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  • A traficância de elogios: os ‘spin doctors’ e o caso exemplar da demógrafa Maria João Valente Rosa

    A traficância de elogios: os ‘spin doctors’ e o caso exemplar da demógrafa Maria João Valente Rosa


    Existem guiões, e os spin doctors sabem bem da poda. Durante meses, o Ministério da Saúde andou a esconder vergonhosamente o caos do Serviço Nacional de Saúde, não se importando em manipular informação, mutilar bases de dados e recusar documentos administrativos. O PÁGINA UM tem já vastíssima experiência nesta matéria. Tem lutado praticamente sozinho. Tem apresentado processos de intimação no Tribunal Administrativo para contrariar este estado de coisas.

    Nesta linha, o PÁGINA UM esteve na linha da frente para denunciar o absurdo excesso de mortalidade deste ano. Com base em análises rigorosas, foi o primeiro órgão de comunicação social a apontar para a inédita sequência mensal de óbitos sempre acima dos 10.000 desde Novembro, com recordes absolutos em Maio, Junho e Julho. Mas também a denunciar que esse morticínio atingia proporções inconcebíveis no grupo etário mais idoso – um autêntico e criminoso gerontocídio – e que apresentava uma “consistência” não compatível com eventos climáticos ou circunstanciais.

    leafless tree on green grass field

    Durante demasiado tempo, assobiou-se para o ar.

    E só de mansinho, quando o silêncio se mostrava ensurdecedor, veio a comunicação social dita mainstream abordar a temática, mas numa primeira fase sem citar o PÁGINA UM. Dedo dos spin doctors. A razão não se deveu apenas à falta de ética jornalística – existe uma regra de “convivência” na imprensa que “obriga” a citar o primeiro que destaca um tema fruto de investigação. De facto, ignorar a investigação do PÁGINA UM – que, desde o início, apelou para a realização de uma investigação que não ouvisse a “raposa sobre como morreu a galinha” –, serviu também para formar e consolidar uma “narrativa oficial”.

    Por “narrativa oficial”, leia-se dissertações e especulações da Direcção-Geral da Saúde e de “peritos de serviço” – estes últimos predispondo-se a usarem as suas universidades como “cátedra” e o seu estatuto de cientistas como “bengala” para distribuírem bitaites convenientes ao Governo (porque nunca sustentados em dados mas apenas em meras opiniões, por vezes absurdas).

    Lamentavelmente, os dois últimos anos vieram politizar e mercantilizar a Ciência – e um bom (no sentido de mau) exemplo encontramos no presidente do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Perante tantas evidências da existência de um mastodôntico elefante – excesso grotesco de mortalidade – veio Fernando Almeida em auxílio do obscurantismo do Governo defender que esse excesso de mortalidade não se pode fazer “comparado apenas números” e avisando que “é impossível fazer uma análise séria e cientificamente consistente em dois ou três meses”.

    man in gold wedding band

    Claro que pode. E não só pode, como deve. Basta começar olhar, com transparência e rigor, para as causas de morte no Sistema de Informação dos Certificados (SICO). Está lá tudo, diariamente, semanalmente, anualmente. Pode-se fazer comparações, analisar com detalhe os desvios mais relevantes das causas das mortes, detectar em que faixas etárias tal sucede, que regiões ou mesmo concelhos se observam os casos anómalos. Pode-se fazer tudo isto, com tecnologia informática e especialistas independentes (e que querem mesmo saber e não esconder), em muito pouco tempo.

    Mas o tempo – esse escultor e esse julgador – é o grande problema para os políticos. Num país que ainda nem sequer disponibilizou estatísticas decentes e rigorosas sobre as causas de morte em 2020 (aquilo que está disponível no INE é uma vergonha, e a Doutora Graça Freitas tratou há cerca de um ano de eliminar uma base de dados criada em 2019, a Plataforma da Mortalidade, cujo “cadáver” jaz aqui), tem-se horror à informação hoje, porque pode sempre ser comprometedora.

    Deixe-se morrer hoje pessoas, que amanhã lamentaremos estatísticas – parece ser esse o lema do Governo. Mas não deveria ser auxiliado por cientistas.

    Mas há quem se disponibilize sempre para tais tarefas. Por isso, haverá sempre quem, nas universidades, apoie o Governo a furtar-se ao escrutínio da sociedade, conseguir duas coisas: garantir o controlo absoluto sobre uma suposta investigação e definindo a priori o seu timing.

    Marta Temido, ministra da Saúde, ao centro.

    Nos tempos que correm, o Governo consegue sistematicamente atingir esse objecto com recursos a dois “instrumentos”: uma imprensa mainstream fofinha (que não questiona demasiado) e o suporte de peritos supostamente independentes, mas que estão, na verdade, comprometidos até ao tutano.

    Nos últimos dias, tivemos mais um destes “pratos” servido: o Ministério da Saúde anunciou na sexta-feira passada, pela noitinha, ao sempre disponível Público (que, entretanto, teve a “amabilidade” de corrigir o seu texto original, passando agora a citar o PÁGINA UM) a realização de um “estudo aprofundado” sobre “os excessos de mortalidade mais recentes”, nomeadamente “os que coincidem com a maior intensidade epidémica da covid-19 e do calor”.

    Spin doctors a trabalhar: dois dias depois, novo anúncio, no mesmo Público, dizia-se que o relatório só ficaria concluído em 2023. Para as calendas, portanto.

    Não tugiu nem mugiu a imprensa. Nem investigadores contra esta descarada estratégia do Ministério da Saúde: o anúncio de um estudo que serve exactamente para não se estudar nada de forma independente e rápida. Morra-se hoje para se lamentar nos livros de História.

    woman covering her face with white book

    Os spin doctors ainda fizeram mais: em artigo à parte, sempre no Público, arranjaram uma especialista de confiança para consolidar esta estratégia. E assim assistimos à conceituada demógrafa, Maria João Valente Rosa – professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e ex-directora do Pordata – a congratular-se com este “estudo” (chamemos-lhe assim).

    Cito o Público: “O estudo ‘aprofundado’ sobre ‘os factores determinantes da mortalidade’ e sobre os ‘excessos de mortalidade’ observados desde o início da pandemia – que sexta-feira foi anunciado pelo Ministério da Saúde – merece os aplausos da demógrafa Maria João Valente Rosa. ‘Finalmente‘ vai ser dada ‘maior atenção às causas de morte’, reage a professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.” Mais adiante, refere a especialista que “há aqui [no excesso de mortalidade] uma responsabilidade social que não importa descartar”.

    Nem mais: um elogio, para começar, seguida de uma dica para descartar responsabilidades – e logo por uma conceituadíssima especialista, créditos firmados… e independente.

    Claro que sim.

    Somos todos independentes, e uns mais (in)dependentes do que outros.

    Na verdade, começa a encanitar-me observar especialistas travestidos de independentes que, na verdade, deveriam pensar duas vezes antes de prestar declarações, ou avisar os jornalistas dos seus conflitos de interesses.

    Maria João Valente Rosa, demógrafa, professora da Universidade Nova de Lisboa e sócia da Koali e VR&DC Consulting, com relações comerciais com a Direcção-Geral da Saúde.

    Com efeito, não está aqui – como em muitos outros casos que se passaram durante a pandemia – questões legais, mas éticas e de transparência.

    Ao elogiar o anúncio de um estudo político sobre um excesso de mortalidade que poderá ter (ou terá mesmo) causas relacionadas com política governamental – acabando também por anuir no prazo da sua conclusão e indicando até hipóteses para dar a culpa a todos e a ninguém em particular –, Maria João Valente Rosa sabe que não é uma demógrafa, embora lhe interesse que a sua mensagem soe como uma demógrafa independente.

    Mas ela não é só, perante o Ministério da Saúde, apenas uma demógrafa; é também uma empresária, sócia com familiares (inclusive com uma filha, que se apresenta ainda como consultora da DGS) da Koaki (que tem como marca a Social Data Lab) e da VR&DC Consulting.

    Ora, no caso da Koaki, desde 2020, estabeleceu já três contratos com a DGS no valor total de 91.280 euros, a que acrescente um contrato já este ano com o INEM no valor de 39.450 euros, e mais um com a Lusa, no valor de 12.000 euros.

    No caso da VR&DC Consulting há ainda um contrato com a DGS no valor de 15.00 euros (em 2019), mas mantém fortes relações comerciais com a Lusa (três contratos no valor total de 36.000 euros desde 2019) e com o AICEP (quatro contratos no valor de 193.127 euros).

    person holding brown eyeglasses with green trees background

    Todos os contratos foram por ajuste directo ou por mera consulta prévia.

