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  • A Bancarroteira Nacional e o “bem comum”

    A Bancarroteira Nacional e o “bem comum”


    Em resposta ao meu artigo, o meu companheiro Tiago, aqui do PÁGINA UM, voltou à carga metendo a Bancarroteira Nacional, e desta vez, tal como Pedro Nuno Santos, com a estafada divisa: “a TAP é nossa”, mesmo daqueles que não a usam! Nunca dei por tal, sempre que viajei na TAP ou em outras companhias aéreas em que paguei o respectivo bilhete de avião.

    No referido artigo, para justificar o assalto do contribuinte português, o tal que aufere 971 Euros líquidos por mês e que paga uma fracção assinalável dos salários da Bancarroteira Nacional, o Tiago até recorreu a contradições insanáveis.

    Senão vejamos: “Mas noto que enquanto o Luís faz as contas, e bem, ao que o sr. João do Táxi ou a sra. Joana do Cabeleireiro pagam, já se esquece da calculadora na altura de referir os salários dos trabalhadores da TAP. Repare-se: se os salários são mais elevados, significa que também pagam mais impostos para o sr. João do Táxi. E ainda bem. É assim que funciona uma sociedade civilizada.”

    Eu não me esqueci da calculadora, Tiago: sem o confisco dos desgraçados 1.300 euros brutos por mês, tal como o negócio da Sr. Joana ou do Sr. João que fecha portas caso as receitas sejam insuficientes para cobrir custos, a Bancarroteira Nacional também teria tido um fim, uma realidade que teimas em ocultar. Se esta sobrevive apenas do saque aos contribuintes, é a Sr. Joana e o Sr. João que pagam os salários da Bancarroteira Nacional, e não o contrário.

    Sobre a “civilidade” dos impostos progressivos, é óbvio que um assaltante prefere sempre obter o butim num bairro de ricos. Aliás, há anos que a Mariana Mortágua chamava a nossa atenção para tal técnica de extorsão: “A primeira coisa que acho que temos de fazer é perder a vergonha de ir buscar dinheiro a quem está a acumular dinheiro“.

    Agora compreendo o Tiago ler histórias de Nárnia, pois parece não compreender que os recursos no mundo real são escassos: os 3,2 mil milhões de euros necessários ao resgate da Bancarroteira Nacional foram subtraídos a milhares de pequenos negócios (IRS, IVA, IRC, SS…) que podiam ser aplicados na abertura de novas empresas e na contratação de pessoas.

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    Os milhares de desempregados da TAP e os seus fornecedores é o que se vê; o que não se vê, o mundo real, são os 320 euros retirados a cada português que podiam servir outros propósitos, mas foram usados para resgatar da falência um negócio ruinoso.

    Em relação à “superioridade moral” que exibe, em particular o “argumento de paga quem usa é o típico de quem defende uma sociedade não solidária”, ajuda-me a compreender o seu fascínio pela eugenista Suécia.

    Trata-se de um país protestante, cultura que deu origem a todas as ideologias totalitárias, como o socialismo, o comunismo, o fascismo e o nazismo. Julgo que o Tiago se encontra entre as duas primeiras.

    Enquanto no mundo escolástico e dos direitos naturais (direito à vida, direito ao fruto do trabalho, direito à liberdade) e que deu origem ao liberalismo, a verdade significa que o que está dentro das nossas cabeças (ideias, noções, percepções) corresponde ao que está fora (a própria realidade); para qualquer ideólogo como o Tiago, é o contrário: é ter a própria realidade condizente com o que está dentro da sua cabeça.

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    Em vez de testar sua percepção contra a realidade, o Tiago julga a realidade contra a sua ideologia; ao lidar com qualquer fenómeno social, parte da premissa de que a “verdade” – ou seja, a sua ideologia – deve ser o parâmetro.

    As ideologias são sempre perigosas: os homens “são todos iguais” (comunismo e social-democracia) ou o melhor governará as massas (fascismo e nazismo). Todos os homens têm seu lugar e devem chegar lá para que as coisas funcionem como prescreve a realidade ideológica, sempre a mais verdadeira, mesmo que o “lugar certo” de algumas pessoas seja o Gulag, Auschwitz, o campo de quarentena covid-19 ou a cadeia para os que se recusam a serem assaltados pelo Estado.

    Normalmente, afirmam que este ou aquele mal seria “resolvido” se apenas todos, por exemplo, “entregássemos”, sem “qualquer resistência”, uma fracção expressiva do fruto do nosso trabalho ao Estado; a grandiloquente expressão “isso só é possível se todos pagarmos para o bem comum” do Tiago é a receita para todos os males.

    O principal problema do pensamento ideológico é que se trata da adoração de uma fantasia. Fantasias são coisas que abundam na cabeça do Tiago, quando até atribui alma à “sociedade”: aparentemente, esta pensa, reflecte e actua!

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    A realidade, todavia, é muito diferente: existem indivíduos com fins e interesses distintos do seu. Eu, por exemplo, não estou interessado em pagar os desmandos da TAP. Se o Tiago quer viajar num avião onde lhe é servido um pastel de nata, enquanto escuta um fado, apenas tem de esperar umas horas e ter um pouco de paciência até chegar a Lisboa – vai ver que não custa nada –, ou então fundar uma companhia aérea com o seu bolso e pintar os aviões com as cores nacionais.

    No pensamento colectivista do Tiago, o indivíduo existe para o bem da “sociedade” e não o contrário. O indivíduo tem de se subordinar e comportar-se em benefício da “sociedade”, sacrificando os seus interesses privados egoístas pelo “bem comum” – ninguém sabe o que é isto, mas o Tiago talvez nos explique.

    Esta mentalidade colectivista foi essencial para a implementação do comunismo, do fascismo e o do nacional-socialismo: “O bem comum antes do interesse individual” proclamava Adolf Hitler nos anos 30 do século transacto.

