Etiqueta: Tinta de Bisturi

  • Saúde: uma autópsia – parte II

    Saúde: uma autópsia – parte II


    Temos pois um Portugal com gente com má saúde. A saúde oral é um estado calamitoso. A saúde mental é uma amargura. A nutrição é a rainha de uma epidemia multipatológica, que envolve os excessos de hidratos de carbono, a falta de verdura, a má confecção de alimentos, e claro, a obesidade como fonte da diabetes, da hipertensão, da obstipação, da dor nos joelhos, das doenças psiquiátricas, das doenças inflamatórias intestinais.

    A falta de exercício, a ausência de incentivo ao desporto, quer escolar quer nas instituições, carrega consigo inúmeros problemas como ausência de incentivo à elegância postural, ausência de formação para carregar pesos, ausência de conhecimento mínimo sobre as consequências de uma má cadeira, de um computador mal colocado, um esforço mal doseado ou medido, uma tarefa em posição viciosa. As baixas por dores são inúmeras, as de inadaptação psíquica estão a aumentar, os males da alma, e as teimosias dos trabalhadores também não ajudam.

    Retrato do Midjourney imaginando um hospital caótico em Portugal.

    Tudo isto, que é do domínio da prevenção, da educação e da formação pré-hospitalar; aquilo em que o Partido Socialista menos tem investido, e que mais lucros traria ao país e à população, foi até agora deixado ao Deus dará – Diz que Deus diz que dá, mas para já… demagogia.

    Com toda esta patologia, os doentes procuram diagnóstico e tratamento e poderiam recorrer a vários lugares – consultórios médicos (como em França e no Luxemburgo, onde o dinheiro segue o doente), clínicas, centros de saúde, medicina de proximidade.

    Esta podia ter a possibilidade de activar meios complementares de diagnóstico céleres e também próximos. Podia ainda ter facilidade de encaminhar para resolução em clínicas aquilo que não é grave, mas é urgente pois condiciona dor, grande desconforto, apesar de não colocar a vida em risco.

    Esta opção de não usar recursos privados ou das misericórdias, ter construído um cem número de dificuldades à pratica livre da Medicina e Enfermagem, foi a estratégia socialista contra os pequenos. Um tema que não vem ao caso, mas que importa recordar: matar a farmácia, a loja, a mercearia, o consultório é uma ideologia em favor dos negócios, dos grandes donos do mundo actual, que tem certificações, taxas, exigências ao nível do absurdo, entidades e administrações a comprometer a via aérea dos pequeninos. Claro que não respiram.

    Esta realidade veio com a estratégia de reduzir camas, destruir a assistência pública de proximidade – os tribunais nos Concelhos, os hospitais das comarcas, os postos de atendimento permanente e as escolas das aldeias. Em favor de uma escala maior, que tem obviamente vantagens e desvantagens. Em Saúde as desvantagens estão a descoberto – não tendo onde ir vai-se à urgência. A urgência de hoje é como ir “ao Inter” ou ao Pingo Doce.

    Os próprios doentes, desprovidos de qualquer limite, utilizam indevidamente um recurso que agora começa a queimar–lhes o futuro. Fechando urgências grandes, vai morrer primeiro “gente pequena”. A “gente grande” tem recursos para outros voos, numa fase inicial. É por isto que o Estado deve ter estratégias, perceber os sistemas reguladores, as lideranças que identificam os problemas e os tentam equilibrar.

    red vehicle in timelapse photography

    Os primeiros passos para reduzir este afluxo desmesurado está na coabitação público-privada, na colocação de taxas de utilização, na construção de melhores fluxogramas de atendimento e protocolos de orientação. Formação de médicos para urgência é importante também.

    O fim das parcerias público-privadas (PPP) foi uma catástrofe para Loures, Vila Franca de Xira e Braga. Os centros hospitalares reduziram camas, aumentaram listas de espera, afastaram dos cuidados milhares de doentes. A aposta nos cuidados continuados é uma das grandes falácias que empurra os doentes para unidades onde não há qualquer tratamento de situações agudas, retirando o cuidar das famílias, transferindo para “lares caros” internamentos eternos e nas mãos de negócios, esgotando recursos válidos do lugar onde deviam estar.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Saúde: uma autópsia – parte I

    Saúde: uma autópsia – parte I


    É preciso que todos saibam que relatórios a prever a situação actual não faltavam.

    É fundamental saber que desde os privados aos públicos, e mesmo os observatórios de saúde, foram deixando informação. O Conselho de Finanças Públicas, a Administração Central do Sistema de Saúde e até o Observatório Português dos Sistemas de Saúde, que “é constituído por uma rede de investigadores e instituições académicas dedicadas ao estudo dos sistemas de saúde e produz anualmente um documento síntese da evolução do sistema de saúde português.”

    É preciso reconhecer que a demagogia governamental e as suas capacidades em aldrabar a realidade se tornaram perversas e ilimitadas. Manuel Pizarro é um dos agentes da demagogia mais burilada. Há poucos dias afirmou que a crise da saúde se deve à melhoria do sistema que a política do Partido Socialista (PS) foi construindo.

