Etiqueta: Tiago Franco

  • A hora dos capitães

    A hora dos capitães


    Quando, no fim do debate de ontem, entre todos os partidos com assento parlamentar, a opinião, mais ou menos unânime, de que o Carlos Daniel tinha sido o vencedor, ficamos elucidados sobre aquela hora que jamais recuperaremos.

    Começo pelo fim. Pelo momento em que todos se juntaram em amena cavaqueira ainda com as câmaras da RTP3 ligadas. Costa e Ventura. Rui Tavares, Rio, Chico e Catarina Martins. Gosto da civilidade depois do calor do debate. Mas gosto ainda mais da realidade. Pessoas que representam um papel, defendem uma ideologia, demonizam o parceiro do lado. Mas no fim, tal como qualquer um de nós, estão apenas a fazer uma entrevista de trabalho. Neste caso em directo.

    Costa levou pancada de todos os lados e aguentou. Meteu-se a jeito com a sua versão de “a história me julgará” e Cotrim aproveitou. Foram dele os momentos mais inteligentes na noite do Capitólio. Para além da habitual venda de unicórnios, aproveitou os poucos minutos disponíveis para atacar António Costa, a falta de clareza na política de alianças e claro, o sempre miserável crescimento económico.

    João Oliveira sabe que não está na lista de preferidos, mas explicou, para quem ainda não tinha percebido, como é que se evitou um novo mandato de Passos Coelho. E deixou claro que o PCP voltará a dizer presente.

    Já no campo oposto, e sobre este tema, Francisco do mundo rural usou a palavra “bolchevique” e, só por isso, conseguiu mais 7 votos na Quinta da Marinha.

    Rio voltou às conversas de café. Calmo, bem-disposto, prático na essência de dizer que se junta com todos. Até com o PS. Sem a chama que nunca teve, portanto, coerente.

    Foi Cotrim quem, de facto, fez as despesas da direita no ataque ao governo e à geringonça. O Chico estava entretido com o cheque-farmácia, o Ventura com os que não fazem nada e a Inês fazia contas para perceber onde ficava o centro.

    Rio assistia ao espectáculo, pensando, ora aqui está um bom ministro da Economia.

    Valeu a António Costa que Rui Tavares estava lá e, ao contrário de mim, ainda acordado. Foi ele que interrompeu a venda no bazar liberal das ilusões sobre o SNS, trocando por miúdos o que significava o exemplo holandês na saúde e como, de repente, poderíamos acabar no caso búlgaro. A chamada roleta da saúde.

    Foi também o líder do Livre que tomou as rédeas da esquerda para ripostar.

    Os generais descansaram à sombra da azinheira, cansados e com a fita gasta, deixando campo aberto para que os capitães marcassem o seu espaço.

    E estes, bem, aproveitaram.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Terceiro episódio da Recensão Eleitoral (18/01/2022) – A hora dos capitães


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Rio e o fetiche da TAP

    Rio e o fetiche da TAP


    Rui Rio não ficou contente com a trapalhada sobre a TAP no debate com António Costa e resolveu voltar à carga.

    Disse, e cito, “a TAP é uma empresa que não só não é estratégica como não serve os interesses de Portugal. Não serve o resto do país, porque só pensa em Lisboa, e não serve Lisboa porque prefere Madrid ou qualquer outra cidade estrangeira.”

    Quando meteu os pés pelas mãos com a história dos voos entre Lisboa ou Madrid, com destino São Francisco, eu ainda dei o benefício da dúvida. Poderia ser simples ignorância de quem o ajudou a preparar o debate, e enfim, como tantos outros, ter tido um momento infeliz em directo.

    Contudo, depois de toda a discussão que o debate gerou e com explicações oferecidas de todo o lado, já não há grande espaço para acreditar que não exista uma alma no PSD capaz de explicar que qualquer companhia aérea cobra menos por um voo com escala do que por um voo direto.

    white and red passenger plane on airport during daytime

    A Lufthansa, da sempre estimada referência alemã utilizada por Rio em cada esquina, cobra quase o dobro a um alemão que vá de Frankfurt a Los Angeles directamente, se comparado com um sueco que inicie a mesma viagem, mas em Estocolmo. Será a Lufthansa uma companhia que não serve Alemanha?
    Claro que Rio sabe o que está a dizer e a fazer. Chama-se populismo barato. Mas não fica por aqui. Rio diz que a TAP não serve Portugal porque só pensa em Lisboa, isto, apesar da companhia de bandeira portuguesa ligar todos os aeroportos do país ao seu hub.

    Eu não sei se Rui Rio alguma vez saiu de Portugal e andou de avião, mas também não foi a TAP que inventou a história dos hubs e muito menos a sua localização. Um dia que tenha tempo, Rio poderá pedir a um assessor que conte o número de voos da Iberia em Barcelona, da KLM em Roterdão, da Air France em Marselha, da SAS em Gotemburgo ou da Lufthansa em Hamburgo.

    Compreendo que seja necessário estimular o eleitorado de direita com o fantasma do despesismo público e, neste caso, a TAP presta-se ao papel. Isto porque, obviamente, a banca privada onde gravitam os barões do PSD ficou esquecida nos ataques de Rui Rio. Calculo, pois, que seja estratégica para alguém que não Portugal ou a sua classe média.

    Rio defende nova privatização da TAP, quiçá como a anterior feita no governo de Passos Coelho e elogiada pelo atual líder do PSD. Se for para pagarem novamente a alguém para ficar com a TAP e garantirem a margem de lucro, espero que metam o anúncio no jornal. Há, pelo menos, 10 milhões de portugueses interessados em borlas de 3 milhões de euros.

    Nas eternas discussões sobre a TAP e, em particular, no ataque contínuo da direita à companhia de bandeira de um país periférico, pobre e com 5 milhões de emigrantes espalhados pelo mundo, há um argumento que me faz sorrir. O de que o mercado ocuparia os slots das rotas da emigração. Sim, sim. O mercado que se regula pela maximização do lucro e que altera rotas mal a faturação se veja atingida pela turbulência, iria assegurar ligações a cidades secundárias, países mais remotos ou zonas onde vivem poucos milhares de portugueses.

    É preciso estar no conforto de casa, ver o Atlântico pela janela e nunca ter dependido das ligações da TAP para ir a Portugal, para dizer esta cascata de disparates.

    Bem sei que estamos em tempo de vale tudo na caça ao voto e Rio discute eleitores com a Iniciativa Liberal, mas a comunidade portuguesa a viver no exterior não pode servir apenas para o ramalhete do 10 de junho ou para o envio de remessas. Exige-se mais algum respeito.

    Por nós e pela TAP.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Segundo episódio da Recensão Eleitoral (17/01/2022) – Rio e o fetiche da TAP


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Legislativas em tempos de sound bites

    Legislativas em tempos de sound bites


    O formato escolhido para os debates entre os líderes dos partidos com assento parlamentar foram um sopro de democracia e um vendaval de populismo.

    Se por um lado conseguimos ouvir todos, por outro, ficámos reduzidos a 12 minutos por candidato, sem tempo para trocar ideias e com minutos a mais para procurar o sound bite mortífero. Ou killer, como lhe chamavam os comentadores de serviço ao pós-debate. Aliás, essa foi outra curiosidade dos tempos vertiginosos em que vivemos. Políticos gritam durante 12 minutos, espalham equívocos e reescrevem a história. Em seguida, comentadores maioritariamente afectos à direita, explicam durante uma hora o que os políticos queriam afinal dizer. Também eles ganharam votos.

    António Costa conseguiu passar pelo cabo das tormentas sem se molhar muito. Um primeiro-ministro que ao fim de seis anos, dois deles em pandemia, consegue chegar ao fim de oito debates à frente das sondagens. Entre o mérito do próprio ou o demérito da oposição, hesito na conclusão.

    Ao centro restavam poucas dúvidas e os debates esclareceram as restantes. Costa não é o melhor primeiro-ministro que podíamos ter e Rui Rio não é sequer alternativa.

    Rio, que tinha no distanciamento à situação dos Açores a primeira missão, nem a porta ao Chega conseguiu definitivamente fechar. Ele, que mudou de opinião quanto a alianças com a extrema-direita mal cheirou a poder nos Açores, vem agora classificar o unipessoal partido de Ventura como não confiável. Conseguiu ainda discutir políticas do século XIX em dois ou três debates, a reboque do mesmo Ventura.

    Do lado dos partidos mais pequenos, na minha opinião, foi Rui Tavares quem verdadeiramente aproveitou a oportunidade para mostrar a clareza de um raciocínio que merece estar no parlamento.
    Catarina Martins também se preparou bem e aguentou um registo que sabemos não ser o seu, mas foi eficaz. De igual forma e para um eleitorado muito específico, Francisco Rodrigues dos Santos não esteve muito mal. É certo que falou essencialmente para toureiros, forcados, caçadores e famílias de Cascais com montes no Alentejo, mas, para quem ainda pensa que está em 1956 a explorar africanos na sanzala, aquele discurso esteve sempre afinado.

    Boletim de voto para o distrito de Lisboa

    Já João Cotrim Figueiredo, Inês Sousa Real e André Ventura, perderam mais uma oportunidade para agarrarem o palco. O líder da IL, apesar de bem falante, calmo e educado na troca de ideias, raramente foge do registo da “liberdade individual e menos Estado”, e, quando lhe perguntam como se paga essa liberdade, invariavelmente concluímos que é o mesmo Estado que ele não quer ver.

    Há alguns anos que a IL nos vende cartazes coloridos e países onde o liberalismo é maravilhoso (menos os EUA, aí parece que correu pior), mas, por mais tinta que metam nas telas, para quem os ouve fica sempre a ideia que o cálice sagrado está na transferência de dinheiro do Orçamento de Estado para negócios privados.

    Inês Sousa Real perdeu-se no monotema e na constante repetição das contradições verdes. Transição energética para o lítio, mas sem estragar o solo para o obter. Menos carne de vaca e mais soja sem mexer nas florestas. Fecho de centrais energéticas sem alternativa para os trabalhadores. Falta de ideologia política oferecendo-se para ser bengala tanto a PS como a PSD. Vale ao PAN a vontade férrea de Costa para uma nova geringonça.

    André Ventura foi o maior derrotado destes debates porque 12 minutos x 7 são incrivelmente difíceis de preencher com fotocópias, Mercedes à porta de ciganos, RSI para uma percentagem mínima da população ou conversas com Deus. A pobreza de ideias e a limitação do discurso de André Ventura ficou à vista de todos e isso, a bem da democracia, foi uma boa notícia. Quando digo todos não me refiro, obviamente, à Parrachita, ao Tilly e ao Calafate da TVI/CNN. Para esses, o pastor “arrasou” sempre.

    Falta Jerónimo, o homem que passou ao lado dos debates. Desde logo porque, em direto, nos mostrou que já não devia ali estar, e que a sua era, respeitada por militantes e adversários, já passou. Há muito. Valeu a Jerónimo e ao PCP, primeiro, João Oliveira e depois, o facto de a base eleitoral ser fiel e não abanar muito ao ritmo das TVs. É tempo de renovação na Soeiro Pereira Gomes. Ontem já era tarde.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Primeiro episódio da Recensão Eleitoral (16/01/2022) – Legislativas em tempos de sound bites


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.