entrar. O povo unido ‘come e cala’ e ainda canta enquanto come, porque nem sabe o que está a comer.

    Muita legislação tem sido aprovada em países ocidentais com vista a condicionar fortemente a liberdade dos jornalistas e da imprensa e para censurar a liberdade de expressão. Da União Europeia, ao Canadá, Brasil, Austrália, Irlanda, está a ser construído um edifício legislativo de suporte à nova era totalitária. E o povo não sabe porque a imprensa se recusa a noticiar este facto. Este edifício legislativo é um dos pilares do novo regime ocidental anti-democrático, anti-liberdade, anti-jornalismo.

    Este novo regime alimenta os abusos comerciais cometidos por multinacionais, alimenta as políticas globalistas que querem anular culturas e comércio local, alimentam o capitalismo selvagem. Ou seja, este novo regime ocidental alimenta (e alimenta-se de) tudo aquilo que os chamados partidos da esquerda dizem combater.

    E o cravo é agora usurpado, como outros símbolos da liberdade e da democracia, e é usado para promover este novo regime de ‘falsa democracia’ e ‘falsa liberdade’… e do falso jornalismo dos mass media do regime.

    Mas o povo canta, descendo a Avenida. E a imprensa distribui imagens de cravos enquanto anda de braço dado com os opressores e censores.

    Naquela história do elefante que viveu preso toda a vida, o animal, depois de solto, continuou a andar apenas em redor do poste que o prendia. Não sabia que tinha sido libertado. Aqui, em Portugal, no mundo ocidental, o povo tem vindo a ser preso numa redoma de ferro mas sempre com música da revolução e com cravos vermelhos. Está cada vez mais confinado a uma redoma de censura e condicionamento e não sabe.

    O povo pensa que é livre porque canta ‘Grândola, Vila Morena’ e desce a Avenida. O povo pensa que vive em democracia porque vota. O povo pensa que é livre porque pessoas do mesmo sexo se podem casar. Porque o povo pode ir a festivais de música com bandas do estrangeiro. Tudo isto é bom e uma alegria. Mas não chega.

    Na redoma de ferro invisível, sem acesso a informação de forma livre, o povo canta. Dá graças a todas as migalhas de liberdade que o novo regime permite que existam.

    Da imprensa, aos grandes motores de busca na Internet (como o Google), passando por grandes redes sociais ou pela Wikipedia, é patente a ausência de alguma informação verdadeira, factual e crucial que o ‘povo’ devia saber. Pior. Há deturpação de informação e difamação de ‘opositores’ ao regime. A gigantesca indústria de censura que tem vindo a ser montada pelo novo regime ocidental está aí em força. E o povo não sabe.

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    Avenida da Liberdade (Foto: Alice Kotlyarenko)

    Os que lutam contra esta prisão que está quase a ser concluída, fazem uma luta desigual. Mas lutam. Do jornalismo, passando por empresários, por plataformas na Internet, passando por activistas da sociedade civil e mesmo políticos de diversos backgrounds e ideologias, a luta continua. E o povo não sabe.

    Como aconteceu com o caso do plano pandémico da OMS, a imprensa convenceu o povo que o tema é… da ‘extrema-direita’. Como é que o debate sobre o que está nas propostas para a criação de um plano de preparação para pandemias é da ‘extrema-direita’? Quem acredita nisto? Caramba!. Este tema, como outros, não tem cor partidária nem ideologia. Não tem género, nem sexo, nem etnia. O tema do plano pandémico da OMS diz respeito a todos nós, humanos a viver nos países que o irão subscrever e adoptar. Por isso, é bom que saibamos o que está a ser feito para nós e por nós (supostamente).

    Censurar o debate deste tema deveria fazer soar os alarmes. É mais um ‘canário na mina de carvão’. Será que é porque se está a querer criar uma indústria de pandemias para vender produtos, testes, aparelhos, medicação, apps de rastreio? Para impor a venda destes produtos que serão, na maioria, pagos com dinheiros públicos e para encher os bolsos de multinacionais e organizações? Ou o que está a ser feito está a ser bem feito, a pensar efectivamente na saúde pública? Só saberemos se pudermos ter acesso a informação. E isso é o que falta, hoje, sobre este tema e muitos outros.

    Por isso, quando hoje passarem nas TVs as imagens a preto e branco a recordar Abril de 1974, vale a pena pensar na tal redoma de ferro invisível que está a ser construída. Vale a pena pensar que é fácil hoje passar nas TVs imagens de há há meio século e não se consegue ver nas TVs imagens de acontecimentos que estão a acontecer na actualidade. O mesmo se aplica aos jornais e às rádios.

    (Foto: D.R./Arquivos RTP)

    Recordar é bom. Mas não se significar viver num passado de recordações e canções enquanto se ignora que não se é livre. Livre para saber, para se informar, para tomar decisões e apoiar políticas de forma consentida. Sem acesso a informação, o povo é convencido que há temas de que não se fala. Convence-se o povo que temas de relevo como o da Saúde, Liberdade de Expressão, são temas com cor política. Não são. É o novo ‘não se fala de política’ como havia na ditadura do Estado Novo.

    Também canto ‘Grândola, Vila Morena’. Mas canto triste e ao mesmo tempo com esperança. Esperança de que o povo desperte uma madrugada, ao som de uma música na rádio, e desperte, saia do transe em que caiu. E que esse despertar seja o início do fim desta nova ditadura sem rosto, sem nome, mas que nos ameaça manter todos presos. Presos e calados mas com cravos na mão e com autorização para, todos os anos, celebrarmos Abril na Avenida.

    Elisabete Tavares é jornalista


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Carta aberta aos nascidos nos anos 70 e 80

    Carta aberta aos nascidos nos anos 70 e 80


    Num vídeo, que se tornou viral, um rapaz mostra-se a bater com o ombro numa porta e imita as reacções ao acidente conforme as diferentes gerações. No caso dos nascidos nos anos 70, depois de irem contra a porta, prosseguem indiferentes. Os nascidos na década de 80 entram em confronto verbal com porta. Os nascidos nos anos 90 levam a mão ao ombro com dor ligeira e reviram os olhos. Os nascidos depois dos 2000 fazem um drama, caem no chão e aproveitam para tirar uma selfie com muitos # de vitimização. Certamente que alguns fariam hoje um vídeo curto sobre o ‘acidente’ para o TikTok.

    Mas este tipo de vídeos e memes, apesar de poderem ser engraçados, estão longe de representar a triste realidade: grande parte da corajosa malta nascida nos desafiantes anos 70 e 80 transformou-se, rendeu-se e traiu a sua geração (e as suas promessas).

    Estas gerações que assistiram ao nascimento e infância da democracia em Portugal, no pós-25 de Abril, que assistiram à queda do Muro de Berlim e ao fim da Guerra Fria, estão, na sua maioria, em silêncio perante o regresso da cultura de censura e repressão. E estão em silêncio, na sua maioria, perante o regresso do poder dos senhores que promovem (e lucram) com as guerras.

    Uns ter-se-ão esquecido quem são devido ao conforto do carro na garagem do condomínio, aos centros comerciais gigantescos, à era do consumo, do smartphone e da Netflix. Outros sentem-se derrotados por décadas de baixos salários, empregos precários e por não verem a luz ao fundo do túnel. E estes também esqueceram quem são.

    Outros, estarão doentes, cansados, desanimados. Mas todos estão rendidos e renegaram, sem saber, às suas promessas de juventude.

    Mas, quer estejam aburguesados, doentes, ou desanimados, assisto, triste, a muitos da minha geração parados, impávidos perante o assalto à democracia e à liberdade que estamos a sofrer na Europa. Em vez de lutarem contra os fortes ataques à democracia em Portugal e na Europa, entretêm-se a publicar quase só fotos de gatinhos, a pôr likes em posts de celebridades e influencers e a encher os seus bolsos pagos pela publicidade encapotada. Em vez de lutarem pela defesa da liberdade de expressão e liberdade de imprensa, apoiam aqueles mass media que estão em perseguição dos que estão a defender a liberdade de expressão, a democracia e a lutar contra a censura.  

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    Muitos da minha geração pensam mesmo – imagine-se – que em Portugal se vai mesmo celebrar os 50 anos de Abril. E acreditam que os comentadores que nas TV falam sobre as cinco décadas da Revolução dos Cravos são mesmo, na sua maioria, defensores da democracia. Muitos da minha geração ignoram o que se está a passar. Ignoram que muitos dos comentadores são pró-censura e pró-leis tiranas. E pró-guerra e pró-condicionamento das liberdades civis e dos direitos humanos, ‘pelo bem de todos’.

    Não entendo. Custa compreender.

    Quando me perguntam, por exemplo, porque tantos jornalistas têm estado em silêncio e pactuado com a censura e a cultura de tirania pró-ditadura (reflectida em leis e políticas de governos ocidentais), respondo: “porque são jornalistas espertos”. São espertos porque defendem o seu ganha-pão, o seu sustento. Sabem que estamos a viver numa era em que regressaram as tendências pró-ditadura – agora disfarçadas sob capas de combate à desinformação e luta contra a ‘extrema-direita’.   

    Já nem falo das estrelas de cinema que tanto me desiludiram nos últimos anos, ao defenderem a censura, nomeadamente nos Estados Unidos, ou a violação da soberania sobre o próprio corpo. Já nem falo das estrelas do rock e da pop que deram concertos apenas a audiências segregadas, apoiando uma cultura ignóbil de discriminação entre seres humanos.

    Falo aqui das pessoas comuns, as que, como eu, frequentaram os bailes ao ar livre nos anos 90, em Lisboa. As que iam ao cinema sempre que podiam. As que sabem de cor os diálogos de ‘The Breakfast Club’ ou do ‘Assalto ao Arranha Céus’. As que ouviram vezes sem conta ‘Get up, Stand up’, de Bob Marley. É para elas que escrevo este texto. Onde estão? O que vos aconteceu?

    Na Europa, a antiga ministra da Defesa da Alemanha, a Sra. Von der Leyen, arrasta o nosso Continente para uma guerra sem fim. O anúncio de uma ‘Economia de Guerra’ na União Europeia não despertou a minha geração para a acção?

    Onde estão os pacifistas da minha geração? Onde estão os pacifistas em geral, os que sabem que as guerras são monstros para alimentar lucros de multinacionais e os bolsos dos políticos (e dos seus filhos) que as promovem?

    Onde estão os pacifistas portugueses? Onde estão os pacifistas europeus? Onde estão os pacifistas do Ocidente? Onde estão os pacifistas do Mundo? Estarão enfiados em shoppings a comprar o último iPhone ou a viajar pela América do Sul? Estarão entretidos a lavar o seu novo carro eléctrico ou a fazer like no seu influencer preferido? Estarão a assistir todo o fim-de-semana aos inúmeros jogos das diferentes Ligas? Estarão distraídos a ver (de novo) ‘aquela série’ da Netflix? Ou estão quebrados por doenças e a sentir-se vítimas de uma vida ‘que os tem maltratado’?

    Onde estão os corajosos, lutadores e destemidos ‘jovens’ da geração de 70 e 80? Onde estão os jovens inspirados a fazer um bypass ao status quo depois de ver o ‘Clube dos Poetas Mortos’? Onde estão os apaixonados e utópicos ‘jovens’ que têm ainda a cassete VHS com o filme (que viram no cinema) sobre ‘Cyrano de Bergerac’?

    E os jovens que gravavam as cassetes com as músicas das rádios pirata? Onde estão?

    Não estranham que, ao fim de tantos anos, não se consiga acabar com os sem-abrigo, a fome e a pobreza, mas que haja sempre milhares de milhões para armas, bancos, ‘a economia’ e as guerras?

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    Não estranham que tenham sido aprovadas, nos últimos tempos, leis na Europa que condicionam a liberdade de imprensa e de expressão? E não estranham que haja em Portugal movimentos de grandes partidos no Parlamento para mutilar de forma impensável a nossa Constituição? Não estranham que esteja a ser desmembrado o conceito de direitos humanos nas alterações ao Regulamento Sanitário Internacional da Organização Mundial da Saúde que estão a ser negociadas por países, incluindo Portugal?

    Não estranham que políticos supostamente de esquerda sejam a favor da censura e da repressão e estejam a perseguir ‘opositores’? (É ler este artigo sobre a reacção de Musk à repressão em curso no Brasil).

    Não estranham que haja censura em 2024 e que tudo o que seja ‘contra o regime’ é ‘desinformação’ e ‘extrema-direita’ (na pandemia eram negacionistas e anti-vacinas’)? Não estranham que muitos dos mass media apoiem a censura e sejam hoje máquinas de propaganda?

