Etiqueta: Res Publica

  • ‘Dino d’Santiago ten kunha na Câmara di Lisboa’

    ‘Dino d’Santiago ten kunha na Câmara di Lisboa’

    Uma associação criada pelo cantor Dino D’Santiago em Dezembro passado, mas que só se deu a conhecer em Maio deste ano, não teve de andar muito, e muitos menos até Santiago de Compostela, para receber uma ‘prenda’ da autarquia de Lisboa. Em vez de ser obrigada ao incómodo de apresentar candidatura aos apoios municipais, com um projecto concreto, como as demais associações, à Mundu Nôbu, presidida pelo músico, bastou convencer a empresa municipal EGEAC a dar-lhe 130 mil euros por troca de uma tertúlia e um concerto de Dino d’Santiago e uns poucos convidados. O concerto está agendado para próximo dia 28 de Setembro, duas semanas depois de um outro concerto deste músico em Lisboa, contratado por 21.500 euros pela Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. A EGEAC nega que se esteja perante um ‘subsídio encapotado0 e que tenha havido pressões para contratar a associação, cuja apresentação oficial foi apadrinhada por Carlos Moedas e Marcelo Rebelo de Sousa, que se ‘desunharam’ em elogios ao músico. A Mundu Nôbu não respondeu ao PÁGINA UM nem tem, no seu site, a lista dos órgãos sociais nem qualquer programa de actividades.


    Será um ‘milagre’ de D’ Santiago. A associação Mundu Nôbu, fundada há apenas nove meses pelo cantor e compositor Dino D’ Santiago, aparenta ter caído nas ‘boas graças’ da empresa municipal que gere os eventos culturais da capital. De uma assentada e sem grandes burocracias, e dois meses após a apresentação pública da Mundu Nôbu com a presença de Marcelo Rebelo de Sousa e Carlos Moedas, a EGEAC decidiu contratá-la por 130 mil euros, através de um contrato por ajuste directo, para a co-organização de uma tertúlia e um concerto a realizar ainda este mês, na Praça do Município. O ‘prato especial’ é, aparentemente, o próprio Dino D’Santiago himself, que é o presidente desta associação que, no site, nem sequer apresenta os órgãos sociais nem tão-pouco um plano de actividades.

    Segundo o contrato disponível no Portal Base, a Mundu Nôbu foi contratada para conceber, coproduzir e apresentar o ‘Festival Mundo Nôbu 2024 – a interculturalidade portuguesa no top do Spotify, no âmbito da programação Festas na Rua 2024’, a ter lugar no dia 28 de Setembro, em Lisboa. A EGEAC também garante a instalação do palco na Praça do Município e toda a logística do concerto, incluindo a sua divulgação, que em circunstâncias normais ‘vale’ pelo menos cerca de 10 mil euros.

    Carlos Moedas (à esquerda) e Marcelo Rebelo de Sousa (ao centro), ‘apadrinharam’ a sessão de apresentação oficial da associação de Dino D’ Santiago (segundo a contar da direita), com sede na casa de Liliana Valente (segunda a contar da esquerda). Foto: D.R./MN.

    O valor do contrato serve assim apenas para a execução de uma simples conferência nos Paços do Concelho, com a presença de Dino D’ Santiago e convidados (não especificados) e dos eventuais cachets e acomodação dos artistas do concerto na Praça do Município, “com nomes como: Irma, Soluna, Criolo, Maro, Bateu Matou” [sic]. O concerto terá a duração de três horas, com acesso livre, mas pela leitura do contrato não se mostra claro se contará com Dino D’Santiago. No contrato, o seu nome apenas consta explicitamente na conferência vespertina na Sala de Arquivo dos Paços do Concelho, com início às 17h45, com convidados não especificados e sobre um tema ignoto.

    Mesmo se Dino D’Santiago participar no concerto de fim de tarde, a verba em causa está muito acima dos valores de mercado, incluindo os seus convidados. O músico algarvio de ascendência cabo-verdiana costuma cobrar, geralmente, entre 15 mil euros e um pouco acima dos 20 mil euros. Aliás, duas semanas antes deste espectáculo na Praça do Município, Dino D’Santiago vai estar no Largo José Saramago, junto ao Campo das Cebolas, como um dos cabeças de cartaz do festival Portas do Mar, organizado pela Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. Por esse concerto, a agência que representa Dino D’Santiago, a Arruada, vai receber 21.500 euros. De acordo com alguns contratos no Portal Base e consultores do mercado de espectáculos consultados pelo PÁGINA UM, os cachets habituais dos nomes indicados pela Mundu Nôbu rondam os cinco mil euros. Ou seja, quem quisesse fazer um contrato com os nomes indicados no contrato assinado por Dino D’Santiago – ou melh0r dizendo, por Claudino de Jesus Borges Pereira – nunca gastaria mais de 30 mil euros. Com Dino D’Santiago, a ‘coisa’ ficaria, no máximo, por 50 mil euros.

    Aliás, o valor pago pela EGEAC à Mundu Nôbu aproxima-se do valor que Dino D’ Santiago já facturou em 10 contratos públicos em 2024. Até agora, entre Janeiro e Setembro deste ano, sem incluir este contrato com a sua associação, o artista de ascendência cabo-verdiana custou ao erário público 137.799 euros pela realização de 10 concertos pelo país. Há seis anos, Dino d’Santiago era bem mais baratinho: um concerto contratado pela autarquia de Lisboa custou apenas seis mil euros.

    (Foto: D.R./MN)

    O sucesso da associação de Dino D ‘Santiago – que a fundou em parceria com Liliana Valpaços, antiga directora de operações da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), em cuja casa, em Lisboa, se encontra a sede – advém muito da sua popularidade entre políticos de todos os quadrantes. Na sessão oficial de apresentação ao público da Mundu Nôbu, em finais de Maio, no Hub Criativo do Beato, Dino D’Santiago deu e recebeu elogios de Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

    Na altura, à comunicação social, Liliana Valente diria que a ideia da associação surgiu após “uma viagem aos Estados Unidos da América”, depois de terem conhecido a organização Brotherhood Sister Sol, em Nova Iorque, que, diga-se, registou nos últimos dois anos receitas globais de 25,6 milhões de dólares e conta com um staff de cerca de meia centena de pessoas.

    Mas, afinal, porque decidiu a EGEAC entregar 130 mil euros a uma associação através de um ajuste directo e não pelos habituais procedimentos de apoio a este tipo de organizações de génese cultural e social? A pergunta pode ser indirectamente respondida pela consulta do regulamento de atribuição de apoios pelo município de Lisboa aos projectos associativos de vária índole, incluindo os relativos aos direitos humanos e sociais. Por um lado, estão, neste momento, a decorrer já os processos de avaliação das candidaturas para o próximo ano, onde se exigem projectos em concreto, e há um limite de 70 mil euros por associação.

    Questionada sobre se existem outros casos de associações de índole socio-cultural que tenham conseguido contratos desta natureza em tão pouco tempo, uma porta-voz da empresa municipal indicou que ao PÁGINA UM que, “de facto, a EGEAC realiza vários contratos com associações, promotores culturais e demais entidades para concretizar a sua atividade cultural ao longo do ano”, sem especificar quais. Mais adiantou que “a relação com a Associação [Mundu Nôbu] não é uma parceria, mas [fruto de] um contrato de aquisição de serviços de concepção, coprodução e apresentação ao público do Festival Mundu Nôbu”. Para a associação de Dino D’Santiago, a EGEAC surge classificada, porém, como parceira, ao lado de entidades privadas, e também da própria autarquia de Lisboa e de outra empresa municipal, a Gebalis.

    Duas semanas antes do evento pelo qual a EGEAC pagou 130 mil euros à novel associação presidida por Dino D’Santiago, o músico vai actuar num festival da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior (Lisboa). A agência que o representa cobrou 21.500 euros.

    A EGEAC também descartou que tenha havido uma indicação expressa da autarquia para a realização da adjudicação à Mundu Nôbu, que anunciu também para este mês um programa de intervenção comunitária intitulado “O teu lugar no mundo“, envolvendo 160 jovens, nesta fase exclusivamente para residentes em bairros sociais. Mas esta iniciativa é uma incógnita. No site da associação apenas consta a ligação para inscrições (já terminadas) onde se diz haver formação (não especificada) duas horas por semana, em grupo, além de contacto com artistas, atletas e profissionais de sucesso, da realização de estágios, visitas a empresas e universidades, e também organização de espectáculos, prometendo-se “monitores disponíveis 24/7”.

