Ontem, dia 21 de Março, no Portal Base foram divulgados 944 contratos públicos, com preços entre os 6,00 euros – para fornecimento de bens alimentares, pelo Agrupamento de Escolas de Couto Mineiro do Pejão, através de consulta prévia – e os 2.784.100,48 euros – para aquisição de soluções de diálise peritoneal, pela Unidade Local de Saúde de Santa Maria, através de ajuste directo.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 18 contratos, dos quais nove por concurso público, quatro ao abrigo de acordo-quadro, um por consulta prévia e quatro por ajuste-directo.
Dois dias depois da primeira notícia do PÁGINA UM, a Câmara Municipal de Portimão, liderada pela socialista Isilda Gomes, apagou o registo original do Portal Base sobre o ajuste directo para programação das comemorações do centenário da cidade, e criou um novo, acrescentando-lhe o caderno de encargos. Com isto, fez-se mais luz sobre a polémica e irregular escolha do italiano Giacomo Scalisi para programar as comemorações dos 100 anos da cidade algarvia: além da ausência de fundamentação adequada para evitar um concurso público, o caderno de encargos para um contrato de 910 mil euros é um chorrilho de banalidades que nem sequer defende o município em caso de incumprimento. E muito menos consegue justificar a razão de Giacomo Scalisi (com a sua cooperativa) ser a única pessoa (entidade) capaz de programar e gerir as festividades. Além disso, o caderno de encargos tem uma cláusula de confidencialidade e sigilo, o que contaria a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, e o director artístico trabalhou pelo menos dois meses sem qualquer suporte legal.
São apenas catorze as linhas com palavras a sustentar um ajuste directo de 910 mil euros. Ontem, o município de Portimão decidiu colocar no Portal Base o caderno de encargos que acompanha (e integra) o contrato celebrado pela presidente da autarquia, a socialista Isilda Gomes, e o director artístico da cooperativa Lavrar o Mar, o encenador italiano Giacomo Scalisi, para a aquisição de serviços de criação e execução de um denominado “projecto artístico” que consiste na programação e pagamento de eventos comemorativos dos 100 anos daquela cidade algarvia.
Conforme o PÁGINA UM revelou na passada segunda-feira, para programar eventos culturais do primeiro centenário da cidade de Portimão, a autarquia local contratou a cooperativa algarvia Lavrar o Mar, presidida pelo encenador italiano Giacomo Scalisi, por um valor de 740 mil euros, que ascende a 910 mil euros com IVA incluído. O contrato celebrado no final de Fevereiro, e divulgado no início da semana passada, invocava um falso argumento previsto pelo Código dos Contratos Públicos, para um ajuste directo desta natureza, porque equipara a programação e gestão de 38 eventos culturais e festivos – que se iniciaram no passado mês, e se prolongam até ao final do presente ano – à aquisição (compra) de obra de arte, contratação de um artista ou de um espectáculo.
Um cumprimento sorridente entre Isilda Gomes e Giacomo Scalisi a selar um ajuste directo de 910 mil euros de dinheiros públicos inundados de irregularidades.
O registo inicialmente inserido no Portal Base (com o número de identificação 10605060) foi integralmente apagado pela autarquia de Portimão – porventura, numa tentativa de negar a veracidade de alguns aspectos da primeira notícia do PÁGINA UM sobre este assunto – e, em sua subsituição, criou ontem um novo registo nesta plataforma oficial dos contratos público (com o número de identificação 10626097) onde acrescentou algumas peças procedimentais antes não divulgadas, designadamente a carta convite e o caderno de encargos.
Este último documento, apesar de possuir 14 páginas, ‘gastas’ com generalidades e cláusulas habituais que acabam repetidas no contrato, somente dedica 14 linhas às especificações técnicas. Por norma, seria de esperar num caderno de encargos para um contrato de programação cultural que nas especificações técnicas estivesse listados e discriminados os eventos ou tipologias de eventos a ser obrigatoriamente executados, até pelo simples facto de assim se justificar o valor do contrato e, em certa medida, poder avaliar-se à posteriori se o adjudicatário cumpriu integral ou apenas parcialmente o contrato.
Porém, as singelas 14 linhas das especificações técnicas, que fazem parte da cláusula 14º do caderno de encargos com 14 páginas, diz apenas que a autarquia pretende a “concepção e operacionalização do projecto artístico de comemorações do centenário da Cidade de Portimão”, acrescentando que “a entidade a contratar [sabendo a autarquia que seria a Lavrar o Mar] deverá, em coerência com o projecto artístico para as Comemorações, a apresentar até Novembro de 2023 e após a aprovação do mesmo pelo Executivo, planear as tarefas necessárias à operacionalização do programa, designadamente coordenando a sua pré-produção e produção, assegurando a contratação dos espectáculos programados e a assistência técnico-artísticas aos mesmos, realizando o acompanhamento das companhias e artistas e promovendo a sua interação com os públicos”.