    Malta: a torre Nakatomi está em chamas e a nossa geração anda a pôr likes em selfies?

    Nós vimos John McClane descalço, ferido, sozinho, a dar cabo dos assassinos gananciosos e com ar sofisticado! E vimos centenas de filmes com heróis a defender a democracia, a liberdade, a lutar contra os maus!

    (Foto: D.R.)

    Alugámos dezenas de cassetes de vídeo de filmes em que se lutava contra corruptos e a ganância. Vimos ‘Erin Brockovich! Vimos ‘Alien’ e a pobre da Sigourney Weaver a matar ‘bichos viscosos e feios’ atrás de ‘bichos viscosos e feios’.  

    Vimos Mulder e Dana nos ‘X- Files’. No entanto, não estranhamos que nos dias de hoje cada vez mais se perseguem pessoas que fazem alguns alertas sobre as novas leis, chamando-os de ‘teóricos da conspiração’?  Vimos ‘Matrix’ com o Neo. (E, se calhar, continuamos à espera desse ‘The One’ que nos virá salvar.)

    Ouvimos Nirvana, U2, Queen, Metallica, Pink Floyd (e mais todos aqueles que não admitimos que ouvimos, como Def Leppard e Europe). Ouvimos música com sintetizadores. E também músicas com letras sobre liberdade, amor e paz.

    Como é que aceitamos que se difamem e cancelem pessoas, acusando-as de ser da extrema-direita (ou outro nome pejorativo qualquer) porque defendem… a paz, a liberdade e a democracia? É isso que está a acontecer, hoje.

    Nós somos a geração do Ferris Bueller! Vamos deixar que os que têm tiques de ‘bufos’, os censores e a repressão vençam? Que a nova tecno-ditadura se instale? Que o jornalismo seja substituído pela propaganda de mass media amigos do poder (que também lucram com políticas anti-democráticas e a com a tecno-censura)?

    (Foto: D.R.)

    Nós somos a geração de ‘The Breakfast Club’. Vamos deixar que as próximas gerações vivam sem liberdade de expressão e sob repressão constantes? Vamos permitir que a guerra avance e Von der Leyen, os donos da indústria de armamento, as grandes multinacionais e magnatas pró-censura das Big Techs vençam? Vamos deixar que os mass media pró-guerra e pró-ditadura vençam?

    Vamos permitir que todos os que gritam ‘paz’, ‘liberdade’ e ‘democracia’ sejam perseguidos e difamados com acusações que se tornaram cliché, de tão comuns?

    Vamos poder ser quem queremos ser, vamos poder viver em liberdade? Vamos poder expressar a nossa verdade? Vamos poder fugir aos ‘carimbos’, à segregação (por género, etnia, nome de família, conta bancária, ….) e procurar viver numa sociedade que se baseia em valores e princípios mais elevados?

    Lembram-se da carta que Brian Johnson escreveu naquele Sábado de detenção n’ ‘O Clube’, num famoso dia 24 de Março? Começa com “Dear Mr. Vernon” e termina assim: “You see us as you want to see us: in the simplest terms, in the most convenient definitions. But what we found out is that each one of us is a brain, and an athlete, and a basket case, a princess, and a criminal. Does that answer your question? Sincerely yours, The Breakfast Club.”

    Não interessa como (nos) vos vêem. Sabemos quem somos. E nós somos a geração de 70 e 80. E não sabemos apenas ‘quem’ somos. O mais importante é que sabemos o que podemos fazer. Juntos.

    carnation, flowers, red

    O que quero acreditar é que, apesar do conforto e do aburguesamento, apesar da doença ou da pobreza, ou dos shoppings, da Netflix e do carro-na-garagem, ainda há ‘jovens’ genuínos dos anos 70 e 80, por aí.

    Não falo só da malta que andava com joelhos e os cotovelos feridos de jogar na rua e no asfalto. Não falo só da malta que não se detém perante o embate em portas. Falo da malta que tem a liberdade no sangue, a democracia nos genes e a rebeldia nas células. Falo da malta que tem a poesia da música na alma e no coração. Da malta que se inspirou em Gandhi, que leu Pessoa, que leu Espanca.

    Acredito que muita dessa malta que tem estado adormecida, embalada com as selfies, o futebol, as férias no paraíso (a crédito, às vezes), o conforto do carro na garagem, ainda têm um pouco de rock em si e se lembram quem são.

    Acredito que muita dessa malta que pode estar doente, sem dinheiro, triste, ainda tem muita garra e coragem para ‘dar e vender’.

    people, friends, together

    São os da geração que viu Sarah Connor e John McClane. São vocês, aí. E estão a tempo de ser os heróis das gerações futuras, se lutarem contra os novos censores, os senhores (e senhoras) da guerra e a cultura pró-ditadura.

    Podem até fazê-lo com selfies e com gatinhos. Ao som de rock ou de pop. Ao estilo de Ferris Bueller ou de Mulder. Mas façam-no. Porque não acredito que “quando se cresce, o nosso coração morre”, como disse Allyson. Pelo menos, espero que não.

    Elisabete Tavares é jornalista


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    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Jornalistas como defensores da democracia: o grande embuste

    Jornalistas como defensores da democracia: o grande embuste


    Vimos, na passada quinta-feira, uma classe em greve. Muitos jornalistas pararam. Muitas notícias não foram publicadas ou emitidas nas TVs e rádios. Muitos eventos não tiveram cobertura da imprensa.

    A greve dos jornalistas surgiu num momento particularmente triste para a imprensa em Portugal. O Diário de Notícias (DN) está num ‘buraco’, tanto financeiro como de credibilidade.

    Já escrevi várias vezes sobre a minha ligação afectiva ao DN, um jornal que entrou no meu coração quando, na infância, fiz uma visita de estudo à redacção do jornal e vi como era impresso. Guardo comigo a placa com o meu nome que trouxe de lá.

    Quando assinei notícias e entrevistas no DN, não era eu quem assinava. Era a miúda que se apaixonou pelo jornal naquela visita de estudo.

    (Foto: D.R.)

    Isso não me impede de ver como o jornal foi destruído ao longo dos anos, sobretudo nos anos mais recentes. As péssimas decisões de (má) gestão e a explosão da Internet e das redes sociais não explicam tudo. Também directores do jornal e jornalistas se sentaram ‘à mesa’ com o poder político e económico, com quem tinha poder, esquecendo o que era o DN e esquecendo o que é ser jornalista.

    Isto aconteceu também em outros meios de comunicação social. Tem sido mais visível, nos últimos anos, a grande quebra na qualidade da informação difundida pela imprensa. A precariedade, os baixos salários (para muitos, não para todos) e a praga do churnalism não explicam tudo. Também tem sido mais visível o enviesamento, a falta de rigor, a colagem ao poder político, económico e financeiro. Mas já existiam antes, talvez não fossem tão óbvios. Hoje, o enviesamento, está em níveis estratosféricos, ao ponto de muitos jornalistas nem perceberem que deixaram, há muito, de se comportar como jornalistas e são apenas meros papagaios.

    Em geral, os jornalistas e as direcções dos jornais acompanham o ambiente de cultura de cancelamento, censura e condicionamento da liberdade de imprensa e de expressão que é promovida, hoje, pelas grandes tecnológicas como a Meta (dona do Facebook) e a Google (dona do YouTube). Foi evidente na pandemia. Tem sido evidente no tema da guerra na Ucrânia. Tem sido evidente no conflito em Gaza.

    Jornalistas e directores podem ter ganho amigos poderosos com isso. Podem achar que assim são bem vistos e aceites pela generalidade dos pares. Mas os leitores vão percebendo que isso não é compatível com o Jornalismo. Daí ter também surgido o termo ‘jornalixo’ – que abomino.

    Muitos jornalistas portugueses vivem numa bolha. Pensam que são ‘especiais’ por serem jornalistas e pensam que são donos da verdade e que são ‘o farol da democracia’. Nada podia estar mais longe da verdade. A falta de humildade, de isenção, de pensamento crítico e rigor de muitos jornalistas dos grandes grupos de comunicação social são asfixiantes. Não se respira verdadeiro Jornalismo nas redacções dos grandes grupos de media portugueses, hoje, em geral (com raras excepções).

    Por outro lado, os jornalistas que querem fazer bom jornalismo não conseguem. Têm sido inúmeros os relatos que me chegam de jornalistas que não têm tempo para investigar e são pressionados a fazer notícias ao segundo. Outros não têm sido autorizados a fazer determinadas investigações, reportagens, entrevistas e notícias. Outros, já nem se ‘atrevem’ a propor alguns temas. Preferem salvar os seus postos de trabalho (para já).

    Nos media, como no mundo académico, está instalado um ambiente pútrido e podre de caça à opinião ‘divergente’ e de bullying e difamação em relação ao ‘dissidente’. Os factos, a verdade e a democracia pouco são para ali chamados. Quem diverge das ideologias e visões da moda é classificado como sendo militante de ‘extrema-direita’, ‘radical’. Dependendo do tema, o bullying e a difamação envolvem os mais diversos insultos e nomes pejorativos.

    É um ambiente de perseguição mas também de discriminação. Basta lembrar a discriminação e o discurso de ódio promovido nas TVs, jornais, revistas e redes sociais por alguns jornalistas e directores de órgãos de comunicação social durante a pandemia.

    Alguns desses jornalistas e directores são os mesmos que afirmam ser “totalmente” contra qualquer tipo de “discriminação”, contra “todo” o “discurso de ódio” e que dizem defender a “soberania sobre o próprio corpo”. Isto não se inventa. Isto é o populismo em acção.

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    (Foto: D.R.)

    O mesmo ambiente de falta de rigor informativo, falta de isenção, enviesamento e perseguição é visível, hoje, na cobertura das eleições legislativas.  Além da falta de pluralismo, em geral, com partidos de ‘primeira’ e partidos de ‘segunda’. (Daí o PÁGINA UM ter levado a cabo uma iniciativa única na imprensa, a rubrica HORA POLÍTICA, para dar voz aos líderes dos 24 partidos existentes em Portugal.)

    Não votei num partido do espectro da direita. Mas farei tudo para que os portugueses e os europeus possam votar no partido que bem entenderem. Democracia é também isso. E é igualmente respeitar a decisão de quem vota.

    E, como jornalista, não posso – não devo – fazer uma cobertura diferente dos partidos consoante sejam de esquerda ou extrema-esquerda, de centro, de direita ou extrema-direita, ou partidos que assentam no princípio de serem formados por cidadãos independentes.  

    Democracia não é só quando ganha o “meu” partido. Mas, nestas eleições legislativas, ficou claro que, para alguns – incluindo jornalistas –, mudou o conceito de ‘democracia’.

    Desde logo, com a reacção ao queimar de um cartaz de um dos partidos – do Chega –, um acto que foi bem visto, em geral, na imprensa. Tivesse acontecido com um partido que se diz de esquerda ou de extrema-esquerda e caia o Carmo e a Trindade. Depois, com a forma claramente enviesada, deturpada e indigna como a maioria da comunicação social trata o Chega e André Ventura.

    (Foto: D.R.)

    A forma como a maior parte dos jornalistas e da imprensa trata o Chega e Ventura não é mau para Ventura nem para o partido. É mau para o Jornalismo e para a imprensa. E para os jornalistas.

    Aliás, com a má imagem que muitos portugueses têm dos jornalistas, quanto pior a imprensa tratar Ventura e o Chega, mais votos terão.

    Agora, é comum ver-se na imprensa notícias e artigos e entrevistas que difundem ideias sobre os perigos do populismo na Europa e da ascensão da extrema-direita (mas, para os media, quase tudo hoje que não é de esquerda é ‘extrema-direita’). Mas são a imprensa e os partidos no poder que têm sido decisivos para o crescimento dos votos em partidos de direita, populistas e de extrema-direita.

    É difícil encontrar notícias, entrevistas e artigos de opinião sobre um outro facto muito concreto e perigoso: a grande ameaça para a Europa, a democracia e a liberdade tem sido protagonizada pelos políticos que têm liderado a região nos últimos anos.

    Os relatórios que mostram um enorme recuo no nível de democracia nos países do Ocidente são claros. Os alertas de jornalistas, de activistas dos direitos humanos, de políticos e de reputados académicos e cientistas acerca da crescente censura e do condicionamento da liberdade de imprensa e de expressão são claros.

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    Não têm sido ‘partidos populistas’ ou a ‘extrema-direita’ que têm aprovado leis e regulação que constituem uma ameaça à liberdade de imprensa, à liberdade de expressão, aos direitos humanos e aos direitos civis. Tem sido a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e governos que têm tido o apoio de partidos que se dizem de ‘esquerda’, como é o caso de Portugal.