    Sendo legítimo que especialistas possam explorar e manter relações comerciais com entidades da Administração Pública, talvez comece a ser hora de reflectirmos se podem eles “vestir” a pele de professores universitários independentes para dissertarem sobre temas delicados, sem que se saiba se os comentários são isentos ou afinal comprometidos. Se estão a fazer Ciência ou afinal acções de marketing, piscando o olho a futuros contratos.


    N.D. Sobre esta matéria, coloquei questões à Professora Maria João Valente Rosa, que me respondeu. Porque se considera relevante para a reflexão que aqui se propõe, tomo a liberdade de colocar, na íntegra, tanto as perguntas como a resposta.

    Exma. Senhora Professora Maria João Valente Rosa:

    Sou jornalista e director do jornal digital PÁGINA UM.

    Tendo lido as suas declarações de elogio à Direcção-Geral da Saúde pela realização de um estudo sobre a causa do excesso de mortes, mas que, ao contrário daquilo que seria expectável (até pela informação que existentes nos dados discriminados do SICO), só deverá ser conhecido em 2023, gostaria de ter a sua opinião sobre se considera que esse prazo é razoável ou se poderiam ser conhecidos resultados mais rapidamente.

    Por outro lado, gostaria de saber se alguma das duas empresas de que é sócia foram contactadas pela DGS ou outra qualquer entidade no sentido de integrarem o estudo anunciado, tanto assim que em outras oportunidades tanto a Koaki como a VR&DC Consulting já tiveram contratos com a DGS.

    Por outro lado, gostaria que me dissesse se, quando contactada pelos jornalistas, referiu (ou eles tinham conhecimento) das suas relações comerciais com a DGS.

    Ficando a aguardar uma resposta, e estando disponível para receber outros quaisquer esclarecimentos, queira aceitar os melhores cumprimentos.

    Pedro Almeida Vieira

    15 de Agosto de 2022


    Muito boa tarde.

    Em resposta ao seu email, informo que, enquanto cientista e investigadora na área da população/demografia, respondi a uma jornalista do jornal Público a respeito de uma notícia que dizia que o Ministério da Saúde tinha decidido avançar com “um estudo aprofundado” sobre “os excessos de mortalidade mais recentes”, nomeadamente “os que coincidem com a maior intensidade epidémica da covid-19 e do calor”. Na qualidade de demógrafa, considero muito importante a produção de conhecimento acerca do que se está a passar sobre as mortes em Portugal. Como tal, todas as análises ou estudos que contribuam para o efeito são de saudar, neste contexto.

    Quanto às relações comerciais das empresas, não faço comentários sobre os clientes Koaki ou VR&DC Consulting.

    Cumprimentos,

    Maria João Valente Rosa

    Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade Nova de Lisboa

    16 de Agosto de 2022

  • Um café Figueiredo servido pelo ‘garçon’ Medina ou a democracia apodrecida

    Um café Figueiredo servido pelo ‘garçon’ Medina ou a democracia apodrecida


    Em Abril de 2016, após João Soares, então ministro da Cultura, ter ameaçado dois colunistas do Público (Augusto M. Seabra e Vasco Pulido Valente) com queirosianas “salutares bofetadas”, veio de imediato o primeiro-ministro anunciar ao país que os ministros “nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo”.

    Por causa da polémica, João Soares pediria a demissão, aceite “naturalmente” pelo primeiro-ministro.

    coffee beans beside coffee powder on brown wooden board

    Os tempos são outros, e ficámos agora a saber que as bofetadas alegóricas já podem até ser dadas – não em dois cidadãos, mas em 10 milhões de portugueses; e não doendo na face, moem a democracia.

    O episódio do “convite” de Fernando Medina a Sérgio Figueiredo para o assessorar – leia-se, um pagamento de favores, que já vêm de longe –, à falta de enquadramento criminal suficiente, deveria constituir um evidente caso para se aplicar a máxima de há seis anos proferida por António Costa: “nem à mesa do café podem [os ministros] deixar de se lembrar que são membros do Governo”.

    Ou seja, numa democracia amadurecida (mas não podre), com valores de decência, o convite a Sérgio Figueiredo deveria ter levado à imediata demissão de Fernando Medina.

    Mas não levou, como sabemos. E não levou porque António Costa já pensa que tem o país no bolso, o que constitui um prenúncio que o seu “regime” está decrépito de valores e de ética, perdeu a cultura democrática.

    Jamais pode um ministro – ainda por cima um que ainda há meses recebeu um inusitado “prémio” por ter sido o pior presidente da autarquia de Lisboa, ainda por cima no melhor período económico da capital (aumento das receitas do Imposto Municipal sobre Imovéis por via da actualização do valor patrimonial e boom turístico) – contornar as normas da contratação do seu gabinete para, de forma descarada, dar a “mão” – e o dinheiro dos contribuintes – a um ex-jornalista, que o foi apoiando quando director de informação da TVI.

    O caso Sérgio Figueiredo parece, aliás, combinação feita “à mesa do café” entre si e o seu amigo Medina. E António Costa não pode fazer de conta que não lhe diz respeito.

    Diz respeito – e muito –, porque podem os amigos combinar, entre si, os negócios que bem lhe aprouverem.

    Porém, não um ministro. Não um ministro do seu Governo.

    E não pode parecer, como efectivamente é (qual o currículo de Figueiredo para aquelas funções?!), um negócio de amigos, um pagamento de favores.

    Ainda mais envolvendo um antigo jornalista com as responsabilidades na TVI que Sérgio Figueiredo teve – director de informação entre Janeiro de 2015 e Julho de 2021.

    Aliás, Sérgio Figueiredo – que sempre mostrou uma promiscuidade imprópria de um jornalista isento, com passagens na direcção de jornais económicos e na TVI em permeio com cargos executivos na EDP e outras sinecuras – acaba, ao aceitar este cargo, por dar mais uma estocada na já fraca credibilidade da imprensa mainstream, embora não o esteja a ver demasiado preocupado com esse efeito.

    A partir de agora, poderemos sempre tentar adivinhar qual será o próximo director de um jornal, de uma rádio ou de uma televisão que seguirá para um cargo especial governamental a ganhar cinco mil euros sem exclusividade e sem horário.

    E ainda, depois deste impune caso Sérgio Figueiredo, podemos passar a ler os editoriais ou a linha editorial de um órgão de comunicação social mainstream tentando perscrutar se não estará ali alguém, por detrás da pena, mais preocupado em salvaguardar o seu futuro do que em informar os leitores.

    Confirmado está também o óbito da máxima de António Costa. Agora, tudo se mostra possível. À mesa do café. Ou noutro qualquer lado. O povo já aguenta tudo, não é? A democracia apodrecida é isto mesmo: já tanto se nos faz.

  • Da Suécia, com amor. De Portugal, com estupor

    Da Suécia, com amor. De Portugal, com estupor


    Desde o início da pandemia, a Suécia foi eleita pelos media do mundo ocidental como o “patinho feito”, indiciado como o “cisne negro” desumano e frio, que permitiu, na primeira fase da pandemia – com um acréscimo inicial de mortes –, consolidar a narrativa da eficácia de medidas restritivas draconianas, independentemente da sua cientificidade.

    O populismo e o alarmismo – e acrescento agora a hipocrisia – “crucificaram” no pelourinho público uma verdadeira estratégia de Saúde Pública. Recordo aqui as palavras de Ann Linde, a ainda ministra dos Negócios Estrangeiros deste país nórdico, em Maio de 2020: “Isto não é um sprint; é uma maratona”.

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    Mas pouco importou. A despeito da existência de problemas iniciais nos seus lares – que, na verdade, se evidenciaram porque existe uma cultura de transparência e responsabilização; aqui em Portugal simplesmente esconde-se –, a estratégia da Suécia sempre foi olhada com desdém pelos políticos e media ocidentais. Quem, em Portugal ou fora da Suécia, concordasse com as estratégias daquele país nórdico era rotulada de negacionista, egoísta e desumano.

    E qual era essa estratégia? Recuperemos as palavras da ministra sueca: “[A nossa estratégia] baseia-se numa perspectiva de longo prazo sobre como podemos salvar vidas, proteger o nosso sistema de saúde e garantir que nossa sociedade e a população saiam o mais ilesas possível”.

    Um dia a História demonstrará, por certo, os erros e os crimes (por negligência ou intencionalidade, por razões políticas e de negócio) que se foram cometendo desde 2020, e que estão a resultar naquilo que certa imprensa nacional diz ser um mero “falhanço da sociedade”, e ainda por cima “de todos”, como diz uma notícia de hoje do Expresso.