    De facto, esta enormidade contraria os relatórios todos. Os portugueses vivem muito, mas sem saúde. O número daqueles que perderam Medicina Familiar aumentou 30% com o PS. A falta de médicos de família afecta 61% da população de Lisboa. Os médicos dentistas têm também documentos onde se prova a medíocre saúde oral dos portugueses. Os psicólogos têm documentos que comprovam a crescente presença de depressão e ansiedade sobretudo em jovens. Manuel Pizarro mente e não se importa, pois para ele o lugar de Ministro é uma apoteose, um momento de êxtase.

    Os médicos estão zangados porque não querem fazer mais horas extraordinárias. Alguém se pode opor a esta reivindicação? Cumprido o meu horário vem o patrão e manda fazer mais horas, pagas, mas acima do meu contrato. Só faz quem quer! A isso se chama trabalho extraordinário. Isto é básico e não carece de bitaites ou opiniões.

    Os médicos detestam urgências, sobretudo. Sim porque se transformaram num caos graças à destruição do atendimento primário. Hoje, qualquer pessoa que sente uma maleita por mais pequena que seja só tem uma porta de entrada no Serviço Nacional de Saúde: a urgência.

    people in white shirt holding clear drinking glasses

    Imagine que trabalha com fruta e entram no mercado 1.500 pessoas por dia. Ou na loja de roupa com ritmo natalício todos os dias. Não se aguenta psíquica nem fisicamente. E estamos a falar de Saúde, de decidir sobre prioridades em que o tema é vida e falta dela.

    Sabia-se que os salários baixos acarretariam fugas dos técnicos para o privado. Sabia-se que estender prazos de atendimento na Medicina Familiar carregava as urgências. Sabia-se que reduzir o número dos que pagam taxas “facilitava” o acesso a urgências.

    O PS retirou 6% de proventos do SNS ao acabar com as taxas, deu a informação errada que a Saúde é de graça e não tem limites. O SNS promoveu métodos de medicina defensiva que acarretam protocolos e normas que aumentaram os exames complementares e as incertezas dos profissionais para dar altas.

    Não se construíram mecanismos de encaminhamento nem de resposta atempada. Não se promoveu a tecnologia como solução para consultas online. Os computadores hospitalares e a maioria dos programas lá instalados são dinossauros inadaptáveis à Inteligência Artificial.

    Deste modo, as Urgências converteram-se na voragem caótica onde se espera e desespera. No final, acabam por cumprir a sua função à custa da exaustão dos funcionários. Um auxiliar com salário mínimo é um recurso que não aumentou nos hospitais. A higiene em outsourcing não é chamada a aumentar a resposta à afluência. O número de camas por metro quadrado não permite retirar os doentes das ambulâncias.

    Mas este caos tem alguma coisa a ver com exclusividade? Esta falta de apoio aos médicos e enfermeiros melhora com a alteração do vínculo de trabalho? Claro que não!

    A demagogia culpabilizadora atacou a greve dos enfermeiros e silenciou a inédita greve dos farmacêuticos hospitalares. Agora vêm com inúmeras mentiras contra os médicos. Os biltres que o PS tem nas redes sociais a denegrir a cidadania, e a apoucar a opinião contrária, são mestres na ofensa e na propagação de injúrias.

    Os médicos estão em luta porque o sistema rebentou pela incúria, incapacidade de previsão, ausência de antecipação aos problemas, falta de soluções credíveis e sobretudo os inúmeros tiros nos pés que estiveram em roda livre.

    Retrato do Midjourney imaginando um hospital caótico em Portugal.

    O fim das PPP foi uma catástrofe para Loures, Vila Franca de Xira e Braga. Os centros hospitalares reduziram camas, aumentaram listas de espera, afastaram dos cuidados milhares de doentes. A aposta nos cuidados continuados é uma das grandes falácias que empurra os doentes para unidades onde não há qualquer tratamento de situações agudas, retirando o cuidar das famílias, transferindo para “lares caros” internamentos eternos e nas mãos de negócios, esgotando recursos válidos do lugar onde deviam estar.

    Continuarei na próxima semana…

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Saúde Pública: abrir, fechar, abrir de novo…

    Saúde Pública: abrir, fechar, abrir de novo…


    Uma realidade que se muda sem haver avaliações das vantagens, nem perspectivação de consequências, é sempre uma evolução, mas que pode encontrar um abismo. 

    A verdade é assim que nas últimas décadas se decide e organiza em matérias de Saúde Pública.

    Há umas mentes iluminadas que decidem juntar serviços médicos.

    orange room with open door

    Outras mentes decidem criar centros hospitalares. Gente mais inteligente ainda encerra serviços com ocupação de 90%.

    Fecham-se camas hospitalares para construir cuidados sem o mesmo nível de assistência ou de apoio. Fecham-se hospitais, que, por vezes, se reabrem para suprir falhas que eram óbvias antes do fecho.

    Criam-se corredores de centros hospitalares com 40 quilómetros de distância. Transitam ambulâncias num insano negócio que parece compensar o Estado, ou servir bem os acólitos das decisões.