    O mesmo se passa em países como o Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia, Austrália e Brasil. Nestes países, a liberdade de expressão, os direitos humanos e civis estão sob séria ameaça. Por isso, na Europa como em outras regiões, a população ‘abandona’ partidos que, se afirmando de ‘esquerda’, estão cada vez mais com tiques totalitários e de tirania (e de perseguição dos jornalistas isentos e não comprometidos com o poder).

    Não são partidos ‘populistas’ ou de ‘extrema-direita’ que estão a promover e que pretendem subscrever na íntegra – sem negociar – as alterações perigosas e desumanas ao Regulamento Sanitário Internacional. São partidos como o PS e o PSD. É a Comissão Europeia.

    Não são partidos ‘populistas’ e de ‘extrema-direita’ que apoiam e aprovam gigantescos desvios – de milhares de milhões de euros – de dinheiros públicos para entregar às poderosas indústrias de venda de armas para a compra de armamento e equipamento militar, para criar uma “economia de guerra”. (Aliás, pergunto-me onde andam os pacifistas da ‘esquerda’ em Portugal e outras países na Europa).   

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    (Foto: D.R.)

    Mas os jornalistas portugueses ignoram tudo isto. Se assistirmos aos noticiários, se lermos revistas, jornais e sites dos media, a ameaça é o Chega, os partidos populistas e a extrema-direita.

    Nenhuma notícia ou opinião (tirando uma ou outra excepção) sobre como as forças, os interesses e os políticos que têm estado no poder em Portugal e a nível comunitário têm colocado em risco a liberdade de imprensa, a democracia e os direitos humanos e civis. (E a paz e a defesa do meio ambiente, a meu ver.)  

    Isto só acontece porque os media estão capturados por interesses políticos e económicos. E porque há jornalistas que esqueceram o que é ser jornalista. Apropriaram-se da ‘verdade’, mas difundem notícias enviesadas e carregadas de ideologia. Pensam ser um ‘farol da democracia’ e fazem um trabalho sem o mínimo pensamento crítico, rigor e busca pela isenção.

    O Jornalismo é, para mim, uma das profissões mais belas. É uma Arte. E é fundamental para manter os poderosos sob escrutínio. Para o Jornalismo viver é preciso que haja jornalistas, profissionais com vontade de cumprir escrupulosamente os princípios que regem a profissão, incluindo o rigor, a isenção, a independência. Ter pensamento crítico, literacia em diversas áreas e cultura geral ajudam. Mas, se os jornalistas seguirem as regras de base no Jornalismo, também farão um trabalho competente.

    Mas, por enquanto, muitos jornalistas portugueses preferem continuar a viver na bolha. A bolha em que preferem ignorar que os media são coniventes com os poderes políticos e económicos. A bolha em que os jornalistas se sentem especiais, deixaram de ser humildes, e vivem agarrados às suas ideologias, crenças e preconceitos, agarrados à moda dos slogans do wokismo e dos slogans dos spin-doctors pagos pelos grandes partidos e pelas indústrias e lobbies. Os mesmos que, depois, pagam as parcerias comerciais com os grandes grupos do sector da comunicação social, como a Global Media, que é (ainda) a dona do DN.

    (Foto: D.R.)

    Enquanto a esmagadora maioria dos jornalistas, e quase todos os directores dos principais órgãos de comunicação social, viverem na bolha, a democracia continuará em risco e o Jornalismo também. Porque ser jornalista é a melhor profissão do mundo, mas também acarreta uma enorme responsabilidade: a de se ser independente, rigoroso e isento. De fazer escrutínio dos poderes. E de ser livre de amarras feitas em almoços e jantares com políticos, banqueiros, comentadores comprometidos, ‘almirantes-aspirantes-a-Presidente-da-República’ e lobistas de toda a espécie.

    Os jornalistas podem continuar a querer viver na sua bolha. Mas enquanto não fizerem greve aos fretes, às ideologias, às conferências pagas, aos podcasts patrocinados (encomendados) e aos almoços e jantares com poderosos, a democracia e o Jornalismo continuarão em risco.

    Pode já não se conseguir salvar o DN. Mesmo que venha a ser alvo de perdão de dívidas e de uma mega injecção de dinheiros dos contribuintes (o que não defendo), dificilmente voltará a ser o mesmo de outrora. Mas pode ainda salvar-se o Jornalismo e a profissão de jornalista. Assim, os leitores exijam, os reguladores actuem e os jornalistas queiram.   


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  • Um médico-empresário e um regulador dos media entram num bar

    Um médico-empresário e um regulador dos media entram num bar

    O que acontece quando um médico-empresário que factura milhares de euros anualmente com serviços prestados a farmacêuticas – nomeadamente através da sua empresa Terra & Froes -, se une a um regulador dos media, cuja liderança é de nomeação política?

    O resultado só pode ser a censura e a tentativa de intimidar e desacreditar jornalistas de investigação que escrevem notícias com base em dados e fontes oficiais e artigos científicos de qualidade, as quais não são ‘aprovadas’ pelos ‘patrões’ nem pelos ‘clientes’ de lobbies poderosos.

    O Editorial de Pedro Almeida Vieira, jornalista e do director do PÁGINA UM, dá os detalhes e anuncia o inevitável. “A contínua perseguição infame da ERC contra as investigações do PÁGINA UM não continuará: uma queixa judicial por injúrias e difamação seguirá em breve contra os cinco membros do seu Conselho Regulador da ERC. E, claro, contra o Doutor Filipe Froes.”

    Esta não é a primeira vez que a ERC adopta deliberações ou promove iniciativas lesivas para o bom nome do PÁGINA UM, numa lógica de dois pesos e duas medidas, sendo algo que começa a ser recorrente.

    Por coincidência, as acções da ERC para condicionar e intimidar o PÁGINA UM têm envolvido investigações jornalísticas na área da Saúde. Foi o que aconteceu com a investigação do PÁGINA UM aos financiamentos da Sociedade Portuguesa de Pneumologia ou com a investigação que envolve o actual Chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Gouveia e Melo. Ou a investigação às compras públicas efectuadas pelo Hospital de Braga, pejadas de irregularidades e opacidade.

    Ou ainda a investigação às irregularidades existentes em torno do fundo da campanha ‘Todos por quem cuida’ da Ordem dos Médicos. Neste caso, em concreto, recentemente, o Tribunal Administrativo deu razão ao PÁGINA UM e intimou a Ordem dos Médicos a divulgar informação que estava a esconder.

    Mas não só. O tribunal deu também razão ao PÁGINA UM e intimou a Ordem dos Médicos a divulgar pareceres de relevo que o antigo bastonário, Miguel Guimarães manteve secretos, escondidos dos portugueses.

    Perante estes casos em concreto, enquanto a Justiça apoia a transparência e o Jornalismo e as boas práticas, a ERC faz exactamente o oposto: dá guarida e apoia a opacidade, o secretismo, as más práticas e a censura de jornalistas.

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    Percebe-se porque, hoje, em Portugal, tantos jornalistas praticam a autocensura, sobretudo no que toca a temas ‘tabu’ para grandes indústrias e partidos no poder. Pode ser em torno das vacinas contra a covid-19 ou outro tema que mexa com temas considerados ‘intocáveis’.

    No Jornalismo, quando há temas intocáveis, é porque: ou não se vive em democracia; ou não existe liberdade de imprensa; existe censura; existe autoritarismo.

    Não é novidade o poder político e económico pressionar e intimidar a imprensa. É uma táctica já ‘velha’. Uma denúncia surge aqui, alguém adopta uma deliberação ali, um outro faz um comunicado acolá. Os media e jornalistas promíscuos, comprometidos ou vendidos, fazem o resto: espalham a campanha para desacreditar. Com as redes sociais, fica ainda mais fácil condicionar quem faz jornalismo sério, de investigação. E há sempre aquele recurso de se difamar o jornalista, espalhando desinformação sobre ele.

    O que é estranho, é ainda haver quem pense que se pode passar incólume com este tipo de más práticas.

    Ir fiscalizar os directores de órgãos de comunicação social, em Portugal, que executam publicamente contratos comerciais, é algo que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social não faz.

    Acabar com as notícias e entrevistas pagas nos media ou com a cascata de podcasts patrocinados, feitos por jornalistas, que nascem que nem cogumelos nos media em Portugal, é algo que a ERC também não quer fazer.

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    Em alguns casos, a ERC só actuou na sequência de investigações do PÁGINA UM a más práticas, a práticas ilegais, na imprensa.

    Já censurar jornalismo de investigação, que se baseia em fontes oficiais, credíveis, fidedignas, isso a ERC já está disposta a fazer.

    Não é a primeira vez que o Conselho Regulador da ERC adopta deliberações que são autênticos avisos a todos os jornalistas que queiram prosseguir com investigação, sobretudo em torno de determinadas indústrias e temas.

    Infelizmente, enquanto a liderança da ERC for nomeada por partidos – os maiores partidos, que vão rodando entre si o poder – duvido que alguma coisa vá mudar nesse tipo de censura.

    Atenção: a ERC tem bons (mas poucos) técnicos ao seu serviço. O regulador faz, em determinados casos, uma fiscalização eficaz. Demora muito tempo? Demora.

    Ainda estamos à espera, por exemplo, que a ERC se pronuncie sobre as queixas que chegaram ao regulador em meados de 2023 devido a uma escandalosa reportagem feita pela TVI, passada em horário nobre, em que foi promovido um negócio obscuro e uma entidade não autorizada a prestar serviços de investimento ou intermediação financeira em Portugal. O caso foi grave, ao ponto do Banco de Portugal ter feito um alerta sobre a entidade mencionada na reportagem.

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    Mas, quando o assunto é jornalismo de investigação, bem fundamentado, sobre temas ‘tabu’ ou assuntos que sejam vistos como uma ameaça a poderosos, o caso muda de figura. Pelo menos, é isso que temos observado em deliberações que envolvem o PÁGINA UM.

    Não será por acaso. O PÁGINA UM, em particular o jornalista e director do jornal, Pedro Almeida Vieira, tem investigado interesses mais do que instalados no país e que envolvem fortes lobbies. E os lobbies não perdoam e pagam – e persuadem – para que as pedras no seu sapato sejam descartadas.

    Não é por acaso. O PÁGINA UM é o órgão de comunicação social que mais tem recorrido à CADA para obter acesso a informação que devia ser pública. Também é o meio de comunicação social que mais tem recorrido à Justiça para conseguir que haja transparência e acesso a informação pública que está a ser escondida.

    Também foi o PÁGINA UM que criou um Boletim diário de escrutínio às compras públicas, destacando os negócios obscuros ou opacos que são feitos com o dinheiro dos contribuintes.

    E tem sido o PÁGINA UM a trazer alguma moralização à imprensa, sector onde se normalizou o sentar à mesa com o poder político e económico. Ao ponto de haver jornalistas que pensam que investigar temas importantes mas incómodos – como o dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 – é uma heresia, um pecado capital.

    O PÁGINA UM faz Jornalismo. Não há espaço para temas tabu no Jornalismo. Por isso, há muito que é visto por alguns lobbies – e por jornalistas que sentam à mesa com o poder – como um ‘alvo a desacreditar’, ou seja, um ‘alvo a abater’. Que a ERC se preste a ser usada para essa tentativa de desacreditar é lamentável.

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    Para os ´’Froes’, a ERC e todos os que têm sido alvo de investigações do PÁGINA UM, esta deliberação do regulador dos media é motivo de celebração. Para os jornalistas, para o Jornalismo, para a liberdade de imprensa, para a transparência e para a democracia, esta deliberação da ERC é um capítulo negro.

    Há quem esteja a enfiar a cabeça na areia e a preferir não ver a ‘Idade das Trevas’ em que a liberdade de imprensa e a investigação jornalística estão a mergulhar em Portugal, mas também em outros países do mundo ocidental, com a crescente pressão persecutória dos profissionais que são independentes do grande poder económico e político.

    Mas há quem esteja a ver. Claramente. E o público, os leitores, também.

    Elisabete Tavares é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

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  • Vamos ‘salvar’ grupos de media ou vamos sustentar vícios e luxos?

    Vamos ‘salvar’ grupos de media ou vamos sustentar vícios e luxos?


    De um lado temos o Jornalismo e a Democracia. Do outro temos os grandes grupos de media, as suas parcerias comerciais e a constante propaganda política.

    Hoje, fala-se muito em ‘ajudar’ os media e em usar dinheiro dos contribuintes para ‘apoiar’ o Jornalismo. E confunde-se Jornalismo com os actuais grandes grupos de media, como Global Media Group, Trust in News e Impresa.

    Mas, desengane-se quem pense que financiar grupos de media é o mesmo que ‘salvar’ o Jornalismo e a Democracia.

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    Desengane-se quem pense que os grandes grupos de media são sempre sinónimo de Jornalismo, liberdade de expressão, de informação livre, plural e independente. (Basta constatar o facto de que teve de ser um órgão de comunicação social independente – o PÁGINA UM – a colocar acções em tribunal para obrigar entidades públicas e o próprio Governo a divulgarem informação que têm vindo ilegalmente a esconder dos portugueses).

    A realidade nua e crua é que, em geral, nos grandes grupos de media as parcerias comerciais multiplicam-se e crescem, enquanto jornalistas são despedidos e as reportagens são cada vez mais uma ‘coisa’ rara. Não há dinheiro para investigar e viajar em reportagem, mas há para bons salários para directores e administradores, carros topo de gama, cartões de crédito, almoços gourmet, avenças para comentadores amigos e para jornalistas que não incomodam o poder.

    Muitos bons jornalistas – dos que incomodam – são colocados na prateleira ou ‘dispensados’. (Sei de alguns que, estando em funções, têm sido impedidos de publicar ‘cachas’ por serem temas que não agradam aos ‘patrocinadores’). Estagiários baratos ou grátis que não fazem perguntas e executam na perfeição a cópia de comunicados de imprensa são ‘promovidos’.

    Pouco jornalismo se faz, hoje, nas redacções cheias de jornalistas ocupados a fazer ‘corta e cola’ de ‘takes‘ da agência Lusa ou de comunicados do Governo ou de empresas. O churnalism é uma realidade que envenena as redacções. As parcerias comerciais são a erva daninha semeada com a ajuda de directores que é, hoje, impossível de arrancar.

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    A realidade nua e crua é que os grupos de media vivem para os seus ‘clientes’, que são as empresas, bancos e entidades públicas que lhes pagam para fazer conferências, summits, tertúlias, talks, entrevistas e podcasts. Promovem-se líderes empresariais, marcas, produtos, campanhas, tendências…

    Mas vemos jornalistas a dizer que a crise nos media é um problema do ‘modelo de negócio’ e a culpa é da Internet e das redes sociais. Além disso, dizem que a culpa também é … dos leitores. Como se os jornalistas e os vícios dos grandes grupos de media não tivessem nada a ver com a crise no sector.

    A antiga directora do Público, Bárbara Reis, afirmou que “a elite portuguesa, incluindo médicos, professores e pessoas com boas reformas, desvaloriza a informação livre e independente”, referindo-se aos grupos de media. Ora, esta afirmação espelha bem a ‘bolha’ em que vive a maioria dos jornalistas que trabalham para os grandes grupos.

    Aquilo que os “médicos, professores e pessoas com boas reformas” desvalorizam é a mistura de notícias com conteúdos pagos, a mistura de entrevistas com parcerias comerciais e os suplementos patrocinados até ao tutano para vender peixe alheio. Aquilo que desvalorizam é noticiários que dedicam os primeiros 30 minutos a políticos. Ou a promoção descarada de empresas e partidos. Ou o ‘bajular’ em directo de certas personalidades.

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    A classe perdeu a noção da realidade, ao ponto de achar normal um congresso de jornalistas com mais de uma dúzia de patrocinadores, e em que jornalistas se ‘babam’ frente ao Presidente da República, num espectáculo desprestigiante e triste.

    O pudor desapareceu por completo. A classe dá-se conta da gigantesca promiscuidade com o poder político e económico?

    Há muito que os maiores grupos de media se divorciaram do público. Mas vivem naquela relação tóxica de ter pedido o divórcio, mas de quererem manter o público por perto. Não entendem por que motivo o público está a seguir em frente. Não entendem que o público se sente traído e partiu, sem olhar para trás.

    “Não compro jornais há anos”. “Ver telejornais, para quê? É só políticos e propaganda”. As frases de desgosto e lamento sobre o estado dos media em Portugal multiplicam-se pelos fóruns e comentários na Internet e nas ruas. Falando com jovens, a realidade é similar: “Ver notícias? LOL”, é uma das respostas que recebo quando pergunto a um universitário se lê jornais.

    Não tenho visto muitos jornalistas publicamente a colocar a mão na consciência e a admitir que nas suas redacções se faz cada vez mais do que ‘não é jornalismo’ do que o que ‘é jornalismo’.

    Aquilo que tenho visto é a hipocrisia atroz e patológica de se culpar apenas a Internet, as redes sociais e os problemas financeiros dos grupos de media pela grave crise que atinge o sector.

    O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no V Congresso dos Jornalistas. O evento, que foi patrocinado e ‘apoiado’ por mais de uma dúzia de entidades públicas e privadas, incluindo empresas e bancos, exigia o pagamento de entrada a jornalistas interessados apenas em cobrir o congresso,
    o qual teve ainda o ‘Alto Patrocínio’ da Presidência da República.
    (Foto divulgada pelo Congresso dos Jornalistas; D.R.)

    A verdade é que jornalistas têm ficado em silêncio sobre o que se passa nas redacções. Já perdi a conta de jornalistas que me dizem que apoiam o trabalho do PÁGINA UM e que tudo vai mal nos grupos de media, incluindo a propaganda que fazem. Mas, depois, esses jornalistas fazem algo para acabar com isso? Confrontam a direcção? Enfrentam os CEOs? Recusam executar parcerias comerciais (quando delas se apercebem)?

    A verdade é que o terrível corporativismo da classe ameaça ajudar a acabar com ela. Jornalistas infractores, que mantêm actividades incompatíveis com a profissão, seguem como se tudo fosse normal. Jornalistas a executar contratos comerciais – sobretudo directores – prosseguem como se fosse tudo normal. Nas barbas da Comissão da Carteira Profissional do Jornalista, da Entidade Reguladora para a Comunicação Social e do Sindicato dos Jornalistas.

    Em Portugal, esta é uma prática tóxica – todos se calam para não ‘parecer mal’. E assim, se ‘lixa’ toda uma classe e a credibilidade do sector.

    Agora, os media e os jornalistas pedem dinheiro ao Estado e ajudas.

    A surgirem ajudas dos contribuintes – seja através de um Carlos Moedas ou de um Ministério governamental – servirão para pagar baixos salários de estagiários e alguns jornalistas destacados para fazerem ‘copy-paste’ de ‘takes’ da Lusa e comunicados do Governo.

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    As ‘ajudas’ servirão também para pagar carros topo de gama de administradores e directores, além das senhas de gasolina, despesas extra diversas, almoços, cartões de crédito, prémios anuais e os seus razoáveis salários.

    As ‘ajudas’ servirão para pagar avenças de comentadores pagos a peso de ouro ‘porque sim’ – do amigo, ao amigo do político ‘amigo’ – enquanto o estagiário é ‘esfolado’.

    As ‘ajudas’ servirão para financiar ‘vícios’ e formas de estar nos media que têm prejudicado a Democracia, o Jornalismo e beneficiado o poder político e económico (e ajudado alguns jornalistas, directores e administradores a construir piscinas na casa de campo).

    As ‘ajudas’ servirão para manter tudo como está, quando os leitores pedem mudança urgente nos media. As ‘ajudas’ servirão para tapar o buraco criado por negócios opacos e negociatas que correram mal.

    Há jornalistas que sabem disto, que dizem isto à porta fechada. Está na altura de os jornalistas se deixarem de atirar culpas e olharem para o que se passa nas redacções e nos seus grupos.

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    Não é só na Global Media que há contas e negócios a escrutinar. E na Trust in News? E na Impresa? E os milhões devidos ao Estado, à Autoridade Tributária, à Segurança Social? Aos bancos?

    Este cenário beneficia muito quem andar a ‘dar apoios’ ao Jornalismo. Sobretudo porque os apoios ajudam a que se faça ‘jornalismo’ apenas em algumas áreas que se quer. Esse condicionamento será a morte do Jornalismo.

    Já hoje é visível a tendência de se fazer ‘jornalismo de investigação’ apenas em certos temas para os quais ‘se pode ir buscar dinheiro e bolsas’. Aliás, toda a indústria do chamado ‘fact-checking’ não passa disso mesmo, uma oportunidade para ‘ir buscar uns milhares ou milhões’. Depois, tem é de se escrever o que se sabe que se espera que seja escrito… ou seja, a ‘verdade’ é só a que sai de Governos, comunicados ‘oficiais’ e pouco mais… Como se isto tivesse qualquer semelhança com Jornalismo, cujo ADN consiste precisamente em questionar… as autoridades e os comunicados oficiais.

    Agora, querem que se dê ‘apoios’?

    Esta tese das ‘ajudas’ públicas aos grandes grupos de media, além de usar um argumento falso – ‘salvar o Jornalismo e a Democracia’ – só vai servir para alimentar o ‘monstro’ em que se tornou a interferência comercial e política no sector. Falso argumento porque existe muita imprensa para lá dos grandes grupos, incluindo imprensa regional e projectos de jornalismo independente, como o PÁGINA UM.

    Esta tese de se vir a ‘ajudar’ os grandes grupos de media, faz-me lembrar o filme ‘O Exterminador Implacável’. A tese é de que se nada se fizer, ‘O Exterminador Implacável’ chegará para eliminar o ‘Jornalismo’. Acontece que no filme de culto protagonizado por Linda Hamilton e Arnold Schwarzenegger é precisamente na tentativa de se travar o aparecimento do ‘exterminador’ que se acaba por activar a fatídica Skynet e libertar o poder da inteligência artificial, que lança uma guerra contra a Humanidade.

    question mark, important, sign

    Na tentativa de se ‘salvar’ o ‘Jornalismo, ‘ajudando grandes grupos de media, arrisca-se a que seja activada uma outra ‘Skynet’, com os grupos de media, ainda mais dependentes de ajudas financeiras externas – públicas e privadas –, ainda mais vulneráveis e condicionados, unidos numa cruzada contra os ‘dissidentes’ que questionem o poder político e económico.

    A ‘máquina’ dos media, financiada pela ‘máquina’ política e económica, seria aperfeiçoada para ‘eliminar’ todos o que ‘desobedecessem’ ao poder instalado e verdades ‘oficiais’, e a liberdade de imprensa e de expressão seriam apenas uma lembrança – tal como a Democracia .

    Ajudar os grandes grupos de media, como eles são hoje – com toda a promiscuidade e dependência comercial de entidades públicas e privadas – é impedir a sua urgente limpeza, mudança e transformação.

    Dificilmente, mantendo a actual promiscuidade com o poder político e económico e os actuais ‘vícios’ e salários e avenças de luxo, os grupos irão mudar. Pelo contrário, vão saber que, se quiserem sobreviver, têm de se ‘rebaixar’ mais.

    Sem se fazer esta ‘limpeza’, não há ajudas que valham para os ‘salvar’. Mas, se calhar, é isso que se quer. Num mundo em que os media são controlados por políticos e grandes grupos económicos, tudo é mais fácil.

    Num admirável mundo novo dos grupos de media financiados por ‘ajudas’, uma nova era nasceria em que a censura e o pensamento único seriam, em definitivo, a norma.

    Tal como no filme ‘O Exterminador Implacável’, arriscamos caminhar a passos largos para esse mundo em que mais ‘jornalistas’ se ajoelham perante o poder, fazem vénias a entidades públicas e privadas – sejam de saúde, tecnológicas, financeiras ou militares -, beijam a mão do Presidente da República e agradecem as ‘ajudas’. As ‘ajudas’ que os ajudam a não mudar.

    Elisabete Tavares é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O novo ‘Muro de Berlim’ que nos quer ‘proteger’ dos ‘fascistas’ e da ‘desinformação’

    O novo ‘Muro de Berlim’ que nos quer ‘proteger’ dos ‘fascistas’ e da ‘desinformação’


    Era um documento simples e fácil de compreender. Nele constava uma lista específica, ordenada, de casas com as respectivas áreas e preços. Havia na redacção quem não conseguisse entender o que lá estava escrito, incluindo uma jornalista que tempos depois acabou a escrever duas manchetes falsas que o jornal publicou.

    Infelizmente, ao longo de mais de 25 anos no jornalismo económico, constatei que este caso que aqui relato está longe de ser o único. A maioria dos jornalistas que encontrei não lida bem com números, tabelas, estatísticas – e factos científicos. Em muitos jornalistas mais jovens, junta-se a falta de ‘memória’ sobre acontecimentos históricos, como o ‘Muro de Berlim’, o qual era visto pelo regime soviético como essencial para ‘proteger’ o povo dos elementos e influências ‘fascistas’ e a sua ‘desinformação’.