Isilda Gomes lidera a autarquia de Portimão há 10 anos.
E terminam, as ditas especificações técnicas, referindo que “as tarefas atrás indicadas serão acompanhadas pelo Município através de reuniões regulares com o Director artístico do Projecto e com outros colaboradores e da elaboração e apresentação de relatórios e memorandos escritos”, assumindo que “todos os encargos inerentes à execução do projecto que venha a ser aprovado serão da responsabilidade da entidade a contratar”.
Além de se assumir, neste aspecto, que o ajuste directo que se pretende sustentar numa criação artística foi, na verdade, a contratação de um programador, sob a denominação de “Director artístico do Projecto”, nada nas curtas e vagas especificações técnicas do caderno de encargos se pode encontrar uma razão para a escolha da autarquia de Portimão, com dinheiros públicos, pelo programador Giacomo Scalisi.
Recorde-se que o município de Portimão defendeu, na passada segunda-feira, que a escolha da Lavrar do Mar teve como pressupostos “o desenho e operacionalização de um programa de comemorações [que] exige que o mesmo seja acompanhado artisticamente por uma entidade de reconhecida competência no domínio da programação artística, visando assegurar a articulação entre os vários setores da produção e o acompanhamento de públicos em coerência com o programa artístico a conceber”, e também a necessidade de que a entidade escolhida possuísse “um conhecimento profundo não só de programação, mas também das companhias e artistas que possam vir a integrar o programa das Comemorações do centenário da Cidade de forma a potenciarem as interações artísticas e formativas entre os artistas e os públicos”.
As especificações técnicas de um ajuste directo de 910 mil euros ocupa 14 linhas cheias de nada.
E a mesma fonte oficial da autarquia liderada por Isilda Gomes salientou então ao PÁGINA UM que Giacomo Scalisi e a Lavrar o Mar seria a única entidade capaz para “colaborar, com valor acrescentado, face a outras eventuais opções [por exemplo, concurso público para se procurar alternativas de programação] , na conceção e operacionalização do projecto artístico de comemorações declinando-o através de um planeamento adequado num conjunto de tarefas de conceção, pré-produção e produção que lhe caberá, depois, coordenar”, será a entidade Lavrar o Mar”. Ou seja, para o município socialista o “serviço pretendido apenas pode ser confiado” à Lavrar o Mar, o que se mostra duvidoso face às especificidades técnicas do caderno de encargos.
De acordo com o programa já disponível pela Câmara Municipal de Portimão, apenas dois dos espectáculos do centenário da cidade serão produzidos pela Lavrar o Mar: o primeiro, em Outubro, é do próprio Scalisi; e o outro será um espectáculo que combina dança e música da autoria da bailarina e coreógrafa Madalena Victorino, co-diectora artística da cooperativa. Dos restantes eventos, que decorrem entre Fevereiro e Dezembro de 2024, encontram-se concertos, espectáculos circenses, exposições e outros eventos com a produção executiva ou organização por outras entidades, que foram programados pela cooperativa a partir do ajuste directo.
Uma outra evidente irregularidade deste contrato por ajuste directo está no facto de Giacomo Scalisi e a sua cooperativa – cujas contas não são públicas, ao contrário do que sucede com empresas – terem começado a trabalhar para a autarquia de Portimão, e a dar a cara publicamente pela programação do centenário da cidade, muito antes da assinatura do contrato de 910 mil euros, algo que o Código dos Contratos Públicos não permite. Com efeito, no passado 12 de Dezembro, dia da Cidade de Portimão, foi já Giacomo Scalisi o cicerone da apresentação do esboço da programação, prometendo então que haveria uma “forte presença de espectáculos de novo circo, de teatro, de música, de dança, das artes plásticas”, cuja intenção seria “construir uma ocupação progressiva da cidade de Portimão”.
Ora, uma das cláusulas do contrato refere que este somente “produz efeito a partir da data de aposição da última assinatura”, terminando no final do presente ano. Tanto Isilda Gomes como Giacomo Scalisi assinaram o contrato na tarde do dia 26 de Fevereiro, ou seja, o director da Lavrar o Mar esteve mais de dois meses a trabalhar para a autarquia sem qualquer suporte legal.