    Apesar desta benesse recebida por uma empresa municipal da capital, as ligações a eventos da autarquia alfacinha têm trazido alguns dissabores a Dino D’Santiago, colocando-o no centro de polémicas. Por exemplo, quando Fernando Medina, um seu admirador, presidia à autarquia, dois eventos em que D’ Santiago participou foram alvo de notícias críticas. Não se sabe se este novo apoio da autarquia à novel associação do artista se irá transformar numa maldição, ou se vai ficar-se pelo milagre. Para já, os tempos são de bonança para a jovem organização, já ‘crismada’ com dinheiros da EGEAC, depois da benção, à laia de padrinhos, de Carlos Moedas e Marcelo Rebelo de Sousa.

    O PÁGINA UM colocou um conjunto de seis perguntas à associação de Dino D’Santiago e de Liliana Valente, que se se apresenta no LinkedIn como directora executiva da Mundu Nôbu, mas não teve uma resposta sequer.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Município de Sintra assina contratos de refeições escolares que se ‘atropelam’ no tempo

    Município de Sintra assina contratos de refeições escolares que se ‘atropelam’ no tempo

    Foram duas das empresas acusadas pela Autoridade da Concorrência no ‘cartel das cantinas’, há 13 anos. Mas só com o município de Sintra, o consórcio constituído pelas sociedades ICA e Nordigal tem enchido o tabuleiro em contratos por concurso público mas misturados com ajustes directos com vista ao fornecimento de refeições escolares. No município liderado por Basílio Horta já se tornou mesmo um hábito vencer-se um concurso público mas, no mesmo mês, conseguir um ajuste directo milionário para o mesmo tipo de serviço. A autarquia garantiu ao PÁGINA UM que nunca os dois contratos ficam activos em simultâneo. Sem fiscalização, fica sem se saber se há facturação dupla e duplo pagamento. Além disso, a inflação das refeições escolares disparou: comparando com o contrato que vigorou até ao ano lectivo de 2023/2024, o preço de cada lanche cobrado pelo consórcio quase duplicou para os próximos três anos, enquanto cada almoço sofreu um aumento de 30%. Globalmente, desde 2015, a Câmara de Sintra já gastou mais de 87,6 milhões de euros na compra de refeições escolares à ICA/Nordigal.


    Neste mês de Setembro, começa um novo ano lectivo para a generalidade dos níveis de ensino, e recomeça também um dos mais apetecíveis negócios do país que movimentam milhões: o fornecimento de refeições escolares pagas pelas autarquia. Mas Sintra, o concelho do país com mais jovens em idade escolar, destaca-se por uma particularidade, que não se resume apenas ao (elevado) valor do contrato, mas sim ao estranho facto de, em Setembro, ter o fornecimento de refeições ‘suportado’ por dois contratos: um por concurso público com três anos de duração e outro por ajuste directo com a duração de apenas um mês. Ambos beneficiaram a mesmo consórcio, constituído por duas das principais empresas do sector, a ICA e a Nordigal.

    Comecemos pelo concurso público. Num negócio com direito a prato principal e sobremesa, este agrupamento empresarial ganhou, em Agosto passado, o contrato do município de Sintra, com uma duração de três anos por 35.471.520 euros com vista ao fornecimento de refeições nas escolas do primeiro ciclo e pré-escolar. No contrato surge especificamente que a data prevista de início é 1 de Setembro (domingo passado), mas como está dependente de visto para ser válido, a autarquia liderada por Basílio Horta foi a correr fazer um ajuste directo de mais de 921.300 milhões de euros para o mesmo mês. Em teoria, o mês de Setembro pode vir a ter dois contratos em vigor para o mesmo serviço.

    Sintra: um poço sem fundo de recursos financeiros para o pouco transparente negócio das refeições escolares. (Foto: D.R.)

    A duplicação de contratos que se ‘atropelam’ no tempo não é uma novidade em Sintra. O consórcio ICA/Nordigal já em 2021 tinha beneficiado do mesmo menu por parte da autarquia de Basílio Horta: ganhou concurso e teve direito a um ajuste directo extra, mesmo sabendo-se que o município teve ‘todo o tempo do mundo’ (três anos) para preparar um concurso público com adjudicação a tempo de receber visto do Tribunal de Contas. Ignora-se como se processaram os pagamentos.

    No caso dos dois contratos agora adjudicados, o município de Sintra lançou um concurso público para contratação do serviço de fornecimento de refeições escolares nas escolas do primeiro ciclo do ensino básico e pré-escolar da rede pública do concelho. Este contrato de quase 35,5 milhões de euros, sem IVA, adjudicado ao agrupamento constituído pela ICA – Indústria e Comércio Alimentar e pela Nordigal – Indústria de Transformação Alimentar, foi assinado a 13 de Agosto, sendo válido por 12 meses, mas prorrogável, em condições normais, até 36 meses. Os gastos máximos estipulados são de 4.598.160 euros em 2024, de 11.823.840 euros em 2025, de 11.823.840 euros em 2026 e de 7.225.680 em 2027.

    O preço fixado contratualmente é de 75 cêntimos por cada lanche da manhã e da tarde (0,85 euros, com IVA), de 2,97 euros por cada almoço (3,36 euros com IVA a 13%) e de 3,60 euros por cada refeição fora do período regular (4,07 euros com IVA).

    five red apples on white surface
    (Foto: D.R.)

    Ora, 10 dias depois da assinatura deste contrato, o município assinou um novo contrato com o ICA/Nordigal, mas por ajuste directo. O segundo contrato visa a prestação do serviço nos exactos moldes do contrato por concurso público, mas apenas por um período de quatro semanas, a começar a 1 de Setembro e envolvendo a quantia de até 921.300 euros, o que, com IVA, totaliza 1,o4 milhões de euros. Note-se que em grande parte das escolas a actividade lectiva inicia-se apenas entre os dias 12 e 16 de Setembro.

    Ao PÁGINA UM, o município de Sintra justificou o ajuste directo com um dos expedientes mais recorrentes: “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, […] e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”. No entanto, é difícil compreender como não se possa imputar à entidade adjudicante (autarquia de Sintra) a responsabilidade por inexistência de visto do Tribunal de Contas para um contrato que saiu de um concurso público que teve três anos para ser preparado.

    Mas o município garantiu que “em situação alguma os dois contratos estão ativos em simultâneo, pelo que está garantida a impossibilidade de poder haver duplicação de faturação”. Segundo a autarquia, “o contrato relativo ao ajuste direto contém uma cláusula que o faz cessar assim que é obtido o visto do Tribunal de Contas relativo ao contrato resultante do concurso público internacional”. Assim que “o contrato de ajuste direto cessa, procede-se ao pagamento das faturas relativas aos consumos realizados no seu âmbito, seguindo-se o seu encerramento e o descabimento do saldo remanescente”. Adiantou que “o contrato resultante do concurso público internacional só se torna eficaz após o encerramento do contrato do ajuste direto, pelo que nunca poderá haver duplicação de faturação” e que “o contrato resultante do concurso público internacional se torna eficaz o seu cabimento é reduzido, sendo-lhe deduzido o valor gasto com o ajuste direto”.

    food, sandwich, sardine
    (Foto: D.R.)

    Na verdade, em termos práticos, além de ter garantido que vai fornecer uma boa fatia do mercado de refeições escolares na rede pública de escolas em Sintra por mais 1095 dias, o consórcio ICA/Nordigal ainda contabiliza uma ‘borla’: a possibilidade de ‘engolir’ mais 1,04 milhões de euros de dinheiro dos contribuintes sem enfrentar concorrência.

    Para justificar este ajuste directo, o município adiantou ao PÁGINA UM que “o contrato no valor de 35,471 milhões de euros, publicado a 16 de agosto, diz respeito à abertura de concurso público internacional lançado pela segunda vez”, na sequência de um primeiro ter ficado deserto por “ausência de propostas”. E acrescenta que “tal facto levou o município de Sintra a lançar um segundo concurso, cujo contrato foi publicado no dia 16 de Agosto, mas que ainda não se encontra eficaz, uma vez que ainda decorre a apreciação do mesmo por parte do Tribunal de Contas para atribuição do respetivo visto”.

