Etiqueta: Tiago Franco

  • Trump M&M: mentiras e megalomania

    Trump M&M: mentiras e megalomania


    Este texto deveria ter sido publicado no ‘day after‘ à eleição de Donald Trump. Felizmente, o ‘Windows‘ rebentou (ou não fosse o ‘Windows‘) e o texto desapareceu, sendo substituído por uma neura que me fez desligar o computador e ir ver o Bayern – ‘Arouca’, para a Liga dos Campeões.

    E digo felizmente porque aquilo que lá estava já não aparece aqui hoje. Nesse dia estava chateado, a pensar como é que tantos milhões podem votar num criminoso condenado (é facto, já não é domínio da opinião) e, principalmente, num homem que faz do racismo, do ódio e da divisão, os seus principais argumentos. Hoje, vejo a coisa de forma ligeiramente diferente e numa perspectiva menos emocional.

    Já tinha escrito anteriormente que a escolha entre Kamala Harris e Donald Trump se resumia ao clássico ‘mal menor’, de que esta tão propalada democracia bipartidária é pródiga. De quando em vez, lembro-me que a diferença entre uma ditadura e a democracia americana está reduzida à unidade. Um partido separa-os.

    Nesta escolha do ‘mal menor’, para mim, não existiam dúvidas. Kamala, com todos os defeitos, é um ser pensante, com alguma decência e dentro do perfil de bom senso que, pelo menos eu, imagino necessário a qualquer líder. Trump é um ser abjecto, sem o mínimo de cultura ou bom senso para administrar o condomínio do prédio, quanto mais os Estados Unidos.

    Esta seria a análise fácil e aquela que escrevi antes do ‘Windows’ ter ‘eliminado’ o meu texto original. Hoje, tento colocar-me nos sapatos dos americanos que votaram, sem o habitual preconceito de serem todos ignorantes como pneus.

    De um lado, tinham Kamala Harris, simpática, bem humorada, a prometer seguir a linha de Joe Biden, sem nunca conseguir explicar algo que se parecesse a um programa. A aposta total dos democratas, depois de conseguirem correr com um desgastado Biden, foi apenas a de mostrar bondade e amor, contra o ódio irradiado por Trump. É pouco. Foi pouco.

    Trump, por seu lado, explicou exactamente ao que vinha. Inventou, mentiu, exagerou, mas disparou ideias: deportar imigrantes, acabar com as guerras que o Biden financiou, bloquear as entradas de produtos da China, descer os impostos.

    O discurso de ódio contra os imigrantes foi abraçado, de imediato… por outros imigrantes. Num país onde todos são imigrantes, nada mais popular do que dizer que é altura de mandar alguém fora, porque, se pensarmos bem, há sempre alguém descontente com o vizinho.

    Acabar com a guerra da Ucrânia com um telefonema, e antes de tomar posse, foi outra das promessas. Tendo em conta que a guerra gera emprego interno nos Estados Unidos, não sei bem se as pessoas queriam sequer esta medida ou se perceberam o seu impacto. Mas, se cumprir a promessa, já estará a dar uma ajuda aos europeus que pagam, com juros, a ‘conquista’ do Donbass e, de caminho, ainda têm de comprar energia mais cara aos Estado Unidos. Mas duvido que um norte-americano de classe média se deite a fazer estas contas ou discuta seja lá o que for que aconteça do Maine para o lado do Atlântico.

    Já a promessa de bloquear os produtos chineses pareceu-me um tiro em cheio. Enquanto chamava marxista a Kamala Harris, Trump fazia promessas socialistas, daquelas que se fossem feitas na Venezuela dariam origem a sanções. Mas, melhor do que isso, foi ver norte-americanos na rua a pedirem o fim da entrada dos produtos ‘made in China’, quando os gigantes americanos já fazem as suas produções por lá. Apple, Boeing, Ford, GM, entre tantos outros, já produzem e optimizam os seus lucros graças à China. Ao impor um bloqueio, Trump está, na prática, não só a prejudicar o investimento norte-americano como a aumentar o custo dos produtos ao consumidor final. Ou seja, diz que lhes baixa os impostos e, em simultâneo, aumenta o custo de vida.

    E as pessoas deliram, aplaudem, acreditam e… votam.

    Foi esta a grande diferença. Trump mentiu, prometeu coisas que não sabe se pode cumprir e inventou, muito. Mas disse qualquer coisa. Mostrou uma espécie de plano. Kamala andou a fazer discursos de ‘Miss Mundo‘ e, depois de quatro anos da Administração Biden, enlameada directa ou indirectamente pela guerra da Ucrânia, o genocídio em Gaza e vários problemas internos (com a Economia e a imigração à cabeça), a saturação do eleitorado atingiu o pico.

    Entre quem não diz nada, e promete a continuidade dos problemas, ou um lunático que dispara para todo o lado, as pessoas arriscam pensando: “o que há para perder?”

    Se Trump se virar para dentro e tentar isolar um pouco mais os Estados Unidos, seja no comércio, na defesa, na Economia, nos muros da imigração ou nos bloqueios imaginários a produtos americanos vindos da China, por mim tudo bem. Aliás, quanto mais problemas internos ele arranjar e menos chatear no resto do Mundo, tanto melhor. Como isso não acontecerá, e os norte-americanos continuarão a meter a colher em todas as panelas, pode ser que a Europa aproveite esta oportunidade única para voltar a ter um lugar à mesa e deixe de ser um fantoche dos Estados Unidos. Que trate da sua defesa sem depender da NATO, que faça as suas relações comerciais com quem seja mais vantajoso, que tome posição nas decisões e nos conflitos, em vez de andar a distribuir lamentos e repúdios.

    É tempo de a Europa assumir, novamente, o seu potencial. É certo que a tarefa se complica com gente como Macron, Meloni, Von Der Leyen, Orban, Scholz ou Borrell à frente dos destino europeus mas, enfim, é o que se arranja por agora.

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    Uma última nota para a hecatombe das previsões que, uma vez mais, se verificou na comunicação social portuguesa. A ‘coisa’ começa a criar alguma tradição. Andei semanas a ouvir que Kamala Harris tinha uma ligeira vantagem e, mesmo na noite eleitoral, ainda ouvi falar em empate técnico durante umas horas. Acabou numa ‘tareia republicana’ em todas as disciplinas de voto.

    Como podem esperar manter a credibilidade, a seriedade e até a atenção dos espectadores quando falhas épicas começam a ser o prato do dia? A última vez que ouvi falar em empates técnicos, durante semanas, o acto eleitoral acabou numa maioria absoluta do Partido Socialista. Pensei se, desta vez, o Sebastião Bugalho voltou a fazer análises ou se lançaram apenas os búzios aí nas redacções.

    Para a próxima é que é…

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


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  • Odair: onde tropeçam as revoluções

    Odair: onde tropeçam as revoluções


    Miguel Sousa Tavares meteu em palavras simples aquilo que todos pensamos, mesmo que não o digamos em voz alta.  Não foi por conduzir embriagado, fugir à polícia, abalroar outros carros depois de se despistar e muito menos por, alegadamente, ter tentado agredir um polícia, que Odair Moniz foi morto, baleado por um agente da PSP. Era preto e vivia num bairro social – e foi isso que facilitou o puxar do gatilho.

    Não precisamos sequer de ir ‘por opiniões’; basta olharmos para os números. Em Março de 2024, um estudo apresentado pela antropóloga Ana Rita Alves dava conta que ciganos e negros tinham uma maior probabilidade de serem mortos pela polícia: 43 e 21 vezes mais, respectivamente, para ser mais preciso.

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    Entre 2002 e 2013, mais de uma dezena de jovens negros (médias de idades a rondar os 19 anos) foram mortos pela polícia. A lista de agressões é muitíssimo mais extensa e não caberia aqui. Também não é preciso explicar que estas mortes, agressões e tratamento diferenciado por parte das autoridades não acontecem na Lapa, nas Avenidas Novas ou no Chiado. Ocorrem na Cova da Mora, na Quinta do Mocho, Bela Vista, Quinta da Princesa, entre outras zonas das quais nada sabemos até a polícia lá entrar.

    O racismo estrutural de uma sociedade vê-se, em parte, pelas reações a crimes deste tipo. Antes sequer de sabermos o que aconteceu, já chovem críticas assumindo que o, neste caso, morto,  fez por merecer o destino. É preto, vive na Cova da Moura e tem cadastro. Um tiro da polícia será, para muitos dos que me estão a ler neste momento,  a coisa mais natural e expectável.

    Reparem que em momento algum desta tragédia ouvimos falar em investigações para se tentar perceber, com algum bom senso, o que falhou. A polícia apressou-se a inventar desculpas para escudar a corporação e transferir responsabilidades para um morto. Primeiro era um carro roubado, depois uma faca. Nada que fosse verdade e, muito menos, que justificasse uma morte.

    Até poderíamos cair no erro humano: um polícia inexperiente, uma reacção precipitada, um tiro falhado. Mas é difícil, cada vez mais difícil, acreditar nas autoridades quando estas mostram uma necessidade constante de fugir às próprias responsabilidades.

    A revolução partiu dos bairros, pela morte de Odair,  e tomou as ruas. A partir daí formaram-se as barricadas. Ouvi falar mais no custo de um autocarro do que nos familiares que Odair tinha deixado para trás. Tal como em Gaza e Beirute em contraponto com Telavive e Kiev, também em Portugal as vidas não têm o mesmo valor. A morte de um preto está em saldo, não dá sequer para os pneus de um autocarro da Carris.

    E foi quando essa revolução partiu para se fazer notada que, definitivamente, os extremismos políticos tiveram a prancha que faltava para surfar a onda. André Ventura, antes sequer de saber o que tinha acontecido, já pedia medalhas e condecorações para o polícia que tinha morto Odair. Nas suas palavras, o polícia tinha “dado o corpo às balas”. Quais balas, André? Se ele tivesse, de facto, dado o corpo às balas, o morto não tinha sido o homem que estava desarmado. Já Pedro Pinto, o líder parlamentar sem autorização para falar pela bancada, tal o limite intelectual apresentado, disse que, “se a polícia atirasse mais a matar, talvez o país estivesse mais na ordem”. 

    (Foto: D.R./Chega)

    Foi a este tipo de gente que os habitantes dos bairros sociais foi dar alimento quando, sem qualquer propósito, desataram a partir propriedade alheia. A sociedade que os coloca de lado em cada momento do dia e que não sabe sequer da sua existência, dificilmente apoia uma luta de carros destruídos e trabalhadores queimados.

    O caso do Tiago, condutor da Carris, queimado e a lutar pela vida numa cama de hospital, é exactamente o contrário do que uma luta contra o racismo e repressão policial deve ser. É colocar trabalhadores contra trabalhadores, pobres contra pobres. E foi nesse momento que a revolução falhou e fracassou, permitindo que a extrema-direita tivesse o que precisa: ódio.

    A forma certa de chamar a atenção para os problemas que afectam os mais desfavorecidos e marginalizados é aquela que aconteceu, há uns dias, com a descida da Avenida da Liberdade por milhares de pessoas, pacificamente a gritarem palavras de ordem, enquanto, na rua ao lado, André Ventura e umas dezenas de rapazes se humilhavam desfilando com mostras de racismo e xenofobia.

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    Associações, sindicatos, anónimos, partidos. Todos juntos mostrando que a sociedade se consegue mexer e unir para defender as causas justas. A morte de Odair é inaceitável e, por não ser a primeira vez que tal acontece, as forças de segurança têm que responder por isso. Já são vezes a mais em que as condições que levam a estas mortes são, no essencial, as mesmas. Se queremos que Portugal não seja, de facto, considerado um país racista, estruturalmente, então a culpa não pode continuar a morrer solteira.

    A violência a que foi sujeito o Tiago, um trabalhador da Carris, são igualmente inaceitáveis e mancham, por um bando de marginais, a luta justa pela visibilidade e melhoria de vida nos bairros problemáticos do país. Espero que melhore rapidamente e possa seguir a sua vida, de alguma maneira.

    Portugal continua a ser um país seguro com óbvios problemas de inserção social e demasiados bairros problemáticos. Os números existem e, por mais que a extrema-direita berre, eles não mudam. 

    Somos um país de diversidade étnica e de imigração. A tendência é para aumentar e, portanto, é bom que nos habituemos a isso e compreendamos que, até do ponto de vista económico, Portugal beneficia com esse fluxo de pessoas. Em vez de andarmos a discutir como fechar a porta, matar mais gente ou mandar para outro lado qualquer, devemos é perceber a razão da revolta e do esquecimento dos bairros sociais onde, já agora convém dizer, maior parte das pessoas que por lá vivem, trabalham e pagam impostos.

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    Não se vive num subúrbio, num bairro social ou num gueto, por opção. Vive-se porque a vida nunca mostrou outra possibilidade.

    Os partidos políticos devem fazer o esforço para contribuir para a integração destas pessoas como parte do seu trabalho permanente. Por exemplo, nas políticas de trabalho. É esse o primeiro passo para que alguém pertença a uma sociedade: trabalho. A dignidade humana começa também aí. 

    Deixar estas pessoas por sua conta e esperar pelas desgraças para aparecer serve, essencialmente, para que o fogo que a extrema-direita precisa para existir aumente exponencialmente.

    A morte do Odair poderia ter sido evitada. E o ataque ao Tiago também. O polícia que foi incompetente (estou a dar o benefício da dúvida) não voltar tão cedo às ruas será, na minha opinião, o primeiro passo para demonstrar que se percebeu alguma coisa.

    Uma última nota, num texto que já vai longo, deixo um abraço ao nosso leitor Carlos Maia, um dos primeiros a seguir o PÁGINA UM, que me fez pensar um pouco na relação com quem está desse lado. Conhecemo-nos virtualmente num encontro promovido entre o jornal e os seus leitores onde, educadamente, me explicou como discordava de muito do que eu aqui escrevia. Não há nada melhor do que discordarmos uns dos outros. Sem debate não há ideias novas, progresso e evolução. Sem educação é que não há sequer hipótese de chegarmos a esse ponto. Percebi, ao ver um leitor real, que é para pessoas como o Carlos que opto por escrever. Um abraço para ele e, já agora, felicidades para o seu (nosso) Benfica que, finalmente, se livrou daquele emplastro alemão.

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  • Aprende Zelensky, que o Ricardo Salgado não está para durar

    Aprende Zelensky, que o Ricardo Salgado não está para durar


    Volodymyr Zelensky apresentou esta semana o seu ‘Plano de Paz’, também conhecido como ‘Plano de Vitória’. Vemo-lo, de papel na mão, a visitar as cidades dos principais aliados para discutir os detalhes, deixando a generalidade dos comuns, com alguma curiosidade.

    Quando digo curiosidade é, convenhamos, algo mais do que isso. Não se trata da curiosidade face a um acidente na faixa do lado ou a um arrufo no apartamento de cima. A invasão da Ucrânia tem sido pau para toda a obra nas justificações que vão servindo à classe média europeia, enquanto nos vão extorquindo cada euro.

    Se aumenta o combustível que nos chega da Nigéria, a culpa é do que sucede na Ucrânia. Se o leite que vem dos Açores dispara, pois bem, foi da Ucrânia. Se a prestação da casa subiu, a Lagarde avisa que se deve à Ucrânia. Se a EDP aumenta a tarifa – adivinharam! –, é porque o gerador está em Kiev. Até aquela camisolinha da Zara, feita com trabalho infantil no Bangladesh, já sofre com a ‘taxa Donbass’. Antes da guerra, a Ucrânia era o “celeiro da Europa”, depois da invasão passou a ser a loja do chinês de Bruxelas. Aparentemente tudo nos chegava daqueles lados.

    Dizem-me, economistas encartados, que o mercado se aproveitou na crise, em um ou dois sectores, e cavalgou a onda, subindo tudo o que mexia. Adoro mercados. E até economistas – tenho amigos que são, e tudo o mais.

    Isto tudo para dizer que este ‘Plano de Paz-Vitória’ era algo que eu esperava com alguma ansiedade. Depois de o ler, enfim, fiquei com aquela sensação que qualquer benfiquista tinha em todos os Agostos entre 1995 e 2003: a expectativa inicial era grande, na pré-época, mas depois tínhamos de ir para a luta com Marcelos, Nelos, Thomas e Bossios. Ora, este plano do camarada Zelensky foi um pouco esse balão, que rapidamente perdeu o ar.

    Se bem percebi, Zelensky quer convencer a Rússia, e os aliados, a rejeitar qualquer cedência de território e, portanto, nada de ‘congelar’ a linha da frente.

    Do ponto de vista ucraniano, faz algum sentido: Zelensky não quer perder um palmo de terra, e é exactamente isso que deve dizer ao seu povo.

    Neste plano há também uma linha dedicada a forçar a Rússia a ir para a mesa das negociações, depois de a Ucrânia fazer mais avanços no terreno. Como? Muito simples: Zelensky pede à União Europeia e aos Estados Unidos que levantem todas as restrições ao uso de armas de longo alcance.

    Numa parte secreta deste caderno aparece outra linha para introduzir um novo e mais original pedido aos aliados: instalação de medidas estratégicas não-nucleares, em solo ucraniano, para dissuadir os russos. Ao jeito daquele porta-aviões que os americanos deixaram “acampado” no Mar Vermelho para os israelitas poderem arrasar Gaza.

    Aqui também vejo alguma coerência na estratégia ucraniana. Se ao Netanyahu dão tudo, o que é que custa tentar? Até vejo alguma benevolência na adenda. Por mim tirava o “não” em “não-nuclear”. Se é para pedir, que se avance sem medo!

    Ainda assim, parece-me, é nesta parte do plano que deixamos cair definitivamente a parte a ‘paz’ e nos focamos na ‘vitória’. Tudo bem espremido, aquilo que temos neste plano de vitória, que em momento algum é de paz, é uma revisão da matéria dada. É Zelensky a resumir num caderninho aquilo que anda a dizer há dois anos e meio, a saber:

    1 – Mais armas;

    2 – Nem um centímetro cedido à Rússia;

    3 – A Ucrânia vai vencer a guerra;

    4 – Continuem a mandar dinheiro.

    Qual é então o problema nesta história?

    A realidade. Essencialmente isso.

    Há, em regra, duas saídas clássicas para uma guerra: um dos lados perde e aceita aquilo que o vencedor ditar (os alemães tiveram duas experiências mais ou menos recentes e estão bem documentadas); ou, em alternativa, cansam-se os beligerantes de morrer e declaram um empate mediado por alguém que finge ser neutro, e discutem-se as condições.

    A Ucrânia não está em nenhuma dessas situações, mas quer ditar as condições. É uma originalidade, mas enfim, aprecio a criatividade. A Rússia está com o mesmo território ocupado, mais aldeia menos aldeia, desde Maio de 2022. Portanto, gritar que não se cede um palmo de terreno, como condição para o fim da guerra, é de facto meritório para o lado ucraniano. E só falta convencer os russos disso.

    E quem diz os russos pode acrescentar os americanos, os ingleses e os amigões da NATO, que foram tão peremptórios em Fevereiro de 2022, mas que hoje já vão dizendo a Zelensky que é preciso jogar ao monopólio no Donbass.

    Zelensky também sugeriu, neste ‘Plano de Vitória’, que entrar para a NATO era uma boa ideia. Como não? Era o mínimo que podia fazer…

    Tenho uma teoria para esta alucinação que Zelensky andou a passear por Washington e pelas principais capitais europeias. Elevar a fasquia para negociar em alta e ir baixando sem parecer que está em perda. Partindo do princípio de que nenhum aliado se vai enterrar mais neste conflito, muito menos com tropas no terreno, e que a Ucrânia já serviu o seu propósito aos interesses ocidentais, restará a Zelensky trocar umas aldeias russas por qualquer coisa na Ucrânia, receber uns milhões para a reconstrução e aceitar uma zona-tampão no Donbass, que ficará com a Rússia e os Capacetes Azuis nos próximos 20 anos. Depois, quem vier a seguir que feche a porta.

    Infelizmente para a Ucrânia, e para as famílias dos soldados que morreram, o plano de Zelensky não é de paz e muito menos de vitória. É um grito desesperado de um morto, um bluff sem cartas na mão. O Ocidente está, de momento, mais preocupado em defender outro invasor ali para os lados do Médio Oriente. Por outro lado, o alinhamento geoestratégico dos países está a tomar forma enquanto se morre em Gaza, Beirute e Donetsk. A Turquia, a China, o Irão, a Índia e os países da Ásia Central e da África estão do lado russo. Lembram-se de se insistir nos “isolados russos” de 2022?

    Ricardo Salgado, ex-CEO do Banco Espírito Santo, esta semana no início do julgamento no Campus de Justiça, em Lisboa. Foto: captura de imagem a partir de vídeo da SIC Notícias

    Não há saída para o caderno de intenções de Zelensky. Ninguém se vai atravessar, para lá de dinheiro e algumas armas, pelas vidas ucranianas contra o bloco que se formou do lado de lá. Os equilíbrios estão perfeitamente definidos e os ucranianos andam a morrer, tal como os russos, há dois anos, para nada.

    Na verdade, um ‘Plano de Vitória a sério foi aquele feito em Lisboa por Ricardo Salgado. Várias décadas a controlar e delapidar o Estado Português na bela soma de 12 mil milhões de euros. Depois de ser apanhado, enrola o processo com todos os truques permitidos no Código de Processo Penal enquanto vive dos lucros. Dez anos depois, chega finalmente ao tribunal, mas já em estado de saúde debilitado. O antigo banqueiro que tinha ministros no bolso, e a quem toda a elite dizia que sim, aparece sem memória, com uma camisola discreta de velhinho, a dar passos de 10 centímetros, seguro pela mão de uma cuidadora, para não cair. Não se lembra de nada, não sabe de nada, não se consegue defender. Isto, 10 anos depois de ser apanhado e um ano depois de escrever um livro de memórias.

    Isto é que é um ‘Plano de Vitória’, Volodymyr. Aprende, que o Ricardo não parece estar para durar.

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  • O labirinto do Chega

    O labirinto do Chega


    Que as guerras no Leste da Europa e no Médio Oriente fazem vítimas inocentes, já ninguém duvida. A novidade, aqui, nesta minha crónica julgo, é André Ventura ser, na minha opinião, uma dessas vítimas.

    Calma jovem fã dos tik-toks da Rita Matias; calma ancião que vês no Ventura o Moisés que abrirá os mares da expulsão de nepaleses. Calma. Não fiquem por aqui e leiam até ao fim.

    André Ventura é dos políticos com mais tempo de antena na comunicação social portuguesa. Já o era antes de o Chega ter eleito cinquenta deputados e, também por essa ordem de razão, continua a ser daqueles que mais vemos no pequeno ecrã.

    Não é que ele tenha muito para dizer; de facto, não tem, mas a vida de um partido sem ideologia, como o Chega, que vive do protesto do momento, depende da sua exposição mediática e, de alguma forma, da sua capacidade em conseguir marcar a agenda.

    Líderes com ideias e ideais vivem do seu pensamento. Sem qualquer uma delas, sobra apenas o barulho como acto contínuo de sobrevivência -é esse exactamente o caso de André Ventura e do Chega, um partido de um homem só, apesar das tentativas de espalhar alguns deputados, os menos grunhos, nos painéis de debate dos diferentes canais de informação.

    Com o tempo de antena dispensado pelas televisões às guerras na Ucrânia, Gaza e agora Líbano, sobra menos do que o habitual para os disparates do Ventura. Mas ninguém o pode condenar por falta de activismo na busca de um holofote, de um microfone ou de um conflito.

    Se o país arde, o bombeiro André convoca conferências de imprensa para exigir penas maiores para os pirómanos. Não vai pegar num balde para ajudar, falar de eucaliptos ou da limpeza das matas. Nada de coisas que possam dar trabalho. Vai apenas criar mais um alvo para o ódio; neste caso, quatro ou cinco malucos que puxam fogo à mata. Sobre o negócio que, posteriormente, se faz na zona ardida… fica para outra altura.

    Mas, enfim, o drama real é mesmo ver as casas em chamas, mortes de bombeiros e aldeias arrasadas. Os holofotes não se fixam no Ventura, e isso é uma chatice.

    Surge então o Orçamento de Estado (OE) e uma nova oportunidade de brilhar. Desde as eleições que o Chega se queixa do ‘cordão sanitário’ imposto pela AD e, em cada oportunidade, faz o possível para que o PSD se arrependa dessa decisão. Por exemplo, na aprovação de medidas impostas pelo PS no Parlamento contra o Governo.

    Também nas discussões do OE, o nosso André não conseguiu estar no centro da decisão. O PSD andou a namorar toda a gente, desde logo o PS e até a IL. E, no fim, deu algum tempo de antena ao Chega, para ver se o PS mordia o isco. Percebeu-se agora que o PS não estava disponível para aceitar o IRS Jovem e, mesmo assim, o Governo parece ter pouca vontade de falar com o Chega, preferindo ir novamente para eleições. O ‘pastor’ André e os seus 49 discípulos ficam naquela situação caricata de serem a terceira força no Parlamento, mas continuarem sem contar para o Totobola. Não há quem veja nessa gente um parceiro fiável. Porque será?

    O Presidente da República veio dar uma mãozinha à decência e meteu-se na discussão, avisando que o impasse nas negociações poderia deixar o Governo nas mãos do Chega. O André ficou possesso e toca de convocar nova conferência de imprensa para cascar no Marcelo. “Até parece que ficar nas mãos do Chega é algo negativo”, disse ele com ar ternurento aos jornalistas. Então não é, rapaz? Não achas que Portugal tem já problemas com fartura?

    Falando em problemas, e com os israelitas a continuarem a ocupar espaço de antena com as preparações para a invasão do Líbano, eis que o bom do André se lembrou de criar problemas onde não existem. Tudo em nome da agenda mediática onde o Chega está com dificuldades em pontuar.

    A Economia portuguesa depende, neste momento, fortemente da mão-de-obra imigrante. A Segurança Social engordou com as contribuições dos estrangeiros; a hotelaria, a restauração, a construção e a agricultura dependem muitíssimo dos que escolhem Portugal para trabalhar. E essa fatia da população ronda os 10% daqueles que habitam o nosso país. Até o Governo, mesmo infiltrado com conservadores do calibre de Nuno Melo, já assumiu que a imigração é fundamental para manter o país a funcionar.

    Aliás, convenhamos, não é preciso ser um Einstein para entender a problemática. Num país envelhecido, com baixa natalidade, baixos salários e que exporta boa parte das pessoas com maior formação, quem esperam que trabalhe por 800 euros? Noruegueses, alemães e belgas? Ou nepaleses, paquistaneses e brasileiros?

    Meus amigos, à partida, o fluxo migratório dá-se na direcção de países mais ricos. Encontrar alguém mais pobre do que Portugal, entre louros e arianos que agradem ao Chega, não parece ser tarefa fácil.

    Portanto, sendo a imigração algo positivo para Portugal, o que decide André Ventura? Agendar uma manifestação para os mandar embora e “devolver Portugal aos portugueses”. Com isso conseguiu criar um momento político, mais umas horas de emissão e inventar uma agenda que não existia. E, claro, conseguiu agradar aos seus eleitores com um discurso de ódio e racismo primário.

    Curiosamente, o Chega convocou esta manifestação para o dia seguinte outra manifestação nacional, esta a propósito de um problema real: o acesso à habitação. Outro tema sobre o qual o Chega não tem nada para dizer porque o ódio, como perceberão, serve para ser direccionado somente para pobres e estrangeiros. Não é para afrontar os poderes instalados e, muito menos, os mais ricos.

    Notem até que, apesar de andar sempre com a falácia dos subsídios para os imigrantes, apesar dos números nos dizerem que estes contribuem sete vezes mais do que recebem, André Ventura sugeriu, no passado dia 25 de Setembro, que o Estado deveria subsidiar as empresas para que pudessem aumentar o salário mínimo.

    Estão a ver a contradição? Um homem que dizia que era necessário cortar 50% do RSI no Acores – falamos de prestações de aproximadamente 100 euros –, afirma agora que o Governo deve subsidiar empresas para que paguem salários decentes.

    André Ventura, ou o Chega (já que são a mesma pessoa), não tem nada contra subsídios estatais; só não gosta é que sejam dirigidos aos mais desfavorecidos.

    Enfim, os anos passam, os votos aumentam, o grupo parlamentar cresce e tudo aquilo que o Chega continua a ter para oferecer é ódio, divisão e racismo, e ainda uma aterradora falta de princípios e de ideias.


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  • Blinken, o amigo do genocídio

    Blinken, o amigo do genocídio


    Quando ouvi Antony Blinken, secretário de Estado de Biden, afirmar que os Estados Unidos (EUA) tinham traçado um plano de paz com o qual Israel concordara e, que agora, esperavam o mesmo do Hamas, fiquei ligeiramente desconfiado. Só para não dizer que sorri.

    É, no mínimo, estranho que seja uma das partes do conflito a elaborar uma proposta para o fim desse mesmo conflito. E mais estranho seria se esse documento fosse sequer algo justo para ambos os lados.

    E antes que a discussão se alargue, digo sim: os EUA são uma das partes integrantes deste conflito no Médio Oriente. Aliás, de quase todos aqueles de que me lembro na região. Ou com as botas no terreno – como aconteceu no Kuwait, Síria e Iraque – ou, no caso israelita, patrocinando com armas, dinheiro, soldados e porta-aviões por perto, as chacinas feitas durante décadas ao povo da Palestina.

    Benjamin Netanyahu. Foto: DR

    Netanyahu discursa regularmente no Senado norte-americano, onde recebe palmas de conforto e donativos para derramar sangue palestiniano. Nesse sentido, é difícil ver os EUA noutro papel que não o de apoiante ao que se vai passando em Gaza.

    Anteontem, dia 20 de Agosto, julgo que no novo canal informativo NOW, passou uma reportagem sobre os seis corpos de reféns resgatados pelo exército israelita. Estavam mortos, entenda-se, e por isso tiveram direito a nome, idade, fotografia e entrevista com as famílias que falaram sobre eles e sobre o abandono a que foram votados pelo governo de Netanyahu – recordemo-nos que o governo israelita nunca quis qualquer acordo para a troca de reféns pelas centenas de palestinianos que vão apodrecendo nas suas prisões.

    Parece-me um óptimo princípio o de que a vida humana tenha relevo e importância, que seja respeitada tanto enquanto o coração bate como a partir do momento em que os olhos se fecham. Ao contrário da Helena Ferro Gouveia, que é uma das vozes mais activas em Portugal na defesa das forças ocupantes em Gaza, eu acho que o respeito pela vida é devido a um refém israelita, a um combatente do Hamas, a um soldado das Forças de Defesa de Israel (IDF), a um general russo ou a um ucraniano do batalhão Azov. Morrer em guerras que somente servem aos interesses de países imperialistas ou defendem a economia de alguns lobbys, é sempre um desperdício, venha de que lado vier.

    Finda a reportagem dos reféns, surgiu outra sobre os dois últimos bombardeamentos a escolas em Gaza. No primeiro, morreram 18 pessoas e, no segundo, mais 10. Há imagens de pedaços de carne sem qualquer identificação a serem arrastados dos escombros, e também de uma senhora, aos gritos e em pânico, dizendo que estavam ali quietos, julgando estarem seguros e, de repente, morreram todos. A mesmíssima reportagem que todos vemos em Gaza e na Cisjordânia desde o dia em que nascemos. Não há nomes, muito menos famílias ou histórias de vida. Há apenas mais 28 para somar aos outros 44 mil mortos, números assim redondos para parecerem mera e fria estatística. Crianças, mulheres, combatentes, homens que estavam por ali, civis que passavam, famílias que julgavam estar em zona segura. Não interessa, ninguém quer saber quem eles são. São 44 mil mortos em 319 dias, uma média de 138 por dia, dizimados por bombas.

    “Destruição metódica de um grupo étnico ou religioso pela exterminação dos seus indivíduos” é a forma como o dicionário descreve genocídio. Se alguém encontrar alguma diferença para o que está a acontecer em Gaza, pode fazer o favor de informar.

    Lembram-se quando o mundo parou, durante dois anos e meio, porque em cada país morriam 20 ou 30 pessoas, diariamente, com complicações respiratórias? Pois… em Gaza isso não acontece, respiram todos bem, pelo menos até lhes cair uma bomba no telhado.

    Aquilo que eu imagino quando ouço falar num plano de paz para a região é, obviamente, a criação de dois Estados e o fim do regime de prisões controladas por Israel, que consistem, essencialmente, nos actuais dois territórios da Palestina. Com lógico foco para Gaza, onde há 20 anos se assiste ao absoluto atropelo a qualquer coisa que se pareça com direitos humanos. Já disse e repito isto: Gaza é uma faixa de 60 quilómetros com dois milhões de pessoas que vivem entre muros, vigiados e proibidos de circular pela potência ocupante. A primeira exigência que qualquer plano de paz, digno desse nome, deve ter é a imediata destruição daqueles muros.

    Faixa de Gaza. Foto: D.R.

    Mas o que dizia afinal o plano de Blinken com o qual Netanyahu, afinal, até fez o favor de concordar? Entre outras coisas, que as IDF ficariam em Gaza depois do cessar-fogo, que o território seria dividido em Norte e Sul, com as IDF a controlar as passagens e que todo o corredor de passagem para o Egipto teria o controlo dos olhos e armas do exército israelita. Em resumo, o plano de paz sugerido pelos EUA e por Israel para Gaza não é derrubar muros ou pacificar a região: é apenas, e só, aumentar o nível de segurança na prisão onde os palestinianos estão encerrados há décadas.

    Agora, como perceberão, vão tentar vender-vos a ideia de que o Hamas, os ‘terroristas deste filme’, lembrem-se, não vai aceitar o plano, apenas porque a paz não lhe interessa. E no fim de tudo, quando as mortes ultrapassarem as 50 mil e os quadros do Hamas não pararem de crescer, é certo e sabido que a culpa será, hoje e sempre, de quem não quer passar a vida na prisão.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • Chalupa? Blogue? Ai, Luís, Luís…

    Chalupa? Blogue? Ai, Luís, Luís…


    No último texto que escrevi aqui no PÁGINA UM, usei o Luís Ribeiro (jornalista que escreve na Visão) como exemplo de uma tribo que defende a narrativa das “Bombas pela Paz”. Ou seja, que gritam pela continuação da Guerra na Ucrânia a todo o custo, com os argumentos já conhecidos do invasor imperialista e da moralidade sobre a justiça na discussão da integridade territorial. É bom de notar que, por norma, as mesmas pessoas que defendem isto já acham exactamente o contrário no conflito de Gaza onde, como se sabe, não há invasor e apenas um “direito de defesa”.

    Ao que parece, o meu texto chegou ao amigo Luís que, em consequência, me dedicou um mimo no X (ex-Twitter), e de boleia zurziu ainda no PÁGINA UM e no seu director. Como expliquei, nesse texto, raramente passo por aquela plataforma e tudo aquilo me parece uma constante descarga de bílis. No Twitter, agora X, parece que espalhar ódio e embirrar de manhã à noite é uma modalidade desportiva com direito a Olimpíadas. Contudo, fizeram-me o favor de enviar as palavras do revolucionário (com sangue alheio, claro) Luís, e lá fui eu ver o que se passava.

    Chalupa

    Primeiro, o Luís diz que não me conhece, e eu devo confirmar e avisar ser isso normal num planeta com já mais de oito mil milhões de pessoas. Não conhecemos a maior parte daqueles que respiram no nosso quilómetro quadrado. E, no meu caso, o não conhecer significa que nem sequer sabia o que ele fazia até um amigo, poucas semanas antes, me ter dito: “tu já viste as coisas que este gajo escreve?”. Aí passei a conhecer o Luís, pela sua prosa twitteira, pelo menos até ao limite da minha paciência, ou seja, dois ou três “scroll down“.

    Na sua elaborada prosa na rede do Musk, o Luís passa os dias a insultar tudo o que mexe, bastando que não pensem como ele. Não importa o tema – isso é secundário. Também faz parte daquele clube que adjectiva de “chalupa” qualquer pessoa que não vote no Centrão, no CDS ou na IL. Obviamente, ainda mais por isso, fui contemplado com esse magnífico adjectivo que, se a memória não me atraiçoa, surgiu durante a pandemia. Nessa altura, pessoas que não sabiam nada de Saúde Pública chamavam chalupas a outras pessoas que também não sabiam nada de Saúde Pública. E chamavam também “chalupas” a quem sabia de Saúde Pública, desde que não pensassem como eles. Foram tempos bonitos.

    De facto, durante esses anos, eu, que percebo nada de Saúde Pública, segui as recomendações do Epidemologista-Chefe que coordenava a Saúde Pública do país onde eu vivia, a Suécia. Portanto, mantive o distanciamento, não usei máscara, não fiz qualquer confinamento e vacinei-me. Foram essas as recomendações das instituições médicas do país e, portanto, foram essas que segui.

    Portanto, há que perceber isto, Luís: no país onde eu vivia durante a pandemia, havia um especialista de créditos firmados a coordenar a coisa. Não eram vendedores da Pfizer que andavam a recomendar mais doses, e muito menos professores de Geologia a fazer estudos que anunciavam o fim do Mundo e a necessidade de máscaras e confinamentos. Não sei se isto entra na tua definição clássica de “chalupa”, mas, adiante, que ainda temos alguma lenha para serrar.

    Convenhamos assim que chamar alguém de “chalupa” como único argumento, e acrescentar zero sobre o assunto em discussão é ligeiramente pobre. Se me permites, é até uma entrada no “reino da chalupice” que, na verdade, parece ser o teu ganha-pão diário. Parece-me até um pouco conversa de “chegano”, que cancela todo e qualquer debate alinhando de imediato no insulto.

    Mas eu não quero ir tão longe. Vamos ao teu modus operandi apenas de “chalupice ribeirinha”. Para já. Ou por agora.

    Avancemos. Quando em 2022 a Guerra da Ucrânia entrou na segunda parte – leia-se, invasão russa –, eu fiz o que costumo fazer em momentos novos e inesperados: ouço quem parece entender do assunto.

    Assim, passei mais de um ano a ouvir falar em game changers, em armas que tudo iriam mudar o curso do conflito, em russos que iam para a frente de batalha descalços, que roubavam máquinas de lavar e caíam que nem tordos. A cada semana, mais uma épica vitória dos ucranianos, mas, curiosamente, os russos consolidavam posições e a não mais largaram o território.

    Ao mesmo tempo, nós, os europeus, fomos empobrecendo, rebentando com a inflação e pagando taxas de juros exorbitantes. A solidariedade é muito bonita quando o banco não nos leva a casa em nome de uma guerra que não escolhemos e, honestamente, não nos diz sequer respeito.

    Comentários do jornalista da Visão, Luís Ribeiro, sobre o jornal PÁGINA UM, publicados na rede social X na sequência do seu tweet sobre o artigo de opinião de Tiago Franco.

    Passaram mais de dois anos, e já poucos, muito poucos, repetem a conversa dos game changers ou do “exército com pés de barro”. Aqueles que o fazem são, se me permites, os idiotas úteis.

    Chegamos ao dia de hoje onde é mais ou menos do senso comum que a Ucrânia não tem a mínima hipótese de ganhar esta guerra, por mais dinheiro ou armas que lá se despejem. Assim sendo, de que lado está a chalupice? Em quem defende que tudo continue como está, ou em quem insiste na diplomacia? Já fiz esta pergunta N vezes e nunca vi uma resposta. Tento agora contigo, Luís, até porque sei que vais ler isto porque, sei, segues secretamente o PÁGINA UM.

    Mas diz lá se, no íntimo, pensas mesmo que há hipótese de a Ucrânia ganhar a guerra se continuarmos a enviar armas, dinheiro e casas para os bancos.

    Se sim, então não tenho mais pergunta alguma, e percebo melhor as coisas que escreves. Fica o encontro marcado para essa Nárnia onde me pagarás um copo.

    Se não, então qual é o passo seguinte para quem defende o envio de mais armas? Continuar até que os russos larguem o território com a NATO a entrar no conflito? Alinhas numa III Guerra Mundial? É essa a questão.

    black barbwire in close up photography during daytime

    Por fim, uma nota sobre deselegância que não mete casas de strip (mas dou-te nota 10 por esse raciocínio, que foi apenas teu, mas que tentaste chutar para mim).

    O PÁGINA UM não é um blogue, como tu bem sabes. É um órgão de comunicação oficial – modesto, é um facto, porque subsiste e cresce enquanto os leitores assim o entenderem, sem acumular dívidas. Não terá o peso e reconhecimento da revista Visão – e esta dou-te de borla. Mas o reconhecimento da Visão vem de tempos já longínquos, naquela época em que eu, fiel seguidor, a comprava regularmente, quando vivia em Portugal. Mas eram também tempos em que a proprietária da Visão não tinha problemas com dívidas ao Estado, sob o beneplácito dos Governos.

    Não há mundos perfeitos, camarada. Foi exactamente por isso que, no meu texto anterior, o título era “o Ribeiro da Visão”. Primeiro, para não se confundir com o outro, que tem piada – o da Rádio Comercial –; e, depois, para ter um ponto de referência (a Visão), pois imaginei, talvez erradamente, que, tal como eu, a maior parte dos leitores não soubessem quem eras. E tal como tu não saberes quem eu sou, isso não tem nada de mal. É apenas a consequência de um mundo cheio de gente. Não há tempo para nos conhecermos a todos, mesmo se cortares os chineses. Fica difícil e é uma pena.

    Por fim, tirando-se do X, estou até convencido de que, quando não estás a escrever atrocidades e insultos no Twitter, deves ser um encanto. Assim, se me vires um destes dias na roulotte do Estádio da Luz (aquela ao lado do túnel), promete que me contas como é que se ganha esta guerra pela escalada militar. E prometo que podes desenvolver as teorias mais alucinantes sem eu te chamar chalupa. E como é óbvio, a imperial fica por minha conta, até porque, pelo que vou lendo nas notícias, os descontos para a Segurança Social não estão em dia aí na casa.

    Um abraço.

    P.S. – Aos leitores do PÁGINA UM, deixo aqui o compromisso de honra em voltar a temas importantes no próximo texto.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • O Ribeiro da Visão

    O Ribeiro da Visão


    Raramente entro no X (Twitter) e, quando o faço, não consigo passar por lá mais do que cinco minutos. Aquilo é um esgoto a céu aberto de baboseiras, discurso de ódio e ameaças embrulhadas no anonimato.

    Mas, não sei por que mal tenha feito aos deuses do Olimpo, entrando lá, só me aparece gente como a Câncio, o Milhões, o Milhazes, o Luís Ribeiro da Visão e mais uma catrefada de gente cuja opinião não deveria importar sequer ao menino Jesus.

    Ontem, como se sabe bem, foi dia de visita do Zelensky a Portugal. Uma visita de um chefe de Estado que está em guerra, que precisa de apoio financeiro militar, financeiro e moral. Uma visita de alguém que não se pode dar ao luxo de deixar o conflito entrar nas notícias de rodapé e cair no cansaço e na saturação dos parceiros europeus.

    Tudo normal, tudo natural, tudo expectável. E tudo bem.

    Dito isto, vamos aos factos sem mais delongas. O Luís Ribeiro da Visão é uma espécie de idiota útil e palerma clássico – dito com carinho para não ser tomado como insulto. Uma daquelas pessoas que cataloga pensamentos diferentes segundo as suas doutas verdades. Uma variante de Câncio pós-separação do Sócrates.

    É um da tribo que chamava “negacionista” (e assassino, presumo) a quem achava que os confinamentos não faziam sentido – e que nem sequer era real porque maior parte dos trabalhadores continuaram na rua em Portugal. E é um dos que apelida de “putinista” todo e qualquer membro do PCP, mesmo aqueles que criticam as políticas do Kremlin há quase 20 anos, desde os tempos de Ieltsin.

    Hoje, em relação à Ucrânia, todos os que pedem conversações de paz são “putinistas” para o Luís Ribeiro. Os Ribeiros desta vida, que andaram 15 anos a aplaudir discursos do Putin no parlamento alemão e a salivar enquanto ele nos vendia botijas de gás, passaram a paladinos da decência em Fevereiro de 2022. Os mesmos que em 2014 ainda estavam adormecidos e diziam que aquilo eram só escaramuças entre nazis. Coisas lá longe.

    blue and yellow striped country flag

    Luís Ribeiro é um jornalista especialista em ambiente que se casou com uma ucraniana e passou, por osmose, a especialista em invasões imperialistas. Que escreve atrocidades na Visão vezes sem conta e que usa o X como intestino para o café matinal.

    Rejubila com os apoios financeiros de Portugal à Ucrânia, insultando uma quantidade de inimigos imaginários. E escreve algo em que nem a própria mulher deve acreditar, que estes apoios vão ajudar a expulsar os russos. Ora…a única coisa que pode expulsar os russos é o início (com botas no terreno) de uma III Guerra Mundial. O Luís vai para lá?

    Pelo que sei, é mais velho do que eu apenas um ano, portanto, ainda está a tempo de alombar e mostrar toda essa inata coragem de anti-putinismo.

    Por mais que tentem camuflar a realidade e chamar nomes para cancelar o discurso, até os Ribeiros desta paróquia sabem o óbvio: Putin é um ditador perigoso que, à frente de um dos maiores exércitos do Mundo, entrou numa guerra estimulada pelos Estados Unidos e patrocinada pela União Europeia. Ninguém quer saber da Ucrânia. Não queriam em 2014 e não querem hoje. O território ucraniano serve, essencialmente, para se criar um novo balanço de poder entre a Rússia/ China/ Índia e os Estados Unidos/ União Europeia.

    A Rússia não passou a ser uma ditadura porque o Milhazes se veio embora (já era quando ele só via maravilhas lá); e a Ucrânia não passou a ser uma democracia saudável porque foi invadida, ou porque o Ribeiro foi a uma casa de strip em Kiev.

    De igual modo, não há dinheiro que Portugal envie que safe aquilo (dinheiro que, já agora, seria bem mais útil em escolas e creches públicas) e também não é propriamente verdade que “Portugal está com Zelensky”. Epá!, Luis: nem os ucranianos estão. Numa comunidade com alguns 50 mil habitantes em Portugal, apareceram 50 em Belém (e alguns para lhe chamar nomes).

    Há quem deseje ardentemente a versão Ribeirinho do conflito, ou seja, continuar a escalada e esperar que as bombas continuem a rebentar só em cima dos filhos dos outros. E há quem queira que isto acabe já, sem ter grandes moralismos sobre integridade territorial.

    Sim, Luís: moralismos. Essa conversa do invasor e do direito à defesa, bate sempre naquela trave da moralidade da terraplanagem em Gaza. Lá, em seis meses mataram mais crianças em 60 quilómetros de extensão de território do Médio Oriente do que em toda a guerra da Ucrânia. E sabes quem é que se está a cagar? O Mundo todo. E depois há gajos como tu, que acham que existem invasores do bem e bombas amigas.

    Portanto, as coisas são o que são, e não vale a pena andarmos aqui a criar duas barricadas, tentado cancelar o debate com insultos. Vou-te dizer Luís, como é que um gajo que vive de algoritmos, vê isto:

    – A Rússia invadiu? Sim. Está errado? Está.

    – A Nato ajudou? Sim. Está errado? Está.

    – A Ucrânia deve perder território? Não.

    – A Ucrânia tem o direito de se defender? Sim, claro. Defender, atacar, rebentar com o Kremlin, fazer o que quiser.

    – A União Europeia consegue impedir que a Ucrânia perca território? Não.

    – Deve fazer o quê nesse caso? Estar quieta e entrar no conflito como mediador de paz.

     – Os Estados Unidos conseguem impedir que a Ucrânia perca território? Sim. Metendo soldados no terreno e começando a combater a Rússia.

    orange and yellow abstract painting

    Portanto… justo ou injusto, a análise é simples, mesmo para um gajo que não assimila doutoramentos em ‘ucraniedade’ por osmose:

     – ou estamos quietos e vamos convencendo os ucranianos a perderem território, por troca com uma entrada na NATO e na União Europeia no futuro;

    ou

    – convencemos o Joe Biden a meter os marines no Donbass numa operação daquelas que depois acabam em filme, do género “Freedom for Real, part VIII”.

    É isto, Luís, e não é outra coisa. Tem juízo, rapaz, e trabalha mais na vertente ambiental (nomeadamente do Twitter) que deve ser a área onde dizes menos alarvidades. Como disse há dois anos o Ricardo M Santos, não precisas de continuar a ser um Ribeiro “de esgoto a céu aberto“.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Os justiceiros da Baixa do Porto

    Os justiceiros da Baixa do Porto


    É comum dizer-se que um “mas” utilizado no meio de uma frase, invalida a primeira parte do que foi dito. Querem ver? “A Maria passou numa rua escura à noite e foi violada…mas estava de saia curta”. O que queremos dizer aqui é o clássico da grunhice: “a Maria meteu-se a jeito”.

    Outro exemplo que tem estado muito em voga nos últimos 7 meses: “Israel já matou 34000 palestinianos mas o Hamas é que começou”.

    man in white long sleeve shirt
    (Foto: Dan Burton)

    Foi algo deste género que aconteceu, na sempre dividida sociedade portuguesa, no caso das agressões a imigrantes argelinos e marroquinos, no Porto. Algumas pessoas, a maior parte quero crer, condenaram. Com um ponto final. Outras, condenaram e acrescentaram um “mas”. 

    Há momentos na vida em que não podemos ter dúvidas e muito menos procurar atenuantes. Este é um deles. Um ataque planeado e pensado contra imigrantes, alegadamente por membros de gangues com ligações a movimentos nazis, não pode ser usado como desculpa para libertar o racismo e a xenofobia escondidos.

    Maria João Marques, autora de várias pérolas em tempo de pandemia, escreveu assim no Público:

    “A extrema-direita, já vimos, relativiza o ataque aos imigrantes no Porto. Mas não notei qualquer reação, ou sequer comentário, vindo da esquerda às notícias televisivas dando conta dos assaltos e agressões por imigrantes (aparentemente ilegais) às lojas e às pessoas no Campo 24 de Agosto. Crimes cometidos por imigrantes são tema tabu, finge-se que não existem, porque vai contra a linha política ‘temos de receber todos os imigrantes que cá quiserem residir, sem colocar quaisquer condições, e quem contestar é fascista e racista’”.

    brown game pieces on white surface
    (Foto: Markus Spiske)

     

    Não está só, entenda-se. A direita mais extremista acompanhou este pensamento. André Ventura discursou durante 25 minutos a propósito dos assaltos na baixa portuense. Um pouco por toda a direita mais conservadora, usou-se o argumento encapotado de “ainda levaram poucas”.

    Repito o que já disse antes: gosto que as pessoas assumas as suas ideias, por mais aberrantes que sejam. Constato, no entanto, que a vergonha de partilhar sentimentos primários, como racismo ou a total falta de empatia, está cada vez mais distante. Há uma espécie de ‘carta branca’ para se ser um orgulhoso xenófobo, nesta Europa que implora por mais muros.

    Este foi um dos tema em debate no podcast “Estrago da Nação”, do PÁGINA UM. O meu companheiro de microfone (Luís Gomes) alinhou pelo diapasão da Maria João Marques, acrescentando ainda que os cidadãos estavam a cumprir o papel do Estado já que este se demitia das suas obrigações. Ou seja, para justiçar a mais rudimentar antipatia por imigrantes em Portugal, já se acha razoável instituir um sistema de vigilantes onde marginais “limpam as ruas”.

    brown and black jigsaw puzzle
    (Foto: D.R.)

    Confesso que este assunto, bem como qualquer animosidade em relação à imigração, é algo que me incomoda bastante. Fui imigrante quase duas décadas e sei o que é a busca por uma vida melhor, deixando para trás o conforto do conhecido. Não suporto racismo primário e nem percebo, no caso português onde a imigração é absolutamente essencial, esta luta da direita contra quem vem para cá pegar em empregos que português algum quer.

    Deve ser por ter o tema colado na pele que, assumo, tenho alguma dificuldade em manter a calma perante correntes de xenofobia. Para quem ouviu o podcast, imagino que tenha percebido. Aproveito para pedir desculpa aos nossos ouvintes.

    Alguns meios de comunicação relataram que entre os agressores estavam membros do grupo neo-nazi liderado por Mário Machado. Não sei se é verdade, mas não me custa a acreditar que um ataque a imigrantes não tenha sido, em princípio, planeado por membros do coro Santo Amaro de Oeiras.

    Agora que Mário Machado foi preso, depois de ter incitado ao ódio e violência contra mulheres de esquerda (com destaque para Renata Cambra, antiga porta-voz do Movimento Alternativa Socialista), fico um pouco preocupado com a segurança da baixa portuense. Quem é que vai manter a ordem agora se os nazis ficarem sem liderança durante dois anos? É que, só para piorar, nem o Dr. Macaco está disponível para ajudar na limpeza por dificuldades de agenda.

    fist, cut, violence
    (Foto: Annabel_P)

    O que pode esperar a bela cidade do Porto e os seus comerciantes quando os justiceiros estão, ironicamente, a braços com a justiça? 

    Um nazi é um nazi e achar que, a bem da xenofobia, os interesses destes com a população se alinham, é um erro crasso que a nossa extrema-direita faz conscientemente.

    Não há “mas” numa agressão a imigrantes. Há apenas ódio e racismo.

    Misturar isto com roubos, seja onde for, é criar campo fértil para extremistas e nacionalistas. Não ajudem (ainda mais) ao crescimento de pequenos ditadores e aprendam a ler os sinais da História. Se há problemas com a lei, sigam os ensinamentos dos Trabalhadores do Comércio e “chamem a polícia”. Não deem borlas à xenofobia.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


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  • Entre Gaza e Montenegro

    Entre Gaza e Montenegro



    Lá fora.

    Não sou grande coisa nas teorias da conspiração, mas estou com alguma dificuldade em chamar ataque ao que o Irão fez em Israel. Enviar drones com aviso de dois dias e hora marcada para um sítio onde mora o melhor sistema de defesa anti-aérea do mundo é algo esquisito. Visto daqui, pareceu mais o envio de uma encomenda com número de localização. A DHL faz isso todos os dias com mais sucesso porque, por norma, as encomendas chegam mesmo ao destino.

    No caso do ataque a Israel, tivemos o privilégio de o ver em direto. Horas e mais horas com os jornalistas sem saber bem o que dizer, enquanto enchiam alguns chouriços. Nós em casa de pipocas na mão enquanto no estúdio alguém dizia: “dentro de uma horas espera-se que cheguem”. Os drones, entenda-se. 

    Grey Jet Plane

    A aviação civil desviava-se da zona e em aplicações como o “Flightradar” íamos seguindo a movimentação ao segundo. O mundo esperava a entrega dos mísseis e por todos os noticiários ouvíamos que “o ataque estava iminente”.

    Serei o único a achar que a coisa foi mal e porcamente ensaiada, num acto de real politik de vão de escada?

    Ora, recapitulemos. 

    Israel, que não tem entretenimento suficiente com o genocídio que vai perpetuando em Gaza, mandou uns rapazes da Mossad matar uns generais na embaixada do Irão em Damasco (Síria). Deixaram cartão de visita para o mundo ter a certeza que era um acto israelita. Típico de Israel, isto de atacar em segredo e depois gritar “fui eu”.

    Vendo isto, o regime iraniano que não quer entrar no conflito no Médio Oriente (apenas patrociná-lo), ficou naquela de posição de “ouve lá, temos que fingir que lhes queremos dar uma chapada para não parecermos uns bananas”. Dão umas conferências de imprensa e anunciam a hora e minuto do ataque de retaliação.

    a red and white flag

    Em Israel desligam a Cúpula de Ferro (Iron Dome) para poupar energia e apanharam os drones com uma rede para borboletas. O “ataque” iraniano resultou numa pessoa ferida com uns estilhaços e outras 7 que tropeçaram uns nos outros a correr para os abrigos.

    No fim, os iranianos pediram aos americanos que não se metessem e prometiam que não faziam mais nada e, os israelitas, fingiram que estavam muito chateados e foram logo a correr para o conselho de segurança da ONU, pedir sanções e fazer o papel de vítima.

    Em poucas horas o genocídio de Gaza desapareceu das notícias e Israel voltou a merecer a solidariedade internacional por estar “sob ataque”. Os 34000 palestinianos que Israel matou desde 7 de Outubro e os 76000 que feriu, ficaram nos estilhaços que feriram uma pessoa com drones iranianos. As 26000 crianças mortas ou feridas em Gaza, estão agora escudadas pelas palavras de Ursula Von Der Leyen que, de imediato, se colocou ao lado de Israel depois do “bárbaro” ataque iraniano que feriu uma pessoa e danificou um armário de três espelhos numa base aérea qualquer.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. (Foto:D.R./CE)

    A hipocrisia de quem nos dirige e a forma como nos tentam fazer passar por estúpidos, atinge em 2024 níveis de uma obscenidade como eu nunca pensei ver. É que nem para os jogos de bastidores se esforçam por criar algo que o grande público consiga engolir sem se enjoar.

    Da próxima vez que virem um aumento nos combustíveis, já sabem. Foi o Irão. Dá-se um grito no médio oriente e sobe o preço da gasolina, larga-se uma bomba no Donbass e temos mais três meses com taxas de juro sufocantes. O tal Ocidente civilizado tem todas as desculpas que precisa para nos fazer pagar cada conflito, organizado pelas elites governantes, sem que possamos sequer dizer que não. 

    Cá dentro.

    Luís Montenegro a discursar no Parlamento. (Foto: D.R./Foto oficial)

    Este primeiro mês de governo AD não foi bem aquilo que se esperava, não é?  O tal choque fiscal prometido por Montenegro é, afinal, um empadão requentado que o PS tinha deixado no forno. Pelas contas que vi, esta fabulosa baixa de impostos vai deixar cada português com mais 3 euros na carteira e beneficiar, essencialmente, os salários mais altos. Há ainda os cortes no IRC que vão permitir à banca e aos grandes grupos da distribuição que aumentem, ainda mais, o jackpot de lucros que se arrasta desde o crescimento da inflação e das taxas de juro.

    Não é que existissem grandes dúvidas sobre os interesses que a AD vinha defender para o governo, Montenegro foi claro durante a campanha sobre eles. Mas espero que os eleitores tenham percebido agora melhor quais eram. Entre a habitual cacofonia do “dar tudo a todos” que se ouve em campanha, por vezes é difícil captar a mensagem. Esta era bastante simples e bastava ter visto a actuação do PSD, preocupado em defender os interesses da Vinci, depois de ser conhecido o último relatório da comissão técnica para o novo aeroporto de Lisboa. 

    O PSD está no governo para defender o interesse das classes altas e dos grupos económicos. Que surpresa! Que espanto! Que novidade! E com o CDS de Nuno Melo de arrasto, com algum jeito ainda vamos andar a falar da ilegalização do aborto ou das famílias “tradicionais” de 1950.

    Foi isto que elegemos, espero que seja claro ao fim do primeiro mês do executivo em funções. 

    Nuno Melo, ministro da Defesa Nacional. (Foto: D.R./Foto oficial/CDS-PP)

    A somar a esta constelação, ainda vemos que o Chega, o tal partido que vinha limpar Portugal, tem deputados com cadastro, a serem investigados ou com histórias de vida que contradizem aquilo que o partido transformou em programa. O caso do deputado que foi imigrante ilegal e sobre quem o Ventura já mentiu (em relação a ter fugido da guerra nas colónias quando o homem tinha emigrado em 1976), é a cereja no topo do bolo.

    Tal como os membros do governo que estão debaixo de suspeita ou mesmo a serem investigados. Casos e casinhos, tal e qual como nos tempos do PS, para que ninguém fique aflito com saudades.

    Pode parecer algo simplista da minha parte mas visto daqui do meio do Atlântico, parece que nada de essencial mudou. Variámos o lado do Centrão e mantivemos as políticas, piorando provavelmente o apoio ao SNS e à escola pública. Ah…e voltámos à selva do alojamento local e das rendas sem fim. Portanto, em 30 dias conseguiram destruir uma das poucas coisas em que o PS tinha acertado.

    thumbs down, disapprove, gesture

    Ao ver este governo lembro-me de um técnico de segurança aeronáutica que me explicava como o preço de um bilhete refletia as políticas de uma companhia. “Meu amigo, se você paga 30 euros na Ryanair e 300 euros na Lufthansa, é porque os segundos fazem gastos que os primeiros não fazem. Em pessoal, infraestruturas ou peças, algo é poupado, logo, a qualidade não pode ser a mesma. Em resumo, você paga o que recebe.”

    E foi isto que nos aconteceu, mas ao contrário. Pagamos efectivamente para andar na Lufthansa mas, entre PS e PSD, não saímos daquele irritante amarelo da Ryanair. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • O circo máximo de Ventura

    O circo máximo de Ventura


    Começamos a perceber, por esta altura, um pouco melhor daquilo que é o plano do Chega para esta legislatura. Corrijo: o plano de André Ventura. O Chega, mesmo com 50 deputados, continua a ser o partido de um homem só, que se desdobra em entrevistas e que, diariamente, é entrevistado por um canal qualquer para dizer uma série de alarvidades, desmentidas 10 minutos após a saída do estúdio.

    Ventura vive, entre nós, aquele famoso momento Trump: “poderia dar um tiro em alguém na Quinta Avenida e, mesmo assim, nada me aconteceria”.

    Para os eleitores do Chega, não há um incómodo com o chorrilho de mentiras que o querido líder debita em cada entrevista? Bem sei que tudo é dito com uma altivez de estadista indignado, mas, no fim, são apenas mentiras.

    A última foi sobre o deputado eleito pelo círculo europeu, ilegal em França e expulso por via disso, que, segundo Ventura, tinha dado o “salto” para fugir à guerra do Ultramar… em 1976. Provavelmente, ninguém lhe tinha contado que a revolução acontecera dois anos antes. Também pode ser isso. Ele podia acreditar que estava a fugir de uma guerra, como Ventura acredita que está a fazer o trabalho de Deus. O nosso, o filho do carpinteiro; pois, se forem enviados de outro deus qualquer, a começar pelo profeta, é dar-lhes guia de marcha, que o Martim Moniz já está a rebentar pelas costuras.

    Mas tudo bem. A mentira não vos incomoda, até por que “todos os políticos são iguais”, certo? Mentem de manhã até à noite.

    Sendo assim, o que dizer do partido que se declara anti-sistema e que se prepara para “limpar Portugal”, mas que só aceita as regras do jogo se fizer parte do arco da governação? Há mais sistema do que isso?

    Ao verem a chantagem diária e o pedido incessante de Ventura para que o deixem jogar também (leia-se entrar no governo), não ficam com a sensação de que ele nunca quis limpar nada, mas quer, simplesmente, chegar com a mão ao pote? Não? Também não? Tudo bem. Temos tempo para lá chegar.

    Se este triste espectáculo da eleição do Presidente da Assembleia da República nos ensinou algo, foi a percebermos, desde a primeira hora, aquilo que o Chega vai fazer nesta legislatura.

    É relativamente simples: Ventura vai chantagear, todos os dias, Luís Montenegro. Ou passa a bola, ou terá problemas para aprovar tudo e um par de botas, a começar pelo Orçamento do Estado, e ficando, assim, obrigado a negociar com o Partido Socialista.

    Para isso, vai repetir sete vezes ao dia que o Chega representa 20% dos eleitores, deixando de parte, como é óbvio, os restantes 80% que não quiseram ser representados por uma força extremista que não respeita a Constituição Portuguesa. Mais: muitos desses 80% votaram em partidos de direita que disseram, a partir de certa altura da campanha eleitoral, que não haveria coligação com o Chega. Esses, a maioria, são os primeiros que devem ser respeitados, e o “não” de Montenegro, deve mesmo ser não, apesar de algumas pressões que chegam de dentro, nomeadamente pelo CDS.

    Ouvi Cecília Meireles – uma personagem particularmente irritante pelas tentativas de normalização da extrema-direita – dizer que “era o que faltava que a Aliança Democrática não pudesse falar com o Chega, quando o PS fala com partidos antidemocráticos como o PCP e o BE”.

    Ora, eu já aqui expliquei, algumas vezes, que comparar um partido que lutou pela democracia e que defende diariamente a nossa Constituição, com outro que a quer ignorar e fazer tábula rasa dos direitos que lá estão inscritos, é uma daquelas idiotices sem tamanho. É a nova narrativa que a direita e alguns comentadores com espaço em horário nobre vão ensaiando.

    Primeiro, o PCP era “negacionista” porque organizava o Primeiro de Maio ou o Avante, seguindo todas as regras de distanciamento. Como, por exemplo, acontecia na Suécia. Depois, o PCP passou a putinista, porque, apesar de falar mal de Putin desde 2000 (quando a União Europeia lhe beijava os pés a troco de gás), defendia uma solução de negociação para a guerra da Ucrânia (que obviamente acontecerá, como a Administração Biden já assumiu). Agora que é necessário validar uma aberração antidemocrática como o Chega, o PCP também é pau para toda a obra, entrando nas mentiras de um contra-ponto à esquerda.

    O PCP é o Fredrik Aursnes da política portuguesa.

    Aquilo que eu espero, sinceramente, é que o Ventura não cesse de falar em estabilidade, enquanto chantageia o Governo diariamente. Aliás, até desejo que o faça até nova queda e eleições. Pode ser que chegue à maioria absoluta no próximo sufrágio e aí, todos os pobres, trabalhadores e dependentes do Estado social que votaram nele, percebam finalmente o buraco em que se meteram.

    Até lá, é desligar a Fox Comedy e sintonizar no canal do Parlamento.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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