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  • Estudo de investigadoras brasileiras pró-vacinas causa polémica por indicar mortalidade acrescida a longo prazo em vacinados

    Estudo de investigadoras brasileiras pró-vacinas causa polémica por indicar mortalidade acrescida a longo prazo em vacinados

    Em Agosto do ano passado, as investigadoras brasileiras Nádia Rodrigues e Mônica Andrade publicaram, em parceria com mais dois colegas, um artigo na prestigiada revista científica PLOS One sobre o risco de mortalidade por covid-19 na região sudeste daquele país. Incidindo no período entre 2020 e 2023, o estudo baseou-se em dados do sistema de vigilância epidemiológica brasileiro (SIVEP), e os resultados encaixavam-se em milhares de outros estudos. Mostravam que o ano mais crítico fora 2021 e que a idade avançada, o género masculino, a etnia a baixa escolaridade e as comorbilidades como doenças cardiovasculares e diabetes destacavam-se como factores de risco significativo.

    Além de destacar que os indivíduos negros e residentes em áreas urbanas enfrentaram maiores probabilidades de mortalidade, ainda apontavam que o estado do Rio de Janeiro registara o maior risco de morte, enquanto São Paulo apresentara os índices mais baixos. E dava uma visão positiva sobre as vacinas contra a covid-19, salientando que “reduz[ia] significativamente o risco de morte”, com uma diminuição de 20% em 2021 e de 13% em 2022 entre os vacinados, apesar de apontarem que, mesmo com a vacinação, a vulnerabilidade de certos grupos, especialmente os mais pobres e com menor acesso a cuidados de saúde, permanecia relevante.

    Do ponto de vista metodológico, o estudo de Nádia Rodrigues e Mônica Andrade – e de mais dois colegas, Joaquim Teixeira-Netto e Denise Monteiro – usou modelos estatísticos avançados, incluindo análises de sobrevivência e efeitos mistos, para identificar padrões de mortalidade. E as conclusões até sublinhavam a necessidade de intervenções direccionadas para proteger grupos de maior risco e reforçar a importância da vacinação, destacando que as estratégias de saúde pública precisavam de ser ajustadas às realidades socioeconómicas e geográficas.

    Este estudo foi ‘acolhido’ com naturalidade. Mas esse acolhimento mudou com uma análise complementar de Nádia Rodrigues e Mônica Andrade, publicada noutra revista científica conceituada, a Frontiers em Medicine, na segunda quinzena de Dezembro passado. Neste caso, as duas investigadoras realizaram um estudo de coorte retrospectivo utilizando também os dados do SIVEP no período entre 2020 e 2023 com o fito de analisar os efeitos da mortalidade a médio prazo. E se no período médio após a covid-19, o risco de morte foi reduzido em 8% para aqueles que haviam sido vacinados, num período longo pós-covid, o risco de morte quase duplicou. E mais: enquanto no médio prazo houve redução na mortalidade para aqueles que tomaram duas ou mais doses, no longo prazo o risco de morte foi maior para aqueles que tomaram uma ou duas doses.

    No estudo publicado, as duas investigadoras salientaram que “algumas possíveis explicações para o aumento do risco de morte por outras causas no longo prazo (após uma ou duas doses da vacina” são os “efeitos adversos das vacinas”, destacando que “embora as vacinas contra a covid-19 tenham demonstrado ser seguras para a grande maioria das pessoas, há preocupações sobre potenciais efeitos adversos de longo prazo (ainda que raros), como miocardite, trombose ou outras condições raras associadas à vacinação. E acrescentaram ainda que “estes efeitos podem ser mais pronunciados em alguns grupos, particularmente em indivíduos mais vulneráveis, o que poderia contribuir para um risco aumentado de morte por outras causas ao longo do tempo”.

    Nádia Rodrigues, epidemiologhista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) estudou ‘tema tabu’: o risco de mortalidade por todas as causas de não-vacinados e vacinados contraa covid-19, apesar de ser uma investigadora que se tem destacado por promover as vacinas..

    Por outro lado, destacaram as investigadoras no seu artigo científico, “a vacina contra a covid-19 pode ter um efeito indirecto no sistema imunitário para pessoas com condições pré-existentes ou para aqueles com sistemas imunitários enfraquecidos (como pacientes com doenças autoimunes ou aqueles sob tratamentos imunossupressores)”, referindo que “a resposta imunológica ao vírus pode ter efeitos inesperados ou complexos que aumentam a vulnerabilidade a outras infeções ou levam a complicações de condições pré-existentes”.

    Apesar de as duas investigadoras salientarem no artigo científico as limitações do estudo – avisos comuns em Ciência – e de fazerem uma avaliação prudente dos resultados, o facto de colocarem em causa eventuais efeitos prejudiciais das vacinas contra a covid-19 num contexto de longo prazo, causou uma ‘hecatombe’ de críticas no Brasil. A própria Fundação Oswaldo Cruz, também conhecida por Fiocruz – equivalente, em Portugal, à Escola Nacional de Saúde Pública Dr. Ricardo Jorge –, reagiu na semana passada, tentando desvalorizar o estudo e apontando fortes críticas metodológicas. Isto, mesmo sabendo-se que uma das investigadoras em causa, Nádia Rodrigues, é uma das suas conceituadas epidemiologistas, de créditos firmados com mais de uma dezena de artigos científicos relacionados com a covid-19, e que, por diversas vezes, tomou posição favorável à vacinação.

    Com efeito, no início da semana passada, o denominado Comitê de Acompanhamento Técnico-Científico das Iniciativas Associadas a Vacinas para a Covid-19 – presidido pelo próprio presidente da Fiocruz, Mário Moreira, doutorado em Políticas Públicas – criticou severamente as conclusões, apontando falhas metodológicas e sustentando que “a hipótese apresentada pelo artigo [científico numa revista que teve revisão pelos pares]  contrasta com o vasto corpo de conhecimento científico publicado sobre vacinas e vacinação, não apenas contra a covid-19, mas também contra muitas outras doenças evitáveis por vacinação”. E disse ainda ser “crucial manter o rigor científico, evitando a polarização ideológica na pesquisa sobre vacinas”, argumentando que “artigos submetidos para publicação científica abordando causalidade relacionada a condições de saúde, que são multifactoriais por natureza, devem usar bancos de dados múltiplos, apropriados e robustos para testar hipóteses multicriteriais, além de declarar claramente as limitações metodológicas do artigo e das inferências apresentadas”.

    A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde do Brasil, apresenta-se como a mais destacada instituição de Ciência e Tecnologia em Saúde da América Latina. Lançou fortes críticas ao artigo científico de uma das suas investigadoras.

    Esta posição seguiu em linha com uma nota da Fiocruz pouco dias antes, tomada para “reiterar a posição institucional de que as vacinas contra covid-19 aprovadas pelas autoridades sanitárias no Brasil são efectivas na redução dos casos graves e das mortes pela doença”, insistindo que “a vacinação contra covid-19 salvou milhões de vidas e foi fundamental para a contenção da doença e decretação pela Organização Mundial da Saúde (OMS) do fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional em Maio de 2023”.

    As pressões políticas, que também surgem do próprio Ministério da Saúde, sobre um artigo científico incómodo, chegaram, entretanto, à própria revista Frontiers of Medicine que, na passada quarta-feira, publicou uma “manifestação de preocupação” anunciando que uma “equipa de integridade de pesquisa conduzirá uma investigação em total conformidade com nossos procedimentos”, adiantando que “a situação será actualizada assim que a investigação for concluída.”

    Note-se, porém, que o artigo científico publicado na Frontiers of Medicine – e que contabiliza, só este mês quase 27 mil leituras, valores elevadíssimos para este tipo de revistas – teve edição e revisão entre pares. Um dos revisores foi o italiano Marco Rocetti, investigador com larga experiência em análise de dados aplicada à pandemia da covid-19. Aliás, num dos seus artigos, publicado em 2023 na Mathematical Biosciences and Engineering, destacava então existir uma “correlação positiva entre mortes por COVID-19 e excesso de mortalidade por todas as causas”.

    Contactadas pelo PÁGINA UM sobre esta inusitada polémica, que transcende já a esfera científica, sendo mais política, Nádia Rodrigues e Mônica Andrade defendem a integridade do seu estudo, salientando que “a discussão dos resultados foi abrangente e feita de forma imparcial considerando todas as possibilidades e com embasamento [base] em outros artigos”, refutando que não tenham usado outra informação disponível. “Existem poucos estudos sobre a curva de sobrevida de pacientes graves em médio e longo prazo e portanto, não encontramos estudos brasileiros com esta temática”, referem as investigadoras. E respondem às críticas argumentando que “embora vários pontos levantados estivessem presentes na discussão, notou-se que deveriam ser enfatizados como limitações do estudo e posteriormente, solicitamos a incorporação destas”.

    Artigo científico publicado pela Frontiers in Medicine, que causou polémica no Brasil, teve revisão de pares. Nas últimas semanas tem registado uma inusitada procura.

    Sobre os “recentes ataques disseminados em mídias sociais, associando nossas pessoas a grupos antivacinas”, Nádia Rodrigues e Mônica Andrade dizem que, tanto a título profissional como pessoal, são “defensoras incondicionais do Programa Nacional de Vacinação [do Brasil], um pilar fundamental em nossas actividades académicas, práticas profissionais, e na promoção da saúde em ambientes familiares e sociais”. E dizem ainda acreditar que “as vacinas são um dos maiores avanços da Medicina, responsáveis por salvar milhões de vidas e prevenir doenças”, reafirmando “o irrestrito apoio ao programa de imunização, que é essencial para a manutenção da saúde pública no Brasil”.

    Por fim, as duas investigadoras rejeitam “qualquer tentativa de distorção ou desinformação a esse respeito, com o compromisso de seguir promovendo a saúde e o bem-estar de nossa sociedade”.

    O tom da mensagem transmitida pelas duas investigadoras brasileiras faz, em certa medida, lembrar a célebre abjuração de Galileu Galilei perante a Inquisição em 1633, e a frase a si atribuída como lamento: “E pur si muove“, aludindo ao facto de, apesar do que então lhe impunham dizer, a Terra continuaria a mover-se em torno do Sol.

  • Hospital Garcia de Orta entrega 700 mil euros à Unilabs por serviços médicos sem contrato escrito

    Hospital Garcia de Orta entrega 700 mil euros à Unilabs por serviços médicos sem contrato escrito

    Uma aquisição de serviços de telerradiologia, um tipo de prestação onde existe concorrência, foi contratada para o Hospital Garcia de Orta através de um simples ajuste directo de 707 mil euros, IVA incluido, através da Unidade Local de Saúde Almada-Seixal (ULSAS). E ainda mais: sem sequer ter sido assinado um contrato por escrito, onde constem as condições, tipologia dos serviços e o preço unitário. O ‘feliz contemplado’ por esta liberalidade de gestores hospitalares foi a empresa Dr. Campos Costa -Consultório de Tomografia Computorizada, pertencente ao universo do grupo Unilabs.

    O anúncio deste peculiar procedimento de contratação pública foi publicado na plataforma Portal Base no passado dia 13 de Janeiro, mas o ‘contrato’ fico assumido em 26 de Dezembro, vigorando por 365 dias. Em causa, de acordo com os poucos elementos constantes no Portal Base, está a prestação de um serviço de telerradiologia, que consiste na transmissão electrónica à distância de imagens radiológicas, designadamente radiografias e TACs, bem como a elaboração de relatórios de diagnóstico por médicos especialistas.

    Hospital Garcia de Orta, em Almada. / Foto: D.R.

    No Potal Base, a ULSAS justifica esta despesa por ajuste directo e sem contrato formal reduzido a escrito “por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade”. Contudo, se o motivo de urgência pode ser invocado para não se abrir concurso público, não pode justificar um período tão longo de vigência, e teria de se confirmar se o atraso numa opção concorrencial se deveu ou não à própria estrutura local do SNS.

    Além disso, não se encontra previsto no Código dos Contratos Públicos que um ajuste directo por “urgência imperiosa” justifique a ausência de um contrato escrito, ainda mais quando atinge mais de 700 mil euros, e não se vislumbra qualquer impedimento físico ou emocional para não se pegar em contratos similares e os adaptar ao actual contexto.