    Por esse motivo, o município diz que para garantir o fornecimento de refeições escolares neste mês de Setembro, “e numa situação em tudo similar com a ocorrida em 2021, tornou-se necessário proceder ao ajuste direto, conforme previsto na lei, também remetido ao Tribunal de Contas, e que permite assegurar a resposta em tempo até à emissão do referido visto por parte do Tribunal de Contas ao concurso público”. 

    girl holding two eggs while putting it on her eyes
    (Foto: D.R.)

    Em 2021, o município de Sintra adjudicou a este consórcio, em 13 de Outubro, um contrato para “fornecimento de refeições em estabelecimentos escolares da rede pública do concelho de Sintra, em regime de fornecimento contínuo”, através de concurso público, no valor de 21.526.230 euros, sem IVA. Mas acompanhou o ‘prato principal’ com uma ‘entrada’: um ajuste directo firmado a 6 de Outubro de 2021 com a empresa ICA para o mesmo serviço, no valor de 923.616 euros, sem IVA, para o prazo de 40 dias.  Também na altura, a “urgência imperiosa” explicou a entrega de mais de um milhão de euros de mão beijada a uma empresa.

    Em ambos os contratos, o valor do lanche era então de quase metade do praticado agora: 40 cêntimos, sem IVA. Já cada almoço registou um aumento de 30%. Em 2021, o consórcio cobrou ao município de Sintra 2,28 euros por almoço, menos 69 cêntimos do preço cobrado praticado agora. A inflação destas refeições subiu muito mais do que o índice de preços ao consumidor (IPC).

    Certo é que em dois contratos por concurso, e mais dois ajustes directos, o ICA/Nordigal facturou 58,9 milhões de euros com o município de Sintra, garantindo negócios por 2.190 dias à conta de dinheiros públicos.

    Mas não fica por aqui a facturação deste consórcio com a Câmara de Sintra. Ainda em 2021, a ICA garantiu o recebimento de 1.231.520,4 euros, sem IVA, por seis contratos firmados com o município, cinco dos quais por ajuste directo e um por consulta prévia.

    (Foto: D.R.)

    Já a Nordigal tinha facturado, três anos antes, quase 14,2 milhões de euros por via de um contrato assinado em 9 de Julho de 2018, válido por um período de um ano e prorrogável até três anos. Este contrato, ao abrigo de um acordo-quadro, visou a “aquisição de serviços para fornecimento de refeições escolares para o ano lectivo 2018/2019”, além do “fornecimento diário de refeições em estabelecimentos escolares do 1º ciclo de ensino básico e pré-escolar da rede pública no Concelho de Sintra, assim como da Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra”.

    Tudo somado, desde 2018, no global, a Câmara de Sintra entregou a farta quantia de 74,3 milhões de euros em contratos às duas empresas que agora voltaram a ser contratadas pelo município. Se forem contabilizados contratos anteriores, feitos por ajuste directo ou ao abrigo de acordo-quadro, a soma eleva-se para cima dos 87,6 milhões de euros.

    De resto, segundo os dados constantes do Portal Base, o município de Sintra tem entregue contratos de fornecimento de refeições escolares a outras empresas, mas os valores estão aquém dos montantes entregues ao ICA/Nordigal.

    red apple fruit on four pyle books
    Foto: D.R.)

    Por exemplo, em Julho deste ano, o município firmou um contrato com a espanhola Mediterranea de Catering, envolvendo 12.879.972 euros, neste caso para “aquisição de serviços de fornecimento de refeições em estabelecimentos escolares da rede pública do Concelho de Sintra e na Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra”.

    O contrato assinado em 12 de Julho foi depois ‘acrescentado’, no mês seguinte, a 29 de Agosto, de um ajuste directo no valor de 921.580 euros para prestar, durante dois meses, o serviço de… “fornecimento e distribuição de refeições escolares em estabelecimentos escolares do 2.º, 3.º ciclo e secundária da rede pública do Concelho de Sintra e Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra”.

    Por coincidência, o primeiro contrato adjudicado pelo município de Sintra a este consórcio foi por ajuste directo em 15 de Julho de 2015, quatro meses depois do Tribunal da Relação ter decretado a prescrição da acusação da Autoridade da Concorrência contra o ‘cartel das cantinas’, que tinha entre os acusados o agrupamento ICA/Nordigal, o qual foi condenado pelo Tribunal da Concorrência a pagar 600 mil euros por ter trocado informação comercial com concorrentes.

    Saliente-se que um dos nomes mencionados na acusação do ‘cartel das cantinas’ surge, ‘preto no branco’, nos dois contratos agora assinados entre o ICA/Nordigal e a Câmara Municipal de Sintra: Nuno Perdigão, em representação do agrupamento empresarial. Na altura do ‘cartel das cantinas, entre a documentação, foi ‘apanhado’ um e-mail recebido por Perdigão, na qualidade de inspector de vendas da ICA, que comprovou a existência de troca de informação comercial entre as empresas do cartel.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Moedas garante que fez a festa da ‘La Vuelta’ em Lisboa ‘só’ com 119 mil euros

    Moedas garante que fez a festa da ‘La Vuelta’ em Lisboa ‘só’ com 119 mil euros



    A Câmara Municipal de Lisboa celebrou com pompa e circunstância o arranque da prova de ciclismo ‘La Vuelta’ em Belém. Mas, afinal, quanto custou aos contribuintes o patrocínio de Carlos Moedas à prova desportiva espanhola? No Portal Base apenas constam dois contratos que somam uma despesa de 119 mil euros da autarquia com a ‘La Vuelta’. Em simultâneo, e apesar de ter anunciado que apoiara a ‘Volta a Portugal em Bicicleta’, a passagem desta prova ancional pela capital só sucedeu de forma muito discreta na zona de Chelas, e tudo graças a um apoio de 90 mil euros feito pela Junta de Freguesia de Marvila, dominada pelo Partido Socialista.


    O entusiasmo de Carlos Moedas com a passagem da Volta a Espanha em bicicleta pela capital foi publicamente notório, até com direito a discurso em castelhano. Mas se a promoção da prova na capital teve destaque mediático, e andou sobre rodas, o mesmo não se pode dizer da despesa que os contribuintes portugueses tiveram para pagar o arranque da ‘La Vuelta’ a partir de Belém, e que também cruzou Oeiras e outras parte de Portugal.

    No Portal Base apenas consta, para já, a referência a dois contratos feitos pelo município lisboeta relativos à prova, que somam uma despesa de 119 mil euros. Um dos contratos, publicado no dia 30 de Agosto, foi um ajuste directo referente à “aquisição de serviços para a locação de tenda, salas e estacionamento do CCB, no âmbito do evento ‘Portugal La Vuelta 2024’”. Este contrato, no valor de 50 mil euros foi adjudicado à Fundação Centro Cultural de Belém.

    O outro contrato, relativo à contratação de “serviços para a realização e gestão do evento La Vuelta – Etapa em Lisboa”, no valor de 69 mil euros, foi adjudicado à Bravimaginação Unipessoal, num procedimento de consulta prévia, ou seja, foram formalmente consultadas pelo menos três empresas antes da decisão de adjudicação.

    Foto: D.R./CML

    Mas o apoio da Câmara Municipal de Lisboa (CML) à ‘La Vuelta’ terá custado muito mais aos contribuintes. Contudo, até à data, desconhece-se oficialmente o valor global da factura que o município teve com a prova. Em respostas a questões colocadas pelo PÁGINA UM, o gabinete de comunicação da CML afirmou a ‘pés juntos’ que as únicas despesas efectuadas pela autarquia com a ‘La Vuelta’ são as que já constam no Portal Base.

    Notícias divulgadas nos media, designadamente pela CNN, apontavam que a prova iria custar um milhão de euros a três autarquias. Segundo as notícias, Lisboa, Oeiras e Cascais iriam repartir entre si a verba de patrocínio à ‘La Vuelta’ para que pusesse um pezinho (ou as rodas) na região. Assim, os três municípios iriam arcar cada um com 333 mil euros de despesa com a prova, contando com o apoio de associações de turismo locais. Isto para que a prova passasse pela região nos dias 16, 17 e 18 de Agosto.