    Para melhorar a ideia deste esquema demente, ninguém avalia as medidas postas em prática e as consequências das decisões tomadas. Já careciam de medir os dados antes de tomar decisões; que já eram tomadas em gabinetes carregados de funcionários sem exposição no terreno, sem conhecimento algum da situação da saúde nacional.

    brown wooden door with padlock

    Os directores de serviço não têm poder, não podem interferir com outros profissionais, não gozam da capacidade de afastar gente problemática, não se lhes paga pelo incómodo, mas “exige-se-lhes” resultados de produção. Também se perpetuam directores com péssimos resultados, como se excluem os que atingiram objetivos, sempre sem critérios coerentes. 

    Vem um iluminado e fecha uma enfermaria. Vem outra lâmpada e encerra uma urgência. Depois vem uma gambiarra e constrói uma necessidade: registos de hora a hora impossibilitando qualquer atividade com os doentes. Burocracia substituindo gestos terapêuticos e de contacto com os doentes. Muito computador, muito registo que seria lógico se houvesse estudos nascidos deles.

    Infelizmente, é como nas inspeções militares, que durante décadas inscreveram milhões de registos em papel que nunca serviram para editar qualquer trabalho ou tomar qualquer decisão. Jazem algures nos quartéis, onde elas se faziam, ocupando quilómetros de estantes, isto se um candeeiro não os mandou queimar. 

    Trabalhamos assim desde há 20 anos. Eu estava na Cirurgia 2 que integrou a cirurgia do Hospital Geral (HG) de Coimbra, que depois se converteu em Cirurgia C que integrou as compactadas do Hospital da Universidade de Coimbra (HUC) e agora somos a Cirurgia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) única, com corredores de oito quilómetros e uma produção coletiva que não sei se é melhor que a dos cinco serviços unidos, não sei se tem melhores resultados que a dos cinco separados e não sei se tem menor lista de espera. Aliás, ninguém parece saber!

    Esses argumentos nunca aparecem nas decisões tomadas. Sei que em urgência os doentes do distrito estão pior, sei que em resposta à disponibilidade de camas os doentes estão muito piores. Cheira-me que em matéria de custos esta solução é mais cara que as dos cinco em separado. Também não há nenhuma prova, nenhum trabalho científico, que prove que a dedicação plena ou a exclusividade médica tragam benefícios onde a liderança tem dificuldade na exigência.  

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Sim, Clara, eis o desgoverno do Governo

    Sim, Clara, eis o desgoverno do Governo


    Clara Ferreira Alves partiu a loiça toda numa recente presença na televisão: criticou o Portugal da balbúrdia dedicado ao Governo de António Costa. Uma fã da opção socialista, uma certificada defensora do voto à esquerda, percebe agora, de modo retumbante, a ineficácia de uma governação que nada constrói além de um jeito sexual de produzir lei.

    Eles são o mete e tira, o faz e desfaz. Ontem, a TAP era um hub e uma necessidade pública, uma certeza que nos custou mais de três mil milhões. Hoje, a TAP é um presente para a privatização a 100%, mas que não renderá os investidos. Ou seja, a TAP é uma cerâmica concertada que se vende sem pagar a quem o concertou. Ou estamos perante a maior das mentiras: pagámos para concertar e ficou igual ao que estava- uma jarra quebrada, a vender na feira da ladra.

    Sim, Clara, eu apercebi-me do mesmo há vários anos, e por isso me afastei do PS, que aposta nas franjas das minorias, nas decisões sem alicerces e assim cria problemas vindouros em tudo o que toca. São como leis sem regulamentos: não se aplicam apesar de existirem. A nova loucura é a questão da “mais habitação”. O Estado ladrão, dono de milhões de casas devolutas – entre os legados da CP, EDP, barragens, quartéis, hospitais, centros de saúde, escolas primárias, abandonos sem conhecimento de proprietário, muitos no centro nevrálgico de cidades – prepara-se para “obrigar” os proprietários a colocarem no mercado aquilo que herdaram ou compraram com planos bem elaborados, com organização familiar fundamentada. O ladrão invade, como sempre, a cidadania exemplar.

    Mas este é o António que nos deixa com milhares de problemas para regulamentar e resolver.

    Eis as matilhas que sobram das leis de proteção de animais.

    Eis o roubo aos que acreditaram na mobilidade elétrica e que são vítimas do assalto dos carregadores sem ordem e sem lei.

    Eis a enormidade do IVA não pago na venda de barragens.

    an aerial view of a dam in the middle of a lake

    Eis a demência do custo energético depois de se fecharem as centrais de carvão.

    Eis o estado a que chegou a saúde pública, o sistema judicial e penal, o Ensino, os transportes.

    Eis o ataque das minorias à língua, aos costumes, à proteção da família.

    [Sim, há uma quantidade de estupidez que vai do acordo ortográfico em curso até à exigência de desnecessidades construídas para nos entreter em vez de lutarmos por salários dignos e um Estado menos Godzilla, menos King Kong.]

    Este Estado tem um estômago voraz e um cu de benesses que produziu da fortuna de impostos de quem trabalha. Um regador de dádivas para os votos dos simples, dos que, por razões várias, não emigram, dos que se refugiam encostados à sombra do rendimento mínimo, dos que recebem complementos para sobreviver depois dos salários (isto é, em si mesmo, uma enormidade).