    A baixa literacia em várias áreas, que afecta como um vírus a classe jornalística, é bem vista por governos e grandes empresas. Torna-se mais fácil fazer passar os comunicados de imprensa com números e dados falsos ou enviesados. Com jornalistas desgastados, cansados, com jornalistas com baixa literacia em áreas-chave, com ausência de pensamento crítico, é muito fácil transformar a imprensa em ‘colaboracionista’. E é isso que temos, hoje, em geral.

    person covering the eyes of woman on dark room

    A baixa literacia matemática, estatística, financeira – e também científica – não afecta apenas jornalistas. E o objectivo é que tudo se mantenha assim.

    Ainda no dia 21 de Dezembro foi chumbada no parlamento uma recomendação ao governo para que “dê a preponderância devida à literacia financeira em contexto escolar”. A proposta teve os votos contra do PS e do Bloco e a abstenção do PCP e do Livre.

    Manter a população na ignorância é bom para quem quer governar (ou lucrar a vender produtos e bens) sem grandes perguntas ou oposição.  

    Uma proposta sobre reforço da promoção da literacia financeira em contexto escolar foi chumbada.

    No caso dos jornalistas, se poucos souberem fazer cálculos simples, melhor. Se poucos (raros) souberem ler artigos científicos, compreender metodologias e interpretar dados, melhor. Viu-se na pandemia de covid-19 como a maior parte dos jornalistas demonstrou ser fácil de enganar. (Pudera. Se não conseguem contestar dados, fazer cálculos simples ou relacionar eventos da actualidade com a História…)

    Este terreno de baixos conhecimentos em áreas-chave, nomeadamente por parte de jornalistas, é ideal para a construção do novo ‘Muro de Berlim’, que está em marcha avançada. Como o muro erguido para dividir a Alemanha, que o regime soviético via como essencial para ‘proteger’ o povo de ‘más’ influências e ‘propaganda’ fascista.

    Desta vez, é um muro invisível mas bem real que está a ser erguido por um regime político ocidental capturado por interesses económicos, minado pela corrupção e conflitos de interesses, assente numa ideologia tecno-totalitária. Um regime que está a legalizar, através da aprovação de novas leis, a censura de jornalistas e de notícias verdadeiras, o silenciamento de ‘dissidentes’.

    Muro de Berlim. Antes era físico.

    O ‘combate’ à ‘desinformação’ e ao ‘discurso de ódio’ é a desculpa deste regime e desta ‘revolução cultural’ para reprimir o povo, a liberdade e a imprensa. Como no tempo do regime soviético e do Muro de Berlim que ‘protegia’ o povo dos ‘fascistas’ e da sua ‘desinformação’. As desculpas mudam. Os objectivos são os mesmos: reprimir, silenciar, vigiar e controlar.

    Um regime que premeia o lucro e a ganância (veja-se o caso, na União Europeia, da milionária compra opaca e suspeita de vacinas contra a covid-19, a recente prorrogação por uma década da autorização do uso do perigoso glifosato na agricultura ou as medidas políticas restritivas impostas na pandemia sem qualquer base científica, as quais levaram grandes empresas e bancos a obter lucros recorde e obscenos estes últimos anos, face aos danos gigantescos provocados à população e pequenos negócios).

    Um regime que promove guerras enquanto apoia o legalizar da repressão da liberdade de imprensa e dos direitos humanos no espaço digital (e na saúde, através de actualizações previstas ao Regulamento Sanitário Internacional). Um regime que está a legalizar o silenciamento de ‘dissidentes’, pessoas com visões diferentes das do regime. Um regime que está a trabalhar para garantir que impedir alguém de circular ou aceder ao seu dinheiro será tão fácil quanto carregar numa única tecla.

    Um regime que está a legalizar o que em 2020 ainda não era legal: censurar; coagir; prender sem culpa; deixar alguém à fome, sem acesso ao seu dinheiro. Da União Europeia, passando por países como a Irlanda, o Canadá, o Brasil, as leis de repressão avançam.

    pasture fence, barbed wire, fencing

    Desta vez, não é um muro feito de betão, mas de leis, financiamento, regulamentos e cumplicidade entre o grande poder económico e político. Desta vez, o muro não tem arame farpado, mas normas, reguladores, grandes tecnológicas e comités políticos que podem decidir o que é ‘verdade’ e quem está autorizado a se expressar. Mas este muro tem o mesmo propósito: manter os cidadãos reféns do regime.

    Este novo muro de Berlim também não divide a Alemanha; ele está a ser construído em redor dos países do chamado mundo ocidental onde os cidadãos vivem cada vez mais controlados, manietados e vigiados – e não é para o seu bem.

    Os media têm um papel crucial em qualquer ‘revolução cultural’. Por isso, outra ‘pedra’ que está a ajudar a erguer este muro são os incentivos financeiros e políticos criados – as ‘cenouras’ – para que os media produzam notícias exclusivamente dentro das narrativas oficiais. São disso um exemplo os apoios para alegado ‘fact-checking‘ (que tem sido, em geral, muito tendencioso e com pouco rigor científico, por exemplo) ou apoios e contratos comerciais diversos vindos de entidades públicas ou privadas.

    question mark, pile, questions

    Falta o passo final, mas o muro está a ser construído. Restringir a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão é uma das ‘pedras’ necessárias para a construção do novo muro e está a ser implementada em diversos países e também na União Europeia, com a aprovação de directivas comunitárias criadas alegadamente para defender jornalistas e combater a ‘desinformação’ e o ‘discurso de ódio’, mas que conferem poderes às ‘autoridades’ que podem usar usados abusivamente para minar a democracia, os direitos digitais e o Jornalismo.

    Como em qualquer ‘revolução cultural’ – como a que está em marcha –, ‘para o bem de todos’, estão a ser criadas leis cuja consequência poderá ser o continuar da censura de notícias verdadeiras – que ‘desautorizam’ a versão ‘oficial’ –, o silenciamento de jornalistas e dos que questionem as políticas de governos e ‘autoridades’. Como nos regimes totalitários – fascistas ou comunistas.

    Falta o passo final, mas o muro está a ser construído. Outra ‘pedra’ que está a servir para construir o novo muro é o acto de se ameaçar e intimidar os grandes espaços de informação digital (como as plataformas que operam rede sociais) – como o Digital Services Act na UE ou legislação drástica anunciada na Irlanda. Como aconteceu durante a pandemia, continua a ser eliminada informação verdadeira e silenciadas vozes que contrariam comunicados ‘oficiais’, sob o falso pretexto de ‘desinformação’ (para regimes totalitários, tudo o que não estiver alinhado com as narrativas oficiais é obviamente desinformação).

    Sob o comando de Ursula von der Leyen, antiga ministra da Defesa da Alemanha, os lucros de gigantes das indústrias farmacêutica, de armamento e do sector financeiro prosperam ajudados por dinheiros europeus. Além disso, sob o seu mandato, a Comissão Europeia implementou, desde 2020, medidas anti-democráticas, sem base científica, que deixaram um rasto de empobrecimento, doenças e excesso de mortalidade, tendo ainda violado direitos humanos e civis (como o apartheid infame do ‘passaporte de vacina’). Mais recentemente, têm estado a ser aprovadas directivas comunitárias que abrem a porta a abusos políticos e ataques à liberdade de imprensa, de expressão e direitos digitais.

    Nova legislação imposta para alegadamente proteger os jornalistas e os media contém artigos que, segundo alguns, são autênticos cavalos de Tróia e potenciais ameaças ao Jornalismo e a todas as notícias verdadeiras que as autoridades ou as Big Tech decidam classificar como ‘desinformação’. É o caso de legislação imposta no Canadá e o Media Freedom Act aprovado preliminarmente, em meados deste mês, na UE.

    Falta o passo final, mas o muro está a ser construído. Artistas, actores, escritores, políticos, comediantes, cientistas, professores, jornalistas que falem algo que contrarie ou questione os comunicados ‘oficiais’, são postos de lado, difamados, cancelados, despedidos. São postos num novo Gulag invisível mas eficaz, onde são denegridos, difamados e ostracizados pelos media, não têm trabalho ou apoios públicos e são atirados para o deserto dos classificados como ‘teóricos da conspiração’.

    Falta o passo final, mas o muro está a ser construído. Nos media, é bem visível a onda de se cobrir de forma idêntica os principais temas, além do recurso a insultar e enxovalhar ‘vozes dissidentes’ (lembram-se dos termos ‘chalupas’ ou ‘negacionistas’, ‘putinistas’, etc?) – a onda de ‘revolução cultural’ assente numa ideologia/religião minada de fanatismo.

    Factos e dados não valem nada nesta cultura actual, onde alguns temas ascenderam a categoria de ‘religião’ – seja na saúde, na Ciência, ou na política internacional. Os ‘dissidentes’ são difamados como sendo de ‘extrema-direita’ (em outros regimes eram ‘fascistas’ ou ‘comunistas’) ou com outras acusações falsas que visam apenas desacreditá-los. Os nomes e acusações mudam mas a táctica é a mesma.

    green and white typewriter on black textile

    Até factos históricos e literatura são ‘reconstruídos’ ou mesmo eliminados neste regime – esta revolução ‘cultural’ – que nasce com o novo muro.

    Falta o passo final, mas o muro está a ser construído. Com identidade e dinheiro digitais – em desenvolvimento acelerado –, o controlo e vigilância potenciais são absolutos. Totais. E poderão ser meios usados abusivamente para restringir a liberdade e o acesso a rendimentos de ‘vozes dissidentes’.

    Um muro invisível aos olhos da imprensa, dos jornalistas cegos ou alinhados, mas um muro real. Tão real como um muro de betão e arame farpado e protegido por guardas armados.

    Como sucedeu tantas vezes na História, de forma silenciosa e gradual, um ciclo de totalitarismo ameaça estar à espreita. Do lado de dentro deste novo ‘Muro de Berlim’ não estão parte da Alemanha, ou países como a outrora subjugada Polónia pela Rússia, … Dentro deste muro de Berlim invisível estamos todos nós, ocidentais.

    Este muro não existia nos últimos anos, mas o início deste regime totalitário já era visível. Para implementar medidas anti-democráticas, desde 2020, foram violadas as leis fundamentais dos países. Foram detidos cidadãos, alguns com recurso a violência extrema, em certos países. Foram congeladas ilegalmente contas bancárias a cidadãos que questionaram medidas em países, como o Canadá. Foram impostos mandatos que violaram os direitos humanos e civis e que deixaram um rasto de mortes e mortalidade em excesso e doenças. A pobreza disparou e os mais vulneráveis foram dos mais prejudicados.

    Tudo foi feito de forma ilegal. As novas leis, o novo muro que está a ser construído, ameaça tornar todo esse tipo de violações ‘legais’ no futuro. A normalização da ideia iniciada na pandemia de que quem decide o que é ‘verdade’ não são jornalistas ou cientistas mas reguladores e ‘Big Techs’. A tentativa de eliminação do conceito de direitos humanos em políticas de saúde, bem como o adulterar do conceito de direitos digitais. A normalização da ideia de que não somos soberanos sobre o nosso próprio corpo. A legalização da ideia de que não somos guardiões nem educadores últimos dos nossos próprios filhos.

    E está em marcha a normalização do silenciamento de jornalistas – sob o falso pretexto de ‘desinformação’ – e até do encarceramento de jornalistas – veja-se o caso de Assange, jornalista e preso político num país do Ocidente.

    Memorial relativo ao Muro de Berlim

    O fanatismo, a ganância (por lucro e poder) e a ignorância foram a base para a instalação de regimes totalitários, para a repressão e para crimes contra a Humanidade.

    As novas ‘religiões’ criadas em torno de temas ‘incontestados’, o fanatismo alimentado pelos media, a ganância de grandes indústrias tecnológicas (e não só) e a ignorância são, hoje, de novo, os alicerces para a construção deste novo muro de Berlim.

    (Por falar em fanatismo que se sobrepõe aos factos científicos, veja-se, por exemplo, o caso do artigo científico que comprovou, de vez, a ineficácia do uso de máscara em crianças mas, ainda assim, apesar dos factos, os media citam, sem questionar, os que ainda recomendam erradamente o seu uso, perante os enormes malefícios causados a crianças).

    São novos fanatismos, ideologias totalitárias em pleno século XXI. Mas é, sobretudo, cegueira. Uma perigosa cegueira que contribui para ajudar este muro a levantar-se em torno do mundo ocidental. Um muro silencioso e invisível mas que está a erguer-se.

    Mas, tal como vivemos neste regime pré-totalitário, também surgiram, nos últimos anos, na sociedade ocidental, novas estruturas e plataformas em defesa dos direitos humanos e civis, novos meios de comunicação social independentes, processos na Justiça para aceder a informação escondida e combater os fanatismos, os actos de ganância e a censura.

    Se é verdade que um muro se está a erguer, também a sociedade civil está mais forte, hoje, do que estava em 2020, está mais organizada e preparada para lidar com ataques à democracia, à liberdade de imprensa e aos direitos humanos, civis e direitos digitais.

    photo of bulb artwork

    E, como diz o ditado, não se consegue enganar toda a gente, o tempo todo. E não se consegue comprar toda a gente, nem para sempre.

    O muro pode estar a ser construído, mas junto com ele está a erguer-se uma sociedade civil mais consciente e atenta. Estão a erguer-se estruturas – desde jornais independentes a organizações de profissionais e de direitos no mundo digital – que colocam em causa o novo regime que ameaça mergulhar o mundo ocidental numa ditadura comandada, não pela repressão política ou militar, mas pela repressão ideológica, tecnológica e financeira.

    E, se a sociedade civil prosseguir com o reforço dessas novas estruturas e organizações, no final, o mundo ocidental sairá mais forte e também mais consciente. Haverá mais consciência de que é urgente preservar o conhecimento acumulado e a História. E de que é preciso estar atento. Porque, afinal, mesmo com tudo o que a História nos ensina sobre os perigos das ditaduras e ‘revoluções culturais’ com censura à mistura, mesmo com toda a evolução científica e tecnológica, haverá sempre quem esteja disposto a tentar eliminar a democracia, a imprensa e o livre arbítrio. A tentar eliminar o que é preciso preservar a todo o custo: a liberdade.

    Elisabete Tavares é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM. Neste caso, o director subscreve até as gralhas.


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  • Global Media e a ameaça de extinção dos jornalistas (aka ‘uns tipos de uns sites’)

    Global Media e a ameaça de extinção dos jornalistas (aka ‘uns tipos de uns sites’)


    Cá em casa, gostamos de ver o ‘velhinho’ filme Jurassic Park e as suas sequelas. Num dos filmes da saga, a fuga acidental de um dinossauro cheio de garras e armado de dentes afiados lança o caos num moderno parque temático, quando este se encontra apinhado, com milhares de visitantes.

    Um grupo de vilões com más intenções, que tinha já ‘um pé’ dentro da organização que geria o parque, vê naquela situação de crise uma oportunidade para tirar lucros e assume o poder. Nessa altura, vê-se então que o parque servia não só para entreter multidões de visitantes mas também servia interesses privados obscuros ligados à indústria de armamento. O principal cientista – que criava os dinossauros – estava comprado pelos ‘maus’ e era parceiro dos vilões.

    Este enredo faz-me lembrar o que se passa com a Global Media e com o estado dos grupos de comunicação social, em geral. Os ‘vilões’ já lá tinham um pé e apenas agarraram a oportunidade para assumir o controlo. Os interesses comerciais e também políticos, ou ideológicos, comandam.

    Imagem de uma cena do filme Jurassic World.

    A crise criou a oportunidade. Em geral, hoje não se faz Jornalismo nos media mainstream – ou os grandes órgãos de comunicação social que distribuem notícias para as massas. Eles são híbridos: produzem muitas notícias, reportagens e entrevistas que foram encomendadas, ‘conteúdos’ que são feitos no âmbito de contratos de parceria comercial, sem que os leitores/ telespectadores/ ouvintes percebam bem isso. Tudo nas barbas dos reguladores e do sindicato.

    Os interesses comerciais tomaram de assalto as redacções. Os directores de hoje são marketeers a moderar conferências e talks e estão demasiado próximos do poder político, económico e financeiro. Depois, os media mainstream têm uma agenda de cobertura de acontecimentos e temas que é dominada pela agenda política e agenda financeira e de empresas. Ou seja, a maior parte da agenda dos media é feita por … gabinetes de comunicação e spin doctors que trabalham para políticos e para empresas.

    Acresce a isso a praga do churnalism (sobre a qual já aqui escrevi aqui, no PÁGINA UM), o ‘corta e cola’ de notícias da Lusa, dos outros meios de comunicação social e de comunicados de imprensa e sobra pouco para fazer Jornalismo. Poucos jornalistas disponíveis, poucas páginas nos jornais, pouco tempo nos espaços informativos das TV’s e das rádios.

    sheep, flock of sheep, row

    Outro fenómeno é o facto de os grandes meios de comunicação social operarem segundo uma lógica de ‘manada’, ou de ‘matilha’, consoante as circunstâncias.

    Em ‘manada’, quando vão uns atrás dos outros na cobertura noticiosa. Onde vai um, vão todos. Se um cobre ‘assim’, o outro cobre ou não cobre ‘assado’ nem ‘cozido’. Todos parecem mais ou menos iguais.

    Em ‘matilha’, quando todos atacam um alvo em simultâneo. Estes ataques, na forma de blitz, são executados pelos media, mas muitas vezes não são meros acasos, mas ataques pensados e orquestrados por gabinetes de comunicação que trabalham para governos, organizações ou empresas e visam abater um concorrente, um adversário ou algo ou alguém que consideram ser uma ameaça aos seus lucros e interesses.

    Veja-se o que aconteceu quando nasceu o PÁGINA UM e publicou investigações na área da saúde, tendo de imediato sido alvo de uma campanha de difamação, com notícias falsas a serem divulgadas quase em simultâneo por muitos dos media mainstream nacionais.

    Hyenas in Savannah

    Este ‘hibridismo’ e modus operandi, além de trair o Jornalismo, tem sido extremamente nefasto para os jornalistas e para a Imprensa. E para os consumidores de informação. (Já sobre a actuação em ‘matilha’, obviamente que é condenável e abjecta a todos os níveis.)

    Tanto no caso da actuação em ‘manada’, como na actuação em ‘matilha’, falta algo importante: racionalidade; pensamento crítico; ética; e Jornalismo. A bestialidade tem vindo a tomar conta das redacções, engolindo jornalistas e o Jornalismo quase por inteiro. O histórico jornalista Fernando Dacosta falou, num debate recente, sobre o fenómeno do ‘jornalismo’ acéfalo. Esta postura acrítica de se estar nas redacções, longe dos tempos em que intelectuais enchiam os quadros de pessoal dos jornais.

    É neste cenário e contexto que chegamos então à grave crise na Global Media, dona de títulos como o histórico Diário de Notícias, o Jornal de Notícias, a TSF, o Jogo e o Dinheiro Vivo. (E aqui deixo uma declaração de interesses, pois fui jornalista neste grupo entre meados de 2017 e o final de 2021, assinando no DN, no JN, no DV e fazendo entrevistas na TSF.)

    selective focus photography of people sitting on chairs while writing on notebooks

    Podemos falar, claro, na sucessão de accionistas que por lá foram passando, que, além de ligações políticas, também foram deixando um rasto de cortes e decisões ‘estratégicas’ destrutivas – como retirar o DN de banca. Podemos e devemos analisar a forma como a diminuição das redacções tem tido um forte impacto na qualidade do trabalho lá produzido. Não se fazem omoletas sem ovos. Ou na contratação, ao logo dos anos, a peso de ouro, de ‘estrelas’, jornalistas e comentadores ‘amigos’, que são, sobretudo, despesa. Este último ‘mal’, é comum em muitos meios mainstream nacionais.

    A explosão das redes sociais e do consumo de informação (e publicidade) no meio digital não explica toda a crise que afecta os grandes grupos de comunicação social. Há falta de dinheiro mas os grandes media nacionais também têm esbanjado dinheiro em ‘projectos’ e em ‘amigos’ e estão demasiado colados aos poderes instalados, tanto políticos como financeiros e empresariais. E isso nota-se.

    Para quê comprar uma subscrição num jornal que representa mais os poderosos do que os leitores? Para quê subscrever jornais que escrevem praticamente as mesmas coisas e publicam os mesmos ‘takes‘ da Lusa?

    egg, hammer, hit

    No meio do caos, os ‘vilões’ aproveitaram a oportunidade: corrompendo o trabalho das redacções; pondo de parte o Jornalismo; colocando na liderança directores que estão alinhados e até podem ganhar prémios por desempenho comercial. O Jornalismo sai derrotado. Os jornalistas que não são despedidos, saem desmoralizados, cansados.

    Na maioria dos grupos de comunicação social, os jornalistas não são respeitados. Os leitores não são respeitados. Prevalecem os interesses comerciais.

    José Paulo Fafe, presidente-executivo da Global Media, traiu-se a si próprio numa entrevista recente, ao mostrar o que pensa realmente dos jornalistas e dos jornais, ao referir-se a Pedro Almeida Vieira – jornalista, fundador e director do PÁGINA UM –, como ‘um tipo de um site’. O PÁGINA UM é um jornal digital, com notícias online, como também são as edições online do DN e do JN. Pedro Almeida Vieira já trabalhou no Expresso, na Grande Reportagem e no DN.

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    Para este tipo de CEOs de grupos de media, para muitos directores do departamento comercial, para políticos e banqueiros, os jornalistas são hoje uns meros ‘tipos de um site’ que eles usam a seu favor. Só os jornalistas ainda não perceberam isso.

    No filme Jurassic World, o ‘vilão’ mais perigoso não era, afinal, o dinossauro cheio de garras e dentes mas a rede de interesses militares e comerciais. Nos media, o ‘vilão’ mais perigoso não é o ‘dinossauro’ gigante que é o Google ou o Facebook – em relação aos quais existem ‘armas’ e soluções.

    Nos media, o maior ‘vilão’ é a rede de oportunistas que assaltou as redacções e colocou na liderança de jornais, rádios e TVs funcionários ‘alinhados’ para usar os meios de comunicação social em seu benefício, fazendo cobertura enviesada de temas e implantando assuntos e entrevistas sugeridas. Na pandemia, isso foi mais do que evidente.

    white and black typewriter on table

    Destruir o Jornalismo interessa a todos os que queiram ter mais poder e mais lucros. E isso tem estado a ser feito de forma sistemática nas redacções.

    No filme (alerta de spoiler), morre muita gente, entre trabalhadores do parque e visitantes. Morrem muitos dinossauros ‘bons’. Morrem também ‘vilões’, mas não todos. O cientista escapa num helicóptero topo de gama, junto com muitos ‘activos’ que roubou do laboratório. O parque fica destruído para sempre, sem qualquer réstia de credibilidade.

    No sector dos media, directores podem escapar para novos cargos dentro ou fora do sector, levando indemnizações simpáticas, depois de terem conseguido pagar casas novas e piscinas e alcançado a fama nas TVs. Jornalistas e comentadores ‘estrela’ também se ‘safam’ com outros ‘amigos’. Activos que ainda existam, são vendidos. Os jornalistas, esses ficam sem emprego. É o pagamento que recebem por terem fechado os olhos e ficado em silêncio durante anos, perante o subverter do Jornalismo e os assaltos às redacções pelos interesses comerciais e políticos. É o pagamento pelo facto de os jornalistas permitirem que os tratem anos a fio como ‘uns tipos de uns sites’.

    Person Holding Canon Dslr Camera Close-up Photo

    No sector dos media, o assalto último ainda pode estar a ser preparado, se, aproveitando a profunda crise, uma voz sussurrar que o Estado deve ‘salvar’ grupos de media. Então, o poder político anunciará a criação de uma criativa ‘bondosa’ e ‘generosa’ solução que ‘alguém’ propôs, que passa pelo contribuintes injectarem mais dinheiro em grupos de media, depois das injecções já feitas durante a pandemia, do financiamento via publicidade estatal e ‘parcerias comerciais’ pagas por entidades públicas.

    Tudo isto para ‘o bem comum’, para o ‘bem’ do ‘jornalismo’, o qual será feito por ‘uns tipos’ desesperados quaisquer que, no final, acabarão, na mesma, por ser engolidos pelo dinossauro gigante e mau.

    Elisabete Tavares é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM. Neste caso, o director subscreve até as gralhas.

  • Marketing para totós: Cimeiras do Clima e Congressos dos Jornalistas

    Marketing para totós: Cimeiras do Clima e Congressos dos Jornalistas


    É um caso de marketing e de propaganda para totós. Ainda assim, jornalistas cobrem estes eventos como se fossem sérios e realmente produtivos, com o objectivo de se melhorar o mundo e as vidas de todos. Ainda assim, se fazem debates sobre esses eventos, como se realmente houvesse algo, de substância, para se debater no que lá se diz que se vai fazer.