    Além destes dois contratos da autarquia lisboeta, apenas surgem mais dois registos de despesa pública com a ‘La Vuelta’: dois contratos adjudicados pelo município de Oeiras, ambos através do procedimento de consulta prévia. Um dos contratos, de “aquisição de serviços de fornecimento de cocktail para evento ‘La Vuelta’ no Forte de São Julião da Barra”, no valor de 19.800 euros, foi adjudicado à empresa Pedretti Catering e Eventos Unipessoal. O outro contrato serviu para alugar ” no ‘aluguer de “5000 baias para os locais de passagem no concelho de Oeiras’ da ‘La Vuelta’, sendo entregue a Duarte Teives pelo valor de 26.600 euros.

    O vereador do desporto da CML, Ângelo Pereira, e também o presidente da Junta de Freguesia de Marvila, José António Videira, estiveram numa cerimónia da ‘La Vuelta’ em Marvila. Foto: D.R./CML.

    O contraste com o apoio de Lisboa à ‘La Vuelta’ face ao envolvimento da autarquia da capital com a prova-irmã em Portugal foi gritante. Em termos mediáticos, não teve qualquer comparação. Moedas esteve ‘em grande’ a promover a passagem de ‘la Vuelta’ por Lisboa através de vários media. Já a ‘Volta a Portugal em Bicicleta’ passou por Lisboa à boleia de um apoio de 90 mil euros da Junta de Freguesia de Marvila, dominada pelo Partido Socialista.

    Num anúncio no site da CML, publicado no dia 27 de Julho, a autarquia publicitava que “a 85ª Volta a Portugal em Bicicleta, apoiada pela Câmara Municipal de Lisboa, chegou à capital a 26 de Julho”. E adiantava: “a etapa de hoje, entre Santarém e Lisboa, assinala a homenagem ao Capitão Salgueiro Maia. O ciclista German Tivani sagrou-se vencedor da ‘Etapa da Liberdade’.”

    Após a chegada dos ciclistas e da cerimónia de pódio, foi inaugurado, de facto, um busto de Salgueiro Maia, colocado na rua com o seu nome, em Marvila. A segunda etapa da prova foi “simbolicamente integrada nas comemorações do cinquentenário do 25 de Abril” e “evocou a memória da coluna militar que saiu de Santarém para Lisboa, em 1974, liderada por Salgueiro Maia”.

    Foto: D.R./CML

    Contudo, a representar a autarquia naquela cerimónia esteve o vereador do desporto, Ângelo Pereira, e também o presidente da Junta de Freguesia de Marvila, José António Videira, cujo apoio à prova pode ser consultado no Portal Base, e foi noticiado em primeira-mão pelo PÁGINA UM no passado dia 8 de Agosto.

    Apesar de o município lisboeta ter anunciado que apoiou a ‘Volta a Portugal em Bicicleta’, certo é que se desconhece como prestou esse apoio, pois no Portal Base não conta, até à data, qualquer despesa relativamente à prova. A própria organização da prova não integra o município de Lisboa na lista de patrocinadores e apoiantes. Assim, quem quiser saber quanto a CML gastou com ambas as provas, tem de andar às voltas.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Vacinas contra a covid-19: Infarmed escondeu mortes verdadeiramente fulminantes

    Vacinas contra a covid-19: Infarmed escondeu mortes verdadeiramente fulminantes

    Não são apenas (umas poucas) vidas destruídas por sequelas associadas às vacinas contra a covid-19, como mostraram recentes reportagens dos canais televisivos TVI e CMTV. Na verdade, há muitas pessoas que perderam literalmente a vida de forma fulminante, cujos desfechos foram escondidos pelas autoridades, mais interessadas em atingir objectivos máximos de vacinação, estratégia defendida com ‘unhas e dentes’ pelo coordenador da ‘task force’ Gouveia e Melo. Em resultado de uma ‘luta’ de 32 meses, contra advogados pagos a ‘peso de ouro’ pelo Infarmed, o PÁGINA UM conseguiu um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul para aceder à base de dados das reacções adversas (Portal RAM), mas o regulador do medicamento, presidido por Rui Santos Ivo, não o quer cumprir na íntegra. O Infarmed insiste em mutilar e omitir diversas variáveis, e ainda só disponibilizou os dados do primeiro ano do programa de vacinação. Mesmo assim, aquilo que já se vê é assustador: não apenas ocorreram mortes fulminantes, algumas poucos minutos após a administração das doses, como se salienta que as autoridades negligenciaram o apuramento das causas de muitas fatalidades, sendo provável um elevado grau de subnotificação. O PÁGINA UM revela, por agora, nesta notícia em edição especial, a ponta de um (escandaloso) icebergue.


    Diversas mortes fulminantes, conjugadas com escandalosas lacunas de informação – é este o retrato inicial da informação parcial disponibilizada pelo Infarmed integrada na base de dados das reacções adversas (Portal RAM) relativas às vacinas contra a covid-19. O regulador dos medicamentos, presidido por Rui Santos Ivo, viu-se obrigado por acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS) a permitir o acesso ao Portal RAM, mas intencionalmente optou por enviar apenas os dados do primeiro ano da campanha de vacinação, sendo notórias várias manipulações e ocultamentos em variáveis, entre as quais a data da administração e número do lote da vacina, a idade precisa das vítimas e sobretudo a causalidade (definitiva, provável, possível e improvável).

    Perante o incumprimento intencional do Infarmed – e até por via da recusa implícita do organismo estatal em realizar uma análise conjunta do Portal RAM com o PÁGINA UM a partir dos dados brutos – será solicitada a execução da sentença ao Tribunal Administrativo de Lisboa. Desde o primeiro requerimento do PÁGINA UM, e mesmo depois da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativo ter também considerado de relevante interesse público o acesso à base de dados anonimizados, já decorreram mais de 32 meses. Rui Santos Ivo, presidente do regulador desde 2019 – e com um percurso profissional sempre próximo do sector empresarial, tendo sido mesmo director executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (2008-2011) – chegou a defender afincadamente em audiência no Tribunal Administrativo de Lisboa no início do ano passado a ocultação do Portal RAM, bastando, na sua óptica, os relatórios de farmacovigilância.

    Seguras e eficazes – assim foram sempre classificadas as vacinas contra a covid-19 pelas autoridades, que tudo têm feito para esconder a informação sobre reacções adversas.

    Em todo o caso, mostra-se de enorme gravidade a inexistência na base de dados do Infarmed de pormenores relevantes mesmo em desfechos fatais, nem se percebe se, no decurso do tempo, muitos outros casos evoluíram favorável ou desfavoravelmente. Certo é que no período compreendido entre 27 de Dezembro de 2020 – início da campanha de vacinação – e 6 de Dezembro de 2021, em que foram reportadas 27.220 reacções adversas, das quais 7.110 classificadas como graves, nem os casos de morte foram alvo de particular investigação.

    Com efeito, a base de dados gerida pelo Infarmed – e que possibilita actualizações posteriores por médicos notificadores –, indica a ocorrência de 104 mortes durante o primeiro ano de vacinação, mas em cerca de quatro dezenas nem sequer é indicado o período desde a administração da vacina e o desfecho fatal. Porém, em diversos casos, surge a indicação de mortes absurdamente fulminantes. Por exemplo, identificada como o caso 23897, uma mulher com mais de 80 anos sucumbiu de ataque cardíaco apenas dois escassos minutos após receber a vacina da Pfizer (Comirnaty) em 18 de Outubro de 2021. Pouco mais durou um idoso da mesma faixa etária, identificado como a reacção 27033: após lhe administrarem também a vacina da Pfizer (Comirnaty), em 4 de Dezembro de 2021, morreu ao fim de 15 minutos com um tromboembolismo pulmonar.

    Em apenas 30 minutos morreu, em 6 de Abril de 2021, uma mulher com idade entre os 65 e os 79 anos, identificada como caso 8712, depois de receber a vacina da AstraZeneca. E somente uma hora ‘sobreviveu’ o caso 7486: uma morte súbita ‘levou’ um homem com idade entre os 65 e os 74 anos depois de lhe ser administrada uma vacina cuja marca, estranhamente, nem sequer surge no Portal RAM – e nem sequer o Infarmed pareceu preocupado em saber.