    Portugal criou uma Sicília de grupos que protegem suas benesses sem controlo, sem fiscalização e, desse modo, perpétua uma Universidade maioritariamente medíocre, um sistema de Saúde cada dia mais torpe, uma justiça por onde escoam os mega-processos, onde as acusações mal fundamentadas e instruídas esbarram com a lei.

    Sim, Clara, esta balbúrdia é possível porque a liberdade de imprensa e de informação acabou e se presenteiam os seguidores, os camaradas do regime. Recorde-se como um beijo em Espanha foi mais importante que seis mil milhões de impostos gastos a comprar eletricidade de centrais de carvão, mas espanholas!

    Também tu, Clara, tens dito nada sobre isto, sobre o que se passa com as decisões do PAN levadas a cabo pelo PS, sobre os dados que comprovam que não morreu ninguém abaixo de 30 anos em Portugal na tal epidemia que te assustava tanto.

    Também tu, Clara, não queres saber nem te queres informar. Talvez agora, quando te mandarem sair da TV, te retirarem as crónicas do jornal… recorda-te: quem se mete com o PS, leva!

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Lições à suposta Tecnociência em tempos de pandemia

    Lições à suposta Tecnociência em tempos de pandemia


    – Vou dar-vos uma doença nova – e assim surgiu a covid-19. Uma doença que num quadro exuberante é tremenda. Descobrimos assim que estávamos na Idade Média, e lá saltaram os feiticeiros: os donos de medicação curativa, os teorizadores da calamidade, os defensores de negócios sem moral, os fazedores de tratamentos – as mezinhas, os chás e os fumeiros da peste negra.

    Veio o ostracismo, o evitamento, a culpabilização – somos tão fáceis de perceber, tão repisados. Engraçado como em Setembro de 2023 tudo mudou – “estão-se todos borrifando para a infecção”! Os mesmos que prenderam os idosos, os que obrigaram a escrever morte por covid-19 até em politraumatizados, os que gritavam contra qualquer crítico. 

    person in white and pink striped long sleeve shirt

    Os da Idade Média em 2020, agora, em Setembro de 2023, quando a covid-19 dispara de novo, vivem silenciosos.

    Quando os seres humanos iam aos hospitais há três anos, estavam confiantes na Tecnociência, desconfiados da negligência, incrédulos da incurabilidade. Chegou em Dezembro 2019 um coronavírus, membro de uma enorme família, e disse:

    – Hummm!, vocês sabem pouco!

    Chocado ficou o povo que acreditava que o século XXI é sábio, cientista e cheio de sabedoria. Estávamos perante uma pandemia, uma nova doença, um “micróbio” que nos afrontava com despudor. Afinal, tínhamos serviços de Saúde, especialistas em fármacos, meritórias universidades e dezenas de médicos por mil habitantes. O vírus possivelmente disseminou-se mais depressa do que se pensava e atacou o mundo inteiro viajando em low cost, nos paquetes e aviões. Quando deram por ele confinaram-se as crianças e depois os pais e, por fim, os avós.

    – Boa! Vamos pela mão das crianças infectar os avós.

    E foi e infectou.

    As pessoas com mais de 70 anos, com algumas doenças, foram as mais atacadas, de modo selectivo, com uma demoníaca incidência.

    – Vou matar milhares!

    man in white thobe walking on grey and yellow concrete pavement

    E matou, pelo Mundo todo, como se sabe. Só que não foi nada semelhante à SIDA; nada próximo da Peste; nada comparável à gripe espanhola – e todos sabem, todos têm a certeza disso!, à posteriori. No fim do jogo, há quem já aceite que exagerou, há quem se arrependa do que vociferou.

    Afinal, agora, estamos com a maior taxa de infecção – atenção, taxa de infecção – desde que este vírus apareceu em 2019. São milhares por dia. É um vírus atenuado, mais adaptado aos humanos, como teria de ser, e possivelmente uma estirpe insensível à vacina em uso, mas a dar biliões de lucros.

    Um vírus destes não ataca crianças, nem jovens saudáveis nem adultos com saúde? Ataca, mas unanimemente eles conseguem defender-se com um desconforto maior ou menor. Em Portugal, nenhum jovem de menos de 30 anos morreu de covid-19 – mesmo se teve um teste positivo –, desde que tudo começou. Ninguém sem patologia major de outra espécie morreu de covid-19 com menos de 40 anos. Mas houve alguns gravemente doentes – sim! Mas menos de duzentos em todo o Portugal e PALOP. Tínhamos meios para os salvar e salvaram-se!

    A Medicina Baseada na Evidência não demonstrou nada, não descobriu a razão, a forma, o mecanismo de acção, as taxas de mortalidade e de infecção, não fez grupos controlo, não conseguiu retirar certezas além de que a mortalidade naquela forma clínica major era o quinto dos infernos.

    People Wearing DIY Masks

    Provou-se que a eficácia dos fármacos usados “em desespero” foi de muito baixa eficiência.

    O desespero foi afinal uma taxa de mortalidade de 0,7%, o que em Epidemiologia é uma festa, uma boa nova!

    Sim, talvez 0,7% dos doentes graves vão morrer – este número não está claro. Sim, destes, 80% têm um padrão igual aos nossos avós. Sim, sabemos que 0,7% de milhões são sempre muitos! Sobretudo porque os seres humanos são mesmo muitos.