Saliente-se também que o caderno de encargos possui uma cláusula de sigilo e confidencialidade “sobre todos os assuntos previstos no objecto da contratação”. E acrescenta mesmo que as duas partes (autarquia e Lavrar o Mar) devem “tratar, como confidenciais, todos os documentos a que tenham acesso no âmbito do seu desenvolvimento, abrangendo essa obrigação os seus agentes, funcionários, colaboradores ou terceiros que se encontrem envolvidos na prestação de serviços ou no procedimento ao qual o mesmo deu origem”. Essa cláusula contraria, obviamente, a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
[Nota 17:08 de 21/03/2024: por lapso, no cálculo do valor global do contrato, considerou-se o IVA de 23%; na verdade, nos Açores o IVA dos serviços é de 16%, pelo que, sendo o contrato sem IVA de 1.470.714 euros, o valor global foi de 1.7096.028,24 euros, ou seja, cerca de 1,7 milhões de euros, e não cerca de 1,8 milhões de euros (que seria com IVA a 23%. O mesmo sucede com o valor do contrato de 2017. Alteraram-se os valores no corpo do texto, que não têm relevância significativa, mas manteve-se o título por uma questão de ‘integridade’ da notícia]
A subsidiária do Grupo STA que gere as pistas do arquipélago dos Açores escondeu, durante mais de três anos, a divulgação de um ajuste directo de 1,7 milhões de euros para serviços de segurança dos aeródromos das ilhas do Pico, São Jorge, Graciosa e Corvo. Os serviços englobavam segurança privada no âmbito aeroportuário, para os postos de controlo, de acessos de pessoas, de viaturas, de bagagens, de carga e correio e de artigos transportados, com vista à proteção de pessoas e bens, assim como à prevenção da prática de atos ilícitos contra a aviação civil.
De acordo com o Portal Base, a SATA – Gestão de Aeroportos somente ontem, dia 19 de Março, inseriu o registo do contrato com a empresa açoriana Provise que foi celebrado em 1 de Fevereiro de 2021 – ou seja, há mais de 37 meses. Como o ajuste directo tinha a duração de 36 meses, significa que a empresa pública somente divulgou o contrato um mês depois daquele ter terminado. O Código dos Contratos Público estipula que as entidades públicas adjudicantes têm a obrigação de inserir a informação dos contratos por ajuste directo no prazo máximo de 20 dias úteis.
Além deste atraso, e porque a administração do Grupo SATA não respondeu aos pedidos de esclarecimento do PÁGINA UM, ignora-se as razões para ter sido a Provise a escolhida para os serviços de segurança, uma vez que tal ocorreu após todas as candidaturas apresentadas num concurso público lançado no início de 2020 terem sido excluídas, conforme consta na fundamentação do ajuste directo de 2021.
Saliente-se que a Provise – que também terá sido excluída do concurso público em 2020 – foi a empresa contratada por concurso público em 2017 – divulgado, neste caso, e curiosamente, apenas três dias depois da assinatura do contrato – por um prazo também de três anos, mas por um valor substancialmente mais baixo: cerca de 1,01 milhões de euros, com IVA incluído. Ou seja, o ajuste directo teve um custo de 68% superior ao do contrato de 2017, que terminou no início de 2020.
A SATA – Gestão de Aeródromos, é uma das três subsidiárias do Grupo SATA, sendo, tal como a holding, fortemente deficitária. Em 2022 registou um prejuízo de 511 mil euros, por uma razão de ‘mercearia’: os serviços prestados nos aeroportos e aeródromos açorianos renderam uma receita de um pouco menos de 3,5 milhões de euros, mas para tal gastou-se quase 1,2 milhões de euros e mais 3,2 milhões de euros em fornecimentos e serviços externos. No ano anterior, o prejuízo foi de apenas 10.494 euros, mas por via de um subsídio à exploração de 547.117 euros do Governo Regional, que não se repetiu em 2022.
A situação do Grupo SATA, porém, é muito pior em termos de resultados consolidados. Em 2021 e 2022 registaram um prejuízo acumulado de quase 95 milhões de euros, mas mesmo assim ‘maquilhados’ com subsídios à exploração próximos de 89,6 milhões de euros, uma parte por via do contrato de serviço público (para compensar a Tarifa Açores, que beneficia os passageiros com residência fiscal nos Açores), que só em 2022 atingiu os 28 milhões de euros, e outra grande parte por via do contrato de concessão com o Governo Regional dos Açores. Em suma, sem ajudas estatais, a transportadora aérea dos Açores apresentaria um prejuízo, em apenas dois anos, de quase 185 milhões de euros. Nesse ‘oceano’ de prejuízos, um estranho ajuste directo de 1,8 milhões esquecido durante três anos é, na verdade, uma ‘gota de água’.
O contrato celebrado pela SATA e a Provise integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados no dia 19 de Março de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
PAV
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 20 contratos, dos quais 12 por concurso público, quatro ao abrigo de acordo-quadro, um por consulta prévia e três por ajuste-directo.
Ontem, dia 20 de Março, no Portal Base foram divulgados 1018 contratos públicos, com preços entre os 16,90 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, através de ajuste directo – e os 2.288.243,13 euros – para aquisição de seguro de acidentes de trabalho, pelo Hospital de Braga, através de concurso público.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 18 contratos, dos quais 10 por concurso público, dois ao abrigo de acordo-quadro e seis por ajuste-directo.