    Primeiro vacinado em Portugal, no dia 27 de Dezembro de 2020, foi António Sarmento, director do serviço de Infecciologia do Hospital de São João, no Porto. Primeira morte por reacção adversa foi registada no portal do Infarmed em 15 de Janeiro de 2021. Num mês estavam cinco, algumas de forma fulminante.

    Em duas ou menos horas estão identificadas mais três mortes: o caso 1062 (mulher com mais de 80 anos, por dispneia, em 21 de Janeiro de 2021); o caso 5987 (mulher com idade entre os 65 e 79 anos, por ataque cardíaco, em 30 de Março de 2021); e o caso 6675 (homem com idade dos 50 aos 64 anos, por choque anafilático, em 8 de Abril de 2021). Com desfecho fatal entre duas horas e menos de dois dias, o PÁGINA UM contabilizou mais 24 mortes, quase todas associadas a distúrbios cardiovasculares.

    Também se mostra surpreendente a ausência de informação recolhida – ou então ilegalmente escondida ao PÁGINA UM pelo Infarmed – sobre mortes de pessoas de menor idade. No ficheiro ‘mutilado’, estão reportadas nove mortes de pessoas com idade entre os 25 e 49 anos, uma faixa onde a covid-19 constituía um perigo real bastante reduzido. Ora, em cinco destas mortes (casos 200, 11860, 13665, 25779 e 26408) nem sequer se registou a duração da reacção até ao desfecho fatal.

    Nem sequer se considerou alarmante que a primeira destas mortes, em faixas mais jovens (25-49 anos), tenha ocorrido logo na primeira fase, vitimando uma mulher no primeiro dia do ano de 2021, surgindo somente a referência a ter sido uma morte súbita. Neste grupo de vítimas mais jovens, alguns das causas de morte estão em linha com alguns distúrbios compatíveis com reacções adversas das vacinas contra a covid-19 confirmadas pela Ciência ao longo dos últimos anos. Por exemplo, o caso 18448 diz respeito à morte de um homem nesta faixa etária que foi acometido de trombocitopenia imune somente 24 horas depois de lhe ser administrada a vacina da Janssen. Já uma mulher do mesmo grupo etário morreu em Agosto de 2021 depois de sofrer um choque anafilático seis horas após receber uma dose da vacina da Pfizer, acabando por sucumbir de ataque cardíaco.

    Ainda mais complexa, e agonizante, foi a morte de um homem desta faixa etária a quem, três dias após receber a vacina da Pfizer, foi diagnosticada uma miocardite, seguindo-se um acidente vascular cerebral grave e uma trombose arterial. Morreu passado mais três dias, em 26 de Novembro de 2021, de ataque cardíaco.

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed desde 2019: somente pela protecção política de que goza se pode justificar que continue, mesmo com um acórdão do Tribunal Administrativo, a recusar divulgar dados oficiais relevantes para a aplicação do conceito de consentimento informado.

    O PÁGINA UM continuará a analisar o Portal RAM, a pressionar o Infarmed a cumprir o acórdão do Tribunal Administrativo, e a fazer um levantamento das reacções adversas mais graves causadas pelas vacinas da covid-19 no espaço europeu, através de um levantamento exaustivo e rigoroso da informação da EudraVigilance, a base de dados da Agência Europeia do Medicamento.

    Destaque-se, no entanto, e desde já, que não existe nenhum outro medicamento autorizado que actualmente apresente tantas vítimas por efeitos adversos, mantendo-se um estranho alheamento com vista a uma necessária análise ética e política sobre os programas de vacinação contra a covid-19, que inclua uma avaliação do custo-benefício por grupo etário e por grau de vulnerabilidade. E, sobretudo, com a transparência exigida para que haja um verdadeiro (e sem pressão) consentimento informado, assumindo o Estado – já que as farmacêuticas obtiveram isenções de responsabilidades da Comissão von der Leyen – os apoios e indemnizações por danos causados durante os programas (quase impostos) de vacinação.

    N.D. A ‘luta’ do PÁGINA UM nos tribunais administrativos, neste processo contra o obscurantismo do Infarmed, e noutros, somente tem sido possível em virtude dos apoios individuais dos leitores, através de donativos específicos para o FUNDO JURÍDICO.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Limpezas na Marinha: este ano, Gouveia e Melo já soma ajustes directos de quase quatro milhões

    Limpezas na Marinha: este ano, Gouveia e Melo já soma ajustes directos de quase quatro milhões

    Embora o actual Chefe do Estado-Maior da Armada, Gouveia e Melo, tenha usado o camuflado como ‘imagem de marca’ durante a pandemia, é o branco, a cor da limpeza, que mais se associa à Marinha. Mas este ano, o ramo das Forças Armadas liderado pelo homem que se tornou ‘herói da logística’, apenas consegue manter as suas instalações limpas recorrendo a sucessivos ajustes directos, porque um concurso público agregado aberto no início de 2022 ‘naufragou’, e no ano passado um novo concurso público só previu a limpeza durante três meses. Por via de contratos de ‘mão beijada’, que beneficiaram sobretudo duas empresas, este ano já foram ‘limpos’ quase quatro milhões de euros por esta via, três vezes mais do que em 2022 e 2023. Além disso, a Marinha usou um expediente que levanta muitas dúvidas legais: admitiu ao PÁGINA UM que ‘ofereceu’ os contratos às empresas a quem fez uma consulta preliminar ao mercado, algo que viola os princípios da não discriminação e da transparência.


    Um concurso público da Marinha aberto em Novembro do ano passado para, entre outros lotes, comprar esfregonas, vassouras, esponjas em nylon, trapos, pás de plástico, panos de flanela para o pó e sacos de lixos foi concluído com sucesso no ‘tempo de um ai’. No início de Fevereiro deste ano, já estavam a ser celebrados contratos com diversas empresas concorrentes, para cumprir o plano de compras de 2024, com montantes que iam de 20,40 euros até pouco mais de 17 mil euros.

    Porém, no ramo das Forças Armadas que tem hoje a liderar o homem que se destacou nas operações de logística da vacinação contra a covid-19, o almirante Gouveia e Melo, foi um autêntico ‘cabo das tormentas’ despachar um concurso público para a limpeza de diversas instalações militares aberto em Fevereiro de 2022. Em abono da verdade, o concurso público ‘naufragou’. Resultado prático: este ano têm-se somado sucessivos ajustes directos sem se conhecerem os verdadeiros motivos do imbróglio de um procedimento concursal iniciado há 30 meses nem os motivos para a preferência agora concedida sobretudo a duas empresas de limpeza, a Intelimpe e a Lucena & Lucena.

    seven white push mops on wall

    O mais recente ajuste directo desta natureza beneficiou a empresa Fine Facility Services, contratada até ao final de Dezembro por serviços de limpeza da Base Naval de Lisboa, do Comando do Corpo de Fuzileiros e do Depósito de Munições, entre outros departamentos da Marinha. Vai receber, de ‘mão beijada’, um total de 584 mil euros, que se ‘transformam’ em 718 mil euros com IVA. Mas mais ‘sorte’ teve a sua concorrente Interlimpe, que conseguiu arrecadar, apenas desde Fevereiro de 2024, seis ajustes directos que já totalizam mais de 1,47 milhões de euros, que aumentam para mais de 1,8 milhões de euros com IVA.

    Também afortunada aparenta ser a Lucena & Lucena – uma empresa de Matosinhos com apenas três anos e um capital social de apenas 5.000 euros, que pertence a um casal que viverá no Brasil –, que celebrou, entre Fevereiro e Julho deste ano, quatro ajustes directos para limpeza de instalações da Armada. O valor potencial destes contratos sem concorrência aproxima-se dos 990 mil euros, que aumentam para mais de 1,2 milhões de euros com IVA.

    De acordo com um levantamento do PÁGINA UM no Portal Base, incluindo um contrato de compra de papel higiénico com folha dupla de 12.450 euros – que deverá dar para 50 mil rolos, embora o caderno de encargos nem sequer indique a quantidade a entregar –, a Marinha já contabiliza, para serviços e produtos de limpeza, 16 ajustes directos nos primeiros oito meses do presente ano. No total, a factura já ultrapassa os 3,1 milhões de euros, ou seja, 3,85 milhões de euros contando com o IVA.