    Um desses eventos é a “Cimeira do Clima” ou sobre o Ambiente, ou Alterações Climáticas… O nome do “espectáculo” pode ir mudando, mas o assunto é sempre o mesmo: líderes mundiais deslocam-se nos seus aviões para um local remoto do Mundo, para anunciar a “atribuição” de dinheiros e criação de fundos e medidas que vão melhorar a saúde do planeta e o futuro de todos os que nele vivem.

    Muitos comunicados de imprensa. Muitos discursos “inspiradores” e “assertivos” escritos pelas diversas equipas de comunicação e os melhores spin doctors. Os resultados são, invariavelmente, clichés como “não há humanidade B”, frase de António Costa nesta última Cimeira do Clima, citado na Lusa, frase que foi repetida até à exaustão pelos gabinetes de relações públicas do Governo, ou seja, os principais media do país.

    red rug on stairs

    Nestas cimeiras e conferências, os políticos de repente acordam para a causa ambiental e, tal como um cristão renascido, banham-se nas límpidas águas das diversas cimeiras do clima para sair delas discípulos da Nova Terra salva da poluição e imaculada. Pelo menos, até aterrarem de novo com os seus aviões nos países de origem e tudo voltar ao “business as usual“, que é como quem diz, ao andar de carro para cima e para baixo, conceder o licenciamento de empresas poluidoras e apelar ao consumo desenfreado para salvar empregos e “a economia”.

    Desde pequena que ouço falar na desertificação, na necessidade de se reduzir o consumo, na urgência de se poupar água e proteger o meio ambiente. Desde pequena que assisto a sucessivos governos portugueses e descurar a ferrovia e a despejar dinheiro dos contribuintes na construção de estradas (ou melhor, nas construtoras suas amigas que construíram as estradas).

    E todos os anos, sem excepção, assistimos a descargas ilegais em rios, a poluição diversa no mar. A investimentos estapafúrdios em obras e construção de monos com dinheiros públicos. Fecha-se os olhos a projectos poluidores porque criam empregos? Baixam-se os requisitos ambientais para atrair aquele investimento na fábrica que até foi classificado de PIN (projecto de interesse nacional)? Autoriza-se o abate daquelas árvores protegidas para aquele empreendimento de luxo? Dá-se o OK a mais um campo de golfe em zona onde falta a água? Avança-se com a construção de um novo aeroporto em zona de migração e nidificação única na Europa? Olha-se para o lado para o uso de pesticidas que acabam com espécies de relevo e causam cancro? Arrasa-se aquele rio selvagem e aqueles ecossistemas para construir mais uma barragem?

    O presidente da COP28, o Sultão Al Jaber. A cimeira teve este ano lugar no Dubai, capital dos Emirados Árabes Unidos, um dos maiores produtores de petróleo do mundo.

    E incentiva-se ao consumo. Muito consumo. A quantidade de embalagens e lixos produzidos hoje é estonteante. Avassaladora. Os governos lucram com isso através dos diferentes impostos cobrados. O ambiente é que se lixa, tal como todos nós. E o planeta.

    Desta vez, Costa pediu acção mais rápida e ambiciosa. Todos concordaríamos com isso, se não tivéssemos visto o que Costa fez, por exemplo, na gestão da pandemia de covid-19, desde 2020. Mas, como vimos e sentimos na pele e nos bolsos o que fez, o que lemos nessa intenção do “rápido e ambicioso” é isto: muitos vão encher os bolsos (de novo) e nós vamos ficar agarrados aos problemas e aos prejuízos. Além do atropelo que fez à Constituição da República.

    Ou seja: há o risco de um acelerar no caminho da destruição da democracia, por via de leis e medidas inconstitucionais, e um novo o empurrão para fortes cargas de impostos sobre “poluidores”, que vão acabar por cair afinal sobre os consumidores finais. Há o risco de se inventarem mais “políticas verdes”, mas que irão beneficiar empresas amigas. Vão anunciar-se regras que serão aplicáveis aos comuns dos mortais, enquanto os que têm amigos e cunhas serão poupados.

    O primeiro-ministro, António Costa, e o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, na COP28, que este ano se realizou no Dubai. (Foto: D.R.)

    Talvez porque acompanhe os mercados de capitais há várias décadas, desconfio destas promessas “verdes” que até agora renderam milhares de milhões a fundos e “veículos” de investimento, filantropos, fundações e políticos a vender este peixe da economia “verde” e trouxeram mais e mais problemas ao planeta e às populações.   

    Estas cimeiras do clima ou do ambiente fazem-me também lembrar os congressos dos jornalistas (vai-se agora para o 5º Congresso). Fala-se muito e não se muda nada. Fala-se muito, mas não se mexe naquilo que se precisa mesmo mexer para que haja mudanças.

    Na política, continua a promover-se o crescimento eterno das economias e a cultura de consumo, como se isso fosse racional ou sensato. O crescimento eterno do Produto Interno Bruto, vendido nos telejornais como sinal de sucesso político…

    Nos congressos de jornalismo fala-se que o sector está em crise, os jornalistas são mal pagos e até que há disparidade de salários e promoções entre homens e mulheres. Mas, hoje, há que assumir, que os jornalistas não têm quase nenhum poder e estão alinhadíssimos com o poder político e empresarial.

    Cartaz do 5º Congresso de Jornalistas, criado pelo ilustrador e cartoonista André Carrilho com base no lema “Jornalismo, Sempre” do evento que vai decorrer de 18 a 21 de janeiro de 2024.

    A liberdade de imprensa está ameaçada (sobretudo, desde 2020) e há notícias verdadeiras a serem censuradas no mundo digital. Os grupos de comunicação social estão vendidos (rendidos) às “parcerias comerciais” (conteúdos e eventos patrocinados por entidades públicas ou privadas). Directores de jornais, revistas, TVs e rádios fazem o papel de entertainers e apresentadores em eventos e conferências e actuam como embaixadores de políticos, de reguladores, de figuras da autoridade e todos os “clientes” que pagam as “parcerias comerciais” aos seus grupos.

    As redacções estão magras, mas cheias de jornalistas e estagiários que fazem copy/paste (churnalism) das notícias da Lusa e de comunicados de imprensa. Não há tempo (nem pensamento crítico) para mais. E há que falar nos jornalistas que têm empresas e funções incompatíveis com a profissão. Nos grupos de comunicação social com “clientes” que lhes pagam para escrever “notícias” e fazer eventos sobre os quais depois escrevem (sempre) favoravelmente. E há que falar na evidente subserviência do sector em geral face ao poder, seja do Governo, de autoridades, de reguladores, de direcções-gerais, da Comissão Europeia, (como, de resto, se viu na pandemia).

    Além de que se tem obrigatoriamente de falar na falência completa de reguladores e dos que deveriam ser vozes em defesa da profissão e do sector, com destaque para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista. Mas também a Entidade Reguladora para a Comunicação Social só tem actuado quando sente pressão. E o Sindicato de Jornalistas tem ficado em silêncio perante irregularidades e situações de promiscuidade inaceitáveis.

    A lista de patrocinadores do Congresso é extensa.

    Como jornalista, ao longo dos anos sempre me mantive afastada de congressos e do corporativismo patente no sector da comunicação social. Não me identifico com operações de autopromoção, nem com os silêncios sobre os problemas graves, como as “parcerias comerciais”, nem com a cultura das palmadinhas nas costas enquanto o sector arde.

    A meu ver, na defesa do ambiente e do planeta e na defesa do jornalismo existe algo em comum: jamais serão defendidos por políticos do actual establishment, nem pelas grandes indústrias, por bilionários donos de multinacionais ou filantropos com um histórico ético duvidoso. Nem por jornalistas que há muito se vergaram perante dinheiros públicos, privados ou de fundações, com medo de perderem o emprego, a nomeação a prémios e bolsas, além dos que não escondem agendas ideológicas.

    Nem a defesa do planeta, nem a defesa do jornalismo irão ser feitos por aqueles que têm contribuído para criar os problemas existentes, seja pelas suas acções seja porque pactuaram com os ataques, ficando em silêncio.

    O jornalista Pedro Coelho, em declarações à RTP Madeira, numa visita àquela região para promover o 5º Congresso dos Jornalistas.

    Num mundo de árvores de Natal de plástico, enfeitadas de bolas e fitas de fantasia em material sintético, o jornalismo é hoje um adereço brilhante para vender frases bonitas sobre como políticos e bilionários que contribuíram para nos trazer ao desastre, são agora os maiores defensores do ambiente e da vida no planeta.

    Num mundo de cimeiras do clima da tanga e congressos dos jornalistas da treta, temos de começar a pensar se está na altura de deixarmos de ser totós. Em relação aos políticos, aos media que destroem o jornalismo e em relação ao que podemos fazer sobre o futuro do planeta e do jornalismo.

    Elisabete Tavares é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Joana Marques & Cia., Lda: DesConfia de comediantes vendidos  

    Joana Marques & Cia., Lda: DesConfia de comediantes vendidos  


    Desdobram-se em campanhas publicitárias a marcas. Mercantilizam a sátira, o humor e os seus nomes. Beliscam poderosos, mas pouco e preferem atacar a Cristina Ferreira, o Ronaldo e o Luís Goucha. Fogem de temas tabu como o diabo da cruz.

    “DesConfiam” de “histórias inspiradoras” e de “gurus” da auto-ajuda – o mote de um espectáculo da autoria da comediante da Rádio Renascença Joana Marques. Mas não “DesConfiam” nada, nadinha, das políticas anti-democráticas em marcha, de medidas que aumentam a pobreza, financiam guerras, nem desconfiam da ganância de empresas que incentivam o consumo desenfreado. Aliás, alguns comediantes trabalham para essas empresas, como Joana Marques, que protagoniza a recente campanha sobre a Black Friday da Fnac.

    São comediantes pop, famosos e “fofinhos”, ambientados a um status quo decadente, em que a democracia definha, o jornalismo com J grande está praticamente às moscas, os músicos e artistas são facilmente comprados e a cultura de cancelamento e a censura são o normal.

    Joana Marques, humorista e guionista da Rádio Renascença em anúncios publicitários à seguradora Logo, do Grupo Generali.

    Com honrosas excepções em Portugal, como é o caso de Herman José que, ainda assim, vai “mexendo” com personalidades “intocáveis” – e que já foi censurado pela estatal RTP no passado –, a maioria dos comediantes famosos portugueses não passam hoje de bobos da corte para fazer circo e distrair as massas, “elevados” a estrelas das revistas Caras e Flash!.

    Ninguém no poder os teme realmente. Nenhuma grande indústria os ameaça com processos. Pelo contrário. Tanto entidades públicas como empresas e bancos os contratam para venderem o seu “peixe”.

    Vamos ser claros. Se és comediante e grandes empresas que vendem produtos de consumo te contratam para vender os seus produtos, então estás a falhar no teu trabalho.

    Se és comediante e uma direcção-geral te contrata para um anúncio, então não estás a ser bom no teu trabalho.

    Se és comediante e ainda não foste cancelado por ninguém, então estás a fazer um mau trabalho.

    Se ainda não tiveste um vídeo ou um podcast censurado numa das grandes redes sociais, então estás a falhar como comediante ou guionista.

    Ricardo Araújo Pereira, do programa “Isto é gozar com quem trabalha”, da SIC, é o rosto da Worten.

    Se te tratam como uma estrela pop e recebes prémios ao estilo da revista Caras, do género ‘Globo de Ouro’, então és um comediante falhado.  

    Se receberes, por fim, alguma medalha, honra ou comenda de Marcelo, então o insucesso será total, mesmo se a tua conta bancária disser o contrário.

    Pior. Se não tens sucesso como comediante (verdadeiro), e apenas és um comediante “bonzinho” e vendido a empresas, a entidades públicas, e ao establishment – que promove guerras, o consumo e a divisão –, então isso quer dizer outra coisa: fazes parte do status quo. E do problema.

    As democracias nos países ocidentais têm vindo a ser enfraquecidas pelos governos, sobretudo desde 2020, com sérios ataques às leis fundamentais. Reforçaram-se alianças entre governos e gigantes empresariais e criaram-se novas formas de censura, nomeadamente recorrendo às últimas ferramentas tecnológicas e ao acelerado mundo digital, onde motores de busca e redes sociais globais dominam o espaço de acesso a informação.

    Joana Marques, humorista/guionista do programa “As três da manhã” e “Extremamente Desagradável”, da Rádio Renascença, anunciou um espectáculo que tem segunda data agendada.

    Passou a ser normal, no mundo da Internet, se considerados não se sabe bem por que ‘forças’, a censura de desalinhados comediantes, jornalistas, académicos, cientistas, médicos, professores e artistas. Por exemplo, na pandemia foram eliminadas no YouTube imitações de ir às lágrimas de personalidades como Anthony Fauci – estratega da política covid nos Estados Unidos, que está hoje sob suspeita de ter autorizado (e tentado ocultar) o financiamento irregular de uma empresa norte-americana que conduziu investigação controversa (gain-of-function) com o vírus do coronavírus no laboratório em Wuhan, na China.

    A censura e eliminação de notícias verdadeiras e sketchs cómicos “não autorizados” pela tecno-ditadura prossegue, hoje. Já para não falar de que se tem vindo a instalar uma cultura de cancelamento, em que todos os que não alinham com o establishment são postos de lado e deixam de ter trabalho ou de ser entrevistados pelos media.

    Hoje, comediantes a sério em Portugal são avis raras. Há humoristas muito engraçados, mas limitam-se a fazer uma comédia soft, comercial, fácil e levezinha e enterram a cabeça na areia no que toca a assuntos urgentes para a democracia e o país. Brincam com coisas sérias, mas só um bocadinho. Atacam estrelas e famosos e beliscam um bocadinho alguns poderosos, mas só um bocadinho. Ah! E claro, seguem a regra número um dos comediantes que se venderam (renderam) à era do capitalismo sem alma e das políticas anti-democráticas: não se metem com temas tabu.

    Joana Marques, Nilton e Nuno Markl no Palácio de São Bento numa amena conversa com o primeiro-ministro António Costa, promovida pela Rádio Renascença em 2019. Um exemplo simbólico de como hoje, os comediantes já se sentam à mesa do poder. E riem-se com eles.

    Alguns dos famosos comediantes portugueses têm-se desdobrado, nos últimos anos, em anúncios e campanhas publicitárias. Isso nada tem de mal, se não fosse uma consequência do seu insucesso como comediantes a sério, daqueles que agitam democracias em decadência e em acelerada transição para ditaduras, como é o caso de Portugal.

    Não tem nada mal, mas se ainda não foram cancelados, nem censurados pelo status quo decadente dominante, então andam a fazer o quê? Já sei: andam a brincar. E a fazer pela vida, isto é, a ganhar dinheiro. E a entreter as massas sem beliscar o poder. São os comediantes do Regime.

    Andar a brincar não tem mal. Nem todos os comediantes têm de ficar na História como profissionais corajosos e admirados décadas a fio. Há espaço para humoristas fofinhos e amigos do poder e das grandes empresas. Mas tinham de ser tantos? Quase todos?

    No caso da humorista Joana Marques, angariou recentemente uma campanha publicitária para promover a FNAC. “Calma, jovem! A Black Friday FNAC está a chegar, mas até lá treina com os Black Deals”, diz um dos slogans com uma foto ao lado da humorista. Traz-lhe dinheiro e ajuda a espalhar a sua “marca” e imagem.

    “Só víamos a Joana Marques como cara desta campanha. Ninguém melhor do que uma das melhores humoristas do País para, de forma simples e eficaz, passar a mensagem de que na Black Friday FNAC é possível encontrar os melhores produtos aos melhores preços e sem stress”, revelou, em comunicado, Inês Condeço, diretora de marketing e comunicação da FNAC, citada pela Marketeer.

    Só esta frase da responsável da FNAC deveria deixar uma humorista como Joana Marques com vergonha.

    Além dos diferentes anúncios, incluindo vídeos, a FNAC desenvolveu, citada na Marketeer, “uma campanha essencialmente digital, utilizando canais como o Instagram e o Spotify, e ainda uma breve presença no programa As Três da Manhã, da rádio Renascença, junto ao podcast Extremamente Desagradável”.

    É uma pena. A humorista “Extremista Desagradável” – por se ter tornado conhecida pelos ataques agrestes e contundentes que lança a personalidades famosas – deita pela sanita abaixo “o menino junto com a água do banho”. Vende-se e isso nota-se. Além da campanha da FNAC, tem sido também o rosto da seguradora Logo, do Grupo Generali, Logo, que aliás patrocina o seu novo espectáculo anunciado para o Altice Arena.

    Sem surpresas, o povo inebriado, anestesiado – como numa Roma em chamas –, bate palmas a este tipo de circo amigo de Nero, e esgotou a primeira data daquele espectáculo de Joana Marques. Vai haver mais circo.

    Bruno Nogueira foi o rosto nesta campanha do Banco Montepio.

    Não surpreende que, como membro do establishment, Joana Marques tenha sido um dos ‘famosos’ que fez campanha com a DGS. “Sou adepta de futebol mas sou também agente de saúde pública”, disse num dos vídeos de “várias figuras do futebol e da sociedade [que estiveram] unidos em campanha para garantir o regresso do futebol e da Liga NOS em segurança”.

    Eis no ponto em que estamos: uma comediante a dizer que é um “agente [de qualquer coisa] pública”… A mim, nascida em Abril de 1974, ver alguém dizer “sou um agente de saúde pública” ou “sou um agente”, simplesmente, traz-me arrepios e remete-nos aos negros tempos de ditadura. Qualquer um que tenha tido aulas de História conseguiria ver os sinais. Mas muitos comediantes, incluindo Joana Marques, não viram. Não vêem. Não “DesConfiam”. Não lhes dá jeito, também. Por isso, alguns comediantes lusos alinharam com a tendência de chamar “negacionista” ou anti-vacinas” a todas as vozes consideradas “dissidentes”, não alinhadas com os comunicados de imprensa do governo na pandemia.

    Quando os portugueses mais precisaram de comediantes a sério, em geral, eles acobardaram-se (como de resto, também jornalistas, artistas, músicos) e meteram o rabinho entre as pernas. Num país pequeno como Portugal, que vive à custa da distribuição de dinheiros do Estado e das autarquias, os comediantes apenas beliscam poderosos, mas não incomodam. Nunca mordem, e sequer ladram; dão latidos. Agora nunca se metem em temas tabu que lhes possam afectar as audiências. E as receitas.

    Herman José tem sido um caso raro de humor português que não receia quebrar tabus.

    Atacar Jesus e Maomé? Na boa! Atacar celebridades, como a Cristina Ferreira? Maravilha! Jogadores de bola como o Cristiano Ronaldo? Obviamente! Agora, mexer com as políticas que de facto interessam? Mexer com a forte ameaça que os governos têm sido para a democracia? Mexer no facto de os grupos de comunicação social estarem corrompidos e o jornalismo ter sido reduzido a pó? Mexer na mortalidade em excesso e a morte inexplicada de cada vez mais jovens? Mexer na desastrosa gestão da pandemia? Mexer nas farmacêuticas, como aliás Herman José fez brilhantemente há umas décadas (a partir do 1,30 minutos)? Não! Isso não tinha piada nenhuma… para a sua conta bancária.

    Infelizmente, este cenário não é único em Portugal. Por exemplo, no caso de temas tabu da pandemia e das políticas covid, em Portugal restaram-nos alguns sketchs de Herman José, meio a medo. Lá fora, a maioria acobardou-se. O deserto de pensamento crítico de comediantes desde 2020 era tal que Charlie Chaplin ‘ressuscitou’ com o seu brilhante monólogo no final do filme “O Grande Ditador” para preencher o espaço deixado em branco pelos humoristas do século XXI em plena descida aos infernos de políticas anti-democráticas, de censura e apartheid.

    No estrangeiro, ainda assistimos a exemplos de comediantes corajosos, que abordaram temas “proibidos” durante a pandemia. Mas mesmo assim a custo. E com custos. Por exemplo, o humorista norte-americano, Jimmy Dore, só quando sofreu reacções adversas à vacina contra a covid-19, fez um stand-up elegante e brilhante sobre este tema, que então viralizou. (Curiosamente, fui rever este vídeo no YouTube para este texto e surgiu o anúncio sobre Black Friday da FNAC…)

    Charlie Chaplin no seu famoso monólogo de “O Grande Ditador”, que protagonizou o filme, estreado em 1940, antes dos Estados Unidos se envolverem na II Guerra Mundial. A película foi censurada em diversos países com regimes fascistas e levou a que os Estados Unidos, mais tarde, perseguissem o génio da comédia, acusando-o de ser comunista.

    Também o actor Woody Harrelson demonstrou ter mais coragem do que todos os Ricky Gervais deste Mundo. Num monólogo no programa Saturday Night Live, há cerca de nove meses, em apenas um minuto, obliterou o tabu em torno de fazer comédia e sátira com temas proibidos da pandemia [a partir dos 5,44 minutos], num sketch agora famoso.

    Aliás, desde 2020 deu para concluir que os comediantes dos nossos dias são “fofinhos”, porque não são nada burros. Falar de determinados temas fá-los perder mais do que ganhar. Sempre que criam uma piada têm de pensar se perdem o programa na rádio ou na TV. Se perdem o patrocínio. Se perdem o cachet para encher aquela grande sala. Se perdem as campanhas de publicidade à seguradora, à empresa de electrodomésticos, à distribuidora de café, ao detergente, àquela bebida de Verão. Se perdem a possibilidade de sair em revistas, de ser nomeados para os “Globos de Ouro”, de ficarem esquecidos por talkshows onde ‘famosos’ se auto-convidam.

    Enfim, para quê perder aquela campanha milionária da companhia de seguros só por causa de uma piada?

    Para quê perder o cachet e a oportunidade de vender electrodomésticos na Worten só para “brincar” com aquelas medidas que vão destruir para sempre a nossa Constituição e a nossa democracia? Para quê “brincar” com aqueles telejornais e jornalistas que vendem marcas de empresas e autarcas e ministros em directo na TV em espaços de informação? Para quê?

    Nuno Markl numa campanha publicitária aos detergentes Surf.

    Eles, cá em Portugal, seguem a bitola internacional. A esmagadora maioria dos comediantes fazem parte do status quo de um Ocidente em decadência, que vende por um prato de lentilhas os seus princípios democráticos, os direitos humanos, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.

    E isto porque se deixou, e eles (os comediantes) deixaram, que o cancelamento se instalasse (e houve muitos que colaboraram). E a malta tem filhas a estudar no estrangeiro. E piscinas para construir. E a cozinha para remodelar, que não é só jornalistas que precisam de remodelar cozinhas. Não há cá pão para malucos. Fazer piadas expondo as democracias a ir ao fundo? Não senhor! Os comediantes vão continuar a actuar junto com a orquestra até o Titanic afundar.

    Sem jornalistas – porque hoje a maioria faz parte do establishment. Sem humoristas dissidentes, sem artistas revolucionários, sem músicos fora do ritmo, sem cantores irreverentes, sem defensores da democracia e da liberdade de ser e de se expressar. Estamos assim com muitas ausências, e com demasiados defensores e propagandistas dos cânones das religiões da moda, cheias de crentes no wokismo mas simultaneamente fãs da uma Economia de consumo e do supérfluo… É assim que estamos.

    “A ganância envenenou as almas dos homens, barricou o Mundo em ódio, lançou-nos na miséria e no derramamento de sangue. Desenvolvemos velocidade, mas fechámo-nos em nós próprios. Máquinas que nos dão abundância e nos deixam em falta”, disse Chaplin em 1940. Disse-o num filme, com uma acutilância naquela época de horror em que um comediante, brilhante como ele, achou que um comediante tem o dever também de ir mais além em tempos perigosos.

    Ricardo Araújo Pereira num anúncio da Worten alusivo ao Natal.

    E hoje parecem-nos já tão longínquos os tempos em que comediantes colocavam os dedos nas feridas. Hoje temos comediantes que bebem no mesmo banquete daqueles que promovem políticas anti-democráticas e ambicionam a instalação de ditaduras com mãos tecnológicas e que compram facilmente os media com “parcerias comerciais”.

    Hoje, os comediantes refastelam-se no status quo para seu favor financeiro. Comem dinheiros públicos e privados à grande e à francesa, banqueteiam-se numa festa onde o motivo para a risota não é só a Cristina Ferreira ou o Ronaldo ou os tiques do Marcelo ou a voz do Moedas ou a articulação do Costa, ou as esquisitices e extravagâncias mais ou menos esotéricas de personagens das redes sociais. A piada, somos, afinal, todos nós. E eles continuam, alarvemente, como Comediantes do Regime para a risota (e descanso) do poder. Há uns séculos, nas monarquias, eram chamados de Bobos da Corte.

    Elisabete Tavares é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.