    Até porque, na verdade, o Hospital Garcia da Orta já tem um longo historial com a empresa da Unilabs. Nos últimos dois anos, a Dr. Campos Costa facturou 1.016.475 euros, através de três contratos, dois por ajuste directo e um por concurso público. O primeiro contrato, no valor de 233.850 euros, foi adjudicado por ajuste directo em 24 de Julho de 2023. O segundo contrato, no montante de 207.625 euros, foi feito por concurso público no dia 21 de Agosto de 2023.

    Em resposta a questões colocadas pelo PÁGINA UM, a ULSAS explicou que o primeiro ajuste directo adjudicado a esta empresa, em 2023, resultou da “não adjudicação” após dois concursos públicos. Assim, foi decidido efectuar o ajuste directo à Dr. Campos Costa “para garantia de continuidade da prestação de Serviços de Telerradiologia, essenciais à prestação directa de cuidados de saúde, pelo período de tempo estritamente necessário até à conclusão” de um novo concurso público.  Este ajuste directo “produziu efeitos de 1 de Janeiro de 2023 a 31 de Maio de 2023”.

    Posteriormente, após a conclusão do novo concurso público, acabou por ser feita nova adjudicação à Dr. Campos Costa, produzindo efeitos de 1 de junho de 2023 a 31 de dezembro de 2023.

    Segundo a ULSAS, no concurso público que deu lugar ao contrato com a Dr. Campos Costa, em 2023, “ficou expressamente prevista” a possibilidade “de adopção de procedimento por ajuste directo para a celebração de futuro contrato de aquisição de novos serviços que consistam na repetição de serviços similares objeto do presente procedimento”. Mas tal deveria ter sido feito de outra forma, ou seja, através de uma prorrogação do contrato já estabelecido, sob condições. Assim, aquilo que se depreende é que a ULSAS usou um argumento falso para celebrar um ajuste, porque a urgência imperiosa, por não haver contrato, era exclusivamente sua.

    A empresa Dr. Campos Costa foi integrada no grupo Unilabs em 2017. / Foto: D.R.

    Em todo o caso, a ULSAS, defende que o ajuste directo ao longo do presente ano está em “respeito pelas condições constantes do contrato suprarreferido”.

    Recorde-se que a Dr. Campos Costa, que pertence ao grupo Unilabs desde 2017, foi condenada pela Autoridade da Concorrência, em 2022, ao pagamento de uma coima superior a cinco milhões de euros. Em causa esteve “a participação num cartel em concursos públicos para prestação do serviço de telerradiologia a hospitais e centros hospitalares no território nacional”, segundo a acusação da AdC.

    A Dr. Campos Costa e outras empresas do sector repartiram entre si o mercado e puseram em prática estratégias para que houvesse um aumento generalizado dos preços dos serviços de telerradiologia junto de unidades que integram o Serviço Nacional de Saúde. Na altura, a Dr. Campos Costa colaborou com as investigações da AdC, tendo admitido a participação no cartel e abdicado de qualquer litigância judicial da condenação.

    No total, esta empresa facturou 26.248.991,50 euros através de 127 contratos com entidades públicas, desde 2009. Só em 2024, a Dr. Campos Costa ganhou 4,130 milhões de euros em contratos feitos com entidades estatais, a maior parte através de concurso público e quatro por ajuste directo.

    Sabendo-se que, segundo a ULSAS, o serviço prestado pela Dr. Campos Costa é essencial, aguarda-se a divulgação de um novo concurso público ou um ajuste directo relativo aos serviços que estarão a ser prestados, eventualmente pela mesma empresa, ao Hospital Garcia de Orta em 2025. Fica na dúvida se se invocará uma nova e estafada “urgência imperiosa” com pagamentos feitos sem se saber preços unitários.

  • Ordem dos Médicos ‘esquece’ 144 mortes em excesso na ‘flor da vida’

    Ordem dos Médicos ‘esquece’ 144 mortes em excesso na ‘flor da vida’

    Ao contrário da mortalidade infantil – que mantém os sinais de uma evolução positiva espectacular nas últimas décadas e estabilizou desde 2012, sempre abaixo dos 300 óbitos por ano –, os adolescentes e jovens adultos estão agora em maior perigo. Nos últimos três anos, no grupo etário dos 15 aos 24 anos assiste-se a uma evidente inversão, de forma abrupta e consistente, nas taxas de sobrevivência, e os números de óbitos dispararam. Na ‘flor da idade’, quando a ‘Ceifeira’ está pouco activa, este crescimento está agora em contra-ciclo, e nem a Ordem dos Médicos – que pediu a criação de um grupo de trabalho apenas para a mortalidade infantil – parece interessada em saber a razão um excesso de mortalidade que, desde 2022, será de mais 144 jovens do que seria esperado. Haverá receio de se descobrirem causas indesejáveis associadas à gestão da pandemia, incluindo suicídios e efeitos adversos das vacinas contra a covid-19?


    O inexplicável aumento da mortalidade em adolescentes e jovens adultos nos últimos três anos inverteu, de forma abrupta, a tendência de melhoria das taxas de sobrevivência das últimas décadas. Apesar da gravidade da situação, que tem claramente um evidente ‘ponto de inversão’ em 2022, nem o Ministério da Saúde nem a Ordem dos Médicos esboçaram sequer qualquer reacção para apurarem as causas desse agravamento nas mortes na faixa etária dos 15 aos 24 anos.

    Recorde-se que, ainda na passada sexta-feira, depois de o jornal Público ter ‘requentado’ uma notícia do PÁGINA UM de início de Dezembro sobre a mortalidade infantil em 2024 ser a maior do último quinquénio, a Ordem dos Médicos manifestou agora procupação mas apenas sobre esta faixa etária, instando a Direcção-Geral da Saúde a constituir um grupo de trabalho para estudar o assunto. Em declarações à TVI, o bastonário Carlos Cortes disse ser necessário estudar “caso-a-caso” os óbitos para “saber quais foram os motivos”,  para depois desenvolver depois uma intervenção mais profunda para manter os números [baixos de mortalidade infantil] que nos têm orgulhado”.

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    A Ordem dos Médicos nada disse, no entanto, sobre o excesso de mortalidade muito mais graves em termos numéricos associado aos adolescentes e jovens adultos, que se têm agravado nos últimos três anos. O PÁGINA UM foi, ao longo dos últimos anos, denunciado o excesso de mortalidade na faixa dos 15 aos 24 anos, sem que a Ordem dos Médicos, com recursos para chegar à mesma conclusão, fizesse a pressão que agora decidiu sobre a mortalidade nos recém-nascidos até perfazerem 12 meses.

    Com efeito, apesar de toda a celeuma criada em redor da subida dos óbitos de bebés no ano passado – subindo de 219, em 2023, para 261 –, em termos de médio prazo estes números não são ainda alarmantes. O somatório da mortalidade infantil no triénio 2022-2024 (um total de 713 óbitos) está ainda abaixo do triénio 2018-2020 (um total de 769 óbitos).

    A melhoria deste indicador é, na verdade, um dos grandes ‘milagres’ da Medicina moderna. Somente em 2010 se conseguiu, pela primeira vez, registar um triénio (neste caso, 2008-2010) abaixo dos mil óbitos. No final dos anos 90 do século passado, os óbitos de bebés eram quase três vezes mais, embora o número de nascimento fosse bem maior do que actualmente. Desde 2013 não há qualquer ano acima dos 300 óbitos, sendo que os anos mais baixos ocorreram até durante a pandemia (2020, com 214 óbitos; e 2021, com 195 óbitos), que estará associado à ‘hiper-protecção’ dos confinamento, algo que seria insustentável e até contraproducente manter no futuro.

    Carlos Cortes, ao fundo, cumprimentando Diogo Pacheco de Amorim, deputado do Chega, aquando da sua posse como membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida em Maio do ano passado. Fonte: AR.

    Mas já no que diz respeito aos adolescentes e jovens adultos, os últimos três anos mostram uma evolução preocupante, sobretudo por se estar perante um dos grupos etários com taxas de mortalidade mais baixas. Por exemplo, a taxa de mortalidade infantil – que ronda agora os três óbitos por 1.000 nascimentos – é cerca de 10 vezes superior ao grupo dos 15 aos 24 anos, considerando que, no quinquénio antes da pandemia (2014-2019) se contabilizaram menos de três óbitos por 10.000 pessoas dessa faixa etária.

    O aumento da mortalidade dos adolescentes e dos jovens adultos não está directamente associado à doença (covid-19) causada pelo SARS-CoV-2, embora possa ser um efeito colateral da gestão da pandemia. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em três anos da pandemia (2020-2022) morreram, com causa atribuída à covid-19, quatro pessoas com idades entre os 15 e os 19 anos, e mais 12 com idades entre os 20 e os 24 anos.

    Porém, se nos dois primeiros anos da pandemia o número de óbitos dos adolescentes e jovens adultos (15 aos 24 anos) estava quase em linha com o período pré-pandemia – 331 óbitos em 2020 e 312 em 2020, que contrastava com a média do quinquénio 2015-2019, que foi de 310 –, a partir de 2022 as más notícias aumentaram.

    Evolução da mortalidade por ano desde 1998. Fonte. INE e SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Os óbitos nesta faixa etária dispararam em 2022 para 375, sendo que apenas noves se associaram à covid-19, segundo dados oficiais do INE consultados pelo PÁGINA UM. Este valor anual foi o maior desde 2011. Em 2023 desceram ligeiramente, mas acima da média (359) e no ano que agora terminou contabilizaram-se 352 óbitos.

    Deste modo, considerando os valores contabilizados por triénio – que, em certa medida, reduzem a possibilidade dos acasos –, o triénio 2022-2024 é, claramente, o pior da última década, sendo necessário recuar 11 anos para encontrar um triénio pior (2011-2013, com 1112 óbitos).

    Há uma década assistia-se então a uma evolução verdadeiramente positiva nas taxas de sobrevivência da população jovem, fruto sobretudo dos cuidados médicos. De facto, no presente século, a mortalidade neste grupo etário foi descendo de forma consistente e bem visível pela Estatística. Por exemplo, em 1996 ainda morreram 1556 adolescentes e jovens adultos; em 2022 conseguiu-se pela primeira vez baixar a fasquia dos mil óbitos (924) e a evolução positiva não ficou por aí.

    Evolução da mortalidade por triénio (somatório de três anos) em cada ano desde 1998. Fonte. INE e SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Em 2010, os óbitos ficaram aquém do meio milhar pela primeira vez (451 mortes), e a partir de 2012 o número de mortes passou a estar sempre abaixo dos 400. Em 2018, com 291 óbitos, atingiu-se o número mais reduzido de sempre. A segunda década deste século foi mesmo um ‘período de ouro’, confirmado por números consistentemente baixos: por exemplo, entre 2015 e 2021, a mortalidade média neste grupo etário foi somente de 314 óbitos por anos.

    Por esse motivo, a inversão nos últimos três anos se mostra mais preocupante: comparando com esse ‘período de ouro’, o triénio 2022-2024, com uma média de 362 óbitos por ano, representa um crescimento de mais de 15%, ou, se se quiser um número absoluto, mais 144 mortes do que o esperado. São 144 mortes na ‘flor da idade’ que, aparentemente, não são motivo suficiente para a Ordem dos Médicos sugerir a criação de um grupo de trabalho nem identificar as causas de tantas mortes. Será pelo receio de se descobrirem causas indesejáveis?


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  • Mortalidade dos adolescentes e jovens adultos em níveis absurdamente elevados nos últimos dois anos

    Mortalidade dos adolescentes e jovens adultos em níveis absurdamente elevados nos últimos dois anos

    É no grupo daqueles que estão na ‘flor da idade’ que se está assistir, de uma forma absurdamente escondida pelas autoridades, um fenómeno de excesso de mortalidade nos últimos anos, que não estará associado à covid-19, mas à gestão da pandemia e às suas ‘sequelas’. Uma análise do PÁGINA UM à evolução das taxas de mortalidade dos diferentes grupos etários entre 2014 e 2024, envolvendo o recurso a testes estatísticos de significância, confirma que a pandemia fez ‘mossa’ quase apenas nos super-idosos (maiores de 85 anos), mas os efeitos da gestão da pandemia (ou outros factores desconhecidos e não estudados) estão a causar, ainda agora, um excesso de mortalidade entre os 15 e os 34 anos. Uma vez que as taxas de mortalidade nestas idades são baixas, não existe uma percepção pública da gravidade deste fenómeno, mas a estimativa do PÁGINA UM aponta para terem ocorrido, em 2023 e 2024, mais cerca de 200 óbitos entre adolescentes e jovens adultos do que seria de esperar se se mantivessem as taxas de mortalidade anteriores a 2020.


    Apesar de a covid-19 ter sido uma doença praticamente benigna nos jovens, a mortalidade por todas as causas nos adolescentes e jovens adultos, integrando os grupos etários dos 15 aos 34 anos, continua em níveis muito mais elevados do que no período pré-pandémico. A evolução das taxas de mortalidade, entre 2014 e 2024, assim o atesta, conforme se conclui numa análise do PÁGINA UM, com recurso a testes estatísticos de significância, que comparou quatro períodos distintos: pré-pandemia (2014-2019), pandemia (2020-2021), transição (2022, com a população quase totalmente vacinada e com reforços) e pós-pandemia (2023 e 2024).

    Considerando os óbitos registados no Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) e a população por grupo etário (do ano anterior, por não estarem disponíveis as estimativas do Instituto Nacional de Estatística de 2024), e evolução das taxas de mortalidade, agora para um período mais alargado, permitem um retrato mais fiel sobre o impacte da pandemia e sobretudo sobre as ‘mazelas’ ignoradas.

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    A análise do PÁGINA UM teve como objectivo identificar ou confirmar três tipos de situações. Por um lado, determinar com rigor estatístico quais os grupos etários que, verdadeiramente, registaram um impacte relevante durante a pandemia face ao período anterior (2014-2019), num contexto de crescente processo de envelhecimento da sociedade portuguesa e da maior virulência do SARS-CoV-2 na população idosa e com comorbilidades.

    Por outro lado, procurou-se a existência de diferenças significativas nas taxas entre o auge da pandemia (com a mortalidade associada à covid-19 mais elevada em 2020 e 2021) e o período imediatamente subsequente – o ano de 2022, ainda com mortalidade total elevada, apesar de variantes menos agressivas do vírus e uma população maciçamente vacinada – e ainda o período pós-pandemia. Essa análise também permitiria, por fim, detectar dois fenómenos: o “efeito de ceifa” (ou de colheita, ‘harvesting’, em inglês) e a ocorrência de eventos em contra-ciclo.

    No primeiro caso, o efeito ‘harvesting’ é caracterizado por um aumento significativo da mortalidade num determinado período devido a um evento crítico, seguido por uma redução subsequente nas taxas de mortalidade. Este efeito resulta da “antecipação” das mortes de indivíduos mais vulneráveis, que teriam falecido num futuro próximo devido à sua condição de saúde frágil ou idade avançada. Ou seria expectável que, após uma subida da taxa de mortalidade nos anos da pandemia em determinados grupos etários se observasse uma redução significativa nos anos seguintes, mesmo com taxas de mortalidade abaixo dos níveis pré-crise sanitária.


    Taxas de mortalidade (em permilagem) nos menores de um ano e no grupo dos 1 aos 4 anos. Fonte: SICO e INE. Análise: PÁGINA UM.

    No segundo caso, a análise do PÁGINA UM também procurou detectar grupos etários onde, independentemente do maior ou menor impacte da pandemia (sobretudo nos anos de 2020 e 2021), as taxas de mortalidade em 2023 e 2024 estivesse acima das taxas no período pandémico ou do período pré-pandémico. Ou seja, a ocorrência deste evento em contra-ciclo, em determinados grupos etários, evidenciava efeitos colaterais associados à gestão da pandemia, e não propriamente à doença.

    Ora, foi neste processo que se detectaram os ‘problemas’ nos adolescentes (a partir dos 15 anos) e nos jovens adultos (até aos 34 anos). Com efeito, de acordo com a análise do PÁGINA UM, a taxa de mortalidade no grupo etário dos 15 anos 24 anos estava estável antes da pandemia (2014-2019), com uma média de 0,284‰, e subiu para uma média de 0,295 (+3,6%) durante o período pandémico, mesmo se a covid-19 não causou um número relevante de óbitos.

    Em 2022, já com este grupo maioritariamente vacinado, a taxa ainda subiu mais, atingindo 0,344, o valor mais elevado, descendo em 2023-2024 para 0,325, ou seja, acima da taxa pré-pandemia. Todas as análises feitas pelo PÁGINA UM com testes estatísticos de significância revelaram diferenças significativas, ou seja, ainda no ano passado a mortalidade neste grupo etário mantinha-se elevado.


    Taxas de mortalidade (em permilagem) nos grupos dos 5 aos 14 anos e dos 15 aos 24 anos. Fonte: SICO e INE. Análise: PÁGINA UM.

    Esta situação está, aliás, em linha com os alertas do PÁGINA UM sobre a mortalidade excessiva neste grupo etário. Se a taxa de mortalidade de 2023-2024 se tivesse mantido semelhante ao período pré-pandémico, teriam morrido, de acordo com os cálculos, menos nove dezenas de jovens deste grupo etário.

    No caso do grupo dos 25 aos 34 anos, antes da pandemia (2014-2019), a taxa de mortalidade oscilava entre 0,410 e 0,519‰, com uma média de 0,486. Durante o período pandémico (2020-2021), as taxas foram superiores, com uma média de 0,516 (+6,2%). Em 2022, a taxa rondou os 0,5o‰, enquanto em 2023-2024 subiu inesperadamente para os 0,532, portanto acima do período pré-pandémico. Ou seja, também nesta faixa etária, em vez de um efeito ‘harvesting’, com a consequente diminuição da taxa de mortalidade após a crise sanitária da pandemia, mantiveram-se elevadas as taxas (+9,4% face ao período pré-pandemia), evidenciando um comportamento de contra-ciclo.

    Fenómeno distinto, apesar aparentemente semelhante, ocorreu com os recém-nascidos. A taxa de mortalidade infantil, antes da pandemia (2014-2019), variou entre 2,88 e 3,38‰, com uma média de 3,06, e até desceu durante o período pandémico, passando para 2,47 em 2020 e para 2,30 em 2021. No ano seguinte subiu para 2,93, enquanto em 2023-2024, a média foi de 2,82‰, embora o ano de 2024 tenha atingido os 3,03‰, em virtude dos 261 óbitos. Apesar de 2024 ter sido o ano de maior mortalidade infantil no quinquénio, como o PÁGINA UM já antecipou em exclusivo há um mês, os valores são bastante baixos em termos históricos, apesar de ser fundamental investigar as causas.


    Taxas de mortalidade (em permilagem) nos grupos dos 25 aos 34 anos e dos 35 aos 44 anos. Fonte: SICO e INE. Análise: PÁGINA UM.

    A análise do PÁGINA UM também revela que, ao contrário daquilo que as autoridades de Saúde fizeram crer, a pandemia foi sobretudo uma crise sanitária com efeitos relevantes na mortalidade quase apenas para os super-idosos, isto é, os maiores de 85 anos.

    De acordo com os cálculos, as taxas de mortalidade antes da pandemia (2014-2019) rondaram os 145‰, sendo que no ano anterior à pandemia (2019) até registou um valor anormalmente baixo (da ordem dos 142, o que terá contribuído para um maior impacte do SARS-CoV-2 em 2020. Durante o período pandémico (2020-2021), a taxa de mortalidade média para este grupo subiu para quase 154 (+6,2%), mantendo-se em níveis semelhantes em 2022 (153,1‰), o que em si coloca em causa a própria eficácia das vacinas na redução da mortalidade total.

    No período pós-pandemia (2023-2024), registou-se então uma redução significativa para uma média de 142,7‰, evidenciando só então a concretização do efeito ‘harvesting’. Apesar desse efeito ter sido evidente, e estatisticamente significativo, face ao período pandémico e de transição, certo é que não existe diferença estatisticamente significativa face ao período pandémico. Esta situação mostra assim que mesmo em 2023 e 2024 houve mantêm-se as ‘sequelas’ da gestão da pandemia, porque seria de aguardar uma redução da taxa de mortalidade depois de um excesso de três anos.


    Taxas de mortalidade (em permilagem) nos grupos dos 45 aos 54 anos, dos 55 aos 64 anos, dos 65 aos 74 anos e dos 75 aos 84 anos. Fonte: SICO e INE. Análise: PÁGINA UM.

    Apesar de estatisticamente ser evidente que a pandemia atingiu, embora em menores graus (face aos super-idosos) e de forma distinta, a população portuguesa com idades superiores a 55 anos, há um grupo específico que destoa. Com efeito, no grupo dos 75 aos 84 anos não se sente um efeito negativo significativo da pandemia. A taxa de mortalidade na pré-pandemia (2014-2019) atingiu uma média de 43,36‰, tendo registado uma subida quase imperceptível em 2020-2021 para os 43,70 (+0,8%). Em 2022, registou-se então uma descida para 41,27, enquanto em 2023-2024 a média baixou para os 36,88 (-15% em relação ao pré-pandemia). Ou seja, além de não ter sido particularmente atingida pela pandemia, a taxa de mortalidade neste grupo até se reduziu face ao período pré-pandémico.

    A mesma situação não ocorreu nos dois grupos etários imediatamente antecedentes, se bem que os efeitos negativos da pandemia tenham sido,´mesmo assim, moderados. No caso do grupo etário dos 55 aos 64 anos, a taxa de mortalidade no período pandémico subiu 3,8% face ao período pré-pandemia (2014-2019), passando de 6,63‰ para 6,88. Em 2022, a taxa desceu ligeiramente para 6,74, mantendo uma redução adicional para 6,33 em 2023-2024. As diferenças entre os períodos foram marginalmente significativas, podendo-se considerar que a pandemia, como crise sanitária, apenas marginalmente teve impacte neste grupo.

    Já quanto à faixa etária dos 65 aos 74 anos, enquanto a taxa de mortalidade antes da pandemia (2014-2019) foi de 14,40‰, a subida nos anos de 2020-2021 foi de apenas 3%, para 14,83. Em 2022, desce para 14,20‰, continuando a reduzir em 2023-2024, com uma média de 13,41, ou seja, abaixo da taxa pré-pandemia.

    Taxas de mortalidade (em permilagem) nos maiores de 85 anos e na população total. Fonte: SICO e INE. Análise: PÁGINA UM.

    Esta análise detalhada conduzida pelo PÁGINA UM evidencia assim que, embora a pandemia da covid-19, como crise sanitária (não apenas associada à doença) tenha tido um impacto directo maior nas populações mais idosas e vulneráveis, os efeitos indiretos e prolongados da sua gestão recaíram desproporcionalmente sobre os adolescentes e jovens adultos, cujas taxas de mortalidade continuam a superar os níveis pré-pandémicos.

    Estes dados reflectem a necessidade urgente de políticas públicas que vão além da mera resposta à crise sanitária, abordando as consequências estruturais e sociais que permaneceram, particularmente nos grupos etários mais jovens, para prevenir perdas evitáveis e reconstruir a resiliência social e sanitária de forma equitativa. Mas isso interessará? Talvez não, até porque, na ânsia de se querer salvar tudo, deitou-se o bebé com a água do banho.

    Aliás, de uma forma tristemente irónica, um dos impactes mais intensos e duradouros, porque perdurará por décadas, foi o baby bust – o inverso do baby boom – em 2021, quando a redução dos nascimentos, por via da incerteza dos potenciais pais face à gestão política da crise sanitária, atingiu cerca de cinco mil vidas. Ou seja, nasceram menos cinco mil crianças. E, neste caso, as estatísticas mostram que, nos anos seguintes, não houve recuperação.


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  • 29 meses após um arrogante ‘não’, presidente do IST vai ter de mostrar 51 ‘esboços embrionários que consubstanciam meros ensaios para eventuais relatórios’ sobre a pandemia

    29 meses após um arrogante ‘não’, presidente do IST vai ter de mostrar 51 ‘esboços embrionários que consubstanciam meros ensaios para eventuais relatórios’ sobre a pandemia

    Num país onde há cientistas que, por ocuparem uma cátedra, ‘falam de cátedra’ sem humildade científica, um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul veio dar este mês uma lição ao presidente do Instituto Superior Técnico (IST). Após Rogério Colaço ter recusado divulgar, de forma arrogante, relatórios sobre a situação epidemiológica da covid-19 no Verão de 2022, uma luta judicial do PÁGINA UM ao longo de quase 30 meses teve finalmente um desfecho: o IST vai ter o mesmo de revelar o conteúdo integral de 52 relatórios, elaborados em parceria com a Ordem dos Médicos, que ‘ajudaram’ a prolongar o estado de pânico durante a segunda metade da pandemia. O PÁGINA UM já conseguira em primeira instância que o IST cedesse o último relatório (nº 52) que, com base em estimativas enviesadas e especulações de escasso rigor e transparência, atribuíra centenas de mortes às festas populares e aos festivais de música no Verão de 2022. Com episódios caricatos e pouco edificantes para a academia, o IST chegou a dizer que não elaborara qualquer relatório mas sim “um esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório’. Agora, tem de mostrar mais 51, mesmo se mantiver a espúria tese dos “esboço embrionário”.


    Senhor Pedro Vieira,

    O sr André Pires [do gabinete de comunicação] respondeu exatamente de acordo com as instruções dadas por mim. O pedido formal ao presidente do IST está respondido e a resposta é negativa.

    Rogerio Colaço

    Presidente do IST

    Foi desta forma, seca e arrogante, enviado pelo Galaxy pessoal às 12 horas e 19 minutos do dia 30 de Julho de 2022, que o catedrático Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico (IST), recusou ceder ao PÁGINA UM a cópia de um relatório de investigadores desta (suposta) prestigiada instituição universitária pública de Portugal sobre a situação epidemiológica da pandemia. Em pleno Verão do terceiro ano da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, estando um curso um alívio significativo das medidas restritivas, incluindo a ‘retoma’ de festividades, mas havendo muitos ‘especialistas’ a desejarem manter níveis de pânico elevado, o IST fizera divulgar, através da agência Lusa, um relatório ‘bombástico’ que concluíra que as festas populares e festivais de música em Lisboa tinham estado “na origem de 340 mil casos de covid-19” que teriam causado “a morte de 790 pessoas”.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes na sede do Ordem dos Médicos, em Julho de 2021, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico recusou divulgar os relatórios em 2022. Vai ter de ceder por ordem do tribunal.

    Mas quando o PÁGINA UM pediu a um dos autores desse estudo, Henrique Oliveira, que mostrasse o relatório escrito e o ficheiro de dados que o suportava, as portas fecharam-se. Este relatório inseria-se num parceria entre o IST e a Ordem dos Médicos que se terá iniciado em Julho de 2021, com pompa e circunstância: Rogério Colaço e Henrique Oliveira, por parte da instituição universitária, e Miguel Guimarães e Filipe Froes, por parte da associação profissional de clínicos, tinham até promovido uma conferência de imprensa, apresentando um novo indicador de avaliação do estado da pandemia, supostamente melhor do que as da Direcção-Geral da Saúde, por ser “uma ferramenta que resulta de um trabalho colaborativo”, desenvolvida através da “agregação de competências”. Nesse momento, Filipe Froes orgulhava-se por ter participado numa “equipa coordenada pelo Dr. Miguel Guimarães”, então bastonário da Ordem dos Médicos, cuja associação com o IST “abrir[a] as portas do futuro para parcerias e sinergias (…) em que todos somos vencedores”.

    Porém, na hora da verdade, “as portas do futuro”, e do suposto conhecimento científico – que deve ser confrontado – fecharam-se. E começaram a surgir as mais estapafúrdias desculpas numa triste novela pouco edificante para uma universidade pública.

    Quando o PÁGINA UM apresentou uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar o IST a fazer aquilo que deveria ter sido feito de forma natural, a instituição liderada por Rogério Colaço ‘inovou’ pelo absurdo: considerou, em finais de Setembro de 2022, que aquilo que fora divulgado seria “um esboço embrionário, que consubstancia[va] um mero ensaio para um eventual relatório”. A intenção era clara: querer convencer o tribunal a não se aplicar a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos. Pouco mais tarde, ainda em sede de processo de intimação, o IST diria que nunca negara “ter elaborado um ensaio, apenas afirm[ara] que não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso que era um esboço”. E acrescentava que o seu “esboço” que associou mortes às festividades de Junho “pode não conter informações exactas e precisas.”

    A Lusa noticiou, em 28 de Julho de 2022, as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o suposto impacte das festividades em Junho desse ano na transmissão e mortes por covid-19. A instituição universitária, que faz Ciência, quis convencer o Tribunal Administrativo de que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”.

    Em resposta, neste jogo do gato e do rato, a juíza de primeira instância exigiu, em Novembro desse ano, que o IST lhe enviasse o documento em envelope lacrado que considerava “um esboço embrionário” para apurar se era um “esboço” ou uma desculpa esfarrapada. Mesmo perante esta suprema humilhação – uma instituição universitária a ver-se forçada a mostrar se andava a mentir ao tribunal –, o IST continuou perseverou: em vez de enviar o original, remeteu uma cópia com “anotações manuscritas a lápis”, em mais uma vã tentativa de ver o relatório considerado um “esboço”. Somente com uma nova entrega revelou então que se estava perante 52 relatórios, com o último a ser aquele que se referia às festividades.  

    Finalmente, em Janeiro de 2023, o Tribunal Administrativo de Lisboa tomou uma decisão, mas para grande surpresa, apesar de ter concedido o direito de o PÁGINA UM ter acesso ao Relatório 52, a sentença não se pronunciou sobre os outros 51 relatórios nem sobre os ficheiros de dados. O IST acabou por enviar o Relatório 52, que seria ‘esmiuçado’ pelo PÁGINA UM em Fevereiro do ano passado. Esta semana, aproveitando as evoluções tecnológicas, o PÁGINA UM usou o ChatGPT para uma análise ao Relatório 52 com base em critérios de “rigor académico, transparência, clareza e impacte científico”, elaborada “de forma isenta e detalhada”.

    Numa análise de três páginas, o ChatGPT atribuiu uma avaliação de 12 (em 20) à equipa de investigadores do IST, coordenada pelo catedrático Rogério Colaço, e salienta que “o Relatório Rápido nº 52 […] é um documento tecnicamente competente, mas apresenta falhas significativas que comprometem a sua utilidade como ferramenta de apoio à decisão”, acrescentando que “a falta de transparência nos dados e metodologias, combinada com mensagens contraditórias, reduz a sua credibilidade e impacto académico”. E sugere recomendações como seja “detalhar as metodologias utilizadas, especialmente para estimativas contrafactuais; publicar os dados brutos e aumentar a transparência das fontes; incluir variáveis adicionais e explorar contextos sociais e económicos mais amplos; [e] garantir maior consistência na comunicação para evitar mensagens ambíguas”.

    Rogério Colaço, cidadão português nascido em Soure em Junho de 1968, conjunturalmente presidente do Instituto Superior Técnico, vai ter de entregar 51 relatórios elaborados por uma instituição universitária pública, ao cidadão Pedro Almeida Vieira, nascido em Coimbra em Novembro de 1969, conjunturalmente director do jornal PÁGINA UM.

    Tanto o PÁGINA UM como o IST – que ainda tentou ‘sacar’ do tribunal a cópia que enviara em envelope selada – recorreram da sentença, por razões diferentes. Apesar de ter entregado o último relatório, o IST argumentou junto do Tribunal Central Administrativo do Sul que a sentença estava errada, enquanto o PÁGINA UM alegava que a juíza Telma Nogueira erradamente não se pronunciara sobre os outros 51 relatórios – que também deveriam ser disponibilizados – nem sobre os ficheiros com os dados.

    E é sobre este recurso que o Tribunal Central Administrativo do Sul veio agora pronunciar-se, mais de dois anos e cinco meses depois do pedido inicial do PÁGINA UM, através de um histórico acórdão.

    Apesar de o IST, em sede de contra-alegação, ter chegado a defender que ficara “apenas provada [na primeira sentença] a existência do relatório intitulado Relatório Rápido n.º 52, não se provando a existência de outros elementos”, e que “cabia ao recorrido [PÁGINA UM] fazer prova da existência dos restantes relatórios, assim como, dos alegados ficheiros informáticos com dados numéricos”, os desembargadores Marcelo Mendonça, Ilda Côco e Ana Lameira consideraram o óbvio. “Não é difícil perceber que, tendo sido elaborado pelo Recorrido público [IST] o relatório n.º 52 sobre a avaliação epidemiológica da covid-19, a ordem numérica, cronológica e lógica das coisas impele-nos a concluir que terão de existir 51 relatórios antecedentes vindos da safra do Recorrido público”, salientam.

    Os desembargadores consideraram também que “um relatório sobre a avaliação epidemiológica da covid-19 que surge depois de um trabalho prévio de análise, estudo ou tratamento de dados coligidos segundo uma determinada metodologia, a partir de um sítio da internet de acesso público (da Direcção Geral da Saúde), em que se utilizou um determinado programa de análise matemática, nada tem de esboço ou de rudimentar, pois que, atentas tais características, o conteúdo ou a informação escrita que daí emerja já não pode ser encarada como um mero rascunho”.

    O Relatório Rápido nº 52 do IST assegurava que que houvera um aumento das infecções com as festividades populares no Verão de 2022, mas tal não sucedeu. O relatório divulgado pela Lusa em finais de Julho pretendia convencer o público que afinal as previsões estavam quase certas. Mas, na hora de mostrar a base científica dessas conclusões, o IST recusou essa validação externa. As festas populares em Lisboa no Verão de 2022 tiveram grande fluxo, sem máscaras, mas os casos positivos de SARs-CoV-2 regrediram face a Maio.

    E acrescentam ainda os desembargadores que mesmo que esses documentos contenham “ainda estimativas, cujas respectivas conclusões e resultados extraídos ainda carecem de análise e confirmação”, são sempre documentos administrativo, pois “se de um relatório se trata, algum conteúdo útil há de abordar e relatar, ainda que preliminarmente, não se admitindo que essa eventual provisoriedade seja motivo para negar o acesso ao conteúdo ou informação escrita já existente”. E concluem ainda que, mesmo se se estivesse perante direitos de propriedade intelectual ou segredo relativo à propriedade intelectual, “o princípio vigente é o da acessibilidade”.

    Em todo o caso, o acórdão considerou que o IST não está obrigado a facultar os ficheiros informáticos usados para a elaboração dos relatórios – e necessários para efeitos de replicação dos resultados, como se mostra necessário em Ciência –, uma vez que os desembargadores consideraram que o PÁGINA UM fez um pedido “vago, genérico e indeterminável, porque desprovido de informação concreta que melhor especifique, por exemplo, a origem, a índole, o hiato temporal, a autoria ou o local específico de arquivo electrónico donde possam ser extraídos tais elementos”.

    Saliente-se que, sem desprimor da decisão do Tribunal Central Administrativo do Sul, o pedido sobre os ficheiros era não apenas exacto como óbvio em ciências exactas: um relatório com resultados de modelos quantitativos avançados tem sempre subjacente um ficheiro de dados numéricos. Ou seja, para cada relatório existirá necessariamente um ficheiro de dados numéricos. Mas o óbvio em ciências exactas não é, aparentemente, o óbvio em ciências jurídicas.

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    Agora, o IST está intimado a facultar, no prazo de 10 dias, que terminará nos primeiros dias de 2025, os 51 relatórios em falta. Se assim desejar pode fazê-los acompanhar, voluntariamente, dos ficheiros numéricos para eventual replicação dos relatórios. Se não incluir esses ficheiros numéricos, então reforçam-se as ‘críticas’ da análise crítica do ChatGPT que sustenta a “falta de transparência” do Relatório nº 52, uma vez que, entre outros aspectos, “Não são apresentados os dados brutos utilizados para calcular os indicadores e fazer previsões, dificultando a replicação dos resultados”.

    Note-se que esta luta judicial do PÁGINA UM implicou, além de desmesurado tempo, o pagamento de taxas de justiça próximo de mil euros, tendo contado com o apoio dos leitores através do FUNDO JURÍDICO. Quando os relatórios do IST forem finalmente entregues, o PÁGINA UM vai divulgá-los na íntegra e pedirá uma análise do seu rigor por parte do Conselho Científico daquela instituição que integra a Universidade de Lisboa.