    Confrontando os valores registados este ano para serviços de limpeza, mostra-se evidente um aumento substancial dos ajustes directos, não tanto em número mas sobretudo em montantes. Por exemplo, em todo o ano passado, a estrutura militar liderada por Gouveia e Melo celebrou 16 ajustes directos, embora totalizando 974 mil euros (sem IVA), ou seja, apenas um terço daquilo que registou em apenas oito meses de 2024. Em 2022, o primeiro ano com Gouveia e Melo em funções de topo, a Marinha tinha celebrado 35 ajustes directos, mas sem chegar à fasquia de um milhão de euros (995 mil, sem IVA). Em contraste, os serviços de limpeza e de aquisição de produtos de limpeza contratados por concurso público atingiram 2,01 e 1,21 milhões de euros, respectivamente em 2022 e 2023. Este ano, em oito meses, por concurso público apenas se celebraram contratos no valor de 131 mil euros, todos de pequeno valor.

    Almirante Gouveia e Melo, Chefe do Estado-Maior da Armada. Foto: DR

    Um conjunto de seis questões foram enviadas pelo PÁGINA UM ao Chefe do Estado-Maior da Armada, pedindo esclarecimentos, entre outros aspectos, sobre a sistemática opção pelos ajustes directos em serviços de necessidade contínua e programável, uma porta-voz da Marinha diz terem sido “motivos extraordinários e num âmbito muito restrito” que levaram à decisão dos ajustes directos, após o concurso público de 2022 – que agregava 22 lotes de diversos ramos das Forças Armadas – ter sofrido “diversas vicissitudes procedimentais, normais em procedimentos contratuais”, tendo estes sido concluídos apenas “no final de Maio”.

    Acrescente-se, contudo, que, além de a Marinha não ter explicitado, apesar de pedido reiterado, quais as vicissitudes procedimentais que alegadamente existiram, não é (ou não deveria ser) uma situação normal a não conclusão de um concurso público ao fim de 30 meses. Aliás, aparentemente, o Estado-Maior da Armada não terá contado toda a ‘história verdadeira’ ao PÁGINA UM, porque o concurso aberto em Fevereiro de 2022 já nem sequer será aproveitável. Tanto assim que em Julho do ano passado foi aberto pela Marinha um novo concurso público para serviços de limpeza, mas para apenas os três últimos meses de 2023, provavelmente por razões orçamentais.

    Apesar de o Estado-Maior da Armada ter colocado a informação errada no Portal Base sobre este concurso público, repartido em 20 lotes, referindo que foi ganho apenas pela Interlimpe, contra cinco concorrentes, na verdade esta empresa arrecadou 11 lotes e a Lucena & Lucena um total de nove, com um custo global de 733 mil euros. Certo é que, neste caso, este concurso público ficou decidido em menos de quatro meses, uma vez que os contratos para os 20 lotes foram assinados em Outubro do ano passado.

    Porém, terminada a vigência de apenas três meses destes contratos dos 20 lotes, e sem haver novo concurso público concluído para garantir serviços de limpeza ao longo de 2024, a Marinha decidiu então lançar mão de sucessivos ajustes directos. E esta é a principal razão para já se atingirem quase quatro milhões de euros em serviços e produtos de limpeza. E é para tentar justificar a falta de planeamento que a Marinha tenta usar a estratégia da tergiversação.

    Base Naval de Lisboa, no Alfeite. Foto: DR

    Com efeito, perguntado como são feitas as escolhas específicas das empresas que, por ausência de concorrência, beneficiam dos ajustes directos, e se existe uma justificação por escrito (para ser enviada), a porta-voz de Gouveia e Melo diz ter-se optado “por efectuar consultas preliminares ao mercado nos termos do artigo 35º-A do CCP [Código dos Contratos Públicos], tendo como racional na escolha dos operadores económicos a consultar as empresas que já se encontravam a prestar os serviços de limpeza e as empresas a quem, no âmbito do procedimento agregado do MDN [Ministério da Defesa Nacional], foram adjudicados os serviços, ou seja, aquelas que dispunham de capacidade de resposta imediata por conhecer os serviços e as infraestruturas  a limpar”.

    Em termos práticos, apesar de não explicado, o Estado-Maior da Armada estabeleceu ajustes directos, pelo que se apura, apenas com as duas empresas – Intelimpe e Lucena & Lucena – que tinham vencido os concursos públicos do último trimestre de 2023, em detrimento da concorrência. E alega urgência imperiosa que, na verdade, se deverá prolongar, na generalidade dos casos, até ao final do presente ano. Acrescente-se também que o alegado uso pela Marinha de uma consulta ao mercado para decidir pela escolha das empresas beneficiadas com ajustes directos mostra-se opção polémica e eventualmente ilegal. Com efeito, a consulta ao mercado constitui somente uma fase de preparação do procedimento para a formação de contratos e requer, por isso, especiais cuidados, devendo cingir-se a consultas informais de mercado, através da “solicitação de informações ou pareceres de peritos, autoridades independentes ou agentes económicos, que possam ser utilizados no planeamento da contratação”.

    Nessa linha, a consulta preliminar às “empresas que já se encontravam a prestar os serviços de limpeza e as empresas a quem, no âmbito do procedimento agregado do MDN [Ministério da Defesa Nacional], foram adjudicados os serviços”, como refere a Marinha na resposta ao PÁGINA UM, aparenta configurar uma violação ao CCP. E isto porque a lei destaca que a consulta preliminar “não pode ter por efeito distorcer a concorrência, nem resultar em qualquer violação dos princípios da não discriminação e da transparência”, o que sucederá se, posteriormente à consulta a uma empresa, a entidade pública adjudicante lhe oferece de ‘mão beijada’ um ajuste directo.

    Aliás, a norma do CCP sobre a consulta preliminar ao mercado explicita, por esse motivo, que ”quando um candidato ou concorrente, ou uma empresa associada a um candidato ou concorrente, tiver apresentado informação ou parecer à entidade adjudicante ou tiver sido consultada […] ou tiver participado de qualquer outra forma na preparação do procedimento de formação do contrato, a entidade adjudicante [neste caso, a Marinha] deve tomar as medidas adequadas para evitar qualquer distorção da concorrência em virtude dessa participação”.

    Fuzileiros em acção. Foto: DR.

    E acrescenta essa norma que “são consideradas medidas adequadas, entre outras, a comunicação aos restantes candidatos ou concorrentes de todas as informações pertinentes trocadas no âmbito da participação do candidato ou concorrente na preparação do procedimento de formação do contrato, com inclusão dessas informações nas peças do procedimento”. Ora, como a Marinha fez ajustes directos com as empresas que consultou, sem ponderar sequer outros procedimentos, esta norma do CCPJ terá sido assim violada.

    Saliente-se que o PÁGINA UM solicitou a Gouveia e Melo que fossem enviadas as justificações escritas para a escolha por ajuste directo das empresas, mas sem sucesso. Também não foi respondida a questão sobre as regras existentes no Estado-Maior da Armada com vista à redução dos contratos de ‘mão beijada’, sobretudo para a aquisição de bens e serviços onde exista concorrência conhecida, como é o caso evidente dos serviços de limpeza.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Câmara da Covilhã é uma ‘casa santa’ para o provedor da Santa Casa da Misericórdia do Fundão

    Câmara da Covilhã é uma ‘casa santa’ para o provedor da Santa Casa da Misericórdia do Fundão

    Amigos, amigos, negócios à parte” – assim reza o adágio. Mas há uma excepção, pelo menos na Covilhã: se quem pagar a conta for o Erário Público, então pode ser ‘amigos, amigos, negócios incluídos’, porque não será de estranhar que um presidente da autarquia contrate sucessivamente por ajuste directo um seu correligionário de longa data, por sinal provedor da Santa Casa da Misericórdia do vizinho Fundão, para serviços jurídicos. E se for necessário ‘inventar’ que não há, entre os 40.065 advogados existentes em Portugal, outro igual ao amigo, alegue-se então ser ele um ‘primus inter pares’, para se prescindir de concurso público aberto e transparente. Numa investigação do PÁGINA UM, conheça a fantástica relação comercial entre o edil Vítor Pereira, que também acumula a liderança da Federação Distrital de Castelo Branco do Partido Socialista, e o advogado Jorge Gaspar, que tem sido frutuosa para o segundo: 432 mil euros sem ‘espinhas’. O mais recente contrato de ‘mão beijada’ ocorreu há cerca de três semanas e ‘pinga’ até meio de 2027.