    Mas esta não é uma Walking Deads, esta não foi a vingança do ambiente contra a demografia. Esta não matou mais que a fome, não aniquilou o mesmo que Staline, ou Pol Pot, ou o Nazismo. As formigas não perderam a termiteira, só viram um desaire num carreiro. E não está provado que antes do confinamento não houvesse já um “espalhamento” global e daí o efeito positivo dos lockdowns não ser ainda claro.

    Sobre a vacina em 2021 – eu fiz! Eu também injectei o receio! Mas esse é outro tema de debate!

    Certo é que os não-vacinados não estão a morrer deste surto de Setembro de 2023! Os não-vacinados estão a apanhar, sem problema de maior, a mesma infecção, pelo mesmo vírus que todos os outros.

    Woman Wearing Mask on Train

    O SARS-CoV-2 é, por tudo isto, uma desilusão completa sobre a Humanidade da Tecnociência. Temos de voltar a estar na rua e a acabar com a ideia de que vamos para a praia de máscara ou nadar de escafandro.

    Resta concluir que os hipocondríacos não podem mandar no Mundo, pois nos conduzem à falta de senso, à ausência de leitura fria dos dados, à gestão das emoções sem utilização dos poderes de raciocínio, justiça e memorização. Temos de rever a nossa interpretação da morte, porque ela faz parte da vida.

    Por fim, não criemos, contudo, um peso de consciência porque deixámos os pais nos lares, e não fomos ver os avós durante meses – e agora morreram. Não me ofereçam falsa moral. Sei que o trabalho não se compadece, a vida é um rolo compressor, a riqueza da Humanidade está mal distribuída e para fazer melhor é preciso o vil metal. A moralidade e a ética de hoje estão encastoadas no dinheiro. Muito grave era morrerem os netos antes dos avós como na gripe espanhola.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Vencem-nos pelo cansaço

    Vencem-nos pelo cansaço


    A estrutura de atendimento de doentes hoje é uma escada de insatisfação. O primeiro degrau é o das pessoas, elas mesmas, que estão insatisfeitas com a vida, com o custo desta, e com a desesperança de trabalhar e não conseguir sair da cepa torta. Trabalhar não garante Habitação, Educação, Segurança, Justiça e Saúde. Mais grave é que não garante aquecimento ou conforto. É o maior falhanço da governação portuguesa.

    Isto traduz-se em depressões, ansiedades, desespero, relações doentes. Casa onde não há pão…

    O degrau seguinte é buscar soluções gratuitas onde se inclui o recurso a urgências hospitalares. As urgências servem para suprir a falta de Medicina Familiar, a má prestação aos cuidados continuados, a ausência de apoios eficazes nos lares, os constrangimentos criados sobre as consultas privadas.

    Em França, a opção pode ser consultar um clínico, fazer os exames que pede e o dinheiro segue o paciente. Assim se retiram milhares de pessoas de urgências sobrelotadas. É o misto entre público e privado. Aqui a ideologia não quer. Se tenho um problema de pele poderia ir a um atendimento dermatológico. Se a próstata me perturba ia a um urologista.

    Deste modo, o Estado pagava o valor que custam estes atendimentos, directamente aos clínicos nos seus espaços. Mas claro que a ideologia tem destruído, com milhares de regras e certificações, o exercício privado e pessoal da Medicina.

    Os constrangimentos forçaram a encerrar o que nunca causou problemas, para agora produzir monstros empresariais que abrem como cogumelos na voracidade das seguradoras. 

    O degrau seguinte foi encerrar portas de atendimento para barrar o acesso desta vertigem que são as queixas miúdas, as queixas pequenas. Os doentes não sabem se o que agora sentem é grave, mas ouvem esses canais televisivos de estupidez sem fim a lançar o pânico, a conduzir a discursos de medo. Podiam verter a estratégia em ensino, em formação do simples, em atendimentos por Whatsapp filmados em directo. O queixoso adoraria ver-se na TV e a sua questão respondida em directo seria uma aula. Torci o pé, apareceu-me rubor na mama, hoje tenho o rabo quente, sinto este sinal a crescer… Construíamos doutores da mula russa, mas agora com a experiência de terem visto algo semelhante na TV.

    O degrau maior é o espaço de urgências como a do Hospital dos Covões, onde um ou outro médico se atreve a enfrentar a horda de queixosos que não tem outro lugar onde ir. São dezenas de pedintes de clemência e ajuda por aquilo que não sabem se é grave, mas não têm outra porta, ou não a querem usar, ou acham que nas urgências é melhor.

    man in red shirt driving car

    A verdade é que esperam, fazem alguns exames, são vistos de modo indiferenciado entre indigentes mal comportados, loucos sem soluções na actual organização dos serviços públicos psiquiátricos, ansiosos crónicos, superutilizadores de urgências (milhares inscrevem-se mais de 15 vezes por ano em urgências, além de consultas, atendimentos privados), etc.

    Neste processo, a gestão não se preocupa com os tempos de espera, não se preocupa com a falta crónica de agentes de qualidade, com agentes médicos que aportam eficiência. A urgência dos Covões é já uma anedota e um case study do que não devia estar aberto no sistema.