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    Não é de todos, não. É de alguns. É dos políticos. É das políticas. É de certa (quase toda a) comunicação social que, há dois anos, vilipendiava a desumana Suécia ao mesmo tempo que patrioticamente cantava hosanas ao “milagre português” entronizado por Marcelo Rebelo de Sousa na Primavera de 2020.

    Em Portugal, nunca se pensou no médio prazo nem no longo prazo, nem de como sairíamos disto depois disto acabar [se calhar, não se quer formalmente acabar para evitar “fazer contas”]. Pensou-se no dia-a-dia, no “salvar o coiro”, no encontrar “bodes expiatórios” (o frio, o calor, o próprio vírus, os não-vacinados; os irresponsáveis em geral) em vez de implementar soluções.

    Pessoalmente, não me surpreende agora, mais de dois anos após o anúncio da pandemia – com o SARS-CoV-2 perfeitamente em estado endémico –, o estado em que estamos na “maratona” falada pela ministra sueca.

    Nove meses consecutivos de mortalidade sempre acima dos 10 mil óbitos. Recordes absolutos no número de óbitos em Maio, Junho e Julho.

    E nem me surpreende já o modo impávido e sereno como se assiste a um gerontocídio sem precedentes, bem pior do que o do ano passado. O Governo esconde vergonhosamente dados; luta no Tribunal Administrativo – com toda a sua máquina jurídica e as suas tentaculares ligações – para não ser obrigado a revelar informação comprometedora.

    E a Suécia? A Suécia, ora, ora, esse país hasteado como exemplo da desumanidade e do egoísmo.

    Sim, e a Suécia? Sim, a Suécia, minhas senhoras e meus senhores? A Suécia, senhores políticos… A Suécia, meus camaradas jornalistas? Como vai a Suécia, nesta maratona?

    people sitting on bench near brown concrete building during daytime

    Regressou à normalidade. Mortalidade total perfeitamente em linha – e por vezes mesmo abaixo dos níveis da pré-pandemia, e sem todas as consequências sociais, económicas e de Saúde Pública que países como Portugal estão e estarão a sofrer.

    No gráfico que aqui apresento, produzido através de dados oficiais tanto de Portugal como da Suécia, comprova-se as consequências no nosso país das péssimas políticas de Saúde Pública e os efeitos de uma comunicação social que as apoiou acriticamente. Dois anos depois, quando a covid-19 apresenta já uma taxa de letalidade ao nível da gripe, e quando tudo já deveria estar normalizado, Portugal apresenta, desde finais de Fevereiro deste ano, um aterrador excesso de mortalidade acima do período pré-pandemia (2015-2019).

    A partir de Maio, esse excesso esteve quase sempre acima de 20%, e quando o tempo ficou mais quente supero os 40% e mesmo os 50%.

    Variação (défice ou excesso, em média móvel de sete dias), em percentagem, da mortalidade diária em 2022 face ao período pré-pandemia (2015-2019) em Portugal e na Suécia. Fonte: SICO (Portugal); SCB (Suécia)

    [Aliás, sobre as ondas de calor: obviamente estas causam um acréscimo de mortalidade (se não forem tomadas medidas de proteção), mas o factor mais determinante acaba por ser o estado de maior ou menor vulnerabilidade das pessoas; por exemplo, se eu aumentar a pressão sobre um ferro, ele pode manter-se “impávido”; mas se em vez do ferro houver um frágil pedaço de madeira, este pode quebrar com o aumento da pressão]

    E agora, vai “ficar tudo bem”? Está tudo bem? Vai-se continuar a culpar a guerra da Ucrânia, as alterações climáticas, o infortúnio? Ninguém se preocupa com o obscurantismo do Governo? Nem com a inércia da Procuradoria-Geral da República? Nem com a tentativa de descredibilização perpetrada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social contra o jornalismo independente que denuncia que o “rei vai nu”?

    Vai-se continuar a chamar estupores aos suecos, enquanto se glorifica o país do senhor Gouveia e Melo para quem todas as vidas contavam, mas que, afinal, as deixa partir que nem tordos?

    Para onde deve ir o nosso amor e o nosso estupor?

  • As estimativas da covid-19 do Instituto Superior Técnico e a Ciência que meteu férias: uma novela exemplar

    As estimativas da covid-19 do Instituto Superior Técnico e a Ciência que meteu férias: uma novela exemplar


    Ontem, começando por uma notícia da Lusa – a agência noticiosa portuguesa que aparenta ser uma espécie de Pravda português do século XXI –, foi divulgado pela imprensa mainstream um suposto relatório do Instituto Superior Técnico (IST) que analisa a sexta vaga de covid-19 em Portugal. Apesar de destacar um relatório do IST, nenhuma notícia expôs o estudo nem este surge no site desta instituição universitária.

    Em traços gerais, refere-se que “de acordo com as estimativas mais recentes [do IST], houve cerca de 242 mil casos de covid-19 registados oficialmente devido às festividades dos santos populares e festivais como o Rock in Rio.”. E cita-se mesmo trechos do suposto relatório, como este: “Se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil”, acrescentando-se em seguida os nome dos investigadores e investigadores do IST: Henrique Oliveira, Pedro Amaral, José Rui Figueira e Ana Serro, superiormente coordenados, segundo as notícias, pelo próprio presidente da instituição, Rogério Colaço.

    black flat screen computer monitor

    Ou seja, não estamos a falar de um trabalheco de uma unidade curricular feita por alunos do primeiro ano de uma licenciatura. Estamos a falar de um “estudo”, enfim, elaborado pela nata do IST e supervisionado pela cúpula.

    Mas continuemos. Na notícia do Público, que é a que se está a seguir, ainda se ajunta que “comparando com um cenário em que se manteria a testagem e a obrigatoriedade do uso de máscara em grandes eventos, a incidência estimada durante o mês de Junho seria inferior”. E acrescenta-se que os autores sublinham que as medidas “não teriam impacto económico”.

    Por fim, salienta-se ainda que “em relação aos óbitos, os peritos apontam a morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados às festas populares de Junho.”

    Portanto, temos aqui matéria sensível: 790 óbitos por cauda do levantamento das restrições e 330 óbitos associados apenas às festas populares de Junho!

    Qual a base científica disto?!

    Como jornalista de investigação, quis saber como o IST faz Ciência.

    Como chegou a esses valores.

    Quais as variáveis utilizadas.

    Quais os pressupostos considerados.

    Henrique Oliveira, professor e investigador do Instituto Superior Técnico.

    Quais os dados (em concreto) introduzidos no modelo.

    Quais os intervalos de confiança.

    Como foi validado o modelo e confrontado com a realidade.

    Enfim, quis saber se o IST faz Ciência ou se certas pessoas usam o IST como o monge de maus hábitos usa um hábito para se fazer passar por monge não o sendo no íntimo.

    Assim, ontem mesmo, às 21:47 horas, enviei um e-mail aos quatro investigadores do IST, acima elencados, com o seguinte pedido:

    Estou particularmente interessado em ‘reproduzir’ as vossas estimativas iniciais e as vossas estimativas agora feitas sobre o impacte dos festivais de música e festas populares. Nessa medida, venho solicitar que me disponibilizem todos os dados brutos utilizados, e os pressupostos considerados, bem como explicitação da metodologia estatística utilizada. Estou também à vossa disposição para uma conversa, sem prejuízo de ter os dados e a metodologia que agora vos peço.

    Resposta do professor Henrique Oliveira, pelas 23:13 horas:

    Quando regressar em Setembro de férias terei todo o gosto em conversar sobre este assunto. Os dados em bruto são dados pelas estimativas dos presentes nos festivais, pelo coeficiente de redução da transmissão obtido pela máscara, pelos tempos de exposição (1.7 dias), infecção média (2.7 dias), e de tempo entre infecção e morte (12) e, finalmente, por estimativas do número de contactos em eventos concentrados e ainda estimando os susceptíveis remanescentes na população e as percentagens de infectados por escalão etário, usando modelos seird e os dados oficiais. Usamos dois modelos, um em tempo contínuo, seird, e outro discreto. Os dados reais são comparados com a modelação supondo um coeficiente unitário de contágio diário de transmissão mais baixo (o famoso beta do modelo) mantendo todas as outras variáveis fixas. Usamos também os dados oficiais da DGS e a nossa estimativa de under reporting que é de cerca de 2/3 vs. 1/3 neste momento, mas que é difícil de estimar quando a letalidade varia muito. O modelo discreto funciona melhor do que o contínuo como expliquei no encontro de celebração do aniversário da EMS em Edimburgo no final de Março.Usamos o programa Wolfram Mathematica. Entretanto preciso de repouso depois de um ano muito exigente e poderei conversar depois, em Setembro.