    No final do ano passado, estavam registados 40.065 advogados em Portugal, segundo a Ordem dos Advogados, mas o advogado e presidente da autarquia da Covilhã, o socialista Vítor Pereira, não teve dúvidas em contratar com dinheiros públicos, no início deste mês, o seu antigo colega de escritório, Jorge Gaspar, entregando-lhe uma nova avença mensal de 4.000 euros para os próximos três anos, por alegadamente não existir “concorrência por motivos técnicos”. Em todo o país, presume-se; daí não se ter a autarquia do distrito de Castelo Branco aberto um concurso público para prestar serviços jurídicos, pois seria uma inutilidade, porquanto, a atender às razões invocadas (ausência de concorrência), Jorge Gaspar nunca teria quem o igualasse, quanto mais o superasse.

    E quem é Jorge Gaspar? Considerando a existência de 40.065 advogados, será então um ‘primus inter pares’, uma ‘pérola’ mesmo se sedeado num pequeno escritório de advocacia na Covilhã, sem parceiros, mas com estatuto social suficiente para liderar também a Santa Casa da Misericórdia do Fundão, uma instituição de solidariedade social fortemente financiada pela Estado, embora com um passivo que subiu dos 6,1 milhões de euros em 2018 para 10,3 milhões no ano passado.

    Covilhã: amigos, amigos; negócios incluídos. Foto: D.R.

    A inusitada contratação do advogado Jorge Gaspar – através de uma justificação perfeitamente ridícula e falaciosa, apenas com o objectivo de contornar as limitações legais aos ajustes directos – foi concretizada no passado dia 30 de Julho, tendo sido disponibilizada três dias depois no Portal Base. Este contrato, que tem Vítor Pereira e Jorge Gaspar como signatários, não é acompanhado na plataforma da contratação pública pelo caderno de encargos, não estipula em concreto as tarefas específicas a executar, que poderiam fazer alguma luz para o facto de este causídico ser considerado único, ou seja, sem concorrência possível de se encontrar. O presidente da Câmara da Covilhã, que também é líder da Federação Distrital de Castelo Branco do Partido Socialista, não respondeu às perguntas do PÁGINA UM.

    Certo é que este é um contrato entre dois amigos de longa data da cidade da Covilhã, algo que pode ser visto como um hino à fraternidade, mas com o senão de envolver dinheiros públicos. E não é amizade recente: já ultrapassou três décadas e meia. Não tão longa é a relação de negócios entre o edil Vítor Pinheiro e o causídico Jorge Gaspar. Começou em 2014, um ano depois do ex-deputado socialista ter vencido as suas primeiras eleições autárquicas. Nesse ano, o presidente da autarquia da Covilhã mostrou-se grato ao seu antigo patrono, Antunes Ferreira, e entregou um ajuste directo de 48 mil euros à sociedade de advogados Antunes Ferreira, Jorge Gaspar & Associados, ou seja, começou a relação comercial. A norma para o ajuste directo tinha, neste caso, uma base legal, porque era então possível este procedimento para montantes inferiores a 75 mil euros.

    Este contrato terminaria em meados de 2015, mas só em 2016, mais precisamente em Julho, Vítor Pereira achou que, apesar da existência do habitual departamento jurídico camarário, precisava novamente do seu amigo Jorge Gaspar, e assim o contratou, dessa vez apenas a ele. Por um ano, em ajuste directo se ‘ajustou’ o pagamento de 48 mil euros por 365 dias de trabalho, ou seja, 4.000 euros por mês. Como o preço era inferior a 75 mil euros, o contrato mostrava-se legal por esta via.

    Vítor Pereira, advogado e presidente da autarquia socialista da Covilhã desde 2013, considera o seu amigo Jorge Gaspar como o único capaz de executar tarefas que já custaram mais de 420 mil euros ao município. Foto: CMC

    No ano seguinte, em Julho de 2017, foi repetida a ‘dose’: mais 12 meses com a avença de 4.000 euros, num total de 48 mil euros no ano. O limite legal para o ajuste directo era então de 50 mil euros, e o contrato entre os dois amigos foi concretizado pouco mais de um mês antes de uma alteração legislativa que procurava impedir a sucessão de ajustes directos por valores ‘cirurgicamente’ abaixo do limite. Ou seja, a partir desse momento, em teoria deixavam de ser possíveis ajustes directos (ou adjudicações após consulta prévia) a entidades ou pessoas que no ano económico em curso e nos dois anos económicos anteriores tivessem sido contratados por essa via, e se fossem ultrapassados limites relativamente baixos.

    Mas onde o Código dos Contratos Públicos fecha uma porta aos abusos, a imaginação e os expedientes encontram sempre uma brecha, ou rasgam uma janela. Por esse motivo, mudou a estratégia do presidente da Câmara da Covilhã para contratar o amigo Jorge Gaspar por ajuste directo, sem os incómodos da concorrência. Assim, apesar de ter sido divulgado apenas em Novembro de 2021, o ajuste directo celebrado em 20 de Julho de 2018, no habitual valor de 48 mil euros com a duração de um ano, apresentou já como justificação um critério material, ou seja, um expediente que permite qualquer valor desde que se possa encaixar numa das excepções do Código dos Contratos Públicos. E foi aqui que se começou a ‘inventar’ que Jorge Gaspar era um advogado tão especial que, enfim, a sua contratação por ajuste directo se mostrava inevitável por “não exist[ir] concorrência por motivos técnicos”.

    O PÁGINA UM consultou diversos peritos que asseguraram que a amizade ou a confiança não podem ser invocadas como “motivo técnico” para uma contratação por ajuste directo (ou consulta prévia), ainda mais quando se está perante um mercado fortemente concorrencial como o da advocacia.

    Depois deste ajuste directo de 2018, no Portal Base apenas surge um novo contrato entre a autarquia da Covilhã e Jorge Gaspar em Julho de 2021, voltando-se a alegar novamente o critério material de inexistência de concorrência. E desta vez, para não se estar a repetir a ‘cantiga’ dos outros anos, o presidente Vítor Pereira tratou de compor um contrato com a duração de três anos pelo valor global de 144 mil euros, dando assim os habituais 4.000 euros por mês. Nessa linha, o contrato do passado mês de Julho acaba assim por ser um déjà vu: até meados de 2027, ‘imune’ à inflação, serão 4.000 euros a pingar por mês. Em suma, descontando o primeiro contrato, ainda celebrado com a sociedade de advogados, Jorge Gaspar ‘sacou’ do seu amigo Vítor Pereira 432 mil euros em dinheiros públicos, sempre através de ajustes directos, e sempre sem os incómodos da concorrência, e sem sequer se saber os processos em que terá trabalhado.

    Vítor Gaspar (ao centro), em Julho, durante uma visita de deputados do Grupo Parlamentar Socialista à Santa Casa da Misericórdia do Fundão, onde se destaca Alexandra Leitão e Ana Mendes Godinho, antiga ministra da Segurança Social. Foto: SCMF

    Apesar de a Câmara da Covilhã – a entidade pública que deve responder pela contratação – nada ter dito ao PÁGINA UM, o advogado Jorge Gaspar reagiu, questionando alegadas “encomendas” nesta investigação jornalística, que ‘nasceu’ de uma pesquisa no Portal Base. Mas o causídico covilhanense ‘sem igual’ diz presumir que na base desta investigação jornalística esteja “o mesmo covarde que, após a minha primeira contratação pelo Município da Covilhã, apresentou uma denúncia anónima na PJ [Polícia Judiciária]”, que assegura ter sido arquivada pelo Ministério Público.

    Jorge Gaspar defende, aliás, a legalidade de todos os contratos, apesar das evidências, dizendo que “a relação entre advogado e cliente tem subjacente uma relação de confiança, pessoal e profissional, pelo que as pessoas singulares e os representantes das pessoas coletivas, particulares ou públicas, procuram para os patrocinar juridicamente os advogados e/ou jurisconsultos e quem confiam, quer pelas suas qualidades pessoais, quer pelas suas qualidades e competências profissionais”. E o advogado ‘puxa dos galões’ para demonstrar que, na sua perspectiva, não existem mesmo dúvidas quanto aos facto de ser um ‘primus inter pares’: “os quase 34 anos de advocacia, os milhares de clientes, pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou particular, que já patrocinei, bem como os colegas e magistrados com quem tenho trabalhado, falam por mim”, diz. O presidente da Câmara da Covilhã, que pelo facto de ter contratado, poderia (e deveria) falar, optou por não o fazer.