    O problema não são os doentes, nem os serviços, mas a ausência de uma Administração Regional de Saúde (ARS), a ausência de liderança do sistema. Uma ARS ausente, de cabeça enterrada na areia, sem soluções de atendimentos, sem avançar estudos sobre a satisfação dos doentes.

    man in black t-shirt lying on couch

    Hoje, dezenas de doentes abandonam as urgências, vencidos pelo cansaço, tentando soluções que desconheço, fugindo do desespero que é ser pobre apesar de trabalhar.

    A realidade é uma trovoada de desinteresse, um lugar onde o director de urgência do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) nunca aparece, onde o gestor-mor do CHUC nunca se inscreve para perceber aquilo que construiu. Ando tão envergonhado desta peça de teatro em que me colocaram de actor! 

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Vai-te F

    Vai-te F


    Aquilo que aconteceu em Loures, no Hospital Beatriz Ângelo, está a acontecer no país inteiro: doentes esperam horas em Urgências, cada vez em menor número, para encontrar soluções que careciam de camas, cada vez em menor número, com patologias cada vez mais difíceis de estabilizar sem internamentos.

    Também me recordo da decisão do Partido Socialista (PS) de reverter aquela parceria público-privada (PPP) convertendo a casa num problema, onde antes não existia. Também é verdade que aquilo que se passou está directamente relacionado com a idade/saúde dos doentes: pessoas de 95 anos não têm, neste país, um envelhecimento saudável e muitas estão gravemente doentes, e portanto é normal que possam morrer a qualquer momento.

    A esperança média de vida dos homens portugueses ronda os 80 anos. Anormal é não morrer a partir dessa idade. Anormal é pensar que vamos viver eternamente. Anormal é não se aconchegar quem sofre. Anormal é não se evitar transferências de doentes devido à área de residência. Se morresse onde aportou doente, sendo atendido com brevidade, nada era escandaloso nem enchia noticiários.

    Depois há um bombeiro a incendiar os telejornais, porque não usaram as suas capacidades. Uma pessoa da saúde que se lança nos meios de comunicação para demonstrar as suas convicções, devia ter caminho rápido para a rua do seu trabalho, note-se bem, pago pelo Estado. Portanto, temos uma política de saúde que conduz a mortes nos hospitais e às portas destes. Mas votámos em maioria quem já governa há oito anos ainda a falar do Passos Coelho.

    A opção de encerrar para poupar dinheiro foi uma escolha escolar, uma opção de ministros e de políticos que não compreendem o país dos 650 euros por mês. Ninguém consegue sobreviver sozinho com salários indignos que se perpetuam para garantir os erros políticos, como seja:

    1 – Fechar as centrais elétricas (seis mil milhões de euros);

    Antiga central do Pego (Foto: Médio Tejo)

    2 – Manter a TAP (quatro mil milhões de euros);

    3 – Encarniçar o apoio ao BES (talvez dez mil milhões de euros, se incluirmos PT, Banco Novo, etc.);

    4 – Persistir com as perdas fiscais/económicas por termos um tribunal administrativo ineficiente e de prescrições garantidas (talvez mais de quinze mil milhões euros);

    5 – A manutenção de milhares de lugares ineficientes na Função Publica  (talvez outros cinco mil milhões de euros), através do subsídio de fundações falidas, entidades inadequadas e outros chupismos do grande odre que é o Estado;

    6 – Perdas no IVA de empresas milionárias como a EDP (centenas de milhões de euros na venda das barragens;

    7 – Perdões fiscais e indultos a grandes devedores do Estado;

    8 – Ausência de políticas atractivas para as empresas que não querem pagar o IRC em Portugal (talvez mais de 20 mil milhões de euros).

    No mês de Setembro, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra encerra a enfermaria F nos Covões e, portanto, vai reduzir dezasseis camas, juntando-se às mais de 200 que já se reduziram nos últimos 10 anos. Mas essas camas tinham ocupações zero? Não, estavam sempre cheias.

    close-up photo of assorted coins

    Portanto, isto é um F às pessoas.

    É uma expressão, uma interjeição do poder sobre os doentes: que se F.

    A política de converter a capacidade de trabalho dos profissionais de saúde em tibieza, em negligência forçada, em fio da navalha com altas precoces, adiamento de internamentos.

    Tudo tem consequências e tudo acarreta dor e desconforto sobretudo ao grupo dos 650 euros. Onde vais tratar-te? Onde vais esperar pela vaga? Onde vais curar-te?

    Vai-te F.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A testemunha (da degradação do SNS)

    A testemunha (da degradação do SNS)


    Eu sou um artigo em si mesmo, porque não consigo explicar e descrever todas as dúvidas e constrangimentos que me assaltam em relação ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).

    Escrevi e descrevi inúmeras situações que careciam de mudança. Tentei explanar, de modo claro, as opções que nos conduziam a erros de postura e de funcionamento no ideológico e idealizado serviço de prestação pública que dá pela sigla SNS.

