Etiqueta: Vértebras

  • Dos valores e do populismo dos vendilhões de comendas

    Dos valores e do populismo dos vendilhões de comendas


    Uma coisa é a solidariedade activa e o apoio a um povo invadido por outro Estado autoritário; outra é um branqueamento de um regime não-democrático e de um político que está longe dos padrões da liberdade e da verdadeira democracia.

    A atribuição do Grande-Colar da Ordem da Liberdade pela República Portuguesa ao presidente de um país que tem uma classificação de 39/100 no índice do Freedom House (e antes da invasão da Rússia era igual) e uma avaliação de 5,43/10 no índice de democracia do Economist (considerado um regime híbrido perto do autoritarismo da Rússia) é um ultraje aos valores da Democracia.

    Volodymyr Zelensky

    Um regime corrupto e não-democrático não o deixa de ser só porque se torna vítima de outro. Um regime corrupto e não-democrático não o deixa de ser só porque, enfim, políticos fracos e populistas de um país que “vende” comendas da Liberdade lhe decidem colocar como um artificial paladino da Liberdade.

    Zelensky pode vir a merecer uma comenda portuguesa desta natureza, e muito mais, mas não agora, nunca agora.

    Mas compreendo a pressa: Marcelo não quer agraciar Zelensky, quer sim ser fotografado a agraciar Zelensky. A graça é por ele e para ele – e a isso chama-se populismo.

    E quando os valores se rendem ao populismo enfraquecemos a Democracia. Vendemos a Democracia.

  • Mas afinal a Tesla já faliu? E o Elon Musk ainda não foi escorraçado do Twitter?

    Mas afinal a Tesla já faliu? E o Elon Musk ainda não foi escorraçado do Twitter?


    Em Dezembro do ano passado – foi há menos de dois meses, minhas senhoras e meus senhores! –, a imprensa mainstream rejubilava. As acções da Tesla – a empresa de automóveis eléctricos dominada por Elon Musk desde 2004– estava, supostamente, a colapsar: desde Novembro de 2021, quando atingiram um máximo de 407,36 dólares, a cotação não parava de descer, com queda abrupta sobretudo a partir de Setembro de 2022.

    Em Dezembro, em cada dia que se passava, vinham os arautos da desgraça, da punição divina, do castigo do merecido karma – leiam-se os jornalistas especializados em mercados de trazer por casa –, apontar as causas. Por exemplo, o jornal Expresso, na véspera de Natal, titulava muito apropriadamente: “Voaram 85 mil milhões de dólares numa semana das ações da Tesla. Foi a rede do pássaro que os levou?”, esclarecendo-nos depois o jornalista Pedro Carreira Garcia logo no início do seu texto: “Os investidores da Tesla estão nervosos com o negócio paralelo do seu fundador [sic], Elon Musk, dono e presidente executivo do Twitter desde Outubro. E desconfiam de tal forma das capacidades de Musk para gerir o negócio de construção de automóveis elétricos que em cinco dias provocaram uma forte perda de valor das ações da Tesla em bolsa.”

    Elon Musk, novo dono do Twitter e CEO da Tesla.

    Podia-se apresentar mais exemplos da imprensa mainstream, incluindo estrangeiros, mas todos seguiram o diapasão, todos eram consensuais: Elon Musk – que nunca foi um investidor consensual – estava a pagar a ousadia de ter comprado o Twitter e aberto uma caixa de Pandora com a “libertação do pássaro” de uma gaiola de censura criada pelas redes sociais em conluio com os governos mundiais.

    Com a reabertura de contas suspensas pela anterior administração desta rede social, sobretudo daquelas que contestavam a gestão da pandemia, e sobretudo com a divulgação dos #Twitter Files, a imprensa tratou de ignorar o impacte das denúncias de ingerência do Governo Federal dos Estados Unidos nas redes sociais em simultâneo com uma estratégia conjunta para denegrir a imagem de Elon Musk. O multimilionário parecia apreciar estes ataques, alimentando-os com sondagens online sobre como deveria gerir a sua vida empresarial.

    E a imprensa caindo no jogo, e anunciando que o seu fim estava à vista. “Despedimentos, receitas em queda e muitas sondagens. Menos de dois meses depois, Twitter diz a Musk que é tempo de sair”, titulava o Eco em 20 de Dezembro do ano passado. A Exame Informática, por exemplo, dava o foco na queda da Tesla nos últimos dias de 2022: “Ações da Tesla em mínimos de dois anos”, indicando que “os investidores receiam que a liderança de Elon Musk no Twitter e as constantes decisões polémicas estejam a retirar o foco do executivo na gestão da fabricante automóvel.”

    blue coupe parked beside white wall

    Em suma, invariavelmente, a Tesla estava em colapso por culpa (basta meter a palavra colapso e Tesla no Google para confirmar) e era tudo só por culpa de Musk e da forma irresponsável como geria o Twitter. Não havia dúvidas. E ele estava a pagar a ousadia. Para a imprensa mainstream de pouco valiam os fenómenos de especulação que tinham catapultado a Tesla para uma capitalização bolsista quase inaudita (e a qual Musk até criticava).

    Veja-se: no início de 2020, as acções da Tesla cotavam ainda abaixo dos 30 dólares. E qualquer fenómeno de variação bolsista tem subjacente uma carga psicológica misturada com fundamentais que, embora possam ser previsíveis, nunca podem ser explicados por visões tão simplistas.

    Nas últimas semanas – ou melhor dizendo, desde o início do ano –, a Tesla deixou praticamente de ser notícia na imprensa mainstream. Ou, pelo menos, o seu “garantido” desastre bolsista.

    O que aconteceu entretanto, perguntará o leitor? Aqui está.

    No dia 3 de Janeiro deste ano fechou nos 108,30 dólares, uma queda de 70% face ao máximo de 2022 (361,53 dólares, em 1 de Abril). E depois, upa, que se faz tarde: hoje fechou nos 207,32 dólares, uma subida de mais de 91,79% desde o início do ano.

    Explicações para isto não as tenho, ou não as deve ter ou nem quero ter, ou nem as devo transmitir publicamente. Mas devo dizer o seguinte: isto é o mercado a funcionar; e os jornalistas da imprensa mainstream a falharem. Ou melhor, a trabalharem com uma função específica: contar histórias da carochinha para manipulação das massas e com objectivos ínvios. Aquilo que andaram a fazer em Dezembro não era informação: com os #Twitter Files no seu auge, estiveram esforçadamente a tentar mostrar que Elon Musk era o mau da fita.

  • Quer saber o que se esconde atrás das historietas das falsas urgências? Uma verdadeira carnificina de doentes agudos

    Quer saber o que se esconde atrás das historietas das falsas urgências? Uma verdadeira carnificina de doentes agudos


    Com a pandemia da covid-19 a dar as “últimas” – com uma taxa de letalidade de 0,1%, por via da Ómicron, por muito que certos media e peritos lhe tentem arranjar descendentes, incluindo “netas” perigosíssimas –, regressaram à normalidade os fluxos hospitalares. Por outras palavras: o caos no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

    Por muito que o Governo (agora socialista, mas poderia ser outro qualquer) apresente números de investimento, e mais médicos e mais enfermeiros e mais auxiliares, sabemos que fica sempre aquém do desejável para cuidar de uma população que teve o azar de conseguir que lhe “dessem” mais anos de vida, mas no país errado.

    black and white hospital bed in the middle of interior building

    Sucede assim que, num país com mais de um milhão de pessoas sem médico de família, e que mais do que duplicou a sua população de super-idosos em apenas duas décadas – o grupo dos maiores de 85 anos passou de 152 mil, no ano 2000, para 328 mil, em 2020 –, não deveria surpreender que os hospitais (e os serviços de urgência, em particular) fossem o primeiro e o último reduto para quem, repentinamente, se sente doente e desamparado. Ainda mais sabendo-se que a literacia sobre saúde é fraca, e as alternativas económicas de ter uma resposta privada rápida não é grande.

    Enfim, mas sabemos que, quando o fluxo aperta – isto é, a procura supera a oferta de serviço –, o Governo é lesto a convencer certa imprensa que a culpa é sempre da procura. E da má procura: ou seja, daqueles masoquistas que, supostamente não estando doentes, querem perder tempo e esgotar a paciência indo às urgências pela noite dentro, e madrugada fora, só chatear o Camões.   

    Evolução dos episódios emergentes (pulseira vermelha) entre 2017 e 2022. Fonte: SNS. Análise: PÁGINA UM.

    Sempre assim foi, antes da pandemia; e sempre assim será, agora que saímos da pandemia.

    Mas, na verdade, falar hoje nas estafadas falsas urgências é esquecer, é mesmo querer esquecer, aquilo que sucedeu nos últimos três anos, período em que praticamente não se falou de falsas urgências.

    De facto, não houve falsas urgências: houve sim, uma torrente de falsas informações e de umas quantas manipulações durante o triénio da dita pandemia – que teve o corolário com as ambulâncias em fila no Hospital de Santa Maria em certa (e única) noite de Dezembro de 2020 – com o trágico e execrável objectivo de desanuviar os serviços de urgência. E isso causou uma tragédia que jamais será investigada nem responsabilizada. É escondida. Mas mal-escondida; e por isso deve ser revelada.

    Evolução dos episódios muito urgentes (pulseira laranja) entre 2017 e 2022. Fonte: SNS. Análise: PÁGINA UM.

    Quando olhamos para os números de 2022 dos fluxos dos serviços de urgência em todo o SNS, verificamos, de facto, que se regressou quase à normalidade pré-pandémica, embora com um crescimento dos episódios pouco urgentes e não-urgentes. Ou seja, com, hélas, as chamadas falsas urgências.

    Comparando com o triénio 2017-2019, o ano de 2022 contabilizou mais 15,4% de pulseiras verdes (pouco urgente) e mais 12,7% de pulseiras azuis (não-urgentes). Foram mais cerca de 325 mil assistências que, efectivamente, poderiam ter tido atendimento em outros locais.

    Porém, aquilo que o Governo parece querer que esqueçamos – para além de um crescimento em 2022 da ordem dos 5,7% dos doentes muito urgentes (pulseira laranja) face à média do triénio pré-pandémico – é o “bonito” resultado dos apelos da Doutora Graça Freitas e dos responsáveis políticos do Ministério da Saúde para que os portugueses não fossem aos hospitais durante 2020 e 2021 para assim se aliviarem os serviços médicos para o tratamento da covid-19.

    Evolução dos episódios urgentes (pulseira amarela) entre 2017 e 2022. Fonte: SNS. Análise: PÁGINA UM.

    Hoje, sabemos que, com excepção dos profissionais adstritos ao tratamento dos doentes-covid – sujeitos a um esforço que merecia melhores recompensas do que um “bater palmas” –, a generalidade dos serviços hospitalares teve um inusitado alívio, por via da suspensão de muitas cirurgias, diagnósticos e consultas. A estratégia de afastar os utentes dos hospitais foi intencional e sem justificação, sobretudo depois do segundo trimestre de 2020.

    Contudo, depois desse período inicial, até meio do ano de 2020, nada justificou a quase perpetuação de uma estratégia que quis deliberadamente afastar as pessoas das urgências, através do medo e da intimidação. Ir a um hospital por uma urgência passou a ser quase um acto de falta de civismo e de irresponsabilidade. E tanto assim se fez que fugiram dali mesmo as pessoas que tinham no hospital o único local que as poderia salvar em caso de doença súbita.

    Evolução dos episódios pouco urgentes (pulseira verde) entre 2017 e 2022. Fonte: SNS. Análise: PÁGINA UM.

    Olho para os números de 2020 e de 2021 relativos aos episódios emergentes (pulseira vermelha) e sobretudo os muito urgentes (pulseira laranja) e mesmo os urgentes (pulseira amarela), e não me custa imaginar um sem número de caixões que se fecharam de forma desnecessária e criminosa. A conta – ou pelo menos uma estimativa – poderia ser feita se o Ministério da Saúde libertasse informação.

    Comparando estes dois anos (2020 e 2021) com a média do triénio 2017-2019 (e com 2022, cujos valores são praticamente similares ao período pré-pandémico), constata-se que houve menos 8.518 episódios de emergência (vermelha), menos 256.615 episódios muito urgentes (laranja) e menos 1.502.493 episódios urgentes (laranja). Em termos relativos registou-se assim decréscimos de 22%, 23% e 29%, respectivamente.

    Evolução dos episódios não-urgentes (pulseira azul) entre 2017 e 2022. Fonte: SNS. Análise: PÁGINA UM.

    Ora, tendo em conta que não existe nenhum factor relevante que possa ter feito diminuir em 2020 e 2021 a prevalência de doenças agudas de média e extrema gravidade – que justifique uma redução tão significativa destes casos nos serviços de urgência –, aquilo que sucedeu parece muito simples de inferir: durante os dois primeiros anos da pandemia, os apelos da DGS, dos políticos, de certos “peritos” e dos media mainstream conseguiram convencer as pessoas a “aguentar”; a não irem saturar os hospitais, “coitadinhos”. Tinha de se ser solidário, aguentar em prol de todos, até porque, no fim, “vai ficar tudo bem”.

    Muitos destes, mulheres e homens que responderam de forma solidária e humanista, estão agora nas estatísticas do excesso de mortalidade. E coloca-se uma pedra no assunto. E continua-se com o folclore das falsas urgências, porque nos convenceram que temos de ser nós a salvar o SNS; e não o SNS a salvar-nos.


    Nota: Não analisei os episódios de pulseira branca e cinzenta, uma vez que a sua utilização pelos hospitais têm, em muitos casos, razões administrativas que não afectam os serviços de urgência. Em todo o caso, genericamente os anos de 2020 e 2021 registaram menos episódios do que nos período pré-pandémico, embora não seja comparável a complexidade dos episódios.

  • Fernando Medina: o incompetente sempre-em-pé

    Fernando Medina: o incompetente sempre-em-pé


    Há um mistério na vida política portuguesa: por mais porcaria que, como pessoa e político, Fernando Medina faça, tudo se lhe mantém igual. Ele é o iceberg que afunda o Titanic, e ainda faz uma perninha a tocar na orquestra enquanto o transatlântico afunda.

    Do seu percurso profissional, a política partidária, sempre ligada ao Partido Socialista, é a sua única imagem de marca, sempre com bons padrinhos. Nada há de marcante na sua vida que não seja a política, mas sem qualquer pensamento que nos fixe ao homem. Desde cedo assim tem sido. Ainda nos anos 90, da então verdura dos seu 20s, foi assim que chegou a assessor ministerial, primeiro através de Marçal Grilo, para a Educação, e depois para o gabinete de António Guterres até à demissão do então primeiro-ministro em 2002.

    Um “tacho” – não há outro termo – na Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) permitiu-lhe curta travessia no deserto durante a governação social democrata de Durão Barroso e de Santana Lopes, até a liderança do Governo ter caído no colo de José Sócrates, outro “político de profissão”. Pois bem: como entrado estava nos 30s, José Vieira da Silva chama-o para secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, depois segue para a Secretaria de Estado da Indústria e Desenvolvimento.

    Perdidas as eleições para Passos Coelho, seguiu ele a carreira política na Assembleia da República, em oposição, até lhe surgir novo padrinho. António Costa levou-o para a Câmara de Lisboa como número 2, e ainda com um presente suplementar: a cadeira do poder na autarquia se, como sucedeu, o actual primeiro-ministro assegurasse o cargo de secretário-geral do Partido Socialista.

    Estávamos então em Abril de 2015, e aos 42 anos lá chegava Fernando Medina a um verdadeiro lugar de responsabilidade. E pôde então começar a mostrar a sua fantástica incompetência. Numa época gloriosa de turismo na capital, Medina conseguiu piorar a qualidade de vida dos lisboetas, com uma gestão caótica desde os transportes à recolha de lixos e limpeza urbana, passando por intervenções urbanas onde Manuel Salgado punha e dispunha.

    woman sitting on white bench in front of sea

    Perder as eleições de 2021 – que até o rato Mickey ganharia se fosse socialista, nas condições políticas de então – foi somente o corolário da sua patente incapacidade de liderança do principal município português, mais ainda manchado pela divulgação de um procedimento torpe e intolerável num país democrático: o envio da identidade de manifestantes em Portugal à embaixada da Rússia, bem como às de outros países “repressivos”, como Angola, China e Venezuela.

    Num país decente, perder umas eleições não seria a única consequência deste “feito”. Mas foi, para Medina. E pior, para nós: recebeu ele a tutela das Finanças do novo Governo de António Costa.

    Ser ministro das Finanças com uma visão de merceeiro é o que Fernando Medina nos tem mostrado: com uma inflação galopante, tem ele apenas sido um façanhudo porteiro da caixa-forte, aproveitando-se da intolerável inflação para sacar mais dinheiro dos contribuintes. Vamos ter de o ouvir, num país de baixa literacia financeira, a vangloriar-se de um produto interno bruto (PIB real) a crescer 6,8%, mas a omitir que se usou um deflator de 3,6%, quando a inflação será de 8,1%. Ou seja, na verdade, o PIB cresceu poucochinho (2,3% se considerado um deflator de 8,1%). O Governo português, como outros, manipula números e apresenta os brilharetes, aproveitando o desconhecimento do povo.

    white and blue airplane on airport during daytime

    Mas Medina poderia ser apenas um sofrível ministro das Finanças, sem rasgo nem ousadia, porque já tivemos similares, e teremos piores, por certo. Porém, é mais do que isso: Medina consegue meter-se em sarilhos, culpando os outros, encontrando bodes expiatórios.

    Ainda como presidente da autarquia, Medina “imolou” o responsável pela protecção de dados. Em consequência desse processo, também não retiraria quaisquer ilações políticas – nem António Costa, que o convidaria para o Governo – quando a Comissão Nacional de Protecção de Dados multou a Câmara Municipal de Lisboa em 1,2 milhões de euros por 225 contraordenações.

    Já em funções governamentais, vimos então ainda Medina envolvido no convite ao ex-jornalista Sérgio Figueiredo – que o levara a ser comentador na TVI – para consultor especial no Ministério das Finanças. A polémica levou ao afastamento de Figueiredo, e não de Medina.

    E agora tivemos o caso moralmente abjecto da secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, com a sua saída da TAP com uma indemnização legal, mas indecente. Medina, que a escolhera este mês, sai também aparentemente incólume. As notícias dizem mesmo que ela se demitiu do cargo governamental “a pedido de Fernando Medina”.

    E numa nota do Ministério das Finanças diz-se que a demissão de Alexandra Reis visa “preservar a autoridade política do Ministério das Finanças num momento particularmente sensível na vida de milhões de portugueses”, tendo em consideração ser “essencial que (…) permaneça um referencial de estabilidade, de autoridade e de confiança dos cidadãos.”

    Troque-se, na última frase, Alexandra Reis por Fernando Medina, e esta passaria a ser verdadeira. De contrário, não. Mas seria uma violação dos “princípios” do ministro das Finanças que, em cada mês, mostra e demonstra ser um incompetente sempre-em-pé, que derruba a nossa esperança num mundo de decência.

  • Da comida de pobre e da hipocrisia da distribuição e do Estado: o caso das campanhas do Banco Alimentar

    Da comida de pobre e da hipocrisia da distribuição e do Estado: o caso das campanhas do Banco Alimentar


    A Sonae aumentou em 33% os seus lucros nos primeiros nove meses do ano, para 210 milhões de euros.

    Por sua vez, a Jerónimo Martins lucrou 419 milhões de euros, representando uma subida de 29% também nos primeiros três trimestres de 2022.

    E entretanto o Banco Alimentar fez, no fim de semana passado, mais uma campanha de recolha de bens alimentares. Onde? Nos supermercados com lucros excessivos, claro, como habitualmente.

    bunch of vegetables

    Confesso que, por mais que estas campanhas de solidariedade me possam suscitar simpatia, e em particular as do Banco Alimentar – que já leva 31 anos de existência –, cada uma delas me causa alguma irritação e frustração.  

    Por um lado, porque me vem sempre à memória o dito em 2012 da sua sempiterna presidente Isabel Jonet de que “não podemos comer bifes todos os dias” – e não era um manifesto ecológico nem vegan. A visão miserabilista do pobre ou do necessitado, que não pode almejar comida variada e decente, provoca-me alguns engulhos, ainda mais por estar mais ou menos “convencionado” aquilo que lhe deve ser ofertado: sobretudo alimentos com prazo de validade longo para ser fácil de armazenar e distribuir. Para dar, mas para dar pouco trabalho.

    Por isso, como se pode ver na lista de bens doados online no Banco Alimentar, lá temos sempre o mesmo: por agora, 16.153 litros de azeite, 14.213 litros de óleo, 35.534 litros de leite, 29.132 quilos de atum, 25.029 quilos de salsichas e 28.091 quilos de arroz. Não há mais alternativa?

    Por mais que possamos considerar meritórios os esforços destas associações – que trabalham com voluntários, e portanto todos fazem mais do que eu, nessa perspectiva –, na verdade, a filosofia está toda errada. Não apenas porque o esforço acaba por ser contraproducente para uma solução condigna face à pobreza crónica, como dá sinais ao Estado – e à sua mastodôntica e ineficaz estrutura de Segurança Social – para continuar a aproveitar-se destes movimentos sociais para pouco ou nada fazer em prol de uma solução profissional.

    Aliás, pessoalmente, causa-me estranheza a reacção da sociedade perante os falhanços do Estado profissional, que deveria ser competente porque vive dos nossos impostos: cria estruturas voluntárias, que, embora pareçam atenuar os efeitos da incompetência do Estado, apenas o incentivam a ser ainda mais incompetente. A sociedade deveria sim pressionar mais o Estado a ser competente e eficaz.

    Não se acaba com a pobreza, e com a fome, sempre mantendo a mesma receita: quilos e quilos, e litros e litros, de azeite, de óleo, de atum, de salsichas e de arroz. Sempre e sempre os mesmos produtos, sempre e sempre as mesmas soluções, sempre assentes num modelo pseudocristão de compaixão e piedade, mas que se mostra indigno, por se perpetuar.

    person holding brown leather bifold wallet

    Além disso, é ainda mais indigno que o Estado até lucre com as campanhas do Banco Alimentar e de entidades similares. E isso encanita-me. Não apenas naquilo que “lamentavelmente” poupa recursos – porque não gasta nas ajudas alimentares à população desfavorecida – como tem receita pelo IVA arrecadado dos doadores que compram os bens.

    E, claro, no meio disto, ganham também os supermercados que aderem – claro que aderem, de braços abertos – às campanhas do Banco Alimentar, porque nesses dias aumentam a facturação.

    Para atenuar esta hipocrisia do Estado e dos supermercados, pelo menos que existisse um sistema que permitisse a selecção de determinados bens alimentares, especificamente destinados à campanha, com preços especiais, deduzidos do IVA e da margem de lucro dos distribuidores. No limite, os próprios produtores dos bens poderiam também vender sem lucro aos distribuidores os bens para essas campanhas.

    E, já agora, criando um sistema de armazenamento e distribuição – ou um modelo de créditos em lojas, que possa incluir frescos, carne e peixe – para que se deixe de doar quase em exclusivo “comida de pobre”. Já chateia, nestas campanhas, ver as “tríades” azeite-óleo-leite e atum-salsichas-arroz.

  • Mortes súbitas? Efeitos adversos? Cancros fulminantes? Eles não querem saber…

    Mortes súbitas? Efeitos adversos? Cancros fulminantes? Eles não querem saber…


    Todos os dias, sou confrontado com alertas, avisos, denúncias, alarmes, suspeitas, receios. Dizem-me que há por aí um aumento de mortes súbitas. Que há um inusitado número de pessoas com problemas cardíacos, mesmo em atletas de alta competição. Que há uma escalada de casos de tumores galopantes e surpreendentemente metastizados. Que há cada vez mais crianças (do sexo feminino, claro) de tenra idade com menstruação. Que há abortos com maior frequência.

    Para todos estes casos, sempre defendo: sempre houve mortes súbitas; sempre houve pessoas com problemas cardíacos, mesmo em atletas de alta competição; sempre houve cancros galopantes; sempre houve meninas com menstruação demasiado precoce; sempre houve abortos.

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    O problema é que o advérbio “sempre” e o verbo “haver” dizem pouco. Ou nada. Não conseguem quantificar; e a quantificação é a única forma que se tem de avaliar se estamos perante uma anormalidade, quer por défice quer por excesso.

    Que existem sinais, durante a pandemia – e no pós-pandemia – de um excesso de mortes, não parece existir qualquer dúvida. O SARS-CoV-2 desestruturou directa e indirectamente os sistemas de saúde, e a ele já se atribuíram muitas mortes – mais de 6,6 milhões em todo o Mundo em quase três anos e cerca de 25.300 em Portugal –, embora se eternize a discussão sobre se “com” ou “por” covid-19.

    Para mim, cada vez mais, a discussão sobre o impacte da pandemia – e houve uma pandemia – não pode, porém, cingir-se aos impactes directos do coronavírus, mas também à estratégia de gestão política – que inclui, neste âmbito, o próprio processo de aplicação das medidas não farmacológicas – e aqui englobando a decisão de secundarizar o diagnóstico e tratamento das outras doenças – e, de forma indubitável, à própria vacinação.

    Ninguém com um pingo de seriedade e com uma gota de rigor científico pode assumir como hipótese que um excesso de mortalidade advenha, por exemplo, de sequelas da covid-19 – a famigerada long covid – e excluir, em simultâneo, na análise, a hipótese de eventuais efeitos adversos das vacinas contra esta doença ou de impactes da secundarização das outras enfermidades desde 2020.

    man walking on forest

    Aquilo que, verdadeiramente, me irrita no debate sobre as causas do excesso de mortalidade que se vem assistindo desde 2020, é falar-se sem estar disponível informação estatística séria. E ela existe.

    Portugal é, na verdade, um dos países mundiais com maior quantidade e melhor qualidade de informação estatística para apurar, de forma praticamente imediata, as causas para o excesso de mortalidade por faixa etária.

    Tem bases de dados para isso, mas o Governo tudo faz para não as ceder, e mesmo as iniciativas do PÁGINA UM – o ÚNICO órgão de comunicação social que aparenta preocupar-se com isso – têm esbarrado com um muro de silêncio e de obstáculos à transparência que nem os processos de intimação, até agora, têm quebrado.

    E quando digo tem bases de dados, quantifico quantas são: 6 (seis), pelo menos. E vou dizer quais são.

    Vejamos.

    photo of 5-story library building

    Portugal tem desde 2014 o Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), uma base de dados geralmente usada pela comunicação social para relatar o número de óbitos por todas as causas num determinado dia ou período. Porém, esta base de dados incorpora uma riqueza de informação inimaginável, não disponível ao público, como seja a causa de morte atribuída pelo médico legista para cada óbito. Para todos os óbitos. De forma imediata, à distância de um clique, e com a devida anonimização, pode saber-se se existem desvios em qualquer enfermidade, por grupo etário, por região. Tudo.

    Mas a Direcção-Geral da Saúde não quer disponibilizar essa base de dados, nem o Ministério da Saúde deseja usá-la para apurar as causas do excesso de mortalidade, remetendo um estudo para as calendas, como se fossem necessários meses para algo que levaria, numa equipa independente, alguns dias. O PÁGINA UM está, desde há meses, a tentar obter acesso a essa base de dados – protegida por legislação especial –, estando neste momento a decorrer um recurso no Tribunal Administrativo Central do Sul.

    De igual modo, e no que diz respeito ao impacte da covid-19, também o Estado tem disponível o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE), que já existia muito antes da pandemia, e onde estão registados também todos os casos positivos de covid-19, com os respectivos desfechos, bem como informações sobre a vacinação. Também para este caso, a Direcção-Geral da Saúde não quer revelar, e também para este caso decorre um recurso no Tribunal Administrativo Central do Sul.

    person using laptop

    Outra base de dados fundamental é a relativa aos Grupos de Diagnósticos Homogéneos (BD-GDH), que consiste num sistema de classificação de doentes internados em hospitais de agudos, agrupando assim doentes em grupos clinicamente coerentes. Consegue-se assim analisar a evolução dos internamentos por doenças e grupos etários, possibilitando comparações, e identificando assim os desvios mais relevantes em todas as doenças e enfermidades desde 2020.

    Além disso, nesta base de dados pode fazer-se a “prova dos nove” relativamente ao verdadeiro impacte da covid-19 na gestão hospitalar – e até à verdadeira quantificação dos doentes por aquela doença e onde esta teve origem. No entanto, a Administração Central do Sistema de Saúde também não quer disponibilizar esta base de dados, correndo assim mais um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    A quarta base de dados fundamental para avaliar os efeitos da pandemia é o Portal RAM do Infarmed, relativa à notificação de reacções adversas e efeitos indesejáveis de medicamentos, que incluem também, obviamente, as vacinas contra a covid-19. No site do Infarmed diz-se que “o Portal RAM permite a inserção da reação adversa suspeita de forma fácil, acessível e rápida, sem intermediação de terceiros”, colocando uma ligação. Mas a facilidade é só para inserir dados, porque para consultar a base de dados mostra-se mais difícil.

    silhouette of woman holding rosary while praying

    Desde Dezembro do ano passado, o PÁGINA UM tenta obter acesso aos dados detalhados das reacções adversas das vacinas contra a covid-19 (e também do remdesivir), sem sucesso. Nem depois de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. O processo está no Tribunal Administrativo de Lisboa desde Abril deste ano, onde o Infarmed move mundos e fundos para convencer a juíza a não ceder a possibilidade do PÁGINA UM aceder à dita base de dados.

    Além destas quatro bases de dados, o PÁGINA UM requereu recentemente o acesso a duas outras com informação fundamental: o Registo Nacional de Oncologia e o Registo Oncológico Pediátrico Português. Com a devida anonimização – uma tarefa corriqueira em programas informáticos –, estas bases de dados possibilitam também avaliar desvios na incidência dos diferentes tipos de neoplasias, um ponto de partida fundamental para encontrar causas e debelar efeitos futuros.

    O PÁGINA UM apresentou um requerimento ao Instituto Português de Oncologia – que gere ambas as bases de dados –, mas parece-me quase certo que, pelo comportamento das entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde, o processo acabará também por ser dirimido em tribunal.

    Eis, portanto, por esta amostra – porque existem ainda mais bases de dados – que o problema em Portugal em se desconhecer o que se está a passar não se deve a qualquer tipo de lacuna informativa nem sequer dificuldade de compilação e tratamento de dados.

    sun rays inside cave

    Basicamente, os políticos – e os burocratas da Administração Pública, que os protegem, em vez de protegerem os cidadãos e a nossa saúde individual e colectiva – não estão interessados em saber. Ou melhor, não querem que saibamos.

    Não estão interessados que saibamos se há mesmo por aí um aumento de mortes súbitas. Se há mesmo um inusitado número de pessoas com problemas cardíacos, mesmo em atletas de alta competição. Se há mesmo uma escalada de casos de tumores galopantes e surpreendentemente metastizados. Se há mesmo cada vez mais crianças (do sexo feminino, claro) de tenra idade com menstruação. Se há mesmo abortos com maior frequência.

    Querem os políticos – e os burocratas da Administração Pública – que estejamos e nos mantenhamos na ignorância. Querem que vejamos e aceitemos a perda dos nossos próximos na mais completa ignorância. Querem, enfim, que morramos sem saber, caladinhos, em silêncio. Sem incómodos.

    E porquê? E até quando?

    Até os tribunais começaram a decretar sentenças lúcidas que “convençam” os políticos que vivemos numa democracia?

    Espero que sim; mas espero também que não seja tarde demais para demasiados.

  • Conhece a história da primeira vacina contra o vírus sincicial respiratório? E mesmo assim acha bem a promiscuidade entre farmacêuticas e imprensa?

    Conhece a história da primeira vacina contra o vírus sincicial respiratório? E mesmo assim acha bem a promiscuidade entre farmacêuticas e imprensa?


    A farmacêutica francesa Sanofi, em articulação com a anglo-sueca AstraZeneca, conseguiu, no passado dia 4 de Novembro, a aprovação pela Comissão Europeia da sua vacina contra o vírus sincicial respiratório (RSV), que causa uma das mais banais infecções em crianças e idosos, que só constitui preocupação relevante para um grupo muito restrito com comorbilidades (e onde já existia medicamento preventivo).

    Também a Pfizer, a Moderna e a GlaxoSmithKline se encontram em fase avançada de testes, muito interessadas neste novo filão de negócios das vacinas, “empurradas” pela covid-19, que levam a saltarem-se fases à boleia de uns políticos menos prudentes e de uma imprensa histérica.

    Obviamente, as farmacêuticas com as suas novas vacinas contra o RSV querem repetir a “dose” do SARS-CoV-2. Desejam um ambiente de pânico e de interesses promíscuos com os diferentes “autores sociais”, que, tal como se observou na covid-19, aliado a um voluntarismo irracional, resultou numa estratégia de vacinação maciça e praticamente coerciva, injectando quem se devia (por razões de verdadeira emergência e relevância) e quem não se devia nem era prudente fazê-lo, de que os jovens adultos, adolescentes e até crianças são exemplo.

    Nada agora é por acaso.

    Por exemplo, não é por acaso que a imprensa lançou profusas e alarmantes notícias nos primeiros dias de Novembro sobre surtos de RSV. No Google News surgem 190 notícias na última semana quando se pesquisa pelo termo VSR.

    Também não foi por acaso que o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge começou inopinadamente a divulgar os números de internamentos por RSV (que sempre ocorreram em outros anos) apenas a partir de meados de Outubro passado. Foi para preparar a “cama” e assustar pais.

    E também não foi por acaso que o Expresso, certamente em prol do bem comum, se associou esta semana à Sanofi – leia-se, estabeleceu um acordo comercial, que terá (?) de constar no Portal da Transparência do Infarmed – para fazer uma tertúlia em redor do RSV. Pomposamente, chamaram à “coisa” RSV Summit.

    Teve isto tudo presença de uma jornalista (Ana Patrício Carvalho, da SIC Notícias), como mestre-de-cerimónias, do CEO da Impresa, Francisco Pedro Balsemão, e da directora-geral da Sanofi Portugal, Helena Freitas, e até, hélas, a moderação de Carolina Patrocínio.

    No vídeo de marketing desta iniciativa meteu-se, obviamente, umas imagens de ventiladores e máscaras em crianças… Nada é inocente.

    Que as farmacêuticas desempenham um papel crucial na sociedade, que são responsáveis por avanços fundamentais no combate às doenças e na melhoria das condições de vida, não tenhamos dúvidas. Que podem e devem ter lucros, não sejamos invejosos.

    Porém, não cabe à imprensa “aliar-se” às farmacêuticas, como se acentuou pornograficamente nos últimos anos, e que retirou e retira ao jornalismo a visão crítica, isenta e independente à gestão da pandemia da covid-19.

    VSR Summit: uma parceria da Sanofi e do Expresso, não inédita, promíscua e contraproducente.

    A pandemia da covid-19 não pode jamais ser o “abre-se, sésamo” para a entrada definitiva na caverna do tesouro que se julga poder salvar a imprensa mainstream do fracasso da má qualidade jornalística.

    Era bom, aliás, que a prudência e mesmo a desconfiança – grandes virtudes do jornalismo, a par da memória e da investigação – levassem a um olhar distante sobre as novas vacinas contra a RSV, tal como deveria existir face às vacinas contra a covid-19.

    Talvez poucos saibam quais as razões pelas quais uma doença respiratória como a causada pelo VSR não teve nenhuma vacina nas últimas décadas. Talvez seja importante recordar, tanto mais que, apesar de ser doença banal causa mais de 100 mil mortes por ano, sobretudo em países subdesenvolvidos. Está tudo contado, em detalhe em dois artigos científicos: em 2011 na Expert Review of Vaccines, e em 2016 na Clinical and Vaccine Immunology. Em 1967, após anos de ensaios, uma vacina RSV inactivada com formalina combinada com alúmen foi administrada em bebés nos Estados Unidos. Ao contrário daquilo que os ensaios apontavam, a vacina não foi eficaz; e pior, aumentou a gravidade da doença. As hospitalizações foram muito mais prevalentes no grupo vacinado do que entre o grupo de controlo, “vacinado” com placebo: 80% contra 5%. Duas crianças morreram por causa da vacina.

    Estes, e outros artigos científicos, explicam os processos microbiológicos, citoplasmáticos e outros que tais que levaram a este fracasso e a uma exacerbação da doença após a toma daquela vacina.

    Não significa que as novas vacinas contra o RSV – e, por maioria de razão, contra o SARS-CoV-2 – tenham problemas similares, em dimensão àquela vacina. Na verdade, as vacinas são uma história de sucesso no desenvolvimento tecnológico da Humanidade, sobretudo a partir da segunda metade do século XX.

    Mas, para isso, e sobretudo, para que nenhuma má vacina seja a nódoa que cai no melhor pano, estragando-o irreversivelmente, convém muito que o jornalismo e as farmacêuticas joguem em bancos diferentes, não comunguem do mesmo repasto.

    Isso não está a suceder com a vacina contra a VSR. Veja-se a título de exemplo com a Sanofi. Além de conteúdos patrocinados sobre a VSR, o Expresso também tem uma parceria comercial com esta farmacêutica francesa para a gripe (Flu Summit), e este ano encontramos também as mesmas relações comerciais sob a forma de artigos comerciais escritos em estilo jornalístico em outros órgãos de comunicação social, como no Observador, ou ainda sob a forma de patrocínios para prémios, como sucede com o Jornal de Negócios.

    red bolt cutter on floor

    Se se fizer uma rápida busca nos sites da imprensa mainstream de âmbito nacional enco9ntramos uma profusão de eventos e outras iniciativas patrocinadas – leia-se, financiadas – pelas mais distintas farmacêuticas, sempre apresentadas sob a forma de parcerias.

    Só um ingénuo não consegue concluir que este tipo de eventos – onde, ademais, participam dirigentes das farmacêuticas, responsáveis do regulador (Infarmed), médicos, jornalistas e administradores dos media, e até por vezes políticos – condicionam fortemente a saída de notícias isentas e independentes sobre farmacêuticas e os seus produtos. A forma como (não) houve debate em torno da eficácia das vacinas contra a covid-19, ou o tom quase sempre encomiástico com que estas foram abordadas pela imprensa, são exemplos claros. E isso pode suceder, ou estar a suceder, com muitos outros medicamentos. Nos últimos anos abriu-se uma caixa de Pandora.

    A falta de análise crítica aquando da vacinação dos adolescentes e crianças – de que são exemplos a despublicação do artigo de opinião do médico Pedro Girão no Público em Agosto do ano passado e a cobertura mediática das campanhas inquisitoriais da Ordem dos Médicos sobre clínicos que contestavam a vacinação universal – foi particularmente chocante, e não pode ser vista como algo alheio à dependência financeira da imprensa mainstream com as farmacêuticas.

    black framed eyeglasses on top of white printing paper

    Hoje, no quadro desta dependência, seria impensável que fosse publicado um artigo a destacar que um determinado país retirara 800 mil lotes infantis de vacinas de uma farmacêutica por ser fraca. Por um lado, porque as autoridades reguladoras se politizaram, e os media mainstream se sujeitaram a essa dependência em relação às farmacêuticas.

    Veja-se, aliás, como políticos, farmacêuticas e imprensa apresentam agora as vacinas contra a covid-19: não são ineficazes contra a variante Ómicron; o SARS-CoV-2 é que consegue escapar aos anticorpos criados pela “vacina eficaz”. Hoje, temos “consensos sociais” criados e impostos pelos jornalistas, enquanto os departamentos de marketing da imprensa mainstream onde trabalham esses jornalistas abrem as portas dos cofres para a entrada de dinheiro das farmacêuticas. Isto não é apenas promiscuidade; em Portugal, pela Lei da Imprensa, é ilegal.

    A prazo, esta promiscuidade nem sequer será útil para ninguém: nem para as farmacêuticas – que “compram” uma comunicação favorável, o que as incentiva a serem gananciosas e também negligentes em aspectos cruciais até ocorrer uma “explosão” – nem para a imprensa mainstream, que em cada uma destas parcerias, e com tão dengosa postura, definham cada vez mais a sua credibilidade. E a sociedade deixa de a considerar o seu watchdog. Com isto, perde também a sociedade.

    Por isso, termino com as duas questões do titulo. Conhecendo a história da primeira vacina contra o VSR e perante as agora promíscuas relações da imprensa com as farmacêuticas, não me sinto nada seguro. Mesmo se o “consenso social”, que agora se exige, me diga que nada há para temer.

  • Primeiro mandamento da decência: não invocarás as alterações climáticas em vão!

    Primeiro mandamento da decência: não invocarás as alterações climáticas em vão!


    O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, veio esta tarde – e usando, como já é habitual no Governo, os “pés de microfone” da agência Lusa, o Pravda lusitano, que depois trata de viralizar na imprensa mainstream –, declarar que os fenómenos climáticos extremos tiveram “um profundo efeito” nas causas de doença e de mortes dos portugueses e pediu urgência no combate às alterações climáticas.

    E adiantou ainda não querer “antecipar o estudo que está a ser feito, designadamente sobre as diferenças de mortalidade dos últimos anos, mas parece óbvio, numa avaliação preliminar, que para além do impacto terrível da pandemia – e esse impacto da pandemia não está desligado das mudanças climáticas – há também nas causas de doença e de morte dos portugueses um profundo efeito dos fenómenos climáticos extremos”.

    brown and green grass field near body of water under cloudy sky during daytime

    Não sei se os estremeções que estas declarações me causam se devem especificamente às declarações do ministro da Saúde ou se ao deplorável trabalho do jornalista da Lusa que escreveu isto – e que em boa hora se mostra anónimo –, do editor da Lusa – que fez seguir para a imprensa mainstream um textículo digno de uma agência de comunicação, e não de uma agência noticiosa – e dos directores da Lusa – que, em suma, estão a “assassinar” a dignidade de uma profissão.

    Mas deixemos a imprensa mainstream aniquilar-se, e foquemo-nos nas declarações do ministro.

    As alterações climáticas – tenho assumido desde os anos 90, como homem da Ciência e como jornalista, e até como antigo dirigente ambientalista – são uma realidade que, independentemente da causa (antropogénica e/ ou outras), coloca e colocará problemas e desafios diferenciados, e mais ou menos graves, nos diferentes territórios do Mundo. É, contudo, um problema sobretudo político – e de políticas – e diplomático – esqueçam qualquer medida de fundo se não tiver a anuência da China e da Índia.

    Porém, sendo um problema – e permitam-se que não queira agora debater se a estratégia política de combate às alterações climáticas visa retirar direitos aos cidadãos –, jamais pode ser uma desculpa política; uma forma cruel de passa-culpas para um ente invisível e sobrehumano, quando as responsabilidade pela actual situação é inteiramente dos políticos.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde.

    Aliás, jamais pode ser aceitável que Manuel Pizarro queira adiantar já, para uma acrítica comunicação social, que o excesso de mortalidade ao longo dos últimos três anos – e sobretudo de 2022, já com a covid-19 endémica e a população supostamente vulnerável com sucessivos boosters – seja do tempo quente. Esfarrapadas desculpas. Como se a sucessão de meses infindáveis de mortalidade excessiva dos maiores de 85 anos, tanto no Inverno, como na Primavera, como no Verão, como no Outono, pudesse assim ser tão simplesmente explicada pelas alterações climáticas.

    Terão sido as alterações climáticas a matarem a mais de cerca de uma centena de jovens em 30 meses, conforme revelou hoje o PÁGINA UM?

    Terão sido as alterações climáticas a fazerem com que este Governo alimente uma postura de obscurantismo, recusando divulgar qualquer tipo de informação fidedigna?

    Na verdade, querer antecipar conclusões sobre o excesso evidente de mortalidade, empurrando as culpas já para alterações climáticas, é inqualificável.

    E inqualificável porque faz parte de uma estratégia do Governo para ocultar e a manipular a verdade. Nada mais. Não há esforço para mais do que salvar o coiro. Esconder a verdade, esconder a verdade e esconder a verdade: eis a tríade de objectivos do Governo sobre o excesso de mortalidade.

    black and gray cement tombs

    Ainda ontem, assisti a mais um lamentável episódio da Administração Pública na canina defesa de um Governo que anda há três anos (pelo menos) a manipular os portugueses, no decurso do processo de intimação que corre no Tribunal Administrativo, onde está em causa o acesso à base de dados nacional do Grupo de Diagnósticos Homogéneas, que constitui um sistema de classificação de doentes internados em hospitais. O acesso a esta base de dados pelo PÁGINA UM – a par dos dados em bruto do Sistema de Certificação dos Certificados de Óbito (SICO) – mostra-se fundamental para uma avaliação independente – que não atire as culpas para as alterações climáticas –, uma vez que permitirá estabelecer comparações fiáveis entre doenças em função da idade e outras variáveis ao longo dos anos.

    Ora, saber isto publicamente causa um temor enorme à Administração Central do Sistema de Saúde – presidido por Vítor Herdeiro, amigo de longa data da ex-ministra Marta Temido, e que fez “sumir” durante meses outra comprometedora base de dados (morbilidade e mortalidade). E, portanto, vale tudo na argumentação junto do Tribunal Administrativo. Desde Agosto tem sido um festival de mentira e de desavergonha.

    Em causa, na verdade, está apenas saber se a base de dados possui dados nominativos, isto, é se se encontram listados os nomes dos doentes que permita saber, por exemplo, que a D. Gertrudes da Anunciação Perpétua esteve internada no hospital de Guimarães com uma perna partida. Ora, qualquer base de dados moderna permite, com o simples carregar de umas teclas, seleccionar variáveis e suprimir campos, de sorte que o ficheiro de Excel sai limpinho sem qualquer nome mas apenas com códigos em sua substituição.

    Victor Herdeiro, presidente da ACSS, segundo a contar da direita, na sessão de apresentação dos novos Estatutos do SNS no passado dia 7 de Julho. Herdeiro foi companheiro da ex-ministra da Saúde, Marta Temido, durante três mandatos na Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.

    Porém, começou a ACSS – através de uma sociedade de advogados especializada sobretudo em ganhar contratos por ajuste directo em instituições ligadas ao Ministério da Saúde, como hospitais – a procurar convencer o Tribunal Administrativo da impossibilidade de expurgar dados nominativos, que isso nunca foi feito.

    Atente-se no requerimento da ACSS em 10 de Outubro passado: “(…) Note-se que a natureza dos documentos em causa, documentos nominativos, no quadro de impossibilidade da respetiva anonimização, determina, em face da LADA, que o acesso aos mesmos por terceiro apenas seja admissível nos casos em que se verifiquem os requisitos previstos no artigo 6.°, n.° 5, da LADA, ou seja, a apresentação de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder ou a demonstração fundamentada da titularidade de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação. Tais requisitos não se encontram, porém, verificados no presente caso.”

    Como o PÁGINA UM contra-argumentou dizendo, em síntese, que a ACSS estava a mentir – a anonimização, na verdade, não só é possível como até prevista em duas delegações de competências, em 2019 (Deliberação nº 673/2019) em 2021 (Deliberação nº 835/20921) – veio então a mais despudorada tentativa de atirar areia aos olhos da juíza e da nossa inteligência colectiva.

    Extracto do requerimento da ACSS, através da BAS Sociedade de Advogados, entregue ontem no Tribunal Administrativo.

    Apanhada em falso, veio a ACSS ontem, portanto, dizer isto: “(…) importa reiterar que, relativamente à Base de Dados de GDH, o expurgo dos dados pessoais da mesma, para que o Requerente pudesse ter acesso à mesma, implicaria a criação ou adaptação da base de dados com um esforço desproporcionado que ultrapassa a simples manipulação da mesma”, adiantando depois que isso “não implica que não haja situações em que se tenha de efetuar as operações referidas nos dois pontos anteriores, i.e., adaptar toda a base de dados de forma a expurgar os dados nominativos; porém, em função da grande afetação de recursos que tal operação acarretaria, essas situações têm de ser devidamente ponderadas e o seu benefício ser pelo menos proporcional ao seu elevado custo global.”

    Não dizendo sequer qual o “elevado custo global” – nem que seja ao nível de luvas de nitrilo vendidas, por exemplo, por uma oficina de escapes por ajuste directo ao hospital que foi gerido pelo actual director executivo do novel Serviço Nacional de Saúde –, a ACSS ainda teve a desfaçatez de afirmar que “o benefício de acesso à base de dados de GDH com expurgo de dados nominativos [deve ser] pelo menos proporcional ao elevado custo da operação de expurgo dos referidos dados”, pelo que, “não obstante a elevada consideração da ACSS pelo Requerente [director do PÁGINA UM] e pela sua profissão [jornalista]” não se justifica a “elevada afetação de recursos [para] efetuar as operações necessárias” para a tal anonimização.

    E é assim que as coisas se fazem (ainda) na Administração Pública. Com esta desfaçatez.

    Para salvar o coiro dos políticos.

    Para que os políticos continuem a meter um manto negro sobre os problemas.

    Para que os políticos continuem a manipular os portugueses com a conivência da imprensa “amigável” que não dignifica o jornalismo.

    Para que os políticos, como Manuel Pizarro, possam invocar as alterações climáticas como desculpa para omissões, negligências e crimes.

    Tudo em vão. Tudo (ainda) sem castigo.


    Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM está envolvido em 14 processos de intimação, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares, uma das quais já ganha. Até ao momento foram angariados 12.222 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido.

    Na secção TRANSPARÊNCIA começámos a divulgar todas as peças principais dos processos em curso no Tribunal Administrativo. Este processo específico da Administração Central do Sistema de Saúde ficará disponível nos próximos dias.

  • Que farei com este livro de Filipe Froes?

    Que farei com este livro de Filipe Froes?


    Chega a ser perturbador ler algumas passagens da magnum opus de Filipe Froes e Patrícia Akester, intitulada A pandemia que revelou outras pandemias: contributos para o conhecimento, que ontem juntou, no Grémio Literário, muitas figuras gradas da narrativa oficial da gestão da pandemia. Hoje, amanhã e quinta-feira está nas bancas, gratuitamente com o Diário de Notícias, permito-me a publicidade.

    Mas permitam-me também dizer, com generosa dose de ironia, que em boa hora a BIAL disponibilizou patrocínio conveniente para o livrinho sair do prelo, porque, de contrário, sem guito de farmacêuticas, o Doutor Froes parece nunca mexer uma palha quanto mais uma caneta, que é como quem diz, um matraquear de teclado.

    Filipe Froes, um dos médicos portugueses com mais ligações à indústria farmacêutica, mantém-se como consultor da DGS e com intenso palco mediático.

    Por outro lado, também em boa hora o Diário de Notícias, cometida a ousadia de permitir que o Doutor Froes & Ca. explanasse as suas opiniões, possibilitou que os textículos esparsamente publicados no periódico, ficassem agora gravados para a eternidade em lâminas de papel, entre capa e contracapa, incluindo generosas badanas. Um livro sempre se mete numa estante, e mesmo que o conteúdo possa ser – e é, neste caso – indigesto, pode-se sempre pegar num momento zen para aumentar a pressão arterial.

    Porém, melhor ainda – e impeliu a perturbação denunciada logo na primeira linha deste meu texto – é o prefácio do senhor almirante – então vice-almirante, o que, estranhamente, aparentava dar-lhe maior dignidade – Gouveia e Melo. Ou melhor dizendo, que assim é apresentado no prefácio, de “Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo, almirante”.

    Nas breves três páginas de auto-elogio do senhor almirante, destaco, contudo, o seu curto relato do episódio da suspensão da vacina da AstraZeneca, por decisão do Infarmed, em 15 de Março do ano passado com base no princípio da “precaução em saúde pública”. Aliás, em 8 de Abril, pouco mais de três semanas, a Direcção-Geral da Saúde passaria a recomendar a administração da vacina da AstraZeneca apenas a pessoas acima dos 60 anos. Na prática, a vacina da farmacêutica anglo-sueca praticamente deixou de ser administrada a partir daí.

    Gouveia e Melo assim relata: ”Muitas destas decisões foram tomadas em cima dos acontecimentos, sobretudo quando surgiam contrariedades. Recordo-me quando tínhamos tudo preparado para vacinar os docentes do ensino básico e secundário e, dois dias antes de se iniciar esse processo, a vacina que seria administrada foi suspensa. Refizemos planos, avaliámos riscos, consultámos stocks e, na semana seguinte, avançámos com a vacinação desse grupo.”

    Passando por cima deste modus operandi, aquilo que me interessa destacar é o facto de o então vice-almirante relatar este acontecimento no livro onde, páginas à frente, se expõe a doutíssima opinião do Doutor Froes por aquelas alturas sobre vacina da AstraZeneca. Com efeito, na página 16 da tal magnum opus, pode-se ler um artigo do Doutor Froes & Ca., publicado originalmente no dia 4 de Março de 2021 – ou seja, apenas 11 dias antes da suspensão da vacina da AstraZeneca –, no jornal Público (o único na obra que não saiu no Diário de Notícias), com o sugestivo título: “Das fake news nem a vacina está a salvo”.

    E que escreveu o Doutor Froes & Ca.?

    Além de defender que urgia “combater a desinformação mais do que nunca”, uma vez que o processo de vacinação estava em curso”, dissertavam eles sobre “duas pragas: (i) infodemia (um tsunami de informação no que respeita à pandemia, por vezes incorrecta e infundada, capaz de confundir e de induzir em erro, tendo na sua origem fontes pouco fidedignas) e (ii) desinformação (informação falsa ou imprecisa disseminada com a intenção deliberada de manipular e/ ou de induzir em erro), de que as Fake News são um dos principais expoentes.” E continuavam depois a batucar nas redes sociais, desinformação para aqui, fake news para ali.

    E depois isto: “Na Alemanha, os media passaram semanas a apregoar que a vacina AstraZeneca era ‘de segunda classe’ e que comportava efeitos secundários, pelo que uma parte não insignificante da população se recusa a ser inoculada com essa vacina, aguardando a chegada da vacina Pfizer Biontech. Consequência: tendo sido recebido, em terras de Merkel, um carregamento de 1,45 milhões de doses de AstraZeneca, em pleno estado de escassez de vacinas pelo mundo fora, apenas 270,986 mil pessoas aceitaram a administração proposta pelas autoridades de saúde em conformidade com o plano de vacinação nacional (New York Times). Resta saber o impacto da não-vacinação ou do seu atraso na população que deveria ter sido vacinada e não o foi…”

    E mais isto: “Agora que o processo de vacinação está em curso urge combater a desinformação mais que nunca. Para se atingir imunidade de grupo, para protecção do indivíduo e da comunidade e resolução progressiva do profundo impacto social e económico da pandemia, é crucial promover uma campanha de informação idónea no tocante à pandemia – divulgada responsavelmente por todos. A melhor forma de impedir que alguém adira ao movimento anti-vacinas, que pode impossibilitar a criação de imunidade de grupo é tolhendo a infecção…”

    Visto está o que sucedeu à AstraZeneca…

    Visto está o que sucedeu à quimérica imunidade de grupo…

    E vista está a base científica inexistente dos certificados digitais…

    E visto está quase tudo o resto que foi escrevendo o dizendo Froes & Ca., nos intervalos das consultadorias das farmacêuticas, a par do contínuo obscurantismo oficial em redor da informação mais sensível…

    E não visto está aquilo que ainda se vai descobrir, e que tornará esta magnum opus um tesourinho deprimente da “ciência pandémica”, digno de estudo futuro, de amostra daquilo que não se deve repetir.

    Resta-nos saber também, entretanto, qual será o impacte das alarvidades do Doutor Froes, mais as suas consultadorias… E resta-nos esperar que a imprensa mainstream deixe de viralizar os seus despautérios – como sucedeu nos últimos dias com o “anúncio” de uma “pandemia tripla”, rapidamente transmitida pelo Diário de Notícias, Observador, RTP, Correio da Manhã e Sapo.

  • SNS: eu com prisão de ventre e o Governo a cagar para nós…

    SNS: eu com prisão de ventre e o Governo a cagar para nós…


    Hoje presenteio-vos com tema escatológico. Não no sentido filosófico (e teológico) da expressão, embora tenhamos de pensar seriamente no nosso iminente fim se sua Eminência o Serviço Nacional de Saúde não atinar com o seu fim, isto é, com o objectivo para o qual o seu criador – em minúscula, por ser ente político – o fez.

    Na verdade, é fezes – é, podemos assim dizer, na acepção coprológica da função terminal do processo digestivo, sobre fezes que eu aqui obro. Escatologia dura, portanto, confesso-vos.

    E assumindo ser questão que “mete nojo à vontade mais gulosa” – como glosou Bocage (ou terá sido o Abade de Jazente?) no soneto Cagando estava a dama mais formosa –, mesmo assim, sendo “fedentinosa” coisa, necessário falar se mostra, mesmo que não se olhe nem se cheire.

    Pois bem: temos por aqui um (espero ser problema passageiro) pequeno desarranjo intestinal que, enfim, após duas recentes passagens pelas urgências, com terríveis mas efémeras dores abdominais (para os homens sempre insuportáveis) sem diagnóstico conclusivo – análises e raios X deram OK –, deu como sugestão uma consulta da especialidade na competente especialidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Claro. “Marquei através do sistema”, garantiu-me a médica nas urgências do São José. “Mas é capaz de demorar”, avisou.

    Entre a segunda ida às urgência, em 3 de Outubro, e marcação da consulta da especialidade de Gastrenterologia passaram duas exactas semanas. Acresceu mais uma semanita e pouco para expedição e recepção da carta. Leio-a para vós, mas está aqui: “Comunica-se que tem consulta marcada na especialidade acima referida [Gastrenterologia] para as 15:00 horas do dia 24 DE AGOSTO DE 2023 em Capuchos Pav Consult.”, isto é, no Hospital dos Capuchos, em Lisboa.

    Portanto, marcaram-me uma consulta para daí a 311 dias. Um bebé demora menos tempo a criar-se e a sair da barriga da mãe. Ao dia que aqui vos escrevo, faltam ainda 294 dias! Até lá espero dar muitas descargas de autoclismo… de contrário, rebento!

    Mas, entretanto, lembro-me que deve haver, senão uma lei, pelo menos bom senso sobre as consultas do tão apregoado e elogiado SNS, que agora até tem um director executivo novinho em folha.

    Carta-convocatória datada de 17 de Outubro de 2022 para uma consulta em 24 de Agosto de 2023.

    E parto à pesquisa.

    De acordo com a Entidade Reguladora da Saúde, “por regra, a primeira consulta de especialidade hospitalar deve ser realizada em 30, 60 ou 120 dias seguidos e contados a partir do registo do pedido da consulta efetuado pelo médico assistente do prestador de cuidados primários, através do sistema informático que suporta o Sistema Integrado de Gestão do Acesso (SIGA SNS), consoante a consulta seja de realização ‘muito prioritária’, ‘prioritária’ ou ‘normal’, respetivamente.”

    Portanto, sobre o meu caso, e considerando que me devem ter classificado como situação “normal”, estou bem tratado… ou tramado.

    Vou ao site dos Tempos Médios de Espera do Serviço Nacional de Saúde (SNS) – que, em tempos houve políticos que até julgavam que os contribuintes devem saber o que anda a fazer – para aferir a situação concreta do Hospital dos Capuchos para o serviço de Gastroenterologia.

    Pasmo. Nunca sou dos que pensam que as coisas más só a mim sucedem. Nos registos, surge uma pessoa com estado considerado “muito prioritário” que vai ter de esperar 50 dias pela sua consulta, exactamente igual ao tempo de espera média dos 40 casos “prioritários”. E depois contam-se 700 pessoas em condição “normal” com tempo de espera médio de 122 dias. Portanto, estarei largamente acima da mediana do tempo de espera.

    Cheira-me, além disso, a aldrabice estatística: se 40 casos prioritários aguardam em média 50 dias, não sei como 700 casos (17 vezes e meia mais) passam a ter um tempo média de “apenas” 122 dias, ou seja, pouco mais do dobro (2,4 vezes mais).

    Convenhamos que, consultado o site do SNS, concluo que tenho azar de viver na zona histórica da capital. Se o “meu hospital” fosse o Santa Maria, o tempo de espera seria de 92 dias em condição “normal” (tem, neste momento, 452 doentes aguardando consulta). Em condição “prioritária”, contudo, o tempo de espera é mais elevado do que nos Capuchos: 57 dias, em média para os 81 doentes.

    Melhor estaria se fosse utente do serviço de Gastrenterologia do Hospital Amadora-Sintra: 11 casos “muito prioritários” com tempo médio de espera de 23 dias, 105 “prioritários” com 67 dias e 11 “normais” com 81 dias. Nada mau. Dentro dos parâmetros definidos por lei.

    Tempo médio de espera de consulta de Gastrenterologia no Hospital dos Capuchos no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central. Fonte: SNS.

    Idem para o Hospital Garcia de Orta: 10 casos “muito prioritários” com 24 dias de espera média; 30 casos “prioritários” com 51 dias e ainda 179 casos “normais” a aguardarem, em média, 93 dias.

    Fui ver fora de Lisboa: por exemplo, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Os 11 casos “prioritários” têm um tempo de espera de 52 dias, enquanto as 881 pessoas com condição “normal” aguardam, em média, 200 dias. Ui!

    Isto é uma roda da sorte!

    No Porto, não se está muito melhor. No Hospital de São João, por exemplo, a Gastrenterologia tem 32 dias de espera para os 11 casos “muito prioritários”, 45 dias para os 94 casos “prioritários” e 141 dias para os 782 casos “normais”.

    Busco entretanto ao calhas, sem critério definido. Vejamos o Hospital Distrital de Santarém: pasme-se também, pelo absurdo. Em terras escalabitanas, temos 34 pessoas em condição de “muito prioritário”, com “direito” a tempos de espera de 248 dias. Estranhamente, em grupo, estão estes mais mal servidos do que aqueles que são classificados com condição “prioritária” (235 dias de tempo médio de espera para os 37 doentes) e muito pior do que os que apresentam condição “normal” (73 pessoas esperam, em média, 149 dias pela consulta).

    Sigo para o interior. Imaginemos que sou de Bragança. Azar: não há serviço de Gastrenterologia. Desço para a Guarda: há um serviço no Hospital Sousa Martins, mas nenhum dos doentes ali referenciados (seis “muito prioritários”, 107 “prioritários”, 94 “normais” e três sem atribuição) tem definido um tempo médio de espera. Deve ser quando calhar.

    Já em Viseu, parece ser vantajoso ter ali doença desta especialidade: só há pacientes em condição “normal” (156) com tempo médio de espera de 53 dias. A coisa deve piorar, porém, quando distribuírem os 107 doentes que ainda não têm classificação de prioridade…

    Em Castelo Branco, não está mal, tendo em conta as circunstâncias do país: 21 pessoas, todas classificadas em condição “normal”, têm um tempo de espera médio previsto de 49 dias.

    Em Évora mostra outra situação sem nexo: 27 doentes “prioritários” têm tempos médios de espera (96 dias) superiores aos dos 153 doentes classificados como “normais” (85 dias)

    Poderia continuar a análise, mas não pretendo fazer um tratamento exaustivo sobre o estado da Gastrenterologia no SNS. Basta estes para exemplo. Para mostrar como não há lógica, não há política de saúde pública, enquanto o Estado – ou melhor dizendo, o Governo – olha com sobranceria para os problemas que fogem do mediatismo do momento. Para aquilo que não é prioridade mediática, deixa andar…

    Antes da pandemia, a Gastrenterologia tinha já mais de um terço das consultas a superar os tempos máximos de resposta garantidos (TMRG). A situação terá, certamente, piorado desde a pandemia, e muito; tanto assim que estamos em finais de 2022 e nem sequer dados sobre a situação de 2020 foram já disponibilizados pela Entidade Reguladora da Saúde.

    Sabe-se bem que o tempo de intervenção, em doenças desta especialidade, entre os primeiros sintomas e um diagnóstico, é muitas vezes vital; determina se se vive ou não.  

    Ora, também se sabe que, durante dois anos, o Estado – leia-se, o Governo – não teve mãos para despejar rios de dinheiro para uma doença (covid-19) que, entretanto, se tornou endémica, matando, segundo dados oficiais, um pouco mais de 25 mil pessoas, não se sabendo bem quantos com e quantos por causa do SARS-CoV-2. Só em vacinas foram 660 milhões de euros; de testes e outros materiais e medicamentos, nem se fala.

    Porém, para outro tipo de doenças, de que as do aparelho digestivo são um bom exemplo, o Estado – leia-se, o Governo – deixou degradar os serviços públicos para o nível da indigência. E isto sabendo-se, por exemplo, que os cancros digestivos são responsáveis por cerca de 10 mil mortes por ano, que a dispepsia afecta entre 20 e 40% da população, a doença do refluxo gastro-esofágico 35%, a infecção por Helicobacter pylori entre 60% e 70%, e a síndrome do intestino irritável aproxima-se de um milhão de casos.

    E, na verdade, nem se pode dizer que, globalmente, haja falta de médicos desta especialidade. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, Portugal tinha 634 gastroenterologistas em 2021, dos quais 253 da Área Metropolitana de Lisboa e 191 no Norte e 130 no Centro. Num relatório de 2011, a Administração Central do Sistema de Saúde considerava que o rácio para os serviços de Gastrenterologia deveria ser de 3,0 médicos por 100.000 habitantes. Significa que, actualmente, temos assim mais do dobro das supostas necessidades.

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    Mas, então, onde estão esses médicos se os tempos de espera no SNS são, no mínimo, desesperantes?

    Estarão no privado, onde, obviamente, eu terei de recorrer?

    Estaremos a sofrer os efeitos de (mais) uma teia de interesses, que agrada ao Governo, estando os políticos impavidamente a assistir à propositada degradação do SNS até níveis catastróficos, de sorte que, quem tem algumas posses e/ou preza a vida, acaba por optar por médicos em hospitais privados?

    Que se anda afinal a passar no país que canta hosanas, batendo no peito, ao SNS, mas que, pela calada, apaparica as empresas privadas que não param de seduzir médicos, desviando-os do sector público?

    Perguntas pertinentes, mas que não retiram o cerne à (minha) questão interna: ando eu com prisão de ventre e o Governo a cagar para nós…

    E a deixar que Portugal se transforme num país “onde o fedor, e a trampa habita”, como o soneto oitocentista dizia sobre o “sombrio palácio do alcatreiro”.