    Pode impressionar o detalhe da resposta – onde não se anexou qualquer relatório nem dados concretos (números), mas tudo isto trocado por miúdos significa uma coisa: o IST estima que, por exemplo, as festas populares tenham causado 330 mortes com base num modelo que basicamente estima usando estimativas e mais estimativas, e outras estimativas, de sorte que, de tão complexo, apenas dá um valor que nem sequer é enquadrado num intervalo de confiança, talvez com receio de que o limite inferior fosse negativo, o que significaria que a covid-19 nas festas populares até teria contribuído para ressuscitar gente em vez de matar.

    O Instituto Superior Técnico, integrada na Universidade de Lisboa, foi fundada em 1911.

    Afianço-vos: sem se apresentar dados e metodologia, o Doutor Karamba podia fazer o mesmo, poupando até uns trocos no software Wolfram Mathematica.

    Perante isto, que deve um jornalista sério fazer? Aguardar que o senhor professor, do cimo da sua cátedra, descanse até Setembro? Ou relembrar-lhe que a Ciência é Ciência, e não pode descansar, porque pode e deve ser confrontada a toda a hora? Ainda mais porque não se divulga um estudo desta natureza num dia e se vai de férias no dia seguinte durante mais de um mês. E adeusinho.

    Portanto, reiterei o pedido de dados em bruto:

    “(…) Entre os cinco membros do IST, certamente haverá um disponível para me fornecer os dados brutos e uma explicação metodológica mais explícita para que, passo a passo, se possa chegar a similar conclusão e validar cientificamente o vosso método. Peço-lhe isso como jornalista e como homem da Ciência.

    E adiantava as minhas perplexidades:

    Tenha consciência que os dados que aponta são elevadíssimos tendo em conta que em junho (todo o mês e para todo o país) houve cerca de 400 mil casos positivos. Não sei a base científica por detrás da subnotificação. Deduzo também que não houve cruzamento com dados reais do SINAVE em função dos grupos etários e região. E tenho sérias e legítimas dúvidas, pelo que me descreve da metodologia, se os cinco investigadores do IST não resumiram a fazer correr o primeiro modelo de previsão introduzindo apenas o número estimado com maior aproximação ao real dos frequentadores dos festivais e festas populares, resultando isso apenas numa mera duplicação de eventuais erros do modelo inicial.

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    Retorquiu Henrique Oliveira, já sem esconder o seu incómodo:

    Já vi que está muito interessado no nosso trabalho, o que é muito bom. Mas, como disse e repito, estou de férias desde ontem. Sou o único do grupo de trabalho mandatado a falar sobre esses assuntos de análise. Ontem recusei diversos convites, antes do seu e-mail, nomeadamente de três televisões nacionais, para falar sobre o assunto porque… entrei de férias e as férias são, digamos, pouco científicas. Os meus colegas também estão de férias. Pode pedir o relatório, se é isso que entende por “dados em bruto”, ao nosso gabinete de imprensa (gabinete de comunicação e relações públicas). Eles dão. Os dados em bruto dos números são públicos.

    Preferia estar a discutir metodologias estatísticas, mas acabei num debate de retórica, e assim respondi:

    Peço desculpa pela insistência, mas insisto. Vocês são cinco reputados investigadores de uma prestigiada universidade portuguesa. Não me parece curial que me remeta para o Gabinete de Imprensa quando lhe peço dados em bruto, e não me considere assim tão pouco inteligente ao julgar que lhe estou a pedir o relatório quando lhe peço que os dados brutos que introduziu no modelo.

    Estou a questioná-lo sobre questões científicas, e ambos sabemos o que eu quero, e o que lhe estou a pedir específica e legitimamente como jornalista de um órgão de comunicação social. Tem o direito de dar ou não dar, tal como eu tenho o direito de retirar uma conclusão sobre se o vosso estudo tem validade científica, sendo que a validade científica se apura, desde logo, sobre a possibilidade de replicação do estudo, sendo necessário para isso conhecer as variáveis do modelo, o próprio modelo e a metodologia. Ora, isso não conheço; apenas conheço os números divulgados pela comunicação social, e que são pouco consentâneos com a realidade (casos positivos em Junho a nível nacional).

    Como o Senhor Professor saberá, para um modelo matemático fazer sair um número tem de se meter no modelo números e não batatas. Estou a pedir-lhe as variáveis, a metodologia e os números (não sei se são públicos porque não sei quais foram utilizados, porque não me diz).

    Permita-me dizer-lhe que acho extraordinário (achei muita coisa extraordinária durante a pandemia) que se faça ainda Ciência julgando-se que não se deve dar explicações nenhumas, bastando deitar para fora um qualquer número.

    person raising right hand

    O relatório, além disso, deveria ser público, tendo em conta a relevância do tema. Vou, em todo o caso, pedir o relatório ao gabinete de Comunicação do Técnico.

    Também não me esclarece se houve algum cruzamento com os dados do SINAVE (que não são públicos), nomeadamente ao nível de casos positivos por região (e mesmo concelho) e por grupo etário, no sentido de conferir validade aos vossos resultados. (Aliás, questiono se fizeram auto-critica aos valores apurados pelo modelo e divulgados à imprensa).

    Sem prejuízo disso, insisto sobre as variáveis e os dados usados. O Senhor Professor como pessoa inteligente sabe bem o que lhe estou a pedir, mesmo que não me considere assim tão inteligente ao ponto de sugerir (ou mais do que isso) que eu apenas quero um relatório (uns papéis escritos).

    Sobre toda a equipa de cinco pessoas ficarem de férias no exacto dia da divulgação do ‘estudo’, não tenho de comentar aqui, mas apenas estranho o ‘timing’.

    Por fim, uma questão: todo o acompanhamento que o IST tem feito sobre esta temática tem sido financiado por quais entidades específicas? Qual o valor até agora recebido e até quando está previsto o financiamento?”

    Resposta final do senhor Professor Henrique Oliveira, prestigiado docente e investigador do secular Instituto Superior Técnico, a modos de terminar um debate científico:

    Caro Pedro Almeida Vieira,

    Estou de férias e muito cansado. Pode insistir à vontade e emitir os comentários que quiser, que a resposta será apenas essa.”

    Entretanto, decidi entrar em contacto com o Gabinete de Imprensa do IST, com a seguinte missiva:

    O PÁGINA UM está interessado em escalpelizar o estudo apresentado pelo IST, coordenador pelo Prof. Henrique Oliveira, que estimou o impacte das festas populares e festivais na disseminação do SARS-CoV-2 e da covid-19. Como não encontro o relatório em lado algum, e não existe disponibilidade do Prof. Henrique Oliveira para facultar tanto o eventual relatório escrito como sobretudo os dados em bruto, de modo a replicar as estimativas feitas pelo IST (e confrontar a sua validade científica), venho formalmente fazer esse pedido ao presidente do IST.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico. Quando foi solicitado o envio de dados em bruto sobre estimativas sob sua supervisão, o seu gabinete de imprensa respondeu que “o Técnico não faculta mais informação sobre esta matéria para além daquela que já é do conhecimento público”.

    Resposta do Gabinete de Imprensa do IST:

    Em relação às suas questões posso dizer o seguinte:

    1 – o Técnico não faculta mais informação sobre esta matéria para além daquela que já é do conhecimento público;

    2 – o Técnico não tem nenhum contrato ou protocolo para enquadrar o serviço que tem prestado ao país em termos de modelação e análise da pandemia.

    Decididamente, a Ciência – ou, pelo menos a Ciência do Instituto Superior Técnico – entrou de férias.

    Mas não foi agora. Foi quando contratou o Professor Henrique Oliveira para fazer este tipo de “Ciência” ou quando elegeu responsáveis para encerrar um debate sobre Ciência com “o Técnico não faculta mais informação sobre esta matéria para além daquele que já é do conhecimento público”.

    Ora, o que o IST divulgou foi uma vergonha; portanto, até se compreende que não queiram divulgar mais… para que a vergonha não seja ainda maior.

    Esta é uma “novela” exemplar sobre o estado da Ciência que a pandemia nos trouxe. Haverá aí um antiviral chamado decência?


    N.D.: Nos trechos expostos foram feitas correcções de simples gralhas. A troca de correspondência entre mim e Henrique Oliveira tem interesse público, e decidiu-se publicar por me ter assumido, desde o início como jornalista e ter avisado de que poderia usar a informação recolhida. De igual modo, a troca de correspondência com o Gabinete de Imprensa do IST também tem relevância editorial.

  • Do boneco, da gravidade e dos cúmplices

    Do boneco, da gravidade e dos cúmplices


    Já fiz vários artigos sobre o excesso de mortalidade que se vive em Portugal, numa altura em que a covid-19 é coisa do passado do ponto de vista de Saúde Pública a nível mundial. Em Portugal também, mesmo se o Governo fala em “consolidar a prevenção” (que parvoíce é essa do “consolidar a prevenção”?)…

    Surge agora a “história do calor”, que é uma falácia: agrava a mortalidade, mas porque há toda uma comunidade (sobretudo idosos) que está “presa por arames”. Noutras condições (mais humanas), não morreriam… Morrem agora porque estão abandonados pelo Estado, pelas instituições, pela sociedade que já nem se indigna.

    Evolução da mortalidade total (média móvel de 5 dias) em 2022 e no período de 2015-2019. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Para mim, isto já é um caso de polícia, e a única coisa que preciso de saber é se a Procuradoria Geral da República quer ser cúmplice do crime.

    Como disse, já fiz várias notícias, e mais poderia fazer para provar que estamos perante um crime por negligência e omissão de auxílio. Hoje, porém, deixo-vos apenas um gráfico. Demorou cinco minutos a fazer… ou menos. Acho que o boneco dá para entender a gravidade do que se passa… Até quando, veremos….

  • D. João V tinha a Gazeta de Lisboa; e D. António Costa tem o Público

    D. João V tinha a Gazeta de Lisboa; e D. António Costa tem o Público


    Em dia de S. João se festejou em Palacio o nome de S. Mag, & houve Serenata no quarto da Rainha Nossa Senhora. Quinta feyra 16, do passado teve primeira audiência de Sua Mag. Mons. De Montagnac Consul da Naçaõ Francesa.

    Gazeta de Lisboa Occidental, 3 de Julho de 1721

    De portas totalmente fechadas, sem declarações à imprensa, nem respostas aos jornalistas. Foi assim o encontro “informal” entre os 17 ministros que António Costa chamou para a Base Naval do Alfeite, em Almada, durante toda a tarde deste sábado. Os governantes chegaram de barco, com partida de Lisboa, e estiveram juntos durante mais de cinco horas. Na sua conta de Twitter, o primeiro-ministro falou de uma reunião “extremamente útil e produtiva”, mas não esclareceu o que esteve em cima da mesa de trabalhos. Segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO junto de fonte do executivo, o encontro serviu para “fazer ponto de situação” antes das férias de Verão “e perspectivar os próximos meses”.

    Público, 23 de Julho de 2022

    A Rainha nossa Senhora tomou a novena da gloriosa S. Anna na Igreja do Espirito Santo dos Padres da Congregaçaõ de S. Filippe Nery. O Senhor Infante D. Carlos foy hontem para a quinta, que Antonio Leyte Pacheco Malheyro Macedo, Alcayde mór da Fronteira, tem no sitio de S. Sebastiaõ da Pedreira, para convalescer de algumas leves queyxas, & alli lhe assistem a Senhora Marqueza de Santa Cruz, Aya de Suas Altezas, & D. Christtovaõ Joseph da Gama, Vedor da Casa da Rainha nossa Senhora.

    Gazeta de Lisboa Occidental, 23 de Julho de 1722

    Na mesma publicação, António Costa partilhou imagens da viagem de barco e surge ao lado da ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, do ministro da Educação, João Costa, e do ministro das Finanças, Fernando Medina. Numa segunda publicação, o primeiro-ministro afirma que estes quase quatro meses de mandato do XXIII Governo, o seu terceiro como primeiro-ministro, “têm sido muito activos e exigentes” e que por isso “este dia de reflexão e de análise política e prospectiva para os próximos meses foi muito enriquecedor”.

    Público, 23 de Julho de 2022

    Terça feira da semana passada foy a Rainha N. Senhora com os Principes, e o Senhor Infante D. Pedro à Villa de Bellas,e jantàraõ na quinta dos Condes de Pombeiro. Na quinta feira foy a mesma Senhora, com a Princeza, e o Senhor Infante D. Pedro à Igreja dos Religiozos Carmelitanos, que celebravaõ solemnemente a festa de N. Senhora do Monte do Carmo. Na seta feira foraõ dar principio à Novena da Gloriosa Santa Anna, na Igreja dos Padres da Congregaçaõ do Oratorio, e no Sabbado se divertiraõ na Real Taoada de Alcantara; onde também concorreo o Principe nosso Senhor.

    Gazeta de Lisboa Occidental, 23 de Julho de 1733

    Minutos depois da publicação do primeiro-ministro seria a conta oficial do Governo a partilhar um vídeo que resumiu o “dia de trabalho em equipa, focado na preparação dos próximos meses e na resposta aos desafios que se colocam ao país”.

    Público, 23 de Julho de 2022

    ElRey nosso Senhor, que Deos o guarde, com o Principe, e o Senhor Infante D. Pedro, foram na tarde de segunda feira primeiro do corrente à Ermida de Nossa Senhora do Rosario da Restauraçam, onde estava o Lausperenne; e depois de haverem feito a oraçam, fizeram a honra a Luiz Gonçalves da Camera Coitinho, Padroeiro da mesma Capella, de lançar agua benta na sepultura de seu pay Gastam Jozé da Camera Coutinho, Estribeiro mór que foy da Rainha nossa Senhora.

    Gazeta de Lisboa Occidental, 11 de Julho de 1737

    O encontro entre a equipa de António Costa terminou já depois das 19h30 e o primeiro a abandonar o local foi o ministro das Infra-estruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, só depois António Costa saiu.

    Público, 23 de Julho de 2022

  • O Conselho Superior da Magistratura após dois revezes na Justiça: a ânsia de um Golias em derrotar a Democracia

    O Conselho Superior da Magistratura após dois revezes na Justiça: a ânsia de um Golias em derrotar a Democracia

    Previsível: o Conselho Superior da Magistratura (CSM) recorreu da sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa que determinou a obrigatoriedade em conceder ao PÁGINA UM o acesso aos documentos do inquérito à distribuição da Operação Marquês em 2014.

    O recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, que pode ser aqui lido na íntegra, foi apresentado no passado 4 de Julho, e o PÁGINA UM tem agora 15 dias para contra-argumentar.

    Mais trabalho e despesa para um David – cuja funda se funda somente no apoio dos seus leitores, através do FUNDO JURÍDICO, e do trabalho abnegado do advogado Rui Amores – contra verdadeiros Golias, ainda mais contra um gigante como o Gabinete do Vice-Presidente do CSM, que tem em mãos este processo, contando com quatro juízas como adjuntas e mais três assessores a tempo inteiro e demais apoios e mordomias, tudo bem pago com dinheiros do Estado.

    Eu até compreendo a atitude dos membros do CSM: do alto da sua Torre de Marfim, alheados das preocupações terrenas – como sejam a democraticidade de uma sociedade e a transparência da Administração Pública –, eles rangem agora dentes e brandem argumentos para não perderem uma causa contra um simples cidadão, contra um singelo jornalista. Custou-lhes perder na primeira instância, eu sei. Até porque não saíram nada bem na fotografia da sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa que, para bom entendedor, lhes chamou obscurantistas e mentirosos.

    Conselho Superior da Magistratura continua a lutar para não ceder documentos administrativos, depois de um parecer da CADA e uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Lutam eles agora como ciclopes, apenas a vitória é o seu objectivo, vençam como vencerem, sejam quais forem as consequências, até porque, como sabemos, a Justiça é dos Homens, e não da Verdade; e eles, julgando-se serem o corpo da Justiça, têm a justa esperança, pelo poder que os assiste, em moldar a dita justiça aos seus intentos. Custe o que custar, mesmo que nos custe a Democracia.

    Em Novembro do ano passado, o PÁGINA UM – ou eu, como seu director – quis conhecer o inquérito arquivado, sem qualquer acusação, à distribuição do processo da Operação Marquês. Nada de mais natural e normal: são documentos administrativos, sem qualquer margem para dúvida, e o seu interesse público parece-me inquestionável, tanto mais que, oito anos depois, continuamos sem conhecer detalhes sobre aquilo que se passou para a Operação Marquês ter ido parar às mãos do juiz Carlos Alexandre.

    Apesar disso, e apesar do próprio José Sócrates ter andado em similar “guerra” para a obtenção desses documentos, o CSM recusou o acesso ao PÁGINA UM, com argumentos estapafúrdios. A primeira vez em Dezembro do ano passado. Recusou uma segunda vez após a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), presidida por um juiz conselheiro (Alberto Oliveira), ter dado um parecer favorável aos direitos do PÁGINA UM em finais de Janeiro passado. E quer agora recusar uma terceira vez, por esse motivo recorreu da sentença histórica do Tribunal Administrativo de Lisboa conhecida no final do mês passado.

    O CSM e os seus membros têm todo o direito de esbanjar recursos financeiros, porque o Estado lhes dá essa possibilidade, e têm legitimidade para recorrerem sucessivamente aos tribunais superiores, mesmo quando um parecer da CADA, uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa e uma leitura atenta da Constituição da República Portuguesa e da Lei da Imprensa lhes recomenda outra via: a simples entrega de um inquérito para um escrutínio jornalístico à sua acção.

    Mas essa via – a da transparência –, eles parecem não querer percorrer. É um “calvário” que os horroriza.

    Primeira página do recurso do Conselho Superior da Magistratura ao Tribunal Administrativo Central Sul.

    Certamente, pensarão os membros do CSM, que podem encontrar num tribunal superior alguém mais simpático com as suas teses e argumentos, ao contrário do que sucedeu com a CADA, com o Tribunal Administrativo de Lisboa e com o poder legislativo que aprovou, hélas, a Constituição da República Portuguesa e a Lei da Imprensa.

    A CSM tem, quiçá, a esperança de vencer a causa.

    E isto, saliente-se, mesmo quando o próprio juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa, exigindo que o CSM lhe enviasse os documentos em causa, confirmou, com os seus próprios olhos, que não se estava perante dados nominativos.

    A Justiça em Portugal transformou-se numa lotaria. E, por isso mesmo, o CSM estará esperançoso de vencer ainda a causa – e dessa forma continuar a recusar o acesso aos documentos administrativos ao PÁGINA UM.

    E, por isso, recorreu, o que desde já tem uma função mui pedagógica: recomenda já que todas as outras entidades que perderem causas contra o PÁGINA UM também recorram, donde resulta isto que desejam também vencer pelo cansaço, pelo dispêndio de energia, até porque o dinheiro e meios para dirimir questiúnculas em tribunais superiores são, para essas entidades, inesgotáveis, porquanto provêm dos impostos dos portugueses.

    Sucede, porém, que se o CSM vencer a causa, não é apenas a mim que me derrota.

    A vencer, o CSM derrotará toda a Imprensa, toda a Sociedade, porque vencerão teses anti-democráticas a favor do obscurantismo.

    Os argumentos do recurso do CSM junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa são aterradores – e diria que constituem um libelo contra a Democracia, porque mostram uma magistral mas perigosa apologia ao obscurantismo. E é esse o motivo pelo qual, sendo uma parte interessada no processo, mas sabendo ser eu um pequeno David contra um colossal Golias, me vejo na obrigação moral e ética de denunciar um ataque à Democracia.

    É certo que podem julgar ser demasiada presunção assumir-me como defensor da Democracia perante uns supostos malvados. Concedo: não sou então um defensor da Democracia, nem o CSM é um antro de malvados.

    Mas não sendo o CSM um antro de malvados anti-democráticos, vejamos então os seus argumentos para – contrariando o que defenderam já duas entidades: CADA e Tribunal Administrativo de Lisboa – evitar que um jornalista de uma Democracia, com direitos consagrados na Constituição, tenha direito de acesso a documentos administrativos.

    man sitting on bench reading newspaper

    Comecemos pela página 5 do recurso para o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa. Aí, o CSM defende que os documentos em causa integram “o conceito de documentos nominativos, [somente] por conter múltiplos dados pessoais designadamente os nomes de juízes de direito e de funcionários judiciais (alguns dos quais não são, tão-pouco, visados nos processos de averiguações e de inquérito em causa), bem como os números dos processos (através dos quais é possível identificar as respetivas partes).”

    Atenção: fala-se apenas em nomes e funções de funcionários públicos, bem como das suas acções como funcionários públicos. Nada mais. Não está em causa saber a morada nem detalhes da vida pessoal nem íntima.

    Mas qual a razão desta postura? Ora, enviesando o que está previsto no Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD), o CSM quer que se considere que todo e qualquer documento em sua posse seja visto como contendo dados nominativos, bastando até simplesmente a assinatura de alguém. E nem precisava de provar. Alargando-se isto a toda a Administração Pública, passariam a ser documentos com dados nominativos todos aqueles que tivessem pelo menos o nome de um ministro, de um secretário de Estado, de um presidente de instituto, de um director-geral, de um presidente da Câmara, de um presidente de autarquia, de um técnico, ou de toda e qualquer pessoa ou entidade aí referidos.

    E porquê? Porque assim pode-se aplicar um regime mais restritivo de acesso, pois apenas as pessoas titulares “de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante” podem aceder a documentos com dados nominativos.

    Ora, mas, por norma, e pela Constituição, os jornalistas são legítimos detentores desses direitos. E podem assim aceder a esses documentos, com excepção de informação médica, documentos classificados (em condições muito concretas) ou integrados em processos em curso. Uma chatice! Isso é demasiado, pensarão os membros do CSM, que andarão certamente esquecidos de que com mais um par de anos e estamos com meio século em Democracia.

    red and white no smoking sign

    Porém, o CSM considera que esse direito dos jornalistas não é legítimo por lei; tem de ser legitimado caso-a-caso. E por quem e quando? Na página 7 do seu recurso, o CSM responde: compete “à entidade pública [requerida] apurar a necessidade de vedar ou permitir o acesso, segundo critérios de proporcionalidade”.

    Acrescenta ainda que “deverá ser analisada a possível afetação do direito à privacidade do titular dos dados, devendo a informação a fornecer cingir-se ao estritamente necessário no âmbito da finalidade invocada, podendo ser objeto de comunicação parcial ou expurgando-se os dados pessoais que não relevem para essa finalidade.”

    Ou seja, para o CSM deve ser a entidade requerida, geralmente pouco atreita a dar documentos a jornalistas, que deve analisar se deve ou não dar o acesso que não quer dar. Fantástico! Ou então que o requerente sistematicamente recorra aos tribunais, com a rapidez que se lhes reconhece.

    Mas ainda mais temerário, por causar tremores nos alicerces da Democracia, é a tese do CSM sobre a necessidade de se exigir aos jornalistas que confessem a finalidade da consulta requerida. Por outras palavras, o CSM quer que se pergunte sempre a um jornalista: “para que raio quer, vossemecê, ver documentos públicos? Vai escrever alguma coisa? É apenas para leituras de desfastio? Quer ter juízo ou ir a juízo?” Tudo esclarecimentos necessários, e obrigatórios, a Bem da Nação, certamente.

    De facto, como se pode admitir (vd. página 13 do recurso) que um jornalista, no Portugal do ano da graça de 2022, pretenda “a consulta, sem critério e sem concretização de qualquer finalidade específica, do acervo de informação contida em decisão de averiguações de natureza disciplinar, a qual (…) contém apreciações, juízos e valorações acerca de pessoas concretas, as quais assumem a natureza de dados pessoais à luz do RGPD, que não são de acesso público e que se encontram arquivados no CSM”? Era o que faltava! Agora vivemos em Democracia e os jornalistas fazem o que querem, é?

    Qual cereja em cima de bolorento bolo – que julgávamos colocado na lixeira em Abril de 1974 –, ainda consegue o recurso do CSM, na página 21, criticar a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa ao dizer que “mal andou, pois, a Sentença recorrida, ao não efetuar um juízo de proporcionalidade suscetível de conciliar o princípio da transparência e da administração aberta, com o princípio da proteção de dados.”

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    Portanto, para o CSM, proteger simples pessoas de serem identificadas pelo nome – imaginemos, impossibilitando assim a identificação de pessoas que causam dano à res publica – é mais relevante do que a existência de uma administração aberta, daquela que permite aos cidadãos e sobretudo aos jornalistas escrutinarem a acção de políticos e de magistrados.

    Se as teses, se esta argumentação do CSM – na sua ânsia de não perder a causa e a face – vingar num qualquer tribunal superior, saibam que não serei o único derrotado.

    Saibam sobretudo que caminhamos para um insanável precipício de obscuridade, em que os Senhores da Torre de Marfim nem sequer aceitarão, certo dia, que lhe conheçamos nomes e funções. Viveremos sob as suas ordens, sob os seus caprichos.

    Por isso, no dia em que os cidadãos de uma Democracia deixarem de poder sindicar a Administração, e se os jornalistas deixarem de ter o poder de aceder à informação pública, façam um requiem pela Democracia.

    Não se duvide que se joga aqui mais do que um simples processo de acesso a documentos administrativos. Joga-se à Democracia na barra dos tribunais, infelizmente apenas por entre papéis que andam por aqui e por ali, porque se trata de um Tribunal Administrativo.

    Na verdade, nem sequer podemos olhar, olhos nos olhos, os senhores e as senhoras do CSM, e dizer-lhes: “Tenham vergonha!, não foi para estes vossos lastimáveis procedimentos que se fez o 25 de Abril”.


    N.D. – Os custos e taxas dos processos desencadeados pelo PÁGINA UM são exclusivamente suportados pelo FUNDO JURÍDICO financiado pelos seus leitores. Rui Amores é o advogado do PÁGINA UM neste e nos outros processos administrativos em curso. Até ao momento, estão em curso sete processos administrativos e mais dois em preparação.

  • Da fé nos milhões: a promoção do Paxlovid na TSF e as ilegalidades da Sociedade Portuguesa de Pneumologia

    Da fé nos milhões: a promoção do Paxlovid na TSF e as ilegalidades da Sociedade Portuguesa de Pneumologia


    Li hoje uma notícia da TSF – inicialmente intitulada: “É algo que nos preocupa.” Fármaco Paxlovid só foi prescrito a um doente com Covid-19 em Portugal – em que surgia o presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) a promover um medicamento específico de uma farmacêutica (Pfizer), e perguntei-me por onde anda a vergonha.

    E li ainda o lead, onde se dizia que a SPP “acredita que a mortalidade associada à doença podia ser muito menor se o país apostasse mais neste medicamento [Paxlovid]”, e questionei-me por onde anda a Ciência. Acredita? Isto agora já é uma questão de Fé. Ou antes de fé no dinheiro? E o Infarmed, perante esta descarada publicidade, onde anda? E a Ordem dos Médicos, perante esta prostituição, onde anda? E a Imprensa? Ainda ouve esta gente, ainda lhe dá créditos?

    Paxlovid: mais do que usar o antiviral, seria útil investigar os meandros da sua aquisição pelo Estado português.

    O título da notícia da TSF foi depois alterada – para um menos comprometedor “Combate à Covid. Pneumologistas querem maior aposta em comprimido antiviral” –, mas a mensagem está feita: a SPP e muitos pneumologistas estão ao serviço das farmacêuticas, mesmo, ou sobretudo, com o “fim da festa”, em que há muito para esclarecer sobre os rios de dinheiros que andaram de mão em mão, e sobre os atropelos contra a Saúde Pública e contra a Democracia que se cometeram.

    Nunca neguei a perigosidade da pandemia, tanto assim que esta doença foi a primeira, tirando talvez a tosse convulsa poucos meses após o meu nascimento, que colocou em risco (bem real) a minha própria vida. Mas sempre soube distinguir o caso pessoal (e as particularidades dos riscos distintos da doença em função das comorbilidades, da idade e do acaso) e a forma como governos, farmacêuticas e muitos médicos empolaram uma pandemia em prol do negócio e do poder.

    Durante a pandemia, agudizou-se um problema ético entre muitos médicos que se transformaram, fomentando o medo, em porta-estandartes das farmacêuticas. Os milhões de euros – sim, são milhões de euros – que passaram das mãos das farmacêuticas para os bolsos de médicos que falaram mais a pensar nas suas finanças do que na saúde dos seus doentes, deveriam merecer investigação judicial.

    Mais ainda porque o Portal da Transparência do Infarmed é uma anedota, uma vez que ninguém controla nem valida essa base de dados de registo dos apoios e patrocínios. Pouco ou nada se fiscaliza. Aprofundarei o tema muito em breve. E isto assumindo que não existem pagamentos por debaixo de uma TAC.

    Primeiro título da notícia da TSF

    Sobre os novos antivirais, e sobretudo sobre o Paxlovid, já aqui escrevi, e volto a escrever: Filipe Froes é o expoente da promiscuidade médica que apenas se justifica porque a nossa imprensa – que se vendeu também às maravilhas dos eventos pagos pelas farmacêuticas – deixou de ser pilar do Quarto Poder. Arruinou-se, auto-mutilou-se, já nem uma ruína é.

    Na Primavera passada, Froes andou como “delegado de propaganda médica” a vender à imprensa o Paxlovid, da Pfizer, e um outro antiviral, para que, dessa forma, fossem comprados milhões de euros de um fármaco, pelo Estado português, que está longe de provar alguma utilidade. Froes ajudou a justificar a sua aquisição, integrando a equipa de peritos da Direcção-Geral da Saúde que elabora as normas terapêuticas. Aliás, a mesma equipa manteve o remdesivir – um outro antiviral sobre o qual o Infarmed continua a querer esconder dados sobre os efeitos adversos – como terapêutica anti-covid. E Froes continua ser membro da comissão consultiva da Gilead (que bem lhe paga), que vendeu o remdesivir.

    Mas não tem sido ele o único.

    A SPP, com o seu presidente à cabeça – e que está supostamente a ser alvo de um processo (também ainda sem resultados não revelados) pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde –, mostra agora um despudorado empenho em vender produtos da Pfizer. Já nem esconde. Quase arrisco sugerir que a Pfizer desinvista no seu departamento de marketing em Portugal. Para que servirão marketeers quando se tem médicos tão bons para essa função, que chegam tão facilmente à imprensa e ao poder?

    Esta sofreguidão em vender o Paxlovid mostra como este último negócio da Pfizer não está a correr nada bem. Apenas nos Estados Unidos, a Administração Biden se rendeu ao medicamento, que é agora dado livremente a quem tenha teste positivo, mesmo se a lista de contra-indicações é imensa, embora o valor monetário despendido seja pornográfico para os fracos desempenhos.

    Título definitivo (depois de alterado) da notícia da TSF

    Mas como nem todos os países podem livremente imprimir dólares, em muitos outros países os médicos têm sido cautelosos, pelo que os novos antivirais contra a covid-19 não estão a merecer a mesma adesão, o que coloca a Pfizer – e seus marketeers – com nervoso miudinho.

    Aliás, em cada novo estudo, surge um novo desapontamento. A Pfizer, que previa uma facturação, com este medicamento, de 20 mil milhões de dólares até ao fim do ano, já anda a fazer contas à vida e a mudar de estratégia. Agora, é vender e vender, vender à fartazana, quilos e paletes, até que já não se consiga mais esconder que aquilo não vale um chavo. Ou pior: que faz mais mal do que bem.

    A estratégia para vender mais Paxlovid passou por arranjar uns “vendilhões do templo” vestidos de bata branca a elogiar o uso de “banha da cobra” a preço de caviar.

    Perante a fraca prescrição pelos médicos do Paxlovid – que é fármaco demasiado caro, de eficácia ainda muito duvidosa, com um vasto conjunto de contra-indicações e somente se aplica na fase inicial (muito curta) da infecção em doentes com sintomas ligeiros –, não surpreende assim ver saltar, como pulgas sedentas de sangue, diversos pneumologistas a perorar sobre a necessidade de se salvarem mais vidas tiradas pela covid-19. E a promover que se use mais Paxlovid. Mais Paxlovid. Mais Paxlovid.

    Eu acho é que se deveria mesmo investigar a razão de estarem a morrer tantos idosos com mais de 85 anos após a toma da terceira e quarta dose da vacina. Ninguém quer saber? É tabu ou heresia colocar sequer a hipótese de estarem associadas a efeitos adversos de tantos boosters contra a covid-19?

    person holding orange and white plastic bottle

    Curioso também, para mim, tem sido ver que, com a saturação mediática de Froes, surge agora um médico do Hospital de São João do Porto, João Carlos Winck, a fazer as maiores “despesas da casa”, cantando loas e ditirambos aos antivirais, sobretudo ao Paxlovid. Nos dois artigos que li, não consta qualquer referência aos seus proveitos vindos da Pfizer quer na sua actividade em Portugal quer na European Respiratory Society. Esta gente nunca revela conflitos de interesse.

    Certo é que nada é por acaso. Ontem, Marques Mendes, no seu espaço na SIC, cita João Carlos Winck e ajuda o marketing da Pfizer. E hoje surgiu António Morais, o presidente da SPP, a prostituir a associação científica que preside desde 2019, em clara violação do regime de incompatibilidades, em acção de descarada e ilegal promoção de um fármaco específico (Paxlovid) num órgão de comunicação social (TSF).

    Ilegal, por três motivos: os médicos não podem fazer promoção pública de um medicamento, uma sociedade médica também não, e uma farmacêutica não pode fazer publicidade a um medicamento com prescrição médica. E até a TSF, que deveria saber que não pode fazer, numa notícia, publicidade específica a um medicamento. Ainda mais nas circunstâncias que envolvem o Paxlovid, um medicamento que teve uma aprovação de rapidez inaudita pelos reguladores.

    Mas, no país da falta de vergonha, tudo fica impune, tudo se esquece. Ou se calhar, não: por exemplo, eu ainda me arrisco a um processo judicial. Desavergonhados para me meterem um processo andam por aí uns quantos.

  • Preparem mais caixões

    Preparem mais caixões


    Enquanto se andou entretido com o monkeypox, obstetras, aeroporto e outras coisas de similar relevância, a imprensa mainstream não tugiu nem mugiu com os 10.000 óbitos em Junho. O Governo agradeceu.