    Vi como gente dedicada se fartou, testemunhei o cansaço dos prestadores, a destruição de instituições de referência. Não importava ter ganhado prémios, ter sido o melhor, ter apresentado resultados fantásticos, havia sempre almas destruidoras que chegavam e tomando de assalto o poder decidiam pelo arraso e a destruição.

    Empty long corridor of modern hospital

    Recordo a construção da cirurgia de ambulatório do Santo António, gerida pelo Dr. Paulo Lemos. Demitido sem razão lógica após a construção. Eu próprio fui afastado da liderança daquilo que ajudei a construir com centenas de horas de dádiva aos Covões – por mim e internos e jovens especialistas. Servi para a construção, já para a manutenção foi o vê-se-te-avias. Só que dei centenas de horas ao Estado e à instituição que defendia.

    Arrependimento não mata – ou estava fulminado! Fiz parte do grupo que viu premiado o Hospital de Águeda em 2005. Fechado como instituição. Fiz parte do grupo que elevou o Hospital José Luciano de Castro, em Anadia, a melhor hospital nacional, aferido pelos doentes em 2013 e 2014. Foi entregue à gestão da Misericórdia em 2016, sem nunca mais se atingir este padrão.

    Sou testemunha da destruição do projecto do Hospital de São Sebastião na Vila da Feira. Vi como se acabou com o melhor hospital português em 2018 – Braga.

    Urgências exemplares, tivemos uma nos Covões e outra em São José. Ambas sofreram reduções e compromissos que as limitaram. No caso dos Covões, estamos mais ou menos ao nível do enterrado, o subaquático.

    empty building pathway

    O SNS foi arrasado por gestão inadequada, falta de prestação de contas, falta de exigência sobre os que abusavam do estatuto de funcionário público. Há uma infeliz sequência de premiar os comportamentos desadequados e não apoiar os prestadores interessados e com espírito de serviço e de missão.

    O prémio para muitos chegou antes do trabalho realizado. A construção de Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) foi uma lambada no empenho dos que ficaram fora das mamas de distribuir dinheiro. Os centros hospitalares demonstraram à saciedade como instituições se tornavam ingovernáveis.

    O encerramento de serviços de atendimento permanente e de pequenas urgências, associados com a falta de consultas abertas nos Centros de Saúde e nas Unidades de Saúde Familiar (USF), conduziu à demência de atendimentos nas urgências. Há milhares de pessoas que recorrem a urgências para ver resolvido o seu pequeno problema, mas a minha dor é sempre um “por maior”, e é intransmissível, e é condutora de ansiedade.

    Podíamos resolver esta questão, mas há um desinteresse evidente da tutela e dos actores políticos. Compromissos inconfessáveis com a privada? Opção pela destruição progressiva do SNS? Antes havia mais hospitais, mais camas, mais atendimentos, menos médicos e menos enfermeiros, muito poucos técnicos de saúde, diminuta presença de administradores de carreira e, de facto, entre 1975 e 2001, nunca ouvi encerramentos de instituições nem programas de mudança de lugar de atendimento.

    alley of abandoned building

    As instituições são muito o resultado das pessoas que aí trabalham, e, se permitimos o absentismo, não colocamos limite às ausências e às baldas a preguiça corrói. A liderança vigiada, que presta contas, implica a presença de capacidades de decisão, de qualidades de gestão e de opções financeiras e ainda algumas escolhas de protagonistas.

    A incoerência é outra das traves mestras do constrangimento. Criam-se fronteiras ao desempenho de alguns e depois roga-se pelas suas habilidades numa porta ao lado onde faltam os certificados e os da primazia. A saúde ruma para um paradigma que não me agrada, mas infelizmente o problema começa a parecer-me transversal.  

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A subida aos Céus não vai de Schindler nem de ThyssenKrupp

    A subida aos Céus não vai de Schindler nem de ThyssenKrupp


    Ascender ao Céu é a aposta de muitos na aproximação às igrejas. Buscam na sua ignorância o que a Igreja não promete: o paraíso após a vida.

    As igrejas são um local de encontro colectivo com Deus, ou deuses, e onde se procura a força do grupo para garantir os preceitos e as crenças. Tenhamos presente, contudo, que a fé é individual, única, invisível e intransmissível.

    Como qualquer necessidade, a fé não tem ajuda, nem pode ser levada por outro. Recordo as cruzes que transporta um bem-aventurado que realiza a promessa alheia. Os deuses nunca pediram promessas nem fizeram negócios. Os deuses nunca ofereceram mais que silêncio profundo. Nunca pediram oferendas.

    Anonymous person pressing button of lift

    Quem faz dessas coisas são homens e mulheres que representam deuses na Terra. De facto, desde Abraão, são pessoas que carregam profecias e mandamentos. Antes era o deslumbre da Natureza que endeusava o Sol, ou a Lua, ou as tempestades, ou os fogos. Os seres humanos utilizavam as crenças em seu benefício e ofereciam sacrifícios para espiar os seus erros e pedir favores. Sempre a ideia de divindades ao balcão da loja.

    Os profetas e os santos representam a humanização de Deus e, normalmente, as suas vidas são revoluções do indivíduo em prol dos outros. O eu projectado ao serviço da comunidade. A maior parte são obsessões ideológicas que se procuravam impor aos povos. A ideia de espalhar a fé a ferro e fogo, a ideia de catequizar pelo medo, só podia ser humana e nunca de um deus maior.

    Não espanta, pois, que a ascensão sonhada se tenha convertido nas igrejas em elevador social. Um erro de interpretação que São Francisco tentou expiar e explicar na simplicidade e humildade inerentes à dádiva e nunca à ascenção na vida terrena.

    View of Palm Trees on Beach

    O problema de todas as igrejas está no fanatismo de quem interpreta a mensagem. A obsessão por espalhar a fé, fazer com que outros carreguem a cruz, cumpram os preceitos do profeta.
    No caso do Corão, há um rígido descritivo de comportamentos e uma tabela de impossibilidade que lembra as obrigações de Maomé para a grande caminhada. São lideranças humanas que se iluminam de um discurso messiânico.

    Nas igrejas como estruturas organizativas de representação de Deus, já os homens se deliciam na conquista de poder, gestão de corredores, truques de secretaria, jogos de cintura, facadas na costas, para uma Ascenção mundana sob o desígnio da outra que é divina.

    A subida aos Céus não vai de Schindler nem de ThyssenKrupp; é sem elevador, sem escadas. O centro da modalidade que parece existir na região frontal dos nossos cérebros, condiciona comportamentos educados, de aceitação do outro, de beneficiência, de altruísmo que se esfumam quando um AVC ou um trauma comprometem este pedaço do cérebro.

    Hands Holding a Brown Prayer Beads

    Deus materializado na Ciência, definindo uma forma de perceber o conceito numa evidência anatómico/comportamental indiscutível.

    O elevador das igrejas, das empresas, dos partidos é frequentemente a confusão dos críticos. Há Ascenção de fé construída, e há ascenção e poder e ganhos secundários que são coisa de gente. Gente, certamente!

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Estou a virar à direita?

    Estou a virar à direita?


    Estou a virar à direita? Talvez, com a idade.

    Talvez pela mudança do lugar da esquerda woke.

    Não porque seja racista – o meu sangue está carregado de mistura e diáspora sobretudo indiano e chinês;

    ou fascista – sou pelos direitos humanos, gastei muito do que ganhei a apoiar quem precisava, a potenciar talentos, a defender causas, a montar associações de cidadania;

    Brown Wooden Arrow Signed

    não porque seja machista – envio ao Ministério Público todas as suspeições de violência doméstica, agressores envergonhados que acompanham vítimas que são atendidas numa urgência onde tenha estado;

    não porque não goste de animais – já dei comigo a enviar dinheiro ao IRA em dias em que me revolto com maus tratos;

    não porque seja ignorante – apesar da noção que tenho da imensidão do que não sei!;

    mas porque estou farto da idolatria esquerdista, da estúpida ideia de que a direita é sempre má, que não há violência inútil na esquerda, que os terroristas vermelhos são melhores que os da ultra-direita, que os ciganos têm mais direitos que deveres, que aos comportamentos gravemente danosos possa permitir-se prescrição, que a lei não se aplique a todos de modo coerente, que a legalização de imigrantes esteja fora de qualquer controlo, e Portugal se esteja a tornar uma plataforma de entrar na Europa, sejamos uma maternidade de converter o Mundo em europeus, que os impostos sejam os maiores de que há memória e os subservientes da esquerda não falem nisso, que o controlo da linguagem se esteja a fazer como uma medida progressista, que a impunidade comodamente se instale em Portugal, que a autoridade tenha perdido sentido com a colocação de uma manada de incompetentes em todos os cargos do estado.

    Close-Up Photo of Left Hand

    Sim, por estas razões estou a endireitar.

    Sim, por perceber como o PSD tem vergonha do seu lugar político no centro direita, a sua colocação clara na oposição a esta tomada de assalto ao estado democrático, estou a endireitar.

    Com pena, mas com sentido revolucionário de perceber que essas esquerdas e direitas já acabaram, e hoje há novas fronteiras que nos separam!

    Não esqueço como o PSD permitiu esta maioria absoluta ao deitar fora 100 mil votos do CDS para não manter a coligação.

    Não esqueço como gastam mais cartuchos uns com os outros, que a fazer luta política, os do CDS, PSD e até Chega e IL.

    Situado entre algumas liberalidades e uma imensa noção da importância do estado no equilíbrio da distribuição e da equidade, sou completamente contra águas privadas, EDP privada, educação e conhecimento oferecido para cumprir Estatísticas, Saúde e Justiça que não funcionam. Também sou a favor de colocar taxas sobre o enriquecimento escandaloso ou o inexplicável.

    red and blue arrow sign surrounded by brown trees

    Não tenho tabus sobre a utilização privada para o bem comum. A garantia pública de segurança e justiça veloz e eficiente, medida em resultados incontestados. Sou anti-woke. Leio atento Peter Singer, José Carlos Ruiz, Daniel Innerarity, Giorgio Agamben e muitos outros, vivos que se debatem na intensidade do que é o pensamento contemporâneo, à espera de outros rumos, longe dos estereótipos do passado. A sociedade aberta luta contra os velhos inimigos!

    Enfim, onde fico? Ando perdido entre estribilhos de esquerda e alguns gritos da direita.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.