    Não é uma demonstração de compaixão sacrificar os nossos interesses pessoais pelo bem maior de nossa “sociedade”? O colectivismo, ao afirmar que o indivíduo deve sacrificar seus interesses privados pelo bem da “sociedade”, toma o que é meramente uma abstração – “sociedade” – e trata-a como se tivesse uma existência concreta; no fundo, um animismo próprio de sociedades tribais.

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    Em contraste com o indivíduo, que tem uma existência real no mundo, a “sociedade” é uma abstração usada para representar uma colecção de indivíduos que interagem e buscam objectivos distintos para si.

    Por mais que se perscrute, nunca se encontrará uma entidade concreta chamada “sociedade” que possamos apontar e identificar da maneira análoga à identificação de um indivíduo. A “sociedade” não existe separada dos pensamentos e acções das pessoas. Não tem interesses e não visa nada. O mesmo é válido para todos os outros colectivos, seja o proletariado, a nação ou os trabalhadores da TAP.

    Como a “sociedade” não é mais que uma abstracção, pois não pode pensar, agir, falar ou escolher e, portanto, apenas um indivíduo – o Tiago –, ou um grupo de indivíduos – o Tiago e camaradas do ideário – deve ter a capacidade de definir o chamado bem maior da sociedade e, de seguida, o poder de forçar os indivíduos a agir a serviço desse “bem comum” – usam sempre o poder coercivo do Estado para a implementação das suas fantasias.

    Desde o alvorecer da civilização que os indivíduos dominantes se autodenominam árbitros do bem maior, o que parece ser uma aspiração do Tiago, e, portanto, não surpreendentemente, o bem maior, na maioria das vezes, apenas equivale ao bem daqueles que estão no poder – o Tiago não está lá, mas parece que almeja.

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    Com tais ideias colectivistas, o indivíduo sempre foi uma vítima, comandado a ser “altruísta” no serviço sacrificial a algo superior, seja Deus, Faraó, Imperador, Rei, Estado, raça, proletariado, “sociedade” ou “trabalhadores da Bancarroteira Nacional”. É um estranho paradoxo que a ideologia do Tiago – que nos diz que devemos considerar-nos animais de sacrifício – tenha sido geralmente aceite como uma ideologia que representa a benevolência, o amor pela humanidade ou mesmo a “sociedade civilizada”, como parece ser a Suécia do Tiago.

    Desde o primeiro indivíduo que foi sacrificado num altar para o bem da tribo, aos hereges e dissidentes queimados na fogueira pela glória de Deus, aos milhões exterminados em campos de concentração para o bem da raça (Auschwitz) ou do proletariado (Gulag), aos confinados para salvar-nos do vírus invisível, é essa a moral colectivista que justificou todas as ditaduras e todas as atrocidades, passadas e presentes, incluindo o assalto da Bancarroteira Nacional ao nosso bolso ocorrido em 2020 e 2021.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • TAP e os Homens da Esquerda: resposta ao Tiago Franco

    TAP e os Homens da Esquerda: resposta ao Tiago Franco


    O meu companheiro Tiago Franco aqui do PÁGINA UM – prefiro esta palavra, em lugar do trato usado pelos bolcheviques que ele usou comigo – escreveu há dias um artigo sobre a TAP, isto é, a Bancarroteira Nacional, em resposta ao meu artigo em que propus 10 questões a serem colocadas na Comissão de Inquérito sobre a actuação do Governo na gestão desta companhia aérea, sobretudo entre 2020 e 2022, quando se encontrava sob controlo público.

    Gostaria, porém, de fazer primeiro um ponto de ordem: no seu artigo, o Tiago começou por dar a entender que sou um membro ou simpatizante da Iniciativa Liberal (IL); quero assim recordar-lhe que escrevi o seguinte sobre o programa eleitoral desse partido nas últimas eleições legislativas: “Dá vontade de afirmar: com liberais destes, quem precisa de socialistas?”. Julgo que estas singelas palavras ilustram bem o que penso.

    O Tiago informa-nos que gosta muito de ler sobre esta “associação de esquerdistas”, porque o transporta para as histórias de Nárnia, em contraste com o mundo real: do trabalho, do sacrifício e das dificuldades do dia-a-dia.

    Deduzo que esteja a insinuar que vivo no tal mundo das aventuras da Alice no País das Maravilhas, onde tudo é idílico, mágico, fantasioso e fácil. No entanto, quero dizer-lhe que trabalhei por conta de outrem durante quase 15 anos, desde que saí da faculdade; e nos últimos 13 anos, sou empresário, investi e arrisquei as minhas poupanças em duas empresas do sector financeiro, criando dezenas de empregos.

    Tal como o Tiago, vivi vários anos fora de Portugal, já que infelizmente o nosso país não me proporcionou, na maioria das vezes, as oportunidades de emprego e de investimento que procurava. Deduzo que seja essa também a razão para o Tiago ser emigrante há muitos anos.

    Mas vamos ao debate. Tiago utilizou aquela rábula tão própria dos Homens de Esquerda: o “dinheiro público despejado na banca privada”. Há vários anos que eu denuncio a prática de Reservas Fraccionadas pelos bancos, que consiste em emitir dinheiro do nada, sem qualquer contrapartida de serviços e bens à economia.

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    Trata-se de um gigantesco sistema piramidal, fraudulento, orquestrado por um Banco Central e legalizado pelo Estado, que confisca, através da inflação (emissão de dinheiro), os pobres e a população em geral a favor de uma minoria privilegiada de banqueiros, grandes multinacionais e apaniguados dos Governos.

    Dizer-se que há “dinheiro público despejado na banca privada” é como anunciar o regresso do criminoso ao local do crime, espoletado pela crise de “confiança” – a vigarice legalizada pelo Estado foi descoberta! – e a consequente “corrida ao banco”, atendendo que são negócios permanentemente insolventes, tal como é a TAP há décadas, onde o butim deles é sempre o bolso dos contribuintes.

    E então o que é um negócio insolvente? Explico. Se os activos da empresa fossem liquidados seriam insuficientes para satisfazer todas as responsabilidades e compromissos, o passivo. Tal como o agora desesperado Silicon Valley Bank, incapaz de honrar os depósitos que dizia possuir à sua guarda, mas que na verdade não existem.

    No final de 2011, a diferença entre o activo e o passivo da TAP era de 343 milhões euros negativos. Subiu para 512 milhões euros negativos no final de 2015 e seis anos mais tarde (2021) era de 468 milhões de euros negativos. Tudo isto mesmo depois do Sr. Joaquim do Restaurante, da Sra. Joana do Cabeleireiro, do Sr. João do Táxi (na verdade, todos nós) terem sido alvo de confisco em 3.200 milhões de euros e de continuarem a serem avalistas de uma dívida financeira que subiu quase 500 milhões de euros entre 2011 (986 milhões de Euros) e final de 2021 (1.480 milhões de Euros).

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    Portanto, uma empresa que está em bancarrota há décadas, de onde nunca saiu, e que carrega as cores nacionais, não pode ter outro nome: Bancarroteira Nacional.

    O Tiago recordou-nos bem o repto de Cotrim Figueiredo, o então líder da tal ‘agremiação socialista’: “Nisto surge a covid-19 e o Cotrim grita com o Costa na Assembleia para lhe dizer que o apoio do Estado às empresas está a demorar muito.”

    Desta vez, o Cotrim até estava certo em gritar com o Costa a pedir a devolução do assalto, mas faltou-lhe a ele e a toda classe política denunciar a falsa pandemia, que em nome de um vírus com uma taxa de sobrevivência de 99,8%, obrigou companhias aéreas a não voar. E quando estas o voltaram a fazer, tivemos testes que não diagnosticavam, fraldas faciais, inoculações de substâncias experimentais e certificados nazis.

    Ao contrário do Sr. Joaquim do Restaurante, da Sra. Joana do Cabeleireiro, do Sr. João do Táxi, que tiveram de fechar portas e abrir falência em muitos casos, a Bancarroteira Nacional realizou em 2020 um novo assalto aos contribuintes, obrigando mesmo aqueles que a não utilizam – e são muitos, nos aeroportos do Porto e Faro, a importância da TAP é irrelevante – a entregar cada um 320 euros. Numa família de quatro pessoas foram 1.300 euros aproximadamente sem sequer tirarem os pés do chão para voarem para qualquer lado. Voar só lhes voa sempre o dinheiro.

    Tudo isto se passou no país do salário médio de 1.300 euros por mês, correspondente a 971 euros líquidos (11% Segurança Social e 14,3% de IRS – um dependente, dois titulares), apesar do empregador pagar 1.609 euros (acresce segurança social do empregador 23,75%; e o Sr. Estado fica com 40%!), enquanto “pilotos, pessoal de bordo, assistência em terra, engenheiros de manutenção, técnicos de aeronaves” auferem em média cerca de 3.350 euros brutos (2.034 euros líquidos; um dependente, dois titulares). Nada contra, mas vivam dos clientes e não do nosso bolso.

    Em conclusão, o dinheiro cobrado pela Bancarroteira Nacional aos seus clientes, que voam nos aviões, onde parece que o Tiago Franco se inclui, nunca é suficiente, pelo que vão sempre ao bolso da “plebe” que aufere 970 euros líquidos; e isto para evitar que o coração do Tiago sangre com a montanha de desempregados no “espaço que sobrar debaixo da Ponte 25 de Abril”.

    Os Homens de Esquerda apenas reflectem no que vêem, esquecendo-se do que não vêem: o consumo e a poupança subtraídos a milhões de famílias, os milhares de empregos que podiam ser criados e não são – em virtude da pesadíssima carga fiscal para sustentar os desmandos da TAP – por pequenos negócios e as 142 mil pessoas que podiam auferir um salário de 1.300 euros durante um ano com os 3,2 mil milhões de euros (22,5 mil euros brutos/ano, incluindo o assalto dos 23,75% da SS do empregador) “oferecidos” à Bancarroteira Nacional.

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    A vida empresarial é “dura, a luta é constante e os problemas bem reais”, é, no fundo, procurar satisfazer uma necessidade com recursos escassos e obter lucro – a avaliação correcta à aplicação de poupanças num negócio. É por essa razão que irão sempre existir aviões para transportar pessoas de e para Portugal, desde que exista tal necessidade e seja possível obter lucros. Garanto-lhe que ninguém dará pela falta da Bancarroteira Nacional.

    Enfim, mas como bom Homem de Esquerda, o Tiago considera um “horror” uma empresa ter lucros, próprio de “abutres”; mas já roubar o desgraçado de 970 euros líquidos por mês não parece assaltar a sua consciência.

    Uma coisa lhe garanto: a empresa onde o Tiago trabalha certamente dá lucros; caso contrário, fecharia as portas, deixaria de lhe pagar o salário e enviá-lo-ia para o desemprego, excepto se existisse por lá um Pedro Nuno Santos a “resgatá-la” com o dinheiro dos outros!

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • TAP: um caso político ou de polícia? De polícia, obviamente!

    TAP: um caso político ou de polícia? De polícia, obviamente!


    No início de Fevereiro do presente ano, vários órgãos de propaganda noticiavam que uma Comissão de inquérito à TAP ia avançar. Qual o âmbito? A actuação do Governo sobre a gestão da TAP, sobretudo entre 2020 e 2022, período em que a companhia aérea se encontrava sob controlo público.

    Este rasgar de vestes do regime, resultou da escandalosa indemnização de 500 mil euros que Alexandra Reis recebeu quando saiu da TAP, sendo depois – pasme-se! – nomeada presidente da NAV, outra empresa pública, e, no final do ano passado, escolhida para secretária de Estado do Tesouro. Um percurso que diz tudo.

    O caso levou a que o Governo anunciasse ontem a exoneração da presidente-executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, e do chairman da companhia aérea, Manuel Beja. Ambos estavam na liderança da empresa desde Junho de 2021.

    Aparentemente, o regime apenas se indigna com a milionária indemnização a Alexandra Reis, não acontecendo o mesmo com os escandalosos 3,2 mil milhões injectados na bancarroteira nacional nos últimos oito anos que serviriam para pagar 6.400 indemnizações de 500 mil euros; definitivamente, o coração bate-nos mais forte quando falamos de 500 mil euros.

    Tenho fé e esperança que os representantes da nação irão colocar as perguntas certas, ao contrário do que fizeram durante a putativa pandemia, mas, de qualquer forma, quero aqui apresentar-lhes uma humilde sugestão de uma lista de questões a serem colocadas na Comissão de Inquérito à bancarroteira nacional:

    • Após a “renacionalização” da empresa em 2015, a administração da bancarroteira nacional foi preenchida com apaniguados e amigos, todos a auferirem valores em torno de 100 mil euros brutos anuais ou mais; nenhum destes senhores indagou na reuniões de administração acerca da racionalidade económica e valores pagos pela compra de 53 aviões, num contrato que totalizava 1.600 milhões de euros? Se perguntaram, queremos conhecer o conteúdo dessas actas; caso contrário, podemos concluir que andavam lá apenas a encher os bolsos e a tomar café nas reuniões?
    • A compra destes 54 aviões obrigou ao pagamento de 320 milhões em excesso; foi noticiado que o empresário David Neeleman recebeu 70 milhões de Euros da Airbus para adquirir 61% do capital da TAP através da Atlantic Gateway – detida em partes iguais por Humberto Pedrosa (50%) e David Neeleman (50%); existem agora duas hipóteses que devem ser equacionadas: (i) Humberto Pedrosa também recebeu 70 milhões de euros da Airbus, os restantes 180 milhões de euros foram para o bolso de quem? (ii) Os 70 milhões de euros da Airbus foram para os dois empresários, os restantes 250 milhões de euros foram para o bolso de quem? Gostaríamos de saber!
    • Os 224,1 milhões investidos pela Atlantic Gateway no capital próprio, a título de Prestações Suplementares, isto é, dívidas a sócios, em que condições podiam ser exigidos de volta pelos accionistas privados, isto é, pela Atlantic Gateway? Seria em caso de renacionalização ou controlo dos direitos económicos por parte do Estado? Esta condição, ou condições, foi alguma vez utilizada na negociação da saída dos privados em 2020? Estas Prestações Suplementares foram alguma vez remuneradas?
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    • Em 2016, o empréstimo obrigacionista de 120 milhões de euros emitido pela TAP, dividido em duas séries, A e B, a primeira de 90 milhões tomada pela Azul – empresa controlada por David Neeleman, a segunda de 30 milhões tomada pela Parpública. Estas obrigações ao final de 10 anos permitiram a conversão em acções da TAP SGPS: (i) por que razão se utilizaram duas séries com direitos e deveres diferentes, em particular para a Parpública que tinha apenas alguns anos para decidir pela conversão ou não em acções, deixando de receber juros? (ii) quais os termos e condições exactos de cada série e qual a razão da sua ocultação nos relatórios e contas da TAP; (iii) quais as condições de remuneração de cada uma das séries; (iii) a Azul recebeu e está a receber 67,5 milhões de Euros em juros, correspondentes à remuneração de 90 milhões a 7% durante 10 anos; (iv) a Parpública foi efectivamente remunerada e em que condições? Recebeu os 30 milhões que emprestou à TAP SGPS?
    • Em 2016, no regresso das Caravelas do século XXI ao Estado português, quem da tutela aprovou o acordo que atribuía 5% dos direitos económicos ao Estado português, apesar deste possuir 50% do capital? Para dar um exemplo, no caso de 100 milhões de euros de lucros, correspondiam apenas 5 milhões de Euros à Parpública, apesar de deter 50% do capital! Esta renacionalização tinha apenas como objectivo recuperar sinecuras e negócios para amigos e apaniguados do regime? Qual a lógica, servia apenas para proporcionar empregos?
    • A Dra. Maria Teresa Lopes, promovida a administradora em 2014, ainda debaixo do controlo Estatal, e que saiu em 2017 para o lugar de Consultora da Administração, auferia em 2015 – último ano onde havia transparência a este respeito – 255 mil euros brutos. Por essa “despromoção”, em 2017, recebeu uma indemnização de 1,2 milhões de euros – pobre Alexandra Reis! Também será solicitada a devolução da indemnização a esta senhora, tal como parece estar a acontecer com Alexandra Reis?
    • O escritório de advogados de Pedro Rebelo de Sousa, irmão do Sr. Presidente da República, que negociou a indemnização milionária atribuída a Alexandra Reis, também vai devolver o montante que recebeu da TAP por ter intermediado aquela negociação? Ou vai indemnizar a TAP pelos danos financeiros e de imagem e reputação provocados pelo pagamento indevido da indemnização?
    • Em 2020, durante a negociação da saída de David Neeleman, as Prestações Suplementares foram usadas por este como arma negocial? Os 55 milhões de euros que recebeu pela venda da sua participação de 22,5% – indirecta através da Atlantic Gateway – incluía as ditas prestações suplementares, nomeadamente metade dos 224,1 milhões de Euros? É verdade que recebeu 45 milhões de euros de Humberto Pedrosa pela sua participação de 50% na Atlantic Gateway? A holding de Humberto Pedrosa, a HPGB, SGPS, tornou-se proprietária de 50% destas prestações suplementares, ou seja, de 112,05 milhões de euros?
    • Tal como consta na auditoria realizada pelo Tribunal de Contas à TAP, na sua nota 125, temos o seguinte: “Em todas as opções de compra e venda das ações da Atlantic Gateway, a Parpública adquire também os créditos acionistas da Atlantic Gateway, incluindo-se nestes as prestações acessórias submetidas ao regime das prestações suplementares e suprimentos sobre a sociedade.” Na negociação da saída de Humberto Pedrosa – o empresário patriota – do capital da TAP, qual o valor que este recebeu pelas Prestações Suplementares? 169,1 milhões de euros?
    • Em caso de uma liquidação da bancarroteira nacional, que parte da dívida financeira – em 2021 era de 1,5 mil milhões de euros – está garantida com um aval da República portuguesa. Como podemos imaginar, não há nenhuma instituição financeira disponível para emprestar dinheiro a tal desastre, como é óbvio o Joaquim do restaurante, a Maria do cabeleireiro, irão sempre pagar todos os desmandos. A pergunta é simples: em caso de calote à banca, qual o montante com garantia do Estado?
    • Por fim, e talvez a questão de maior importância. Os órgãos de propaganda, uma vez mais, ignoraram por completo que os contribuintes são agora accionistas a 100% – quase, há uma parte da TAP SGPS que pertence aos desgraçados dos trabalhadores – de duas empresas: (i) a TAP SGPS, a holding de participações que deixou de ter qualquer participação na TAP S. A! (ii) a TAP S.A. Agora, nem relatórios e contas publicam em relação à TAP SGPS, nem tão pouco esclarecem o porquê da administração ser remunerada através de uma holding que nada tem! Para que serve a TAP SGPS, para ocultar os negócios favoráveis a favor dos privados, para pagar por “debaixo da mesa” aos administradores, para ocultar o não pagamento de juros à Parpública, para ocultar vergonhas e desmandos?

    Estas perguntas não deviam ser colocadas pelos deputados da Nação, mas pela polícia, pois a bancarroteira nacional é, há muito, simplesmente um caso de polícia.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • TAP: Neeleman e Humberto Pedrosa saíram com 60 milhões de euros no bolso

    TAP: Neeleman e Humberto Pedrosa saíram com 60 milhões de euros no bolso

    Foram catalogados como investidores beneméritos em 2015, quando entraram na TAP, uma companhia aérea já então em crise. Em plena pandemia, que ainda mais afundou a companhia aérea portuguesa, David Neeleman e Humberto Pedrosa saíram da TAP numa rocambolesca negociação com o ex-ministro Pedro Nuno Santos, mas com todos os dedos e mais uns quantos anéis. Cálculos do PÁGINA UM apontam que, no conjunto, pela passagem pela TAP amealharam quase 60 milhões de euros. A parte de “leão” coube ao empresário norte-americano, que terá “levado para casa” 52 milhões de euros. Já o empresário português, dono do Grupo Barraqueiro, terá lucrado os restantes oito milhões de euros. Este é o segundo artigo de um dossier que o PÁGINA UM está a publicar sobre a TAP. Muitas perguntas estão por responder em torno das operações e contas da companhia aérea. A comissão parlamentar de inquérito à gestão política da tutela da TAP deverá trazer mais luz sobre as dúvidas que subsistem. A tomada de posse foi ontem.


    Era uma época de taxas de juro negativas. E ninguém diria mas foi com um investimento numa empresa em dificuldades que David Neeleman e Humberto Pedrosa terão conseguido encaixar milhões em lucro. No total, a entrada – e posterior saída – da TAP, rendeu quase 60 milhões de euros em lucros.

    O empresário norte-americano, fundador da Breeze Airways, terá levado a maior fatia: cerca de 52 milhões de euros. Quanto ao empresário português, dono do Grupo Barraqueiro, terá lucrado uma verba a rondar os oito milhões de euros.

    O PÁGINA UM passou a pente fino os relatórios e contas da TAP dos últimos exercícios e também escrutinou as operações executadas em torno da privatização da companhia em 2015, reversão da venda e posterior saída dos investidores privados do capital da empresa. No primeiro artigo deste dossier, o PÁGINA UM noticiou que a companhia aérea custou 3.200 milhões de euros ao erário público desde a privatização, em 2015.

    Isto numa empresa que, nos dois últimos exercícios registou prejuízos de 2.800 milhões de euros e, desde a privatização, em 2015, só registou lucros em 2017, de 23 milhões de euros.

    O jornal Correio da Manhã já havia noticiado, no dia 11 de Fevereiro, que Neeleman encaixou um lucro de 52 milhões de euros com o seu investimento na TAP. Aliás, o financiamento da entrada do norte-americano na TAP está envolto em polémica, com notícias a apontar que terá pago tudo com “o pelo do próprio cão”, através de uma operação que envolveu a Airbus e a negociação da troca da frota da companhia. Segundo o Eco, o norte-americano assumiu o controlo da TAP com dinheiro da própria empresa.

    David Neeleman

    A venda de 61% do capital da TAP, em 2015, ao consórcio detido em partes iguais pelos dois empresários – Atlantic Gateway – foi executada pelo Governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho. Mas, apenas três meses após a privatização, a venda foi revertida, por decisão do Governo do PS, liderado por António Costa.  

    As contas são fáceis de fazer. David Neeleman pagou cinco milhões de euros por metade de 61% do capital da TAP, aquando da privatização em 2015.

    O investidor recebeu depois 45 milhões de Humberto Pedrosa pela participação de 50% na Atlantic Gateway e mais 55 milhões pela venda de 22,5% da TAP ao Estado português.

    Além destas verbas, pelo meio, encaixou 389 mil euros pela venda de 37,5 milhares de acções aos trabalhadores da TAP, a 10,38 euros cada e 950 mil euros pela venda de 82,5 mil acções ao Estado, a 11,52 euros cada, quando este desejou recuperar o controlo da empresa.

    Fonte: Relatórios e contas da TAP. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Neeleman pagou 112 milhões de euros – metade dos 224 milhões de euros – pelas Prestações Suplementares pelo acordo que tinha com o Estado português. Recebeu ainda 67,5 milhões de euros pelos juros a 7,5% durante 10 anos sobre o empréstimo obrigacionista da Azul de 90 milhões de euros.

    No caso de Humberto Pedrosa, os cálculos do PÁGINA UM com base em documentos oficiais públicos disponíveis apontam que terá obtido um lucro de oito milhões de euros.

    Para esta fatia milionária do “bolo” de lucros que caíram no colo dos accionistas privados da TAP, contabilizam-se a verba de 169 milhões de euros pela venda, por parte de Pedrosa, das Prestações Suplementares à Parpública. Por outro lado, o empresário português pagou cinco milhões de euros por metade de 61% do capital da TAP aquando da privatização em 2015.

    Humberto Pedrosa

    Pagou, depois, 45 milhões de euros a David Neeleman pela participação de 50% deste na Atlantic Gateway, quando o norte-americano saiu da companhia.

    Pedrosa recebeu 389 mil euros pela venda de 37,5 milhares de acções aos trabalhadores da TAP, a 10,38 euros cada e ainda 950 mil euros pela venda de 82,5 mil acções ao Estado, a 11,52 euros cada, quando este desejou recuperar o controlo da empresa. O empresário pagou 112 milhões de euros – metade dos 224 milhões de euros – pelas Prestações Suplementares pelo acordo que tinha com o Estado português.

    Em suma, contas feitas, estas complexas operações financeiras deram um lucro a Humberto Pedrosa de oito milhões de euros, que chegou a ser catalogado pelo ex-ministro Pedro Nuno Santos como “um empresário patriota“.

    Fonte: Relatórios e contas da TAP. Cálculos e análise: PÁGINA UM

    Não foi ainda possível obter comentário sobre estes dados por parte dos dois empresários.

    Todas as dúvidas e contornos dúbios em torno dos acontecimentos dos últimos anos na TAP vão ser alvo de investigação na comissão parlamentar de inquérito à companhia.

    A tomada de posse da comissão ocorreu ontem. Vão ser ouvidos os principais protagonistas dos eventos que levaram à actual situação da TAP.

    Entretanto, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) abriu um inquérito à indemnização de 500 mil euros paga pela TAP a Alexandra Reis, que saiu da administração da companhia para a seguir ir liderar a NAV e acabar por ser nomeada para a pasta de secretária de Estado do Tesouro, no Ministério conduzido por Medina Ferreira. Mas Alexandra Reis acabou por sair do cargo com o estalar da polémica da indemnização.

    O DCIAP também abriu uma investigação ao negócio envolvendo a troca de frota por aviões da Airbus, um negócio que teve a “mão” de Neeleman, noticiou o Observador. Neste último caso, a participação foi feita pelos Ministérios das Finanças e Infraestruturas.

    O anterior ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, já tinha denunciado, em Outubro de 2022, no Parlamento, que existiam suspeitas em torno do negócio da frota e que o seu Ministério tinha enviado o caso para o Ministério Público, o que deu origem à abertura de um inquérito.

    Certo é que, na nova comissão parlamentar de inquérito, presidida pelo socialista Jorge Seguro Sanches – que foi secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional até Fevereiro do ano passado –, matéria para investigar não vai faltar.

  • TAP: Anatomia de um crime

    TAP: Anatomia de um crime

    O PÁGINA UM examinou os últimos anos da TAP, analisando os relatórios e contas da companhia e escalpelizando as operações efectuadas em torno da privatização, recompra e posterior saída dos privados. O retrato que encontrou é de prejuízos acumulados e uma avalanche de decisões que lesaram a posição do Estado. No global, desde a privatização em 2015, a TAP custou ao erário público mais de 3.200 milhões de euros. Em 10 anos, a empresa acumulou perdas de 3.254 milhões de euros. A maioria dos prejuízos foi contabilizada em 2020 e 2021. Este é um primeiro artigo de um dossier que o PÁGINA UM vai publicar sobre a transportadora aérea. Muitas dúvidas subsistem em torno da forma como a companhia tem sido gerida e sobre a responsabilidade da tutela nas decisões. Para já, aguarda-se pela tomada de posse da comissão parlamentar de inquérito à TAP, agendada para 22 de Fevereiro, a qual poderá trazer alguma luz sobre as questões que persistem.


    Um desastre total. Os últimos anos representaram para a TAP – e para o erário público – uma catástrofe em termos de perda de recursos e prejuízos. Sem norte, a companhia aérea está presa por fios, suspensa em apoios estatais. Quase tudo o que podia ter corrido mal à transportadora aérea, aconteceu. Mas também foi um alvo fácil para quem dela quis tirar proveitos em tempos de crise.

    Nas últimas semanas, a TAP voltou a estar nas manchetes de jornais e debaixo dos holofotes dos media por diversos motivos e nenhum deles abonatório. Entre as polémicas em redor da companhia, estão, nomeadamente, indemnizações pagas a administradores e o polémico caso da troca da frota envolvendo a Airbus.

    O PÁGINA UM faz aqui um retrato da evolução da companhia ao longo dos últimos anos, incluindo através de uma análise aos relatórios e contas da empresa e das condições de privatização, reversão da venda e saída dos privados da TAP.

    Olhando para as suas contas, o cenário é doloroso. Em 10 anos, dos exercícios de 2012 a 2021, a TAP acumulou perdas de 3,2 mil milhões de euros. Corresponde a um valor de 310 euros para cada português ou de 1.240 euros para um agregado familiar de quatro pessoas.

    Só em 2021 a empresa registou prejuízos recorde de 1.599 milhões de euros. Mas já no exercício de 2020 – em plena pandemia e restrições nas viagens – o ano foi de perdas: 1.230 milhões de euros de prejuízos. Ou seja, em apenas dois anos, a TAP contabilizou prejuízos da ordem dos 2.800 milhões de euros. Está no vermelho desde o exercício de 2018, depois de um ano positivo em 2017, pois em anos anteriores também esteve quase sempre no vermelho.

    Resultado Líquido da TAP (valores em milhões de euros).
    Fonte: Relatórios e Contas da TAP

    Desde a entrada no capital da empresa do norte-americano David Neeleman e do português Humberto Pedrosa – dono do Grupo Barraqueiro – em 2015, a companhia só teve lucros em 2017, no montante de 23 milhões de euros.

    A venda de 61% do capital da TAP ao consórcio detida em partes iguais pelos dois empresários – Atlantic Gateway – foi executada pelo Governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho. Pelo caminho, ficou em terra uma nova proposta do investidor e empresário sul-americano Germán Efromovic – que foi detido em 2020 no Brasil, junto com o irmão, acusado de alegadamente ter subornado executivos de topo da Petrobrás e da Transpetro.  

    O ponto de partida para a venda mostrava uma companhia frágil: uma dívida acumulada superior a mil milhões de euros; prejuízos; problemas de tesouraria; e descontentamento, havendo greves de pilotos. Anos de opções estratégicas fragilizaram a companhia, numa altura em que o sector da aviação se tornava cada vez mais competitivo.

    Até então, nos anos imediatamente anteriores à privatização, não tinham aparecido candidatos considerados adequados. A venda foi finalizada em Novembro de 2015. O Estado português, através da Parpública – a holding de participações sociais do Estado –, anunciava que tinha alienado 61% da TAP SGPS por 10 milhões de Euros à Atlantic Gateway.

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    De um capital representado por 1500 milhares de acções, a Atlantic Gateway passou a deter 915 mil acções (61%) e a Parpública 585 mil acções (39%). O preço de venda por acção foi de 10,93 euros (10 milhões de euros divididos por 915 mil acções).

    Este acordo de venda obrigava os particulares a capitalizar a empresa em 338 milhões, através de Prestações Suplementares, uma dívida da empresa aos sócios, mas fazendo parte do Capital Próprio. Neste sentido, em 2015, a Atlantic Gateway injectou 154,4 milhões de euros na TAP. O mesmo aconteceu em 2016, com mais 69,7 milhões de euros, totalizando 224,09 milhões de euros de Prestações Suplementares.

    Estes fundos não podiam ser levantados pelos novos accionistas – solicitando à TAP SGPS o reembolso da dívida –, desde que o Estado não reforçasse a sua posição – por outras palavras, se ocorresse uma nacionalização. Este valor, mais tarde, serviu de arma negocial dos privados com o Estado.

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    Em 2016, também teve lugar a injecção de fundos através de uma emissão de Obrigações convertíveis em acções em 2026 (até 130,8 milhares de acções), pelo prazo de 10 anos, no valor de 120 milhões de euros. Esta operação envolvia a emissão de 90 milhões de euros (série A) subscritos pela Azul Linhas Aéreas Brasileiras, S.A. (Azul, transportadora aérea propriedade de David Neeleman), com uma remuneração de 7,5% ano.

    Durante 10 anos, a remuneração em juros seria de 67,5 milhões de euros (juros anuais de 6,75 milhões de euros).

    Estas obrigações tinham mais direitos que a série B, pois dariam sempre direito ao pagamento de juros, independentemente da opção de conversão em acções ser exercida ou não. Se fosse exercida, o capital não era devolvido, caso contrário, era devolvido.

    Custo da TAP para o erário público nos últimos oito anos (valores em milhões de euros).
    Fonte: TAP, Tribunal de Contas, análise do PÁGINA UM

    A operação abrangia ainda a emissão de 30 milhões de euros (série B) subscritos pela Parpública, igualmente remunerados a 7,5%, no entanto, em caso de exercício da opção de conversão, a Parpública deixava de ser remunerada a 7,5%. Isso aconteceu no final de 2018, deixando, a partir desse momento, de a Parpública receber qualquer remuneração pelo dito empréstimo obrigacionista.

    Na realidade, os contribuintes nunca foram ressarcidos desta dívida, apenas parcialmente (em juros), pois continuava a constar do Relatório e Contas da Parpública no final do primeiro semestre de 2022 (página 78). No entanto, não fica claro se os juros foram efectivamente pagos à Parpública.

    Mas, apenas três meses após a privatização, a venda foi revertida, por decisão do Governo do PS, liderado por António Costa.  

    O Estado adquiriu 11% do capital, através da compra de 165 mil acções da empresa à Atlantic Gateway por 1,9 milhões de euros, ou seja, a 11,52 euros por acção – um ganho de 11% para os accionistas privados -, passando a reconfiguração accionista a ser a seguinte: Atlantic Gateway 50% (750 mil acções), Parpública 50% (750 mil acções).

    Humberto Pedrosa

    Seguidamente, a Atlantic Gateway vendeu 75 mil acções aos trabalhadores da TAP, ao preço unitário de 10,38 Euros, embolsando 780 mil Euros, operação que teve lugar no início de 2017.

    Com esta operação, a reconfiguração accionista passou a ser a seguinte: Atlantic Gateway 45% (675 mil acções), Parpública 50% (750 mil acções) e Trabalhadores 5% (75 mil acções), o Estado português voltava a ser maioritário, mas apenas simbolicamente.

    À Parpública, apesar de ser titular de direitos de voto correspondentes a 50%, apenas lhe correspondiam 5% dos direitos económicos, enquanto à Atlantic Gateway 90% e aos trabalhadores 5%, tal como está reflectido no relatório e contas da TAP para 2017 (página 12). Assim, por exemplo, no caso de a companhia registar 100 milhões de euros de lucros, correspondiam apenas 5 milhões à Parpública, apesar de deter 50% do capital.

    Este dado negativo para o erário público está reflectido num relatório de auditoria conduzida à “reversão” da privatização da TAP pelo Tribunal de Contas, que criticou a operação. No seu relatório, o qual foi divulgado em meados de 2018, revelou que o Estado passou a assumir mais riscos do que os acionistas privados, e o único responsável pela dívida da companhia.

    David Neeleman

    A auditoria foi solicitada ao Tribunal de Contas pela Assembleia da República que queria apurar se tinha sido salvaguardado o interesse público na “reversão” da privatização.

    O Tribunal de Contas sintetizou a sua opinião sobre a operação: “com a recompra, o Estado recuperou o controlo estratégico, mas perdeu direitos económicos, além de assumir maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa”.

    Para o Tribunal de Contas, a operação “não conduziu ao resultado mais eficiente”. “Com efeito, não foi obtido o consenso necessário dos decisores públicos, tendo as sucessivas alterações contratuais agravado as responsabilidades do Estado e aumentado a sua exposição às contingências adversas da empresa”.

    No ano seguinte à auditoria do Tribunal de Contas à “reversão” da venda da TAP, a companhia estava em sérias dificuldades e pediu um empréstimo ao Estado.

    Em 2020, com o aparecimento da pandemia de covid-19, Portugal, e a maior parte dos países, adoptou medidas drásticas e sem precedentes em anteriores pandemias, incluindo confinamento da população, contra a opinião de cientistas e especialistas de topo das melhores universidades do mundo.

    Airplane under gray sky during golden hour

    Os aviões ficaram parados nas pistas. Todavia, a TAP estava na mesma situação de outras empresas europeias, como, por exemplo, a Ryanair ou a Lufthansa, totalmente na mão de capitais privados. A TAP recebeu então em 2020 um empréstimo de 1,2 mil milhões de euros, que no ano seguinte seria revertido em Capital Próprio da TAP. Mais uma vez, a empresa não pagou juros, pois foram convertidos os 1200 milhões de euros conjuntamente com os juros devidos (58,1 milhões euros).

    Nesse ano ocorreu a saída de David Neeleman da TAP, com o Governo, previamente à negociação final, a ameaçar a nacionalização que, afinal, nunca se concretizou. A sua participação de 22,5%, indirecta através da Atlantic Gateway, foi adquirida directamente pelo Tesouro português, numa operação de 55 milhões de Euros, um preço por acção de 163 Euros (55 milhões de euros por 337,5 mil acções) que compara com um preço de aquisição de 10,98 euros. Trata-se de uma valorização de 1.391%.

    O Estado recebeu 67,5% dos direitos económicos (recordemo-nos que 90% estavam nas mãos de privados) e a titularidade de 55 milhões de euros das Prestações Suplementares – nas mãos da Atlantic Gateway continuavam 169,1 milhões de euros dos 224,1 milhões de euros – e a cessação de qualquer litigância.

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    Dos 1,5 milhões de acções da TAP SGPS, o Estado passou a ser detentor de 72,5%, dos quais 50% na Parpública e 22,5% no Tesouro, e 22,5% ficaram na Atlantic Gateway, com os restantes 5% a estarem na mão dos trabalhadores.

    Por outro lado, David Neeleman vendeu os 50% da Atlantic Gateway ao sócio Humberto Pedrosa por 45 milhões euros, segundo noticiava o jornal ECO. Em Outubro de 2020, os direitos económicos de 22,5% e as Prestações Suplementares de 169,1 milhões euros propriedade da Atlantic Gateway transitaram para a holding pessoal de Humberto Pedrosa, a HPGB, SGPS, S.A. Aliás, o jornal Dinheiro Vivo alertava precisamente para tal facto.

    Em resumo, no final de 2020, a TAP, SGPS tinha a seguinte composição accionista: Tesouro (22,5%), HPGB, SGPS (22,5%), Parpública (50%) e Trabalhadores (5%). A TAP, SA – representada por 8.300.000 acções – continuava a ser detida a 100% pela holding TAP SGPS.

    No final de 2021, ocorreu igualmente a conversão das Prestações Suplementares em capital, pelo valor de 154,4 milhões de euros.

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    Na consulta à auditoria realizada pelo Tribunal de Contas à TAP, na sua nota 125, pode ler-se: “em todas as opções de compra e venda das ações da Atlantic Gateway, a Parpública adquire também os créditos acionistas da Atlantic Gateway, incluindo-se nestes as prestações acessórias submetidas ao regime das prestações suplementares e suprimentos sobre a sociedade”. Os privados receberam assim as Prestações Suplementares, em particular os 169,1 milhões de euros de Humberto Pedrosa.

    Em 2022, a TAP voltou a ter nova injecção de capital do Estado, desta vez de 980 milhões de euros.

    São ainda muitas as dúvidas que recaem sobre a TAP. Muitas das questões que subsistem poderão ser respondidas no âmbito da comissão parlamentar de inquérito à empresa. A tomada de posse da comissão está agendada para 22 de fevereiro, noticiou a agência Lusa.

    A constituição da comissão de inquérito à tutela política da gestão da TAP foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada no parlamento, com a abstenção do PS e do PCP e com os votos a favor dos restantes partidos. A comissão vai analisar em particular os anos entre 2020 e 2022, abrangendo temas como a polémica saída da ex-governante Alexandra Reis. O objectivo é o de investigar as eventuais responsabilidades da tutela nas decisões tomadas pela companhia aérea.