    Jorge Gaspar acrescenta também, à laia de argumento de não ser o único a beneficiar de dinheiros públicos de ‘mão beijada’, achar “estranho que tendo o Município da Covilhã um outro advogado avençado, com uma avença de valor superior à que me é paga, cujo contrato existe há décadas, inicialmente com o pai, ilustre advogado, e actualmente e desde há mais de 20 anos, com o filho, igualmente ilustre advogado, só suscite estranheza e curiosidade a minha contratação, quando o meu prestígio e competência profissionais não são menores do que os daqueles ilustres profissionais”.

    Saliente-se, contudo, que antes mesmo desta ‘sugestão’ de Jorge Gaspar, já o PÁGINA UM detectara a outra avença para serviços jurídicos, beneficiando por ajuste directo a sociedade Fontes Neves & Associados, fundada na Covilhã por um antigo delegado do Procurador da República, António Fontes Neves, e agora liderada pelo seu filho David. No entanto, de acordo com a consulta ao Portal Base, onde devem constar todos os contratos públicos desde 2009, as relações entre a autarquia liderada desde 2013 pelo socialista Vítor Pereira são, porém, mais pontuais com a Fontes Neves & Associados. Na verdade, sob a liderança do actual presidente da edilidade covilhanense, somente foi assinado um ajuste directo, em finais de Maio de 2022, com uma duração de três anos e um valor de 252 mil euros, ou seja, uma avença mensal de 7.000 euros.

    Neste caso, porém, o argumento para a contratação não foi a ausência de concorrência, mas antes um outro ‘expediente’ cada vez mais comum para contornar o concurso público: a alegada dificuldade “na elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas”. Conhecer os motivos desta contratação também não foi possível, uma vez que também em relação a esta contratação o presidente da autarquia da Covilhã não deu resposta.

    book lot on black wooden shelf
    Para a autarquia da Covilhã, Jorge Gaspar não é um entre mais de 40 mil advogados portugueses: é o único advogado capaz de defender os interesses do município…

    Já Jorge Gaspar não esconde a longa relação que tem com o edil da Covilhã, mas considera não existirem motivos para colocar em causa a legitimidade ou a ética dos procedimentos contratuais. “Quanto ao meu relacionamento com o atual Presidente da Câmara, além de termos estagiado, em simultâneo, com o mesmo patrono [Antunes Ferreira] e de termos trabalhado durante algum tempo no escritório daquele (do qual o s[enho]r. Presidente saiu, há mais de 25 anos, para abrir escritório próprio e eu fiquei, acabando por constituir uma sociedade de advogados com o meu ex-patrono), nunca existiu qualquer outro relacionamento profissional ou negocial, seja de que natureza for”, assegura Jorge Gaspar.

    E o advogado ‘sem concorrência’ não esconde que “sempre t[e]ve uma relação de amizade com o Dr. Vitor Pereira, mesmo após a sua saída do escritório, tal como mantenho com outros autarcas, empresários, colegas de profissão, etc.”, se bem que, acrescenta, teve mesmo assim “ ocasião de litigar em processos em que o Dr. Vítor Pereira, enquanto exerceu advocacia, patrocinava a parte contrária, defendendo cada um, o melhor possível, os interesses dos seus clientes”. E conclui: “o S[enho]r. Presidente da Câmara Municipal da Covilhã, tal como os demais vereadores do executivo camarário, conhecem bem as minhas qualidades pessoais e profissionais, que me levaram a granjear o prestígio que me é reconhecido não só na cidade da Covilhã, mas em toda a Beira Interior, onde mais trabalho”.

    Portanto, concluindo, para o advogado Jorge Gaspar, tudo normal nos sucessivos contratos por ajuste directo com a câmara municipal liderada pelo amigo de longa data Vítor Pereira, usando-se dinheiros públicos… e esta notícia nem sequer tem, nessa perspectiva, uma razão para existir.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Fornecedores escolhidos a dedo: Parques de Sintra gasta quase meio milhão em ‘bibelots’ para turistas

    Fornecedores escolhidos a dedo: Parques de Sintra gasta quase meio milhão em ‘bibelots’ para turistas

    A gestora dos parques e monumentos de Sintra ‘queimou’ 455 mil euros em 15 dias, em dois ajustes directos para rechear as suas lojas com ‘souvenirs’ para turistas. A despesa em ‘marketing cultural’ abrangeu a compra, sem concurso, de produtos como sabonetes, canecas e bases para tachos em cortiça com azulejo pintado. A Parques de Sintra – Monte da Lua alega existirem critérios materiais para contornar a necessidade de fazer concursos públicos. E garante que o merchandising é um negócio lucrativo, não se tratando de despesas, mas de investimento, já que obtém retorno para os seus cofres. Mas estas não foram as únicas compras feitas sem concurso pela Parques de Sintra – Monte da Lua, que em menos de dois meses ‘estoirou’ mais de um milhão de euros em contratos de valor avultado feitos com fornecedores escolhidos a dedo.


    À grande e à francesa. Foi assim que, no espaço de duas semanas, a Parques de Sintra – Monte da Lua (PSML) fez ‘voar’ 455,1 mil euros de dinheiro dos contribuintes na compra de sabonetes e outros ‘recuerdos‘ para vender a turistas, através de duas compras a fornecedores escolhidos a dedo, sem concurso.

    num dos contratos, firmado a 7 de Agosto, a gestora dos parques e monumentos de Sintra ‘largou’ 307,5 mil euros (com IVA incluído) para rechear as suas lojas com canecas, bases para tachos em cortiça com azulejo, cadernos, sacos e outros ‘bibelots‘ de ‘marketing cultural’. A ‘sorte grande’ saiu à empresa Liquid Brand Unipessoal, que ganhou o contrato para fornecer, durante três anos, “produtos de merchandising cultural com design de autor para revenda” sem ter de enfrentar concorrência.

    (Foto: D.R.)

    A carta-convite enviada a esta empresa foi assinada pela presidente da PSML, Florinda Cruz. A Parques de Sintra justificou a opção pelo ajuste directo com o artigo 24º, número 1, alínea a), do Código dos Contratos Públicos (CCP), que prevê a excepção quando “em anterior concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação, nenhum concorrente tenha apresentado proposta, todas as propostas tenham sido excluídas com fundamento na primeira parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º, nenhum candidato se haja apresentado, ou todas as candidaturas tenham sido excluídas com fundamento nas alíneas c), j) ou l) do n.º 2 do artigo 184.º” do CCP.

    Contudo, consultado o Diário da República, não se encontra nenhum anúncio da PSML relativo a abertura de concurso para a compra de produtos de merchandising. Contactada, a PSML respondeu que houve um “lapso” e que, afinal, o ajuste directo foi feito ao abrigo do artigo 24º, número 1, alínea e), subalínea iii) do CCP, ou seja, por ser “necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”. E indicou que esta fundamentação está expressa nas peças de procedimento que acompanham o anúncio do ajuste directo.

    Entretanto, a PSML corrigiu a fundamentação que constava no anúncio no Portal Base. Contudo, consultadas peças de procedimento que acompanham o anúncio do ajuste directo, apenas na carta-convite se encontra a fundamentação referida pela PSML, mas sem mencionar a alínea iii) do mesmo artigo do CCP, a qual justifica a ausência de concurso com a fundamentação de que é necessário proteger direitos, incluindo de propriedade intelectual. O que consta da carta-convite é a apenas a invocação do artº 24, número 1, alínea e), que justifica o ajuste directo quando “as prestações que constituem o objeto do contrato só possam ser confiadas a determinada entidade por uma das seguintes razões”. Fica-se, assim, sem saber oficialmente, de forma documentada, o motivo para a ausência de concurso.

    Segundo o CCP, o ajuste directo em caso de compra de bens ou serviços deve ser de montante inferior a 20 mil euros. Mas a Lei admite excepções em caso de haver ‘critérios materiais’ específicos. Consultando o Portal Base, verifica-se que a excepção passou a ser a norma e muitas entidades públicas passaram a entregar milhares ou mesmo milhões de euros a um só fornecedor, que é escolhido a dedo, sem que haja um procