Etiqueta: Tiago Franco

  • A caminho, mais um tiro no pé

    A caminho, mais um tiro no pé


    Aqui há uns meses, um amigo vindo do Leste Africano, que chegou à Suécia num avião militar a fugir de uma guerra nos anos 90, analisava o conflito na Ucrânia. Para ele, os dramas europeus são terças-feiras em África, já que não conheceu uma década de vida sem os horrores das armas.

    Perguntava-me, com alguma incredulidade: “mas antes da Europa começar a dizer que não comprava gás e petróleo ao Putin, arranjaram uma alternativa? É que se não o fizeram, o bluff vai rebentar-vos na cara!”

    sunset

    De facto, é um pouco como anunciar a independência em casa dos pais, sair com uma mochila às costas e ligar no dia seguinte a pedir a mesada.

    De uma forma simples, sem paixões e moralidades de pacotilha, a coisa resume-se a isto. Se queremos meter um país de joelhos pela via económica, o mínimo que se espera de quem decide é que perceba se o tiro não volta para trás, com o dobro da intensidade. 

    Depois de vários pacotes de sanções que serviram, até ver, apenas para empobrecer os europeus e deixar alguns milionários russos em dificuldades, Ursula von der Leyen anunciou a imposição de um tecto para o preço do petróleo russo. A União Europeia decidiu que não pagaria mais de 60 dólares por barril, Zelensky pediu 30. Se me tivessem também perguntado, eu teria dito para obrigarem o Putin a enviar o crude de borla. Se é para pedir, assim ao calhas, acho que devemos meter a carne toda no assador…

    O regime russo, como seria de esperar, já avisou que não venderá a quem quiser controlar o preço. Se bem que a ideia tem potencial, imaginem um Mundo onde o cliente decide o preço que quer pagar. Seria o primeiro passo para o fim das trocas monetárias e, de certa forma, a sentença de morte para o capitalismo. Ainda vou descobrir que a Ursula é camarada.

    gray pipe on green grass

    [N.D. Bom, na verdade, o PÁGINA UM funciona assim; os leitores decidem o que “pagar” pelo jornalismo independente; mas não é exemplo para o mundo real, admita-se].

    A teoria da Ursula ter-me-ia dado jeito esta semana, quando saí da oficina e por lá deixei dois salários mínimos a troco de uma simples revisão feita a um carro com alguns anos de estrada. Perante a minha estupefação com o aumento exponencial de preços, o gerente da oficina dizia-me: “sabe, isto da Ucrânia subiu os preços para toda a gente”. Bendita Ucrânia, que tens as costas tão largas para a ganância. A factura aumenta 20% para o cliente final, mas o trabalhador recebe aumentos de 2%. 

    Mas a parte de mais esta sanção que realmente me interessa é a análise dos sempre badalados mercados. A Rússia é o terceiro produtor mundial de crude, atrás dos Estados Unidos e da “democracia” amiga saudita. No caso do gás natural, a Rússia é o segundo produtor, apenas atrás também dos Estados Unidos, e o terceiro está a grande distância destes dois. Excluindo a Rússia, a Noruega é o segundo país europeu com maior produção, mas apenas com 25% daquilo que sai dos territórios de Putin. A Alemanha retira do seu subsolo o equivalente a 1,5% do gás sacado pela Rússia.

    Não sei se entretanto os cabecilhas da União Europeia descobriram lençóis de gás e de petróleo nos Campos Elísios, no Coliseu de Roma ou até no nosso Beato, mas, admitindo que não, a Europa ainda está dependente, e muito, para o funcionamento das suas economias, do fornecimento de energia vinda de fora dos seus territórios. 

    Se Putin diz que não vende, nesse caso a União Europeia terá de recorrer a outros produtores. O mercado ficará reduzido a menos fornecedores e a probabilidade de concertação de preços, entre os restantes players, aumenta. Não vejo bem de que forma é que isto não resultará num aumento de preço no barril do petróleo e também do gás. Pior, não vejo como é que isto não resultará em mais empobrecimento para nós, europeus, que somos arrastados para o pagamento de uma guerra que não escolhemos.

    Pelo andar da carruagem, as populações dos países da União Europeia ficarão dependentes da ajuda dos respectivos Estados para conseguirem fazer face aos custos mensais. Das prestações bancárias às energias, passando pelos bens essenciais, caminhamos a um passo assustadoramente rápido para vivermos de pacotes de apoio de emergência.

    Em Portugal, já temos cerca de 50% da população (antes das prestações sociais) em risco de pobreza; portanto, como é que se aguenta esta inflação? Como é que se aceita, alegre e sem luta, um empobrecimento em nome da disputa do Donbass? Lembro as declarações de um ministro indiano que, de forma prática e sem moralismos hipócritas, disse que o seu país não se queria meter no conflito, mas que, com uma população tão pobre, não recusaria petróleo russo mais barato. É tão simples quanto isto.

    Os Governos dos países da União Europeia foram eleitos para defenderem os direitos e as condições de vida dos seus cidadãos. Ninguém votou no Costa para ele desviar dinheiro do SNS e enviá-lo para Kiev, enquanto os portugueses vão ficando sem comida para meter na mesa. Esta hipocrisia começa a tornar-se insuportável.

    people sitting in front of table talking and eating

    Há relatos das populações envolvidas, russos e ucranianos, a pedirem aos seus Governos que iniciem as conversações de paz. E no lado europeu, segue a teoria do “as long as it takes“. 

    Vamos ver quando tempo demorará até que mais uma sanção se vire (ainda mais) contra nós. Se a guerra continuar por muito mais tempo, e admitindo que a União Europeia continua a desviar fundos para lá, espero que o que sobrar do Orçamento de Estado, depois da Ucrânia, dos salários da Função Pública e do gamanço para as clientelas, comece a ser distribuído pela população em forma de aumentos salariais, reduções de impostos ou simples subsídios. 

    Com a calma de quem não passa frio, não vê cortes salariais ou morre na frente da batalha, já ouço discussões, em horário nobre, sobre o abrandamento da guerra no Inverno e uma retomada, mais bárbara, lá para a Primavera. Estão loucos. Estão todos loucos. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A boca, os penalties e o atropelamento

    A boca, os penalties e o atropelamento

    O Japão, depois de vencer as fortíssimas selecções da Alemanha e de Espanha, voltou a surpreender, desta vez frente aos croatas. Grande atitude e garra dos samurais que mostraram uma vontade incrível e um verdadeiro espírito de equipa. A Croácia, sempre lenta de processos neste Mundial, fez-me acreditar numa surpresa nos quartos-de-final. Mas valeu a experiência croata e, devagarinho, não só empataram como controlaram o jogo até obrigarem à realização do primeiro prolongamento da competição.

    O ritmo nesta parte foi tão lento que imaginei que todos se sentissem confortáveis com penaltis, a decisão mais angustiante na minha opinião. Os croatas são especialistas na matéria já que este seria a sua quarta vez a decidir num Mundial depois dos 90 minutos sem nunca terem perdido. Os japoneses, bom, tendo em conta a péssima forma com que bateram as grandes penalidades, talvez devessem ter apostado algo mais enquanto a bola correu.

    Ainda assim uma boa prestação dos nipónicos e a dúvida de, nas pernas de um Modric, com 37 anos, saber até onde poderá chegar esta Croácia?

    Já no jogo que opunha o Brasil aos comandados de Paulo Bento a história foi a de um crime. Atropelamento e fuga, com o 3-0 a chegar antes dos 30 minutos. Joga muito este Brasil, e Tite, ao fim de alguns anos, consegue meter a equipa a fazer aquilo para que nasceu: atacar.

    Perdi a conta ao número de vezes que os brasileiros chegavam à área coreana, com quatro ou cinco jogadores, num carrossel imparável de futebol a um ou dois toques. Paulo Bento ainda tentou recuar as linhas e defender com mais gente, mas a fragilidade desta Coreia, a equipa mais fraca do grupo de Portugal, ficou exposta a cada cavalgada de Neymar, Vinicius, Raphinha e Richarlison.

    Joga mesmo muito este Brasil. Com França e Inglaterra, o Brasil é uma selecção que apresenta qualidade e regularidade, desde o início da competição. Se tivesse que colocar dinheiro numa aposta para a final, diria que França e Brasil são os claros favoritos. Até os caminhos ajudam.

    No reino de Marcelo, as novidades não são estridentes, e não chegam bem a ser novidades. Afinal, Fernando lá viu as imagens e percebeu que as bocas eram mesmo para ele. Ficou chateado e, ainda por cima, ninguém na FPF lhe passou o guião oficial antes da conferência de imprensa. Já o Mundo inteiro sabe que a marrada era para o nosso engenheiro e o escriba de Fernando Gomes, nos escritórios da FPF, ainda está a escrever a versão 1.0 da desculpa oficial. Caros, já não estamos em Saltillo. Somos profissionais disto. Há que aprimorar essa coordenação no departamento das tangas.

    Santos disse que não sabe se Ronaldo será titular amanhã, ou por outras palavras, quando um f***-se tem mais poder do que 10 golos falhados. Pragmatismo luso é todo um novelo. As capas dos jornais para esta quarta-feira já estão preparadas e a minha aposta vai para “relógio suíço sem corda”. Agora, lembrai-vos, nem um passe para trás! A não ser que venha do William. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O pauzinho, Mbappé e a mota que ninguém tem

    O pauzinho, Mbappé e a mota que ninguém tem

    Na minha infância, passada nos Açores, ouvi muitas vezes a expressão “tirada com um pauzinho do cu” para descrever ideias de merda.

    [N.D. O autor decidiu ser mais papista do que o papa, censurando um idiotismo com asteriscos em duas palavras, que o editor “descensurou”; cu e merda são palavras que constam do léxico português, e aqui fazem todo o sentido serem expostas, mesmo se remetendo para aspectos da escatologia]

    A FIFA que, imagino, deve ver os jogos do Mundial, chatíssimos, com blocos ultra-defensivos e ataque nos últimos minutos, está a estudar atribuir 2 pontos aos empates e decidir a coisa por penalties, ao fim dos 90 minutos. Também vão alargar o Mundial e trazer as ilhas Fiji, o Toga, os Barbados, o Laos, a Namíbia e mais uma série de potência, para que a competição se arraste quase dois meses com a emoção de um Moreirense vs. Penafiel numa noite chuvosa em terreno empapado. É aqui que entra o pauzinho.

    A Polónia entrou no jogo com a França a mostrar-nos que sabia mais do que aquilo que tinha jogado na fase de grupos. Quiçá se tivessem mostrado esta coragem, fosse hoje a Argentina a estar eliminada. A Polónia atacou, por momentos encostou a França, e falhou as oportunidades. Uma, duas, três vezes. Giroud teve uma oportunidade e não falhou. Eficácia e cinismo francês e a prova da máquina em que se tornaram. Mbappé esteve intratável e nem de mota, como Milik tinha sugerido, a Polónia o conseguiu parar. Pergunto-me quem o conseguirá parar? A ele e a esta França.

    Há festa em Paris com uma qualificação perfeitamente merecida e natural dos super-favoritos franceses. Marine Le Pen está a pensar como é que vai fazer um tweet a falar bem de tantos emigrantes africanos.

    No segundo jogo do dia, a história repetiu-se. Os menos cotados, neste caso o Senegal, atacaram e estiveram por cima do jogo, desperdiçando algumas oportunidades. A Inglaterra aproveitou os espaços e, contra a corrente do jogo, marcou num rápido contra-ataque, repetindo a dose pouco antes do intervalo. O segundo golo inglês é um compêndio na arte de contra-atacar.

    Compêndio: bolas, já estou armado em Luís Freitas Lobo…

    As nossas esperanças residem agora na armada do Rei Carlos. Ou param eles os franceses ou não há santa que nos valha.

    Puxem todos da santinha e façam a vossa parte.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A lei do mais forte e a novela lusa

    A lei do mais forte e a novela lusa

    Chegaram os jogos a doer entre as 15 melhores seleções do Mundo e a Austrália. A expressão não é minha, mas é tão boa que a vou repetir até ao Natal.

    O primeiro dia de mata-mata não tinha grande cartaz. Holanda e Argentina eram claramente favoritas e, sem terem feito ainda uma boa exibicão nesta competicão, despacharam os respectivos adversários sem grande esforço.

    Norte-americanos e australianos terminam a participação no Campeonato do Mundo com uma qualificação para os últimos 16. No caso australiano parece-me que passarem a fase de grupos já é um título, tais são as limitações da equipa. Os norte-americanos já estão num nível diferente e apresentam um 11 com alguns jogadores muito interessante, com Pulisic à cabeça. Mereceram chegar a esta fase, mas, daqui para a frente, o filtro é muito apertado e sobra menos espaço para supresas.

    A Holanda, esta Holanda que está longe da laranja de outros tempos, chega aos quartos de final sem um jogo feito contra um adversário difícil. Não se podem queixar da sorte, mas terão de subir o nível, para o primeiro jogo a sério que terão na competição, contra a Argentina.

    Enzo Fernandez parece ter garantido o seu lugar na equipa argentina e, para mal dos meus pecados, deve estar de malas feitas do Benfica. Qualidade como esta não pode ficar nos domingos à noite a jogar em Arouca. 

    Os comandados de Scaloni marcaram três golos e ganharam 2-1. Enzo mantém o sentido de golo e, como dizia um amigo meu sempre que acertava na própria baliza nas futeboladas de domingo, “o que importa é marcar!”.

    Messi mantém aquele hábito irritante de ser útil à equipa. Passa, dribla e não cria confusão. Pelo meio ainda vai marcando uns golitos. Tivesse ele Bernardo Silva e Bruno Fernandes ao lado, e Pepe com Ruben Dias lá atrás e, provavelmente, outro galo, que não o francês, cantaria.

    Entretanto, começo a perder a paciência para as novelas em torno de Cristiano Ronaldo. Aceito que ele tenha lugar garantido na equipa até aos 50 anos, jogando pouco ou nada. Reconheço que Portugal lhe deve muito. São cinco Mundiais e cinco Europeus nas pernas de Ronaldo, e apenas seis (três Europeus e 3 Mundiais) nos restantes 80 anos de História do futebol português. Portanto, se Ronaldo for o Miura português e jogar até aos 60, por mim tudo bem.

    Não pode é continuar a exigir o tratamento, tempo de jogo e atenção como se a selecção fosse Ronaldo + 10. Não é. Há alguns anos que já não é.

    A FPF vive obcecada com os recordes de Ronaldo e não há jogo em que ele fique de fora, porque há sempre um recorde novo para bater. Até há poucos meses nem sequer era substituído, nem que fosse um jogo contra o Kuwait. Agora, perante as evidências, vá lá, que já há coragem de substituir Ronaldo. A selecção de 2016 ganhava apesar do Fernando Santos. A de 2022 ganha apesar de Fernando Santos e Ronaldo.

    A gratidão, a tão afamada gratidão que os life coaches usam a cada três frases, e que todos devemos a Ronaldo, não pode toldar o espírito do jogo e o seu objectivo. É um desporto colectivo, dividido em momentos de ataque, controlo e defesa. O Ronaldo, nesta fase, não faz nenhum. Mas mantém a arrogância de quem não aceita a realidade. 

    Não gosto das manifestações de ódio que Ronaldo desperta. Nunca Portugal teve alguém, em qualquer ramo de actividade, que tenha atingido, durante tanto tempo e de forma constante, o topo do Mundo. É verdade que muitas pessoas nem sabem onde fica Portugal mas sabem quem é Ronaldo. E para lá da marca global em que se tornou, os méritos desportivos são inegáveis. É um dos três melhores jogadores de sempre. Portanto, a memória não pode ser curta.

    Mas não podemos, por causa disso, comprometer o desempenho da selecção e as aspirações num Mundial. Ronaldo pertence a esta equipa e merece lá estar. Mas não pode estar todos os jogos, 90 minutos. Já não dá. Está a prejudicar.

    Cenas como a de ontem, com o desaforo entregue a Fernando Santos (“estás com uma pressa do c**** para me tirar, f***-se!”) fazem as manchetes do dia de hoje. Discute-se mais a azia de Ronaldo do que o jogo miserável contra a Coreia. 

    Estou longe de ser um fã de Fernando Santos, mas se há homem que tem aparado os golpes todos a Ronaldo, tem sido ele. São cenas atrás de cenas com treinadores, reclamações com os colegas e falhanços atrás de falhanços.

    A tentativa da FPF de controlar danos, com a história do impropério dirigido ao sul-coreano, é quase deprimente. Mais do que nos atirar areia para os olhos, tratam-nos como se fôssemos uma cambada de idiotas.

    Alguém tem de dizer a este homem que está, em poucos meses, a destruir o crédito acumulado e a encher a paciência de quem o idolatrou, justamente, durante toda a sua carreira.

    A sério Ronaldo, já chega. Joga ou deixa jogar. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Vem aí o relógio suíço

    Vem aí o relógio suíço


    Ontem escrevi aqui que o Fernando Santos ia devolver a gentileza a Luis Enrique, perdendo o jogo com a Coreia e apostando tudo no “lado brasileiro” da competição. Há que dizer que tentou. Entrou com segundas linhas e ainda meteu o André Silva, ou seja, ninguém pode acusar o nosso engenheiro de não ter tentado.

    Uma coisa que nunca entendi nestas competições é esta necessidade de rodar as equipas, e “descansar” quando o apuramento está garantido. Descansar de quê? Miúdos de 20 e tal anos ficam cansados de jogar à bola de quatro em quatro dias? Cansado fico eu de trabalhar todos os dias com este frio de Dezembro, que devia ser proibido.

    À mesa, com um grupo de portugueses residentes na Suécia, discutia a influência de Ronaldo na selecção portuguesa, enquanto Son corria metade do campo sem que o Palhinha lhe desse a “varridela” desejada e necessária. Um deles tentava explicar-me que Ronaldo ainda era letal em frente à baliza, embora cada jogada nos contasse o contrário.

    Eu faço parte daquela geração que cresceu a ver Portugal fora das grandes competições, portanto, se alguém quiser fazer um estátua ao Ronaldo no Marquês do Pombal e deixá-lo jogar na selecção até aos 50, eu assino por baixo. Portugal deve umas coisas a este extraordinário atleta. Mas não me digam que ainda é letal. Não é, infelizmente.

    O jogo da selecção portuguesa, pela terceira vez neste Mundial, foi pobre, muito pobre. Uma confusão de posse de bola e passes laterais, sem procura de baliza ou qualquer objectividade na procura do golo. Acaba por desesperar qualquer crente.

    A boa nova é que Paulo Bento também passou e o Gana vingou-se, finalmente, de Luis Suarez. A história acaba sempre por se endireitar. E todos gostamos do Son, que é uma espécie de herói da banda desenhada.

    Os jogos da noite trouxeram, entretanto, a notícia mais ou menos esperada: a Suíça, liderada pelo albanês Xhaka, enviou a Sérvia para casa num jogo rasgadinho. Como dizia um companheiro de jornada, o Xhaka pagou com a pancada que levou nas pernas a independência do Kosovo. Confesso que a vitória dos Camarões perante o super-favorito Brasil me deixou alguma esperança. Eram por eles que torcia no grupo G.

    Portugal sabe agora que disputará os oitavos com a Suíça, uma selecção chata, competente e que, há pouco tempo, venceu Portugal numa qualificação. Quando as contas se fecharam, comecei a implorar aos céus que não fosse Luís Freitas Lobos a comentar o jogo: quantas vezes é que se consegue usar a expressão “relógio suíço” durante 90 minutos?

    Para selecções com aspirações – como Portugal, Argentina, França, Brasil e Espanha –, começa verdadeiramente agora o Mundial. O caminho dos comandados de Fernando Santos é, em teoria, incrivelmente complicado até à final: Suíça, Espanha e França. 

    Vamos precisar um bocadinho mais do que o Éder, desta vez. A minha fé, essa, está inabalável: ainda não acredito. É preciso jogar mais. Muito mais.  

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • O poder e a fé na santinha

    O poder e a fé na santinha


    A terceira ronda da fase de grupos deste Mundial tem sido um regalo no que toca a surpresas. Hoje foi a vez da Bélgica se despedir, depois de Lukaku ter falhado um número suficiente de golos para, amanhã, ser novamente referido na imprensa do seu país como um jogador de ascendência congolesa. Extraordinário foi o apuramento marroquino num grupo que contava com um finalista e um semi-finalista do último Mundial. A Croácia e a Bélgica são agora duas selecções envelhecidas, jogaram muito menos do que seria expectável e, no fim, saiu a fava aos belgas. 

    No jogo que importava a Portugal, o Japão venceu de forma surpreendente a Espanha que, já em tempo de descontos, não parecia muito interessada em correr atrás do prejuízo. A “prenda” pela passagem japonesa será um confronto com a Croácia nos oitavos e, provavelmente, o Brasil nos quartos-de-final. Já Espanha, com o seu segundo lugar, não só despachou a Alemanha como garantiu um caminho para a meia-final com Marrocos e Portugal (esperamos nós) pela frente. Assim de repente, parece-me o melhor lugar do grupo.

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    Entretanto, eu imaginei Fernando Santos ajoelhado em cima de pinhas, com velas em redor e um conjunto de rezas poderosíssimas, durante os 90 minutos dos jogos de Espanha e da Alemanha. Perto dos 70 minutos, a conjugação de resultados eliminava Espanha e Alemanha: O Japão e a Costa Rica estavam então em vantagem por 2-1. Tal era o poder da santinha… Não deu até ao fim, mas a santinha tem poderes.

    Com os resultados de hoje, Portugal deixou de ter um caminho simples pela frente. Depois dos oitavos, onde se espera que defronte Suíça ou Sérvia, selecções com quem perdeu nos últimos anos por acaso, deve cruzar-se com Espanha e França.

    Isto, claro, se a lógica do mais forte imperar e contrariar um pouco as montanhas-russas da fase de grupos.

    person holding gold trophy

    Por esta altura, já não sei se é melhor acabar em primeiro ou segundo. No caso do segundo lugar, do lado de lá estará o Brasil e uma Argentina que joga muito pouco. Do lado do primeiro lugar no grupo, estarão Espanha, França e Inglaterra. Os espanhóis fizeram contas conosco e deixaram um presente amargo no dia da Restauração. Se a santinha disser ao Fernando Santos que eliminamos o Brasil nos oitavos, a partir daí é passear até à final, eu aposto no salto de fé.

    Por fim, aguardo com expectativa para ver se o André Silva entra no 11 amanhã. Se sim, encararei como um sinal de operação em marcha. Um “depois do adeus” da fé inabalável nas Arábias e a devolução do presente envenenado a Luiz Enrique.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Queres ser português de primeira? Concorre para nómada!

    Queres ser português de primeira? Concorre para nómada!


    Tenho ideia que a primeira pessoa com quem interagi na Suécia, com alguma regularidade, foi um senhor da Síria. Nos idos de 2006, quando aqui cheguei, foi ele o primeiro a dar-me a visão de um emigrante sobre a realidade nórdica, de cada vez que ia à pizzaria dele comer qualquer coisa com banana ou ananás. Sim, eu gosto de fruta na pizza, e há que saber viver com essa realidade.

    Dizia-me ele, sem grandes saudades da Síria – e foi antes da guerra civil, note-se –, que a Suécia era um paraíso. Defendia que, se o país tivesse sol, viveriam aqui 90 milhões e não os nove milhões de então. Quase 17 anos depois continuo a não concordar com ele. É difícil encontrar um paraíso longe de casa, mas o número dos nove milhões ficou-me para a década seguinte.

    white and black high rise buildings during sunset

    A Suécia no início do século XXI vivia uma política de incentivo à natalidade. Dada a sua dimensão geográfica, o envelhecimento populacional e a quantidade de empregos gerados pela forte Economia, era mais ou menos simples entender que a Suécia precisava de mais gente. O período que ficou conhecido como baby-boom, a que se juntaram várias vagas de emigração, resultaram num crescimento da população de cerca de um milhão no espaço de 20 anos, mais de 10%.

    Lembro-me de chegar de Portugal e ter a mentalidade que um filho seria um custo e um objectivo a realizar depois de estar financeiramente estável e, ao meu lado, um colega de trabalho preparava-se para ser pai enquanto a mulher estudava na universidade. O custo de ter uma criança era nulo e os benefícios, vários.   

    No mesmo período de tempo, Portugal viu a sua população diminuir em cerca de 500 mil habitantes e aproximar-se dos 10 milhões, onde cerca de 30% têm mais de 60 anos. 

    woman holding man and toddler hands during daytime

    Portanto, quando vejo que metade dos portugueses trabalham para suportar a outra metade – que se divide pelos que já não contribuem (reformados) e pelos que um dia contribuirão (crianças e estudantes) –, imaginei que uma política de natalidade daria jeito.

    Coisas simples como mais dias para gozar a paternidade/ maternidade, creches gratuitas em número suficiente, um abono de família que não fosse uma esmola, manuais escolares gratuitos e quejandos do género. Nada muito elaborado…

    Mas não, Portugal nunca fez nada disso. Portugal apostou nos últimos 20 anos em trazer turistas que ficam por cá uns dias e, de vez em quando, se a paixão assim ditar, mudam-se para uma das colinas. Queremos Madonnas. Ou chineses ou russos, que por cá venham investir 500.000 euros num apartamento qualquer inflacionado no preço, a troco de um passaporte europeu e de mais umas achas para a fogueira da especulação.

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    Também escolhemos abocanhar as reformas dos velhotes escandinavos, deixando-os aqui viver sem nada pagar, e durante anos lá fomos ouvindo os raspanetes do Governo sueco, que via a receita fugir-lhe mas continuando a proporcionar aos seus reformados o Estado Social. Para as reformas miseráveis dos velhotes portugueses, nem uma borla que se visse ou um aumento de jeito que se contasse.

    Agora, sempre na onda da modernidade saloia, Portugal tenta atrair os nómadas digitais, dando-lhes benefícios fiscais que não estão disponíveis para o comum dos portugueses que aqui residem. Um deputado do PS, madeirense, defendia o sucesso da iniciativa piloto feita na Ponta do Sol, uma belíssima localidade na ilha da Madeira.

    O centro de trabalho partilhado, o sol da ilha, o atractivo fiscal, a facilidade com as ligações aéreas. Tudo a funcionar melhor do que o esperado, e os nómadas digitais, carregados com os seus Macs e iPhones, foram chegando em números interessantes à ilha.

    man on sun lounger using laptop

    Dizia um dos responsáveis do projecto, com satisfação, que os nómadas deixavam na comunidade local, em média, 2.000 euros por mês. Não sou grande coisa a medir o sucesso, mas, assim de repente, 2.000 euros por mês parece-me a factura que qualquer família tem, entre renda ou prestação da casa, crédito do carro, contas da casa e abastecimento do frigorífico. Já parto do princípio que não compram roupa ou vão a um espectáculo cultural fora de casa.

    Portanto, visto daqui, os nómadas estão a receber benefícios fiscais para gastarem o mesmo que os locais gastam, com a agravante de terem de pagar mais impostos. Provavelmente, a maior parte desses nómadas, pela definição de nómada, partirão para outras paragens quando melhores condições aparecerem. Serão, quando muito, uma parte da população móvel. Julgo ser difícil estimar quantos, de facto, contribuirão para Portugal durante um período considerável.

    Nada tenho contra nómadas digitais. Aliás, se pensar naquilo que é a minha vida e situação profissional, até encaixo no conceito de nómada. E, sinceramente, é uma condição laboral que me agrada, a de não estar preso fisicamente a lado nenhum. Só não percebo é por que razão deve um nómada ter vantagens fiscais que os residentes não têm.

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    Um país que não consegue garantir qualidade de vida a grande parte da sua população, deve concentrar esforços e recursos para atrair moradores temporários? Não devia o Governo tentar, primeiro, inverter a curva de crescimento populacional? Ou combater os baixos salários? Ou tentar ajudar os 50% que estão perto da pobreza? 

    Em simultâneo, os nossos jovens continuam a formar-se e a sair do país, em busca de salários decentes e de uma vida que não seja dominada pela pobreza ou pela voracidade da máquina fiscal.

    Todas estas medidas, quase patéticas, de atrair habitantes – também há uma em curso para emigrantes – fazem-me lembrar aquelas quedas gigantes que abriam joelhos na década de 90, quando era normal ver miúdos a correr na rua em zonas de alcatrão rugoso, posteriormente tapadas com um penso rápido que invariavelmente se colava ao sangue e infectava aquilo um bocadinho mais.

    Desde os tempos do Cavaco que vejo estradas e mais estradas, vagas de emigração, salários estagnados, corrupção inesgotável, clientelas como abutres no erário público. E depois, quando os governantes percebem que falta gente para produzir num país cada vez mais pobre, lançam estas campanhas saloias que nos vão transformando, cada vez mais, na República Dominicana da Europa. Venham para cá viver, há sol, praia e custos reduzidos. Para quem vem, não para quem já cá estava.

    high-angle photo of road with vehicles

    Pouco ou nada se faz para quem já está em Portugal, para que queira por cá continuar, formar família e deixar descendência. Desde 2006, perdi a conta ao investimento em estradas portuguesas, e já não sei em quantas autoestradas vamos. Vi que já há uma A30 e qualquer coisa, portanto, entre IPs, SCUTss e as ditas cujas, já devem ser mais de 50. Os suecos continuam com o mesmo número delas – bastante miseráveis, por sinal –, e, no total dos 2.500 quilómetros de comprimento do país, não devem chegar a 15% da quantidade que nós temos entre Faro e Bragança. 

    Mas cada casal tem em média mais de dois filhos e em menos de duas décadas fizeram a população crescer em quase um milhão de pessoas.

    Coisas que me parecem tão simples, opções que julgo serem tão óbvias, quando leio notícias sobre uma população envelhecida, feliz porque um gajo de iPods vai passar uns meses à Madeira.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Dia de surpresas e utopias

    Dia de surpresas e utopias


    Pedro Henriques nunca me encheu as medidas quando fazia o corredor direito do Benfica; mas também não desiludiu. Era como um prato de bacalhau à brás: mastiga-se, embora todos saibamos que à lagareiro é que é.

    Já como comentador está como peixe na água. Ouvi-lo é como ver a bola no café com os amigos. Aprecio particularmente o termo “guardanapo” para descrever uma pancada mais forte. Gosto. É o oposto do Luis Freitas Lobo, que me faz sofrer com as analogias do bailado e da poesia.

    man playing soccer game on field

    Como dizia o Paulo Bento, bola-pé, andebol-mão. Não estragues a simplicidade da coisa, Freitas.

    Nisto esperei por surpresas. O meu filho só queria que o dia acabasse com a derrota da Argentina. Ele é #teamAveiro desde que começou a falar. Confesso que era um cenário que me agradava. Qualquer adversário mais forte que vá para casa, por mim está óptimo. Sonho com uma final de um mundial entre Portugal e as Fiji.

    Era difícil de ver o desejo do miúdo cumprido. Desde logo porque o roteiro deste Mundial é Ronaldo vs. Messi; e os restantes 798 jogadores estão lá como figurantes. Depois, porque a Polónia joga pouco mais que o Qatar. Com a agravante de o selecionador deixar, repetidamente, o segundo melhor jogador (Milik) no banco.

    A dada altura dos jogos, simultâneos, da Argentina contra a Polónia e a Arábia Saudita contra o México, o desempate para o segundo lugar já ia no número de cartões amarelos, com vantagem para os polacos.

    O dia acabou por ser feito de surpresas, primeiro com a passagem aos oitavos da Austrália, quando se esperava que a Dinamarca fosse a dona do segundo lugar, e depois com a Polónia a ultrapassar o México na diferença de golos, graças ao golo saudita marcado nos descontos. 

    timelapse photo of soccer player kicking ball

    Sorte para a França e para a Argentina que, nos oitavos de final, medirão forças, respectivamente, com Polónia e Austrália. Podem, portanto, começar a engomar o fato de treino para os quartos de final.

    Se a Alemanha não se qualificar (Fernando Santos tem uma reza nova), Portugal pode ter um caminho suave até às meias finais. Se aí chegarmos, devemos apanhar a França. 

    Já a Argentina terá um caminho tranquilo até  às meias, com Austrália e Holanda no caminho.

    Com alguma fortuna, o guião de Hollywood pode mesmo acontecer: Messi e Ronaldo, frente a frente. Nem que seja pela medalha de bronze. 

    Há que sonhar. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Taremi, Ronaldo e o rapaz da t-shirt

    Taremi, Ronaldo e o rapaz da t-shirt


    Esperei pelo fim do dia para escrever a crónica de hoje por causa da hora do jogo mais interessante. Estados Unidos contra Irão daria tema similar a um Rocky VII, já que o russo Ivan Drago foi despachado na quarta sequela da série.

    Quando Portugal não está envolvido no jogo, o meu coracão pende sempre para as selecções mais fracas, vindas de países pobres. Se um Mundial não servir para mais nada, serve pelo menos para nos retirar, por uns minutos, da miséria do quotidiano.

    three white-and-black soccer balls on field

    Por isso, gosto sempre de ver as selecções africanas ou sul-americanas envolvidas na festa. A qualificação do Senegal é uma excelente notícia e os jogos absolutamente loucos proporcionados por Gana (contra a Coreia do Sul), Camarões (contra a Sérvia) e Marrocos (contra a Bélgica) foram do melhor e mais puro que vi neste campeonato. Povos que viveram umas horas de felicidade antes de despertarem, novamente, para a sua realidade. E aqui lamento, obviamente, os distúrbios causados por adeptos marroquinos em Bruxelas.

    No Estados Unidos vs. Irão jogava-se muito mais do que futebol. É um despique entre dois países que arrastam, há décadas, rivalidade e antagonismo no plano político internacional. Os Estados Unidos, país carregado de armas nucleares e, até à data, únicos no seu uso, decidem quem no Mundo pode e não pode ter esse tipo de armamento.

    Nessa senda, andam a impor sanções ao Irão, há várias luas, acusando-os de enriquecimento de urânio e tentativa de produção de uma bomba nuclear. A NATO apoia a Ucrânia pelo seu principal fornecedor (Estados Unidos) e o Irão vende drones à Rússia. Nas discussões do Médio Oriente, os Estados Unidos apoiam a Arábia Saudita, Israel, os rebeldes sírios, e ainda os curdos, quando dão jeito. O Irão apoia a Palestina, o Hezbollah libanês e tudo o que os americanos não gostem. Em resumo, são dois países inimigos e, naquela zona do Globo, depois de Iraque e Afeganistão, é o Irão o alvo a abater pelos norte-americanos.

    Close-up of a white line on green grass in a soccer field

    Os jogadores do Irão sentem a pressão de terem o Mundo contra eles. Ouve-se nos assobios durante o hino, percebe-se nas perguntas dos jornalistas. Pouco importa se eles não são responsáveis pelo abjecto regime que os governa e se até, dentro das possibilidades, demonstram publicamente o seu apoio aos que se manifestam nas ruas de Teerão.

    E por isso, por sentir que correm sozinhos contra o Mundo, representando um país que existia e existirá para lá deste regime, eu desejava-lhe um final feliz nesta qualificação. O jogo, no entanto, mostrou uma selecção norte-americana muito superior no campo. Aliás, depois de ver os três jogos desta equipa, é justo dizer-se que no seu soccer os Estados Unidos possuem um conjunto de jogadores muito interessantes. Jogam bem, correm muito, apresentam boa consistência defensiva e circulacão de bola. Vê-se alguma experiência nestas andancas, ao contrário dos parceiros da Concacaf, o Canadá, que joga um futebol de rua, onde atacar é a palavra de ordem, sem grande capacidade de segurar a bola, controlar os momentos de jogo ou até defender com alguma solidez.

    Não sei se daqui sairão aproveitamentos políticos, mas, no campo, onde a coisa se decidia, os Estados Unidos foram melhores e venceram justamente.

    Agora, sem os iranianos no Qatar, pode ser que a comunicação social comece a massacrar outros jogadores nas conferências de imprensa a propósito dos regimes que representam ou das mortes que vão causando. Pessoalmente, espero que Taremi e companhia continuem a aproveitar, e bem, a exposição social para protestarem contra o regime. Ultrapassam a sua missão como desportistas e, por isso, a minha vénia.

    Vénia essa que alargo ao corajoso que apoiou, em sprint no meio do relvado durante o Portugal vs. Uruguai, três causas com uma t-shirt e uma bandeira. A realização televisiva, num país que não sabe o que é democracia ou liberdade de expressão, fez o que se esperaria: desviou a imagem. Como se não existisse…

    P.S. – No dia seguinte à vitória portuguesa sobre o Uruguai, a discussão centrou-se na autoria do nosso primeiro golo. As imagens de Ronaldo, ao intervalo, a insurgir-se contra o árbitro, pedindo que lhe atribuísse o golo (retirando-o, pois, a um colega) é algo que não consigo compreender à luz do espírito de camaradagem num desporto colectivo. A bola entrou, Portugal ganhou; o que é que importa se Ronaldo fica com 800 golos ou 801? Bem sei que devemos muito, desportivamente, a este rapaz, mas esta obsessão pela marca pessoal, em vez dos interesses da equipa, é algo que já me começa a irritar. Irritado, aliás, também deve ter ficado Fernando Santos que, pela segunda vez, viu a equipa a jogar muito pouco e a falhar o empate desejado. Estamos assim nos oitavos ao fim de dois jogos. Não conseguimos lidar com isto sem, pelo menos, uma conta de somar que seja. Tudo anda estranho neste Mundial. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Quis saber quem sou, o que faço aqui

    Quis saber quem sou, o que faço aqui


    Chegou o dia de Portugal dizer o que veio fazer ao Qatar: se passear e mandar umas bocas, como o nosso Marcelo; ou se dar uso ao excelente naipe de jogadores que vestem aquela camisola do Lidl, e que me garantem ser mesmo o equipamento oficial. 

    O Uruguai é, de longe, o opositor mais forte no grupo de Portugal. Fernando Santos disse, na última conferência de imprensa, que a selecção uruguaia estava algo envelhecida relativamente à que nos eliminou em 2018.

    “Suarez e Cavani têm agora mais cinco anos do que tinham em 2018”, disse o nosso Nando. Na verdade, são mais quatro anos, mas ninguém espera que um engenheiro seja rigoroso em contas de merceeiro. Ou se calhar meteu nos cálculos o famoso coeficiente de cagaço, muito famoso entre engenheiros civis, e em vez de um 4 saiu-lhe um 5.

    Claro que, quais Benjamin Button, os nossos Ronaldo, William, Pepe, Bernardo e Bruno Fernandes estão agora quatro ou até cinco anos mais novos.

    Felizmente, tivemos Bernardo Silva a marcar presença na mesma conferência de imprensa, e, para deleite dos presentes, explicou durante 15 minutos que um jogador de futebol consegue pensar e articular mais do que três frases repetidas a cada domingo. 

    white and black soccer ball on grass field

    Disse, o já garantido futuro presidente do Benfica, que a selecção aprendeu com os erros das últimas derrotas (Sérvia e Espanha) e que hoje se nota mais vontade e articulação no controlo dos diferentes momentos do jogo.

    Bernardo não disse, mas eu sei que ele sabe que as individualidades resolveram o jogo contra a débil equipa ganesa, e que o jogo colectivo, na primeira parte, se resumiu a uns exasperantes 1.000 passes laterais. É pouco, muito pouco para um Campeonato do Mundo onde Portugal deve ter legítimas aspirações. 

    Em todo o caso, Matemática à parte, o Uruguai é o adversário mais cotado e, contra ele, Portugal pode fazer a sua afirmação: a de ser um candidato, como se exigiria perante a equipa disponível; ou a de continuar a ser um calculista desmedido que joga para não perder, com toda uma lentidão de processos que já ninguém suporta ver.

    Em suma, a selecção portuguesa vai hoje dizer se quer acompanhar a Bélgica como desilusão deste Mundial ou se, em vez disso, vai meter a França em sentido, fazendo-a saber que não corre sozinha pelo ceptro mundial.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.