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  • Covid-19: DGS quer despachar ‘sobras’ de uma vacina sem farmacovigilância adequada nem compensações por danos

    Covid-19: DGS quer despachar ‘sobras’ de uma vacina sem farmacovigilância adequada nem compensações por danos

    Num país que viveu a pandemia da covid-19 à cata de supostos ‘negacionistas anti-vacinas’ – que incluía quem se opunha à inclusão de jovens e adultos saudáveis nos planos de vacinação, ou considerasse que a imunidade natural era suficiente –, não deixa de ser lamentavelmente irónico que, no final de 2024, Portugal seja um dos poucos da Europa Ocidental que recusa falar das reacções adversas, não tendo montado qualquer plano de compensação das vítimas. E pior: num estranho tabu, o Infarmed nem sequer acompanha a evolução dos casos notificados. A desconfiança e o desamparo têm tido consequências: mesmo na população mais vulnerável, assiste-se a uma crescente recusa da vacina contra a covid-19. Este ano, em comparação com 2023, a ‘procura’ de reforço desceu quase 14%. Foram mais 204 mil portugueses que não quiseram saber da vacina contra a covid-19. E a Direcção-Geral da Saúde, em vez de promover uma melhoria da informação e pugnar pelo apoio às pessoas afectadas, decidiu-se por uma estranha solução: as vacinas que sobraram serão agora administradas no grupo etário dos 50 aos 59 anos. A saúde das pessoas pode ser ‘lixada’; as vacinas é que não podem ir parar ao lixo…


    Não existe qualquer motivo epidemiológico ou de Saúde Pública para a decisão da Direcção-Geral da Saúde (DGS) de alargar o plano de reforço da vacinação contra a covid-19 para a faixa etária dos 50 aos 59 anos, hoje iniciado. O motivo para este alargamento é simples: estão em stock centenas de milhares de doses, que arriscam ir para o lixo, porque cada vez há menos pessoas do grupo dos maiores de 60 anos interessadas em apanhar mais uma dose desta vacina. Isto, num cenário em que são reveladas falhas gravíssimas na farmacovigilância pelo Infarmed num país que insiste em não assumir quaisquer indemnizações e apoios médicos às pessoas que foram afectadas por reacções adversas.

    Conforme o PÁGINA UM mostrou na passada semana, através de dados do Centre for Socio-Legal Studies, Portugal integra o lote de 14 países da União Europeia que optou por nunca implementar qualquer plano de indemnização às vítimas das vacinas contra a covid-19, que integra também a Bélgica, Bulgária, Chipre, Croácia, Espanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Lituânia, Malta, Países Baixos, Roménia e Eslováquia.

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    Ao invés, países como a Áustria, República Checa, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Letónia, Luxemburgo, Polónia, Eslovénia e Suécia – que integram também a União Europeia – implementaram sistemas, ou aproveitaram os modelos existentes pré-pandemia – para suportar compensações em casos de dados graves resultantes da administração das vacinas contra a covid-19. Recorde-se que a Comissão von der Leyen isentou de responsabilidades as farmacêuticas. Além dos membros da União Europeia, outros países do Velho Continente têm sistemas desta natureza, designadamente Noruega, Islândia, Noruega, Reino Unido e até Rússia.

    O desinteresse dos portugueses mais idosos pela vacina contra a covid-19 – agravada pela ausência de informação fiável sobre as suas vantagens, num cenário de endemismo do SARS-CoV-2, agora com muito menor virulência numa população com imunidade natural – fica patente não apenas na comparação entre o número de doses administradas no Outono deste ano e o de 2023, como sobretudo no número elevado de pessoas que optaram por aceitar apenas a vacina contra a gripe, cujas vantagens são inequívocas sem efeitos adversos relevantes.

    Com efeito, na época de vacinação outonal do ano passado, segundo um relatório da DGS com informação referente a 10 de Dezembro de 2023, tinham sido administradas 1.516.613 doses contra a covid-19 a maiores de 60 anos, menos 240.186 doses do que as administradas contra a gripe. Deste modo, e considerando uma população de cerca de três milhões de indivíduos nesta faixa etária, em média, por cada 100 pessoas, houve 40 que optaram por não querer nenhuma das vacinas, 50 vacinaram-se contra a gripe e a covid-19, enquanto 10 só quiseram a vacina contra a gripe.

    Comparação entre as doses administradas no Outono de 2023 (até 10 de Dezembro) e no Outono de 2024 (até 8 de Dezembro) de vacinas contra a covid-19 e contra a gripe. Fonte: DGS.

    Ora, este ano, com informação recolhida pela DGS até 8 de Dezembro, o ‘abandono’ da vacina contra a covid-19 aumentou significativamente, não ocorrendo o mesmo para a vacina contra a gripe. De facto, os dados oficiais mostram que, para uma população com idade superior a 60 anos que se manteve estável, houve 1.828.767 pessoas que se vacinaram contra a gripe (mais 26.968 do que em 2023), mas apenas 1.312.295 que quiseram tomar a vacina contra a covid-19, ou seja, foram administradas menos 204.318 doses, o que representa uma queda de quase 14% face a 2023.

    Significa assim que neste Outono, em média, por cada 100 pessoas com mais de 60 anos, houve 39 que optaram por não se vacinarem contra nenhuma daquelas duas doenças, 44 que se vacinaram contra a gripe e a covid-19, e ainda 17 que se vacinaram apenas contra a gripe.

    Assim, em termos concretos, praticamente sete pessoas em cada 100 que se vacinaram no ano passado contra a covid-19 no grupo etário dos maiores de 60 anos disseram ‘não’ este ano, razão pela qual ‘sobraram’ mais de 200 mil doses. Recorde-se que o PÁGINA UM ainda aguarda, ao fim de quase dois anos de uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, uma decisão para acesso aos contratos das vacinas contra a covid-19.

    Sobre os efeitos adversos das administrações dos reforços do Outono de 2024 não existem dados públicos, mas o PÁGINA UM teve acesso à base de dados do Portal RAM, gerida pelo Infarmed, até início de Agosto deste ano. Apesar de a base de dados estar manipulada, com eliminação de variáveis, contrariando um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, um dos aspectos mais relevantes é a falta de acompanhamento das pessoas afectadas po reacções adversas. Num total de 45.337 registos individuais notificados no Portal RAM entre finais de Dezembro de 2020 e Agosto de 2024, contabilizam-se 19.224 pessoas sobre as quais o Infarmed desconhece a evolução dos sintomas ou estado de saúde. Ou seja, em mais de quatro em cada 10 registos (42,4%), o Infarmed não apurou sequer como evoluíram os sintomas e afecções detectadas.

    Países (a azul) com planos de compensação para os efeitos adversos de vacinas contra a covid-19. Fonte: Centre for Socio-Legal Studies.

    Numa análise detalhada à variável da evolução das reacções adversas – um processo moroso, porque o ficheiro do Infarmed lista o conjunto de afecções e sintomas numa mesma célula com indicações de progresso por vezes distintas –, observa-se que uma grande parte se refere a problemas que, em princípio, são ligeiros e corriqueiros, como dores no local de vacinação (quase quatro mil casos), dores de cabeça, febre ou dores (centenas de casos). Mas, de entre a lista, constam afecções gravíssimas potencialmente mortais ou com causadores de sequelas profundas. E isto altera de forma radical uma avaliação correcta da segurança das vacinas e impede, desse modo, acções judiciais com pedidos de indemnização.

    Numa averiguação preliminar, o PÁGINA UM detectou, no Portal RAM, 45 casos de miocardites ou pericardites após vacinação cuja evolução permanece desconhecida pelo Infarmed. Há ainda 22 casos de choques anafiláticos, uma reação alérgica grave e potencialmente fatal que pode levar à morte sem tratamento imediato, cuja evolução também se ignora. Foram registados 40 casos de tromboembolismo pulmonar, bloqueio de uma artéria dos pulmões por um coágulo, sem acompanhamento adequado, e 13 casos de acidentes vasculares cerebrais (AVC), suspeitos de estarem fortemente associados às vacinas, cuja evolução permanece incógnita.

    Entre as reações adversas encontram-se ainda 18 casos de síndrome de Guillain-Barré, uma doença autoimune rara que afecta os nervos periféricos e pode levar à paralisia, e 27 casos de paralisia de Bell, uma condição que afeta o nervo facial, sendo por vezes temporária, mas cuja evolução também se desconhece. Foram ainda reportados oito casos de enfarte agudo do miocárdio, 17 casos de trombose venosa profunda, 16 casos de trombocitopenia imune, cinco casos de mielite e 13 casos de vasculite, todos com desfecho desconhecido.

    Extracto da base de dados (em Excel) revelados pelo Infarmed (com mutilação de variáveis), após intervenção do Tribunal Administrativo, e analisados pelo PÁGINA UM para detectar registos com evolução desconhecida de sintomas.

    Na análise das notificações, o PÁGINA UM identificou ainda 63 casos de alterações menstruais e 22 casos de herpes zoster, decorrentes da reactivação do vírus da varicela, todos sem acompanhamento da sua evolução.

    Nenhuma destas pessoas, além das 141 mortes reportadas, beneficiaram de qualquer apoio do Estado nem tão-pouco se conhece se foi analisada, do ponto de vista clínico, a associação factual entre a administração da vacina e os efeitos adversos. E isto também por uma razão simples: o Infarmed, liderado por Rui Santos Ivo, recusa divulgar a variável da casualidade – perante a passividade do Governo e partidos da oposição.


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  • Vacinas contra a covid-19: vigilância farmacológica desprezou 19.224 portugueses com reacções adversas

    Vacinas contra a covid-19: vigilância farmacológica desprezou 19.224 portugueses com reacções adversas

    Portugal é um dos poucos países europeus sem qualquer esquema expedito de compensação de lesados pelas vacinas contra a covid-19. Na verdade, Portugal está agora na minoria dos países mundiais sem qualquer plano desta natureza, porque desde 2021 houve uma proliferação de decisões governamentais e de outras instituições para, de uma forma solidária, apoiar quem sofreu efeitos adversos das vacinas. Mas em países como o Reino Unido, esses apoios estão a ser contestados por as indemnizações serem pequenas e pouco adequadas. Pior está Portugal, porque nem tem plano de indemnização nem uma farmacovigilância decentes. Os dados do Portal RAM obtidos pelo PÁGINA UM por via de uma intimação no Tribunal Administrativo – mas muitilados pelo Infarmed – revelam uma absurda falta de acompanhamento da evolução dos casos de reacções adversas. Em mais de quatro em cada 10 registos de reacções adversas, o Infarmed não sabe como evoluíram. A esmagadora maioria são sintomas leves, mas há centenas de afecções gravíssimas, entre as quais choques anafiláticos, miocardites, enfartes do miocárdio, AVC e tromboses diversas. A culpa, em Portugal, e com a postura do Infarmed, morre mesmo solteira, mas na companhia de muitas infelizes vítimas.


    Em Outubro passado, o editor da área da saúde da BBC, Fergus Walsh, fazia um balanço da administração das vacinas contra a covid-19. Apesar de defende que o programa de vacinação evitara “mais de um quarto de milhão de internações hospitalares e mais de 120.000 mortes no Reino Unido até Setembro de 2021” dava um enfoque específico sobre os efeitos colaterais, ou seja, sobre as vítimas das reacções adversas, raras em termos relativas, mas já bastante numerosas em termos absolutos pela elevada quantidade de doses administradas.

    E o jornalista destacava os impressionantes números de processos de pedidos de indemnização entrados no âmbito do Plano de Pagamento por Danos Causados por Vacinas (VDPS), criado em 1979, como uma espécie de contrato social entre os indivíduos e o Estado, após um problema de segurança da vacina contra a tosse convulsa em uso na época. A imposição desse plano governamental surgiu depois de uma crescente hesitação vacinal ao longo da década de 70, passando depois a vigorar em relação às demais vacinas, designadamente contra a varíola, difteria, tétano, poliomielite, sarampo, rubéola, tuberculose, meningites, infecção pneumocócica, vírus do papiloma humano (HPV), gripe e, finalmente, covid-19.

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    Em termos gerais, com recurso a relatórios médicos e de farmacovigilância, provando-se uma associação directa e ocorrendo pelo menos uma incapacidade de 60%, este plano de apoio do Reino Unido é automaticamente accionada e concedida uma compensação de 120 mil libras (cerca de 145 mil euros). Neste país, entre o final da década de 1970 e 2020, houve para todas as vacinas pouco menos de 6.500 pedidos entrados por danos causados por reacções adversas, e concedidas 944 indemnizações.

    Mas estes valores subiram vertiginosamente no Reino Unidos com as vacinas da covid-19, sobretudo pelo elevado número de doses administradas da AstraZeneca. Em Outubro passado, no âmbito de um sistema de acesso obrigatório à informação – lamentavelmente inexistente em Portugal –, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS) revelou que já tinha sido recebidas pelo VPDS um total de 15.805 reivindicações sobre reacções adversas graves da vacina contra a covid-19, ou seja, mais do dobro de todas as solicitações de quatro décadas envolvendo outras vacinas. Mas, até agora, somente 181 reivindicações foram consideradas passíveis de recebimento de indemnizações, tendo sido rejeitadas 7.357 solicitações porque o avaliador médico independente considerou não existir causalidade, havendo ainda mais 391 reivindicações que não tiveram sucesso por a vacina, embora causando dano, não provocou incapacidade grave. Isto pode incluir, por exemplo, a cegueira de olho, porque não se atinge os 60% de incapacidade.

    De acordo com a NHS, as reacções adversas agudas mais graves detectadas após as vacinas contra covid-19 incluem anafilaxia, pneumonia bacteriana, paralisia de Bell, neuropatia óptica sequencial bilateral, síndrome de vazamento capilar, síndrome de Guillain-Barré, trombocitopenia imune, resposta imune à vacina, inflamação dos pulmões, enfarte do miocárdio, miocardite/pericardite, embolia pulmonar, acidente vascular cerebral (AVC), mielite transversa, trombose do seio venoso cerebral e vasculite induzida por vacina.

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    Mas as críticas ao sistema do Reino Unido, pelo seu carácter desactualizado e meramente burocrático, tem aumentado, como salienta Fergus Walsh, citando uma advogada de vítimas que critica o VDPS por “oferecer muito pouco, muito tarde e para muito poucas pessoas”, além de que a análise dos casos é feita apenas com base em documentos clínicos, de forma burocrática, sem qualquer exame físico. As críticas têm sido tão grandes que o Governo do Reino Unido aumentou os funcionários que tratam dos processos no VDPS para 80. Antes do programa de vacinação contra a covid-19 eram quatro.

    Este esquema de compensações apoiada pelos Estados, de forma extra-judicial (sem assumpção de culpa pelas farmacêuticas), para apoiar vítimas de reacções adversas causadas pelas vacinas existia em 29 países antes da pandemia, sobretudo na Europa, mas que incluía também os Estados Unidos, a China, a África do Sul e a Nova Zelândia. Portugal não possuía qualquer sistema.

    E os portugueses continuaram assim completamente desprevenidos com o surgimento das campanhas maciças de vacinação, nunca sendo assumido pelo Estado e pelas diversas autoridades de saúde a existência de efeitos adversos relevantes, independentemente da sua prevalência. Assim, de acordo com uma compilação do Centre for Socio-Legal Studies, desde 2021 proliferaram os planos de compensação especificamente para as vacinas contra a covid-19, quer por iniciativa dos próprios Estados, nos países mais ricos, quer por iniciativas de entidades ou corporações, como a African Vaccine Acquisition Trust (AVAT), da União Africana, a COVAX – uma parceria da Coalition for Epidemic Preparedness Innovations (CEPI), a Gavi – The Vaccine Alliance e a Organização Mundial da Saúde (OMS) – e a UNICEF. São 98 o número de países abrangidos, sendo 21 europeus. Portugal não está nem nunca manifestou interesse em estar. Na verdade, Portugal encontra-se no lote muito restrito que aparentemente nega que as vacinas contra a covid-19 possam causar danos colaterais. Ou que despreza ou abandona quem respondeu afirmativamente aos apelos, e pressões, para se vacinar, mesmo quando não se encontrava em grupos de risco.

    Países (a vermelho) com planos de compensação para os efeitos adversos de vacinas antes da pandemia da covid-19. Fonte: Centre for Socio-Legal Studies.

    E uma das causas tem sido a postura do Infarmed, o regulador do medicamento em Portugal, que ostensivamente menoriza, manipula e oculta os efeitos adversos das vacinas em território nacional, sempre com o mesmo protagonista: Rui Santos Ivo.

    Único dirigente da Administração Pública no sector da Saúde que se mantém em funções desde o início da pandemia, este farmacêutico com passagens entre cargos públicos e ligações à indústria farmacêutica –, Rui Santos Ivo foi director executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA) entre 2008 e 2011 –, tendo sido recentemente ‘promovido’ à vice-presidência da Agência Europeia do Medicamento (EMA), cada vez mais uma instituição comunitária que visa defender mais os interesses da indústria do que proteger os cidadãos. Discreto e completamente avesso à transparência, Rui Santos Ivo acabou por fazer aquilo que eram as instruções políticas e as linhas orientadoras da Comissão Europeia. Não levantar ondas, em suma.

    Durante os primeiros dois anos do programa vacinal contra covid-19, o Infarmed ficou conhecido por revelar relatórios de farmacovigilância onde, logo nas primeiras frases, garantia que “a vacinação contra a COVID-19 é a intervenção de saúde pública mais efetiva para reduzir o número de casos de doença grave e morte originados pela infeção pelo SARS-CoV-2”, acrescentando que “diversos estudos comprovam que as vacinas contra a COVID-19 são seguras e efetivas.” Enquanto isso, o presidente do Infarmed obstaculizada, como podia, recorrendo por vezes à mentira, o acesso do PÁGINA UM aos dados brutos das notificações registadas no Portal RAM, ou seja, as reacções adversas identificadas como suspeitas de associação às vacinas.

    Países (a azul) com planos de compensação para os efeitos adversos de vacinas contra a covid-19. Fonte: Centre for Socio-Legal Studies.

    Em Julho passado, através de um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul – que reverteu uma absurda sentença de primeira instância, com a juíza a considerar que descarregar ficheiros de uma base de dados era criar um documento novo –, a presidência do Infarmed viu-se na obrigação de revelar os dados em bruto. Porém, mais uma vez, Rui Santos Ivo quis manipular a informação, ‘mutilando’ a base de dados, retirando variáveis relevantes como as idades das vítimas e sobretudo o grau de casualidade apurada, ou seja, a conclusão clínica sobre se associação da reacções adversa à vacina era definitiva, provável, possível ou improvável. Essa é, aliás, a função primordial da farmacovigilância: uma vigilância activa e dinâmica, que acompanha os casos desde o início dos sintomas até ao desfecho, que pode ser uma (infeliz) morte, uma recuperação completa (cura) ou uma recuperação com sequelas, sendo que existirá uma situação intermédia (‘em recuperação’).

    Extracto da base de dados (em Excel) revelados pelo Infarmed (com mutilação de variáveis), após intervenção do Tribunal Administrativo, e analisados pelo PÁGINA UM para detectar registos com evolução desconhecida de sintomas.

    Porém, apesar de Rui Santos Ivo nunca ter manifestado qualquer interesse em disponibilizar os dados completos – e nem sequer ter reagido ao PÁGINA UM sobre uma eventual prevaricação por si cometida por estar a proteger ilegitimamente interesses das farmacêuticas e do Governo –, um dos aspectos mais salientes nos dados em brutos disponibilizados era a quantidade avassaladora à referência “Desconhecido” sobre a evolução de sintomas ou afecções inicialmente detectados. Ou seja, ao fim de meses, e até anos, da primeira detecção das suspeitas de reacções adversas às vacinas, o Infarmed não sabia como evoluíra o estado de saúde dos pacientes. E não estamos a falar de meia dúzia de casos, nem de umas centenas, mas sim de 19.224 pessoas de um total de 45.337 registos individuais introduzidos no Portal RAM entre 27 de Dezembro de 2020 e 28 de Agosto de 2024. Ou seja, em mais de quatro em cada 10 registos (42,4%), o Infarmed não apurou sequer como evoluíram os sintomas e afecções detectadas.

    Numa análise detalhada à variável da evolução das reacções adversas – um processo moroso, porque o ficheiro do Infarmed lista o conjunto de afecções e sintomas numa mesma célula com indicações de progresso por vezes distintas –, observa-se que uma grande parte se refere a problemas que, em princípio, são ligeiros e corriqueiros, como dores no local de vacinação (quase quatro mil casos), dores de cabeça, febre ou dores (centenas de casos). Mas, de entre a lista, constam afecções gravíssimas potencialmente mortais ou com causadores de sequelas profundas. E isto altera de forma radical uma avaliação correcta da segurança das vacinas e impede, desse modo, acções judiciais com pedidos de indemnização.

    Por exemplo, numa averiguação preliminar, o PÁGINA UM detectou 45 registos de pessoas com miocardites ou pericardites após vacinação cuja evolução se mantém irresponsavelmente desconhecida pelo Infarmed. Mas isso é apenas a ponta do icebergue. A evolução de 22 casos de choques anafiláticos – uma reação alérgica grave e potencialmente fatal, que causa dificuldade em respirar e que, sem tratamento imediato (com adrenalina), pode levar à morte – é desconhecida pelo Infarmed. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, foi agora promovido a vice-presidente da Agência Europeia do Medicamento.

    Há também 40 casos de tromboembolismo pulmonar – o bloqueio de uma artéria dos pulmões por um coágulo – para os quais é uma incógnita a sua evolução. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Houve ainda 13 acidentes vasculares cerebrais suspeitos de estarem fortemente associados às vacinas, mas cuja evolução também se desconhece. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Casos de síndrome de Guillain-Barré – uma doença autoimune rara que afeta os nervos periféricos, causando fraqueza muscular progressiva, podendo levar à paralisia – surgem ainda 18 casos no Portal RAM com um desfecho incógnito. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Situações de paralisia de Bell – uma paralisia por vezes apenas temporária devido á inflamação ou compressão do nervo facial – contabilizam-se 27 sem se conhecer a evolução. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Até enfartes agudos do miocárdio se contam com evolução desconhecida. São oito, a que se juntam 13 casos de acidentes vasculares cerebrais (AVC) de evolução desconhecida, mais 17 casos de trombose venosa profunda de evolução desconhecida, mais 16 casos de trombocitopenia imune de evolução desconhecida, mais cinco casos de mielite e 13 de vasculite de evolução desconhecida. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Considerando a gravidade de muitos destes casos, e também a subnotificação e falta de acompanhamento, é pura especulação o Infarmed apontar ‘apenas’ a ocorrência de 141 mortes em Portugal suspeitas de estarem associadas às vacinas. Tanto mais que se desconhece o grau de causalidade apurada.

    Sede do Infarmed, onde (não) se faz farmacovigilância dos medicamentos.

    Na quantidade absurda de casos sem vigilância digna – e ignora-se a realização de estudos sérios para acompanhar inicialmente menos sérios –, o PÁGINA UM encontrou ainda 63 alterações menstruais sem conhecimento da evolução e mais 22 casos de herpes zoster – ou seja, por reactivação do vírus da varicela – também sem conhecimento da evolução. E muitos mais há nas 19.224 registos analisados. E qual a razão? – pergunta-se de novo. Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber. Agora está este responsável acumulando a liderança de um regulador que esconde informação pública relevante – porque o poder político lhe permite – com a cadeira da vice-presidência da Agência Europeia do Medicamento. Terá, por certo, mais do que fazer agora do que preocupar-se com uns milhares de portugueses que foram vítimas indirectas de um programa vacinal onde seria suposto, à moda lusitana, que tudo ficar bem, porque o que corresse mal se esconderia.

    Assim, sem qualquer plano de indemnizações, com falhas escandalosas de vigilância farmacológica e escondendo-se até a casualidade eventualmente apurada, Portugal apresta-se para enterrar a culpa solteira. Salvar-se-á a honra de política e do realpolitik – continuando a vender a ideia de um sucesso de vidas salvas –, mas, metendo a cabeça na areia, não se dignofica, por certo, nem a democracia nem a solidariedade de uma sociedade que se esperaria civilizada e responsável.


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  • Pandemia: Relatório do Congresso norte-americano aponta para fuga laboratorial e denuncia falhas na gestão

    Pandemia: Relatório do Congresso norte-americano aponta para fuga laboratorial e denuncia falhas na gestão

    Falta de debate científico, censura de informação verdadeira e más práticas. Estas foram algumas das conclusões do relatório de uma comissão oficial nos Estados Unidos que investigou durante dois anos as origens e a gestão da pandemia de covid-19 no país. O documento divulgado no dia 2 de Dezembro arrasou com a resposta à pandemia, concluindo que os confinamentos e o fecho de escolas tiveram efeitos terríveis na economia, na saúde dos norte-americanos e nas crianças. Também concluiu que a imposição do uso de máscara se baseou em estudos defeituosos e o distanciamento social careceu de evidência científica. Mas o relatório revelou ainda as más práticas e potenciais violações da lei, incluindo de responsáveis apanhados a mentir nas audições perante a comissão. Por outro lado, o documento revela que a provável origem da covid-19 foi um acidente que levou à fuga do vírus de um laboratório em Wuhan, na China. Por coincidência, nesse mesmo laboratório, uma organização norte-americana conduziu pesquisa perigosa com financiamento dos Estados Unidos.


    Para alguns, terá sido uma surpresa, mas para os que acompanharam os trabalhos e audições da Subcomissão da Câmara dos Representantes, nos Estados Unidos, encarregue de investigar as origens e a gestão da covid-19, as suas conclusões e o relatório final já eram esperados. Uma das conclusões é de que a resposta da Organização Mundial da Saúde (OMS) à pandemia de covid-19 foi um “fracasso abjecto” porque cedeu à pressão do Partido Comunista Chinês e colocou os interesses políticos da China à frente de seus deveres internacionais.

    Uma das principais conclusões desta comissão bi-partidária é que a origem provável da pandemia de covid-19 terá sido um acidente num laboratório na China, envolvendo eventualmente pesquisa perigosa de manipulação de vírus para os tornar perigosos para os humanos (‘gain-of-function’). No centro da polémica, está a organização EcoHealth Alliance Inc, liderada por Peter Daszak, que usou financiamento dos contribuintes norte-americanos, através do National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID), liderado por Anthony Fauci, para fazer pesquisa perigosa em Wuhan, na China. Para eventualmente mascarar esse facto, Fauci promoveu e contribuiu para a publicação de um artigo numa publicação científica com vista a desacreditar a tese da origem do vírus ser de uma fuga de um laboratório.

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    Entretanto, segundo o relatório, novas informações revelaram que o Departamento de Justiça iniciou uma investigação às actividades da EcoHealth durante a pandemia. Enquanto isso, a administração Biden estará a ponderar conceder um perdão antecipado para proteger Fauci de eventual investigação criminal no futuro, segundo o Politico. O relatório concluiu que o NIAID e, em geral o National Institutes of Health, falharam na supervisão do financiamento de potenciais pesquisas perigosas além de que existia na instituição a prática de fugir à obrigatoriedade legal de manter registos oficiais, além de esquemas para evitar pedidos de acesso a informação (FOIA).

    A 7 de Abril de 2020, numa conferência de imprensa,  o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, identificou o financiamento da EcoHealth para desenvolver pesquisa na China como  potencialmente problemático.

    Mas, durante os trabalhos, esta comissão apurou que, segundo e-mails escritos pelo principal assessor de Fauci, David Morens, foi criado, durante a pandemia, um esquema que envolveu a existência de um ‘canal secreto’ de comunicação de informação oficial para contornar eventuais pedidos de informação ao abrigo das leis da transparência. Segundo o relatório, o conselheiro de Fauci obstruiu deliberadamente a investigação, terá mentido ao Congresso em diversas ocasiões, excluiu ilegalmente registos federais sobre a pandemia e partilhou informações confidenciais sobre os processos de financiamento do NIH com o presidente da EcoHealth, Peter Daszak.

    Fauci numa audição perante a Subcomissão que investigou as origens e a gestão da pandemia de coronavírus nos Estados Unidos. / Foto: Captura de imagem da transmissão em vídeo da audição.

    Segundo o relatório, o Governo chinês, bem como agências do Governo norte-americano e alguns membros da comunidade científica internacional procuraram encobrir factos sobre a origem da pandemia de covid-19.

    Outra das conclusões da investigação é que a resposta à pandemia envolveu fraude, desperdício de dinheiros públicos e abusos em larga escala.

    Por outro lado, o relatório concluiu que o remédio não pode ser pior do que a doença, que foi o que sucedeu com a adopção de confinamentos demasiado vastos e rígidos que levaram a uma previsível angústia e consequências que eram evitáveis. Os confinamentos foram maus tanto para a Economia como para a saúde física e mental. No acesso a cuidados de saúde, os norte-americanos enfrentaram uma diminuição da qualidade do atendimento, tempos de espera mais longos, consultas médicas mais curtas e ausência de diagnósticos.

    Na Economia, mais de 160 mil empresas fecharam a sua actividade durante a pandemia e 60% não voltaram a abrir. As taxas de desemprego subiram para níveis não vistos desde a Grande Depressão. Medidas de mitigação, incluindo o distanciamento social, afetaram desproporcionalmente setores com baixos salários.

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    O fecho de escolas na pandemia deixará um efeito negativo profundo e duradouro nas gerações mais novas. O relatório da Subcomissão realçou que a Ciência nunca justificou o encerramento prolongado das escolas, já que era improvável que as crianças contribuíssem para a propagação da doença ou sofressem doença grave ou morte. Em vez disso, em resultado do fecho das escolas, as crianças sofreram perda de aprendizagem, maiores taxas de sofrimento psicológico e diminuição do bem-estar físico. O documento citou pontuações de testes padronizados que mostraram que as crianças perderam décadas de progresso académico em resultado do fecho de escolas. As preocupações com a saúde mental e física dispararam, realçando o relatória a subida em 51% das tentativas de suicídio por parte de raparigas dos 12 aos 17 anos.

    O relatório concluiu, igualmente, que o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) se baseou em estudos defeituosos para justificar a obrigatoriedade do uso de máscara facial. Além disso, a imposição de máscaras a crianças fez mais mal do que bem. Segundo o documento, não existiam evidências científicas conclusivas de que as máscaras protegessem efetivamente os norte-americanos da covid-19. As autoridades de saúde pública tiveram uma postura contraditória sobre a eficácia das máscaras, no início e durante a pandemia, sem fornecer dados científicos, o que provocou um aumento na desconfiança do público.

    O relatório alerta que a Constituição norte-americana não pode ser suspensa em tempos de crise e que as restrições impostas às liberdades fundamentais causam desconfiança e minam até a saúde pública. E é particularmente crítica à acção da Casa Branca, que acusava de ter praticado uma política de censura, incluindo de informação verdadeira. Ao invés, o relatório adianta que altos responsáveis da Administração Biden, como Anthony Fauci, espalharam desinformação sobre diversos temas, das máscaras à eficácia das vacinas contra a covid-19, não permitido o debate científico e usando mesmo tácticas para descredibilizar académicos e cientistas com visões diferentes das da Casa Branca.

    Segundo o relatório, as autoridades de saúde pública muitas vezes espalharam desinformação através de mensagens contraditórias, reações precipitadas e falta de transparência. Nos exemplos mais flagrantes de campanhas generalizadas de desinformação, o uso de drogas sem prescrição médica e a tese de a origem da pandemia ter sido um laboratório foram injustamente demonizados pela Casa Branca. A Administração Biden empregou métodos antidemocráticos e provavelmente inconstitucionais – incluindo pressionar as plataformas de redes sociais a censurar certos conteúdos sobre covid-19 – para combater o que considerou ser ‘desinformação’.

    No caso específico da gestão da pandemia em Nova Iorque, a comissão apurou que o ex-governador Andrew Cuomo participou na implementação de más-práticas médicas e encobriu publicamente o número total de mortes em lares de idosos daquele Estado. Recorde-se que foi ordenado o envio de pacientes com covid-19 para os lares em Nova Iorque. Segundo o relatório, as evidências sugerem que Cuomo consciente e deliberadamente fez declarações falsas à Subcomissão em várias ocasiões sobre aspectos materiais do desastre do lar de idosos e o encobrimento subsequente. A Subcomissão encaminhou, aliás, uma participação para o Departamento de Justiça com o objectivo de processar Cuomo criminalmente.

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    Por outro lado, segundo apuraram as audições que antecederam a conclusão do relatório, as vacinas contra a covid-19 devem ser “classificadas como terapêuticas [e não preventivas], visto que não impedem o contágio nem a transmissão do vírus”, mesmo assumindo que salvaram milhões de vidas ao reduzir a incidência de doença grave e morte.

    Em todo o caso, o Food and Drug Administration (FDA) terá apressado a aprovação das vacinas contra a covid-19 para cumprir o cronograma a Administração Biden, mesmo após dois cientistas de relevo deste oprganismo regulador terem alertado para os perigos de se apressar o processo face aos riscos de efeitos adversos. Ambos foram ignorados e, dias depois, a Casa Branca concedeu a licença à vacina. A imposição do programa de vacinação, diz ainda o Subcomité, não foi apoiada pela Ciência e causou mais danos do que benefícios. A Administração Biden, defende o relaório, coagiu os norte-americanos saudáveis a cumprirem os mandatos de vacinação, atropelando-se as liberdades individuais e desrespeitando a liberdade médica. Tudo para forçar milhões a tomar uma nova vacina sem provas suficientes para apoiar as decisões políticas.

    Pelo caminho, as autoridades de saúde pública envolveram-se num esforço coordenado para ignorar a imunidade natural – que é adquirida através de infeções anteriores por covid-19 – ao desenvolver orientações e imposição de vacinas. Nessa linha, o relatório conclui que, apesar de não ter fundamento científico, a imposição dos passaportes de vacina transformaram-se numa espécie de confinamento para os norte-americanos não vacinados contra a covid-19.

    Por outro lado, o relatório conclui que os sistemas de notificação de reacções adversas às vacinas falharam, durante a pandemia, em informar adequadamente o público sobre as lesões causadas e deterioraram a confiança do público na segurança neste tipo de fármacos. Nessa linha, o relatório acusa as autoridades de não agirem de forma eficiente, justa e transparente perante as reivindicações dos lesados das vacinas contra a covid-19.

    white and green ballpoint pen on brown wooden round table

    Alguns dias após a divulgação do relatório final da Subcomissão, um juiz federal do Texas ordenou que FDA a divulgasse publicamente mais informações sobre a justificação que levou à autorização das vacinas contra a covid-19. Numa deliberação da sexta-feira da passada semana, dia 6 de Dezembro, o juíz Mark Pittman ordenou que a FDA disponibilizasse a um grupo de cientistas independentes o seu arquivo de documentos sobre a “autorização de uso de emergência” concedida à vacina Pfizer-BioNTech.


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  • Mortes de bebés em 2024 atingem o valor mais elevado dos últimos cinco anos

    Mortes de bebés em 2024 atingem o valor mais elevado dos últimos cinco anos

    Apesar de uma meteorologia favorável e de um programa massivo de imunização contra o vírus sincicial respiratório (VSR), o mês de Novembro confirmou uma tendência de crescimento dos óbitos de crianças com menos de um ano de idade em Portugal. O PÁGINA UM analisou os dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), contabilizando já 240 mortes de bebés entre Janeiro e Novembro deste ano, superando assim os números registados em todos os meses de 2020, 2021, 2022 e 2023. Os valores deste ano, que previsivelmente se aproximarão dos 260 óbitos, ainda não são alarmantes à escala mundial, mas depois de vários anos com taxa de mortalidade abaixo dos três óbitos por mil nascimentos, observa-se uma inversão, e Portugal deverá superar de novo aquela fasquia em 2024.


    Ainda decorre 2024, mas já há uma infeliz garantia: este será o pior ano do último quinquénio em termos de mortalidade infantil. De acordo com a análise do PÁGINA UM aos dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), entre Janeiro e Novembro deste ano já perderam a vida 240 bebés com menos de um ano, sendo expectável que seja ultrapassa com o corrente mês de Dezembro a fasquia das 250 mortes, algo que não sucedia desde 2019, quando então perderam a vida 264 recém-nascidos que não completaram os 365 dias.

    Apesar deste valor não ser anormalmente elevado à escalda mundial – pelo contrário, Portugal continuará a ser um dos países mundiais com mais baixa taxa de mortalidade infantil, pouco acima dos dois óbitos por mil nascimentos –, os números de 2024 quebram claramente uma tendência, que ‘puxava’ as mortes de bebés para baixo das 200. No ano de 2020, os óbitos de bebés tinham atingido os 214, então o valor histórico mais reduzido.

    baby crawling on bed

    No ano seguinte ainda baixou mais para um valor inédito (195) abaixo dos 200. Contudo, estes foram anos anormalmente baixos em termos de nascimentos, por via do menor número de gravidezes concluídos como consequência da incerteza criada pela gestão da pandemia. Em 2022, o valor aumentaria para os 233, reduzindo para 219 no ano passado.

    Apesar do número de óbitos mais elevado do que nos quatro anos anteriores, o ano de 2024 não apresenta nenhum mês claramente atípico, ou seja, com uma mortalidade acima dos 30 para os menores de um ano, apesar do se ter aproximado dessa fasquia em Março (27) e em Novembro (26). Recorde-se que a partir de 15 de Outubro começou um programa de imunização massiva contra o vírus sincicial respiratório (VSR). A mortalidade causada por este vírus sempre foi residual ou mesmo nula em Portugal. Aliás, o PÁGINA UM já perguntou várias vezes, sempre sem resposta, ao Ministério da Saúde o número de óbitos causados por VSR, mas sempre sem resposta. Contudo, se o valor não é de zero, estará próximo.

    Com a melhoria das condições de vida, de acompanhamento médicos e de terapêuticas, a mortalidade infantil tem-se mantido relativamente estável, embora o valor de 2024 possa marcar uma inversão. Na última década, os meses de Verão (Junho, Julho e Agosto) tendiam a apresentar valores ligeiramente mais baixos de mortalidade infantil na maioria dos anos, observando-se aumentos moderados, em alguns anos, no Outono, especialmente em Outubro e Novembro.

    Evolução da mortalidade por ano entre 2014 e 2024 (até Novembro). Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
    Evolução da mortalidade infantil por mês entre Janeiro de 2014 e Novembro de 2024. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Apesar deste aumento da mortalidade infantil em 2024, este tem sido um indicador de saúde que, além da questão humanitária, revela uma extraordinária evolução civilizacional. Há um século, um em cada quatro bebés não chegava em Portugal ao final de um ano de vida e a esmagadora maioria morria mesmo com menos de dois meses de idade. Uma época não assim tão longínqua em que o natural era os pais enterrarem os filhos.

    Há pouco mais meio século, o Estado Novo deixou uma situação um pouco melhor, mas ainda na cauda da Europa, com cinco em cada 100 recém-nascidos a falecerem antes dos 12 meses. A partir daí, as evoluções tecnológicas, as artes da Medicina e o desenvolvimento económico têm alcançado sucessos dignos, neste caso, de Primeiro Mundo. Ainda mais quando a margem de melhoria é agora bastante estreita face aos valores já muitíssimo baixos.

    O ano de 2023, como o PÁGINA UM salientou em Maio passado, ainda trouxe motivos de festejo. De acordo com dados revelados pelo Instituto Nacional de Estatística, a mortalidade infantil no sexo feminino – que sempre foi mais baixa do que a registada em meninos – foi de apenas 2,07 por cada mil crianças nascidas, o valor mais baixo de sempre. Este dado representou então uma descida ligeira face aos 2,43 em cada mil registados em 2022.

    a baby laying on top of a bed next to an adult

    No caso das crianças do sexo masculino, a taxa de mortalidade infantil situou-se no ano de 2023 em 2,81, um ligeiro agravamento face aos 2,80 registados no ano anterior. O valor mais baixo de mortalidade infantil masculina observou-se em 2020 com 2,49 óbitos em cada mil. Apesar da situação favorável nas meninas, a taxa de mortalidade infantil global fixou-se em 2,45, ligeiramente acima do mínimo histórico de 2,43 observado em 2021.

    Sendo expectável uma ligeira redução no número de nascimentos em 2024 – deverá ficar pouco acima dos 84 mil, contratando com os 85.764 do ano passado –, a taxa de mortalidade infantil em redor dos três óbitos por mil nascimentos, o que a confirmar-se será o valor mais elevado desde 2018.


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  • Norte-americanos engolem mais aditivos tóxicos do que os europeus

    Norte-americanos engolem mais aditivos tóxicos do que os europeus

    Comida de ‘plástico’ é uma expressão para ser levada à letra no que toca a alimentos que contêm aditivos sintéticos nefastos. E mais ainda nos Estados Unidos, onde a Food and Drug Administration (FDA) tem sido mais permissiva do que a congénere europeia, a European Safety Food Authority (EFSA), autorizando ainda o uso de aditivos já proibidos ou restritos nos países da União Europeia. O tema do uso excessivo de aditivos, incluindo alguns cancerígenos, na alimentação saltou para a ‘mesa’ com a campanha eleitoral às presidenciais nos Estados Unidos, pela ‘mão’ de Robert F. Kennedy Jr, que há muito defende políticas regulatórias mais fortes e mais protectoras da saúde dos norte-americanos, tanto na alimentação como na Medicina, exigindo mais estudos científicos independentes.


    Pela boca morre o peixe, já diz o ditado. No caso dos alimentos processados, a doença ou a morte do ‘peixe’ vai depender se ele vive em águas europeias ou norte-americanas. É que a “Ciência” parece dizer coisas diferentes aos reguladores de em ambos os lados do Atlântico, no que toca a autorização que é dada para que determinados aditivos possam ser usados em alimentos comuns, como cereais de pequeno-almoço, doces e refrigerantes. Alguns aditivos autorizados na indústria alimentar nos Estados Unidos são proibidos na União Europeia.

    Há aditivos controversos para todos os gostos: dos corantes artificiais, ao aspartame, gordura transgénica, xarope de milho rico em frutose, benzoato de sódio, nitrato de sódio e o glutamato monossódico (o sal sódico do ácido glutâmico, ou MSG).

    supermarket, fridge, produce
    Foto: D.R.

    Este tema tem estado, de novo, no centro das atenções devido a Robert F. Kennedy Jr, um defensor da transparência regulatória nos alimentos e medicamentos, e que desistiu da candidatura na corrida à Casa Branca a favor de Donald Trump, que acabou por ser eleito. Trump retribuiu, entregando a ‘pasta’ da Saúde nas mãos do sobrinho de John F. Kennedy, antigo presidente dos Estados Unidos assassinado em 1963. Difamado pela imprensa mainstream, que o acusa de ser ‘anti-vacinas’, Kennedy defende que haja um procedimento mais rigoroso na testagem de vacinas e também é a favor da proibição nos Estados Unidos de certos aditivos alimentares, que foram banidos em outros países, nomeadamente pelos danos que podem causar em crianças, designadamente problemas de hiperactividade e défice de atenção e asma.

    Nos Estados Unidos, o regulador, a Food and Drug Administration (FDA), opta por uma filosofia diferente da União Europeia (UE), onde prevalece a precaução e uma política regulatória mais restritiva, com a condução de testes, embora não sendo uma regulação perfeita, como se vê pelos controversos aditivos que ainda são permitidos no espaço europeu. Por outro lado, é sabido que na terra do tio Sam, as pressões dos lobbies de multinacionais da indústria alimentar têm mais peso, ou não fossem também financiadores de partidos e candidatos nas diversas eleições.

    São diversos os aditivos suspeitos de serem nocivos para a saúde que são permitidos nos Estados Unidos mas não autorizados na Europa e outros países. É o caso da azodicarbonamida (ADA), que está ligada a problemas do foro respiratório e se suspeita que possa provocar cancro. O químico é muito usado na produção de plásticos espumados, designadamente colchões para a prática de yoga. Nos Estados Unidos, ainda é utilizado na indústria de panificação e em massas, sendo adicionado às farinhas como agente oxidante e no pão aumenta a elasticidade da massa, conferindo-lhe assim um maior rendimento.

    Os cereais de pequeno-almoço Froot Loops, da Kellogs, contêm colorantes naturais na Europa e quatro colorantes artificiais nos Estados Unidos. Os cereais de cor azul não se encontram em alguns países, por não existir colorante natural para o efeito. / Foto: D.R.

    Outro caso é o do óleo vegetal bromado (BVO), um emulsionante e estabilizador em refrigerantes com um sabor cítrico, que foi proibido na União Europeia por receios sobre a acumulação de bromo no corpo humano e eventuais efeitos tóxicos. Nos Estados Unidos, a FDA propôs o fim do uso do químico no país, embora ainda se encontre em alguns alimentos processados.

    Na alimentação animal, na EU foi banido o uso de ractopamina, uma hormona de crescimento, devido a preocupações pelo bem-estar animal e possíveis efeitos nefastos na saúde humana. Nos Estados Unidos, o uso desta hormona de crescimento é permitido e não é exigido que seja incluída uma referência nas etiquetas dos produtos que chegam aos consumidores.

    Alguns corantes artificiais usados em bebidas, doces, snacks e outros tipos de alimentos processados têm de incluir avisos nas etiquetas em países da União Europeia, nomeadamente por poderem causar défice de atenção e hiperactividade em crianças. Os corantes alimentares sintéticos são mais baratos do que os corantes naturais. Nos Estados Unidos, é comum encontrarem-se alimentos processados nas prateleiras dos supermercados, nomeadamente cereais de pequeno-almoço, refrigerantes e doces contendo corantes artificiais. O mesmo acontece em produtos vendidos em populares cadeias de ‘fast food’. Já nos países europeus e no Canadá, os mesmos produtos são produzidos com corantes naturais.

    Outro exemplo, são os conservantes BHA e BHT, usados como intensificadores de sabor. São comuns em salsichas, pastilhas elásticas, batatas fritas, óleos vegetais e cosméticos. Na Europa, são autorizados em alguns casos, como nos cosméticos e elixires orais, mas há suspeitas de serem cancerígenos. Nos Estados Unidos, são autorizados e fazem parte de muitos bens alimentares processados presentes diariamente nas mesas dos norte-americanos. Estão presentes em populares cereais de pequeno-almoço, pizzas congeladas, preparados para fazer bolos e batatas fritas.

    Foto: D.R.

    O dióxido de titânio também se encontra proibido na Europa. Nos Estados Unidos continua a ser usado em pastilhas elásticas, doces, queijos, molhos, doces, bebidas alcoólicas e diversos alimentos processados.

    Já a somatotropina bovina, uma hormona sintética para aumentar a produção de leite nas vacas, encontra-se em produtos como iogurtes, manteigas, queijos e gelados. Na Europa, não é permitida e, nos Estados Unidos, algumas grandes marcas excluíram leite proveniente de vacas tratadas com a hormona dos seus produtos.

    Quanto ao uso de nitritos e nitratos, a Comissão Europeia reduziu, em 2023, os limites para uso de nitritos e nitratos como aditivos alimentares, normalmente usados na conservação de produtos cárneos curados, no âmbito do Plano Europeu de Luta contra o Cancro. Em causa está o uso do nitrito de potássio (E 249), do nitrito de sódio (E 250), do nitrato de sódio (E 251) e do nitrato de potássio (E 252). Trata-se de substâncias que são utilizadas há décadas na Europa como conservantes carne, peixe e produtos à base de queijo. Mas a presença de nitritos e nitratos nos géneros alimentícios pode dar origem à formação de nitrosaminas, algumas das quais são cancerígenas. Nos Estados Unidos, há uma maior pressão para a manutenção do uso das substâncias.

    Outro exemplo, é o caso do propilparabeno, um conservante usado para controlar o crescimento de fungos, bactérias e bolores, foi banido dos produtos alimentares na União Europeia, após uma recomendação da EFSA, mas é usado no outro lado do Atlântico.

    Por fim, a UE impõe restrições ou proíbe organismos geneticamente modificados (OGM) devido a preocupações ambientais e de saúde, enquanto nos EUA se autoriza o uso generalizado de OGM na agricultura.

    black and red cherries on white bowl

    A maior abertura dos Estados Unidos quanto ao uso de aditivos alimentares pode explicar, em parte, a epidemia de obesidade no país, que gera ‘memes’ na Internet e faz já parte da imagem que outros países têm dos norte-americanos. Afinal, a ‘terra das oportunidades’ é também um ícone da sociedade capitalista e da busca do lucro. Tornar a América saudável de novo (‘Make America Healthy Again-MAHA’), o ‘slogan’ de Robert F. Kennedy Jr., pode ser alvo de troça pela imprensa convencional e pelos adversários políticos de um dos homens-chave na nova administração Trump. Ou pode dar-se o caso de a Europa estar errada e precisa de autorizar mais aditivos suspeitos de serem cancerígenos à alimentação dos europeus.

    Seja na Europa ou nos Estados, o certo é que quando o lucro, e o uso de aditivos sintéticos que são mais baratos, se sobrepõem aos interesses de saúde e bem-estar dos consumidores, não é só um problema político e de regulação. É de todos.


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