    Para eles não teve qualquer importância. Os directores da nossa imprensa têm coisas mais relevantes a tratar, muitas conferências a organizar, conteúdos comerciais a escrever para farmacêuticas, bancos, consultoras e para o que der dinheiro, as férias a organizar, a praia a esperar, as banhocas a tomar. Merecem porque se têm portado muito bem.

    man in white robe standing beside concrete statue

    Anuncia-se, entretanto, temperaturas elevadas para os próximos dias com um pico junto ao fim-de-semana. Pela amostra do calamitoso estado de saúde dos mais idosos, e daquilo que se passou em muitos dias de Junho, anuncia-se novo morticínio.

    Anteontem, o calor de domingo já deu para 341 mortes. Numa situação normal seriam 270-280. Com termómetros acima dos 35 graus e se tivermos várias noites com mais de 20 graus vai ser um “ver se te avias”.

    Não há plano de contingência montado, não há uma estrutura preventiva, os centros de saúde andam às aranhas com falta de médicos, os militares só servem para dar vacinas e vestir camuflados, a DGS não existe, a ministra inexistente, para o calor não serve para nada ter zaragatoas nem testes PCR.

    Nem vacinas, porque não há vacinas contra a incompetência.

    Nem punição para os culpados.

    Importem caixões. Vamos precisar deles durante este mês.

  • Os merckalistas: os novos jornalistas

    Os merckalistas: os novos jornalistas


    Um florescente negócio se tem vindo a desenvolver na imprensa mainstream. É já um novo paradigma onde já não há necessidade de apresentar uma distinção clara entre notícias e anúncios, entre publicidade e informação. Na verdade, os praticantes deste novi-jornalismo  – não confundir com o Novo Jornalismo, onde o jornalista emerge dentro da notícia, dando um cunho literário – são pessoas pragmáticas: afinal, sendo os leitores simultaneamente consumidores, por que não lhes transmitir, em dose única, notícias e publicidade, informação e anúncios?

    Muitos são os exemplos que se poderiam usar, mas para efeitos pedagógicos escolhemos as relações entre o Público e a Merck – uma farmacêutica alemã. Não se deve confundir esta empresa com a norte-americana Merck Sharp & Dohme, que, aliás, também teve recentes relações comerciais com o Público. Aliás, tal como a GlaxoSmithKline, a AstraZeneca, a Boehring Inglheim, Takeda… Nos últimos dois anos, as farmacêuticas têm sido um “ventilador financeiro” da imprensa mainstream.

    Mas peguemos na Merck – até porque, enfim, justifica o título, que não é gralha.

    Merck 1…

    Ora, por valores que estarão sempre no “segredo dos deuses”, porque comerciais, o Público e a Merck selaram um acordo para a produção de conteúdos comerciais. Variados. Sobre saúde, e apenas este ano, já vão quatro, que deram origem a outros tantos textos, a saber:

    Infertilidade: a ciência ao serviço da esperança (30 de Junho de 2022)

    Detecção precoce do cancro da bexiga melhora o prognóstico (31 de Maio de 2022)

    Esclerose Múltipla: como travar a doença e melhorar a qualidade de vida? (30 de Maio de 2022)

    Hipotiroidismo: relação médico-doente é crucial no diagnóstico e tratamento (25 de Maio de 2022)

    Dirão, em sua defesa, que são mesmo conteúdos comerciais. E assim é: encimando e finalizando a página onde surgem os textos, lá consta o nome do “patrocinador”. Sucede, porém, que nem aparece o autor do texto – há muitos ghost writers nas redacções – nem o Público tem a preocupação de fazer a distinção entre esses textos comerciais no Google News.

    … Merck 2…

    Para os internautas, se procurar no Google por “cancro da bexiga” e “Público” na secção das Notícias, lá lhe surgirá escarrapachado conteúdo comercial travestido de notícia. Um equívoco que convém tanto ao Público como ao seu cliente.

    Porém, quem “vende” indirectamente medicamentos – “vendendo” mensagens das farmacêuticas que os vendem directamente –, também vende a imagem da empresa. Ora, o Público, nesta senda do novi-jornalismo, trata também do branding dos seus clientes perante os seus leitores. Por exemplo, acoplando-se, sob a forma de prestação de serviços, à Merck para promoção da sua suposta – que pode ser mesmo efectiva – preocupação em matérias de igualdade de género.

    Porém, uma coisa seria elaborar um artigo independente sobre igualdade de género onde até, concede-se, se poderia destacar o papel inovador da Merck – talvez com uma declaração de interesses por ser um parceiro comercial na área da saúde –; outra coisa, completamente diferente, é o Público promover um debate no dia 19 de Abril passado, que na verdade foi uma prestação de serviços – com a participação da sua editora-executiva Helena Pereira (estava inicialmente prevista a presença do director Manuel Carvalho) e moderação de uma jornalista da RTP – em que há três – repito: três – representantes da Merck a lançar loas e cantar panegíricos à própria empresa.

    Vejamos: Rita Reis, apresentada como head of communications para o Mid Europe e Portugal; Marieta Jiménez, apresentada como senior vice-president Europe; e Pedro Moura, apresentado como managing director, que é o homem que paga as contas.

    … Merck 3…

    Para dar um lado sério, o Público conseguiu, como órgão de comunicação social, “sacar” para o debate, entre outros, a presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, Sandra Ribeiro. E, à boleia, a responsável para a Inclusão da Sonae MC, dona do Público.

    Porém, tudo isto serviu basicamente para apresentar um suposto estudo nada independente, realizado para a Merck por uma empresa de market research ad hoc, a Spirituc, que conta com 22 farmacêuticas na vasta carteira de clientes, servindo assim o Público de veículo de (suposta) credibilidade na transmissão da mensagem para o seu (incauto) público.

    Antes, a ingrata tarefa de “vender” este tipo de mensagens era das agências de comunicação – que se esforçavam, nem sempre com sucesso, em convencer os jornalistas da bondade dessa mensagem –, mas agora é feito directamente por novi-jornalistas. Isto paga ordenados, matando o jornalismo sério.

    Aliás, na verdade, a seriedade de tudo isto é tão pouca que o Público, que recebeu dinheiro para promover o debate, acabou por antecipar as conclusões do estudo encomendado pela Merck, publicando uma notícia (no seu site), mesmo uma notícia (supostamente sem conteúdo comercial) no próprio dia do debate – porém, não escrita por um jornalista da casa, antes recorrendo a um take da Lusa. Perfeito na manipulação.

    … e no próprio dia do debate, por si organizado e pago pela Merck, o Público antecipa os resultados do estudo. Porém, usando um take da Lusa.

    Por fim, a cereja em cima do bolo da promiscuidade: desde o final do mês passado, o Público oferece uma assinatura semestral aos profissionais de saúde, uma campanha denominada P Profissional.

    Na verdade, não é uma oferta: é “uma iniciativa com o apoio da Merck”.

    Leia-se: paga a Merck.

    Esta Merck está agora em todas. Mas poderia ser outra qualquer empresa.

    Mas, aviso já, a conta da farmacêutica arrisca-se a ser choruda no caso de o contrato tiver sido estabelecido em função do número de assinantes cativados pelo Público.

    Campanha de oferta de assinaturas para profissionais de saúde permitem uso generalizado. Paga a Merck.

    De facto, apesar de a campanha se destinar apenas a enfermeiros, farmacêuticos, médicos, médicos dentistas, psicólogos, nutricionistas, técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica e técnicos de emergência pré-hospitalar – o que já daria potencialmente para umas valentes dezenas de milhares de novos assinantes –, não é preciso qualquer comprovativo para se fazer o registo.

    Basta escolher uma qualquer profissão e dar o e-mail: nem é preciso enganar, inventando; pode ser um e-mail profissional. Como aquele que usei esta tarde, o do PÁGINA UM.

    Não faz mal. O mercado manda, porque o mercado paga. A Merck paga aos jornalistas, como outras aos jornalistas pagarão. E se é agora directa, quando antes era indirectamente, por via de uma clara publicidade que não se imiscuía na linha editorial nem usava jornalistas, já pouco lhes importa. A muitos jornalistas, que já desistiram dos seus leitores, preocupa-os somente o rendimento mensal.

    Por isso, os merckalistas não se importarão com este meu pequeno pecadilho com o leitor. Eles não são gente de se preocupar com minudências. Ganham sempre: neste caso, a Merck pagará a minha conta por seis meses, e tudo fica bem. E outras empresas haverá que lhes pagarão outras. E assim sucessivamente… até à morte da Imprensa. Amen.