A socialista Isilda Gomes quis, o município sonhou e as comemorações do centenário da cidade de Portimão estão a avançar com um custo de 910 mil euros. Tudo sem concurso público, e atropelando as mais elementares normas de transparência e de livre concorrência no criativo e competitivo mundo cultural. Alegando ser a única entidade capaz de executar a programação para os 100 anos da cidade, a autarquia de Portimão celebrou um contrato por ajuste directo com a cooperativa algarvia Lavrar o Mar, fundada e liderada pelo italiano Giacomo Scalisi, e para contornar a abertura de um concurso público invocou uma norma de excepção do Código dos Contratos Públicos apenas usada para a compra de uma obra de arte ou a aquisição de um simples espectáculo. Além disso, a edilidade acaba por confessar que Giacomo Scalisi já está a prestar serviços desde Outubro do ano passado, embora o contrato só tenha sido celebrado quatro meses depois.
Um chorudo ajuste directo, sem concorrência, de mão-beijada. Para programar eventos culturais do primeiro centenário da cidade de Portimão, a autarquia local contratou a cooperativa algarvia Lavrar o Mar, presidida pelo encenador italiano Giacomo Scalisi, por um valor de 740 mil euros, que ascende a 910 mil euros com IVA incluído. O contrato celebrado no final de Fevereiro, e divulgado no início da semana passada, invoca um falso argumento previsto pelo Código dos Contratos Públicos, para um ajuste directo desta natureza, porque equipara a programação e gestão de 38 eventos culturais e festivos – que se iniciaram no passado mês, e se prolongam até ao final do presente ano – à aquisição (compra) de obra de arte, contratação de um artista ou de um espectáculo.
De acordo com o registo inserido no Portal Base – que omite a proposta da Lavrar o Mar, apesar de se salientar “fazer parte integrante deste contrato” –, a decisão de contratar por ajuste directo a cooperativa sediada em Aljezur, e criada em 2014 por Giacomo Scalisi e Madalena Victorino, ocorreu em 6 de Dezembro do ano passado, invocando-se critérios materiais para contornar a abertura de um concurso público, ademais tendo em conta o elevado montante em causa.
A socialista Isilda Gomes é presidente da Câmara Municipal de Portimão desde 2013. (Foto: D.R./PS)
O uso de ajustes directos para a “criação ou aquisição de uma obra de arte ou de um espetáculo artístico” costuma ser uma prática banal e legal, embora discutível, mas aquilo que, no caso do centenário da cidade de Portimão, está em causa não é a mera aquisição de espectáculos ou a contratação de artistas, mas sim a “criação e execução de projecto artístico” com a duração de 397 dias.
De acordo com o programa já disponível, apenas dois dos espectáculos são produzidos pela Lavrar o Mar: o primeiro, em Outubro, é de Scalisi; e o outro será um espectáculo que combina dança e música da autoria da bailarina e coreógrafa Madalena Victorino, co-diectora artística da cooperativa. Dos restantes eventos, que decorrem entre Fevereiro e Dezembro de 2024, encontram-se concertos, espectáculos circenses, exposições e outros eventos com a produção executiva ou organização por outras entidades, que foram programados pela cooperativa a partir do ajuste directo.
Em respostas a questões colocadas pelo PÁGINA UM, o município liderado por Isilda Gomes, que dirige a autarquia há mais de uma década, limitou-se basicamente a reafirmar a fundamentação invocada no contrato bem como o objecto do concurso: “o desenho e operacionalização de um programa de comemorações” do centenário da cidade.
Na verdade, ninguém parece esconder que a função da Lavrar o Mar nos eventos associados às comemorações é a de programação. Ainda hoje, o diariOnline Região Sul, anunciava “o primeiro espetáculo da programação artística criada e apresentada pela Lavrar o Mar Cooperativa Cultural para assinalar esta importante efeméride [centenário da cidade], com diversos momentos a decorrer até ao final do ano, numa parceria estabelecida com o Município de Portimão”. O espectáculo nada tem a ver com a cooperativa, uma vez que tem “a produção executiva da Unnica Arts”, conforme revela o jornal algarvio. E, obviamente, não se trata de uma parceria, mas sim de uma prestação de serviços.
Madalena Victorino e Giacomo Scalisi, da cooperativa Lavrar o Mar. (Foto: Captura de imagem a partir de entrevista no YouTube)
O próprio município não esconde ao PÁGINA UM que a Lavrar o Mar tem funções de programador e de gestor, e que tudo foi antecipadamente negociado com o director artístico Giacomo Scalisi, o que imediatamente deveria retirar a possibilidade de se invocar o ajuste directo por critério material para justificar um ajuste directo de 910 mil euros.
Segundo a autarquia de Portimão, “todos os encargos inerentes à execução do projecto que venha a ser aprovado serão da responsabilidade da entidade a contratar”, sendo acompanhadas pelo município através de reuniões regulares com o diretor artístico da Lavrar o Mar, e pela “apresentação de relatórios e memorandos escritos”. Ou seja, uma mera prestação de serviços que dificilmente se enquadra nos critérios materiais de criação ou aquisição de uma obra de arte ou de um espetáculo artístico.
A autarquia de Portimão defende que a escolha da Lavrar do Mar teve como pressupostos “o desenho e operacionalização de um programa de comemorações [que] exige que o mesmo seja acompanhado artisticamente por uma entidade de reconhecida competência no domínio da programação artística, visando assegurar a articulação entre os vários setores da produção e o acompanhamento de públicos em coerência com o programa artístico a conceber”, e também a necessidade de que a entidade escolhida possuísse “um conhecimento profundo não só de programação, mas também das companhias e artistas que possam vir a integrar o programa das Comemorações do centenário da Cidade de forma a potenciarem as interações artísticas e formativas entre os artistas e os públicos”.
Mesmo estando em causa a eventual violação do Código dos Contratos Públicos – e a eventual fiscalização do ajuste directo pelo Tribunal de Conta pode vir a declarar mesmo ilegalidades e nulidades –, o município de Portimão insiste ter sido esta a melhor opção, embora tal seja difícil de provar quando se trata de um adjudicatário escolhido a dedo, sem concorrência.
Fonte oficial do município disse ainda ao PÁGINA UM que “considerando que Giácomo Scalisi aceitou pensar connosco o passado e desenhar num programa artístico, o futuro cultural para a cidade, através das festividades do seu centenário (…), afigura-se-nos que a [única] entidade que poderá colaborar, com valor acrescentado, face a outras eventuais opções, na conceção e operacionalização do projecto artístico de comemorações declinando-o através de um planeamento adequado num conjunto de tarefas de conceção, pré-produção e produção que lhe caberá, depois, coordenar, será a entidade Lavrar o Mar”, concluindo que, desse modo, o “serviço pretendido apenas pode ser confiado a esta entidade”.
A autarquia liderada por Isilda Gomes até admite que a Lavrar o Mar começou a desenvolver o projecto artístico para as comemorações em Outubro do ano passado, ou seja, quatro meses antes da assinatura do contrato por ajuste directo, algo que constitui uma outra evidente ilegalidade.
Antes deste ‘jackpot‘ de 910 mil euros, o contrato com entidade pública de valor mais elevado que a cooperativa Lavrar o Mar tinha obtido foi um do município de Odemira, em 2018, no valor de cerca de 112 mil euros (IVA incluído), relativo à “aquisição de serviço de espectáculos e workshops pedagógicos”.
Para o município de Portimão, este ajuste directo corresponde ao quarto maior contrato de sempre feito sem concurso. O maior ajuste directo foi adjudicado em 2011 para a construção da nova escola EB 2,3 na zona da Bemposta, no valor de quase cinco milhões de euros. O segundo maior, efectuado em 2010, no valor de 4,3 milhões de euros, destinou-se à “Ampliação e beneficiação do Centro Escolar do Pontal”. O terceiro maior ajuste directo, em 2018, foi efectuado com a EDP, para o “fornecimento de energia eléctrica para as instalações alimentadas em MT, BTE, BTN e BTN – Iluminação Pública”, no montante de 756 mil euros.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Ontem, dia 18 de Março, no Portal Base foram divulgados 899 contratos públicos, com preços entre os 16,38 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, através de ajuste directo – e os 13.539.210,00 euros – para concessão de exploração e prestação de serviços de Imagiologia, pela Unidade Local de Saúde do Alto Minho, através de concurso público.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 10 contratos, dos quais seis por concurso público, um ao abrigo de acordo-quadro e três por ajuste-directo.
Nos últimos três dias, de sexta-feira até ontem, no Portal Base foram divulgados 1138 contratos públicos, com preços entre os 9,58 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, através de ajuste directo – e os 5.597.248,32 euros – para aquisição de medicamentos e imunomoduladores, pelo Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, ao abrigo de acordo-quadro.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 22 contratos, dos quais 10 por concurso público, nove ao abrigo de acordo-quadro e três por ajuste directo.
Foi uma ‘invenção’ do Governo socialista. Em vez de se aproveitar o know-know e as sinergias da Caixa Geral de Depósitos (CGD), criou-se em 2020 o Banco Português de Fomento (BPF), um micro-banco que, na verdade, sendo um ‘pigmeu financeiro’, gasta que se farta. Se a CGD despende 690 euros em serviços administrativos e com pessoal para obter 1.000 euros de lucro, já o BPF precisa de gastar 5.367 euros para alcançar o mesmo objectivo. Mas se o BPF – que teve apenas lucros de 3 milhões de euros em 2022 com 16,1 milhões de euros em gastos de funcionamento – aparenta ser um péssimo negócio para os contribuintes, há quem não terá, por certo, a mesma opinião. São os casos de grandes consultoras financeiras, empresas tecnológicas, seguradoras, empresas de leasing automóvel e sociedades de advogados, onde se inclui a de Luís Montenegro e a de Pedro Rebelo de Sousa, irmão do Presidente da República. A avença do escritório do futuro primeiro-ministro terminou em Dezembro passado.
Ao fim de menos de três anos de funcionamento, o Banco Português de Fomento – uma instituição bancária autónoma criada pelo Estado quando já detinha um banco estável, a Caixa Geral de Depósitos – mostra ter sido uma opção vantajosa para muitos, mas não para os contribuintes.
Criado em finais de 2020 como um banco promocional de desenvolvimento – isto é, para facilitar a concessão de crédito proveniente sobretudo do Programa de Recuperação e Resiliência –, o BPF foi constituída pela fusão de diversas pequenas entidades financeiras públicas que não estavam sob alçada da Caixa Geral de Depósitos (CGD), nomeadamente da PME Investimento (uma sociedade pública de investimentos), a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD) e a Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua (SPGM). A estratégia política do Governo agora cessante foi, na verdade, criar um novo banco de investimento, mas à margem de toda a estrutura já consolidada da CGD.
Na verdade, olhando para as demonstrações contabilísticas das duas instituições bancárias públicas, o BFE é um autêntico pigmeu perante a CGD, o que leva a questionar a razão para não se ter criado um departamento autónomo na instituição liderada por Paulo Macedo aproveitando know-how e sinergias. Mas o BFE é um pigmeu mas com uma grande gula.
Em 2022, o BPF apresentava apenas 848 milhões de euros em activos, que representam apenas menos de 9% dos activos da CGD no ano passado, de acordo com os resultados hoje apresentados. No entanto, enquanto os activos da CGD contribuíram para um lucro (recorde) de quase 1,3 mil milhões de euros, a que acresce de 529 milhões de euros impostos ao Estado, o BPF conseguiu em 2022 – ainda não apresentou resultados do ano passado – apenas um lucro de 3 milhões de euros. Apesar disso, para ter lucros de 3 milhões de euros, o BPF teve de gastar quase 10 milhões de euros com pessoal e 6,2 milhões de euros em gastos administrativos, que inclui serviços externos. Assim, se por cada 1.000 euros de lucro a CGD registou gastos administrativos e com pessoal de 690 euros, já o ‘esfomeado’ BPF teve de ‘comer’ 5.367 euros em gastos administrativos e com pessoal por cada 1.000 euros de lucro. Saliente-se que os gastos com pessoal subiram cerca de 18% entre 2021 e 2022. Ainda não foram apresentados os resultados de 2023.
Esta absurda estrutura de custos do BPF tem uma explicação: criar um banco, independentemente da sua dimensão, implica um ‘custo fixo’ em termos de encargos com serviços financeiros (incluindo compliance e contabilidade), com assessoria jurídica e com tecnologias de informação, tanto de hardware como de software. E as duas administrações que já passaram por esta instituição bancária agora presidida por Ana Carvalho – e que acabou de celebrar um contrato de 700 mil euros com a Universidade Católica para serviços ainda não completamente conhecidos – têm sido pródigas em gastos, e generosas na sua distribuição.
O Banco Português de Fomento foi uma ‘invenção’ do Governo socialista, que permitiu que muitas sociedades de advogados facturassem serviços. A sociedade de Luís Montenegro recebeu 100 mil euros numa avença que terminou em Dezembro passado.
Ontem, a pretexto do contrato com a Universidade Católica, fonte do BPF referiu ao PÁGINA UM que, como o plano de actividades e orçamento de 2023 foi aprovado apenas em finais de Julho, apenas nos últimos meses do ano passado se concretizou “uma parte expressiva do início dos processos de contratações públicas”, salientando que foram desencadeados “456 procedimentos de contratação pública, com um investimento total de 4,21 milhões de euros”, dos quais 405 procedimentos, envolvendo 311.988 euros por ajuste directo simplificado e mais 34 por ajuste directo no valor de 1,1 milhões de euros. Em paralelo, o BPF efetuou quatro concursos públicos internacionais e nove nacionais, totalizando, respetivamente, 1,58 milhões e 962 mil euros.
Mas a estes somam-me muitos mais nos anos recentes. Incluindo período anterior à criação do BFP em 2020 por fusão de outras entidades – o banco ‘herdou’ o número de pessoa colectiva da Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua –, já foram registados 268 contratos no Portal Base, dos quais 238 já como instituição bancárias.
Num agrupamento por tipologia feita pelo PÁGINA UM, de um total de 21,15 milhões de euros, os maiores gastos foram para equipamentos e serviços associados a tecnologia de informação, com cerca de 6,8 milhões de euros (32% do total), destacando-se os ganhos da Glintt (1,4 milhões de euros), a Hydra IT (quase 1,2 milhões de euros), a IDW (650 mil euros), a TCSI (418 mil euros) e a Divultec (358 mil euros).
Top 20 das entidades com maior valor de contratos celebrados com o Banco Português de Fomento. Antes de 2020, incluindo procedimentos para a criação do BPF, os contratos foram celebrados pela Sociedade Portuguesa da Garantia Mútua. Fonte: Portal Base. Análise: PÁGINA UM.
A segunda maior tipologia de gastos foi para contratação de externa de serviços de assessoria financeira. Neste grupo destacam-se os contratos das consultoras Oliver Wyman (com 2,84 milhões de euros), Deloitte Risk Advisory (2,05 milhões de euros), KPMG (659 mil euros), Deloitte Consultores (334 mil euros) e ainda da Universidade Católica Portuguesa (720 mil euros, que inclui um pequeno ajuste directo de 20 mil euros em 2018).
No terceiro grupo de serviços mais gastadores estão as assessorias jurídicas, pagas sempre a peso de ouro e escolhidas invariavelmente a dedo. A vários dedos. E os beneficiários são sonantes, para repartir um ‘bolo’ que já vai em cerca de 4,2 milhões de euros, a começar pelo futuro primeiro-ministro, Luís Montenegro.
Em Janeiro de 2022, a sociedade de advogados Sousa Pinheiro & Montenegro beneficiou de uma avença mensal que terminou em Dezembro do ano passado, amealhando 100 mil euros, a que acresceu o IVA. Também Pedro Rebelo de Sousa, o irmão do Presidente da República, já viu a cor do dinheiro saído do BPF. Por duas vezes, a Sociedade Rebelo de Sousa & Associados recebeu ajustes directos desta instituição bancária: primeiro em 2020, no valor de 79.560 euros, e no ano passado entraram mais 32.650 euros.
Valores dos contratos celebrados pelo Banco Português de Fomento (inclui valores gastos entre 2016 e 2019 pela Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua). Fonte: Portal Base. Agrupamento e análise: PÁGINA UM.
Mas Luís Montenegro e Pedro Rebelo de Sousa nem foram os advogados que mais receberam do BPF. Na lista de prestadores de serviços jurídicos, com contratos de mão-beijada, sem se saber ao certo aquilo que fizeram, estão conceituados escritórios de advogados como a Sérvulo & Associados (571 mil euros), a Cabeçais de Carvalho & Associados (270 mil euros), a Vieira de Almeida & Associados (254 mil euros), a Abreu & Associados (241 mil euros), a Santos Carvalho & Associados (179 mil euros), a Oliveira, Reis & Associados (168 mil euros) e a Andrade de Matos & Associados (120 mil euros).
Também com gastos relevantes estão os diversos seguros contratados, que já totalizam quase 1,4 milhões de euros, bem como as prestações de serviços de contabilidade, que se aproximam dos 824 mil euros. Para serviços de leasing de automóveis e transporte, a factura assumida pelo BPF ascende já aos 550 mil euros. E o marketing, sempre necessário, atinge, por agora, os 265 mil euros.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Deveria ter sido apenas mais um ‘banal’ contrato de consultadoria externa pelo Banco Português de Fomento, disfarçado no meio de muitos outros, mas o ajuste directo de 700 mil euros entregue no mês passado à Universidade Católica Portuguesa chamou a atenção ao PÁGINA UM: afinal, não é todos os dias que uma assessoria financeira é justificada como se estivesse em causa a segurança pública ou de bens, uma vez que, para evitar a abertura de um concurso público, foi alegada “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”, para uma tarefa que durará três anos. Agora, o banco presidido por Ana Carvalho, uma antiga aluna da Católica, diz que afinal consultou “várias instituições académicas de renome”, mas isso implicaria a existência de um procedimento de consulta prévia, o que comprovadamente não sucedeu. Quanto à Universidade Católica, preferiu, através da sua porta-voz – que foi assessora de João Galamba até à sua demissão de ministro das Infraestruras em Novembro – criticar aspectos deontológicos do trabalho do PÁGINA UM.
Afinal, quais os serviços em concreto previstos no misterioso contrato de 700 mil euros adjudicado por ajuste directo ao Banco Português de Fomento (BPF) à Universidade Católica, noticiado anteontem pelo PÁGINA UM? E qual a razão para uma minúscula mas gastadora instituição financeira estatal – ao fim de dois anos de existência, nas contas consolidadas de 2022 apresentou um passivo de 284 milhões de euros com gastos de quase 10 milhões e um lucro de uns meros 3 milhões de euros – ter de fazer sucessivos contratos de consultadoria financeira e jurídica que não páram de se acumular?
Estas questões continuam sem uma resposta cabal, porque o BPF, apesar de aditar alguns esclarecimentos, continuou sem endereçar, apesar das insistências do PÁGINA UM, o caderno de encargos e um anexo ao contrato, inexistentes no Portal Base, que, em princípio definirá as tarefas a executar pelo Centro de Estudos de Gestão e Economia Aplicada da Universidade do Porto. Saliente-se que a instituição bancária tem sede na Cidade Invicta e a sua presidente do Conselho de Administração, Ana Carvalho fez toda a sua formação universitária naquela instituição privada de ensino superior.
Ana Carvalho, CEO do Banco Português de Fomento. A Universidade Católica Portuguesa recebe 700 mil euros da instituição bancária liderada por uma sua ex-aluna.
Com efeito, sem remeter quaisquer dos documentos em falta no Portal Base – e que virão agora a ser solicitados formalmente pelo PÁGINA UM ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos com eventual remessa para o Tribunal Administrativo em caso de nova recusa no prazo de 10 dias –, fonte oficial do BPF diz que este ajuste directo se enquadra nas suas funções “de gestor do Fundo de Capitalização e Resiliência (FdCR)”, em que se mostrou necessário “reforçar o acompanhamento na gestão dos investimentos diretos efetuados” por este programa.
Deste modo, acrescenta a mesma fonte, “com a perspetiva de assegurar um escrutínio prudente e neutro, o BPF decidiu pela designação [indicação] de ‘Observadores’ independentes, profissionais de elevada especialização, que terão assento nos Conselhos de Administração (CA) das Participadas do FdCR”. Esses ‘Observadores’, de acordo com o BPF, “como um elemento independente” têm como função “uma apreciação crítica sobre os temas de negócio e de gestão discutidos e as decisões tomadas, alertando para riscos e preocupações que sejam relevantes”, para além de terem um “papel de colaboração na preparação das intervenções do BPF nas Assembleias Gerais das Participadas”.
Sobre a razão de não ter sido, em caso de comprovada ausência de meios humanos próprio, lançado um concurso público, a fonte da instituição bancária liderada por Ana Carvalho diz que foram consultadas “várias instituições académicas de renome”, que não identifica, acrescentando que “a Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto [foi], até então, a única que atendeu plenamente aos requisitos especificados pelo BPF e no prazo proposto”.
Saliente-se que este argumento de consulta agora aditado pelo BPF é estranho e contraditório mesmo com o expresso no contrato conhecido, porque uma consulta como a referida, com “requisitos especificados”, consubstanciria uma consulta prévia, com procedimentos contratuais próiprios, o que formalmente não foi feita, Na realidade, o BPF fez um ajuste directo – ou seja, entregou um contrato de 700 mil euros de mão-beijada à Universidade Católica, escolhida a dedo – alegando uma norma de excepção que permite o ajuste directo, mas apenas “na medida do estritamente necessário”, se se verificarem “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, [em que] não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.
Como pode estar aqui em causa falsas declarações, a forma que o PÁGINA UM tem de esclarecer esta situação é solicitar agora ao BPF, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, não apenas os ofícios que foram supostamente remetidos para as “várias instituições académicas de renome” como também os documentos que fundamentam os “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis” que impediram a realização de um concurso público aberto e transparente. Obviamente, o Tribunal de Contas também terá, se assim desejar, os meios próprios de fiscalização deste contrato público.
Também foram pedidos esclarecimentos à Universidade Católica sobre o ajuste directo de 700 mil euros, incluindo se houve alguma proposta prévia, para complementar os factos noticiados pelo PÁGINA UM com base nos registos inseridos no Portal Base pelo BPF e validados pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC). Em resposta, a porta-voz para a imprensa da instituição universitário, Rita Penela – ex-jornalista do Observador e assessora até Novembro passado do antigo ministro João Galamba – disse que “na sequência das questões dirigidas ontem, dia 11 de março, às 22h41 à Universidade Católica Portuguesa, vimos lamentar que não tenha sido respeitado o tempo de resposta por vós concedido e que tenham avançado com a publicação do artigo” – que, repita-se, se baseia em factos inseridos numa base de dados pública.
A mesma fonte da Universidade Católica – que ministra uma licenciatura em Comunicação Social e Cultural – acrescentou ainda que “tal conduta desrespeita o direito ao contraditório previsto no Código Deontológico do Jornalista”, apesar de nada constar no dito código sobre um alegado ‘direito de contraditório’ –, concluindo que “a Universidade Católica Portuguesa não se revê na abordagem referida e muito lamenta que a _’Página Um’_ [sic] desrespeite o Código pelo qual devia pautar-se”.
Instado, novamente, a comentar e conceder mais esclarecimento sobre o contrato de 700 mil euros – o maior contrato público por si obtido (de forma isolada), ainda mais este, por ajuste directo, sem os ‘incómodos’ da concorrência –, a Universidade Católica nada mais acrescentou.
Nota: A fonte oficial do BPF também remeteu outras informações sobre os montantes das consultadorias, mas essa informação será, em breve, integrada num trabalho do PÁGINA UM sobre o universo dos contratos públicos desta instituição financeira.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 23 contratos, dos quais 12 por concurso público, seis ao abrigo de acordo-quadro e cinco por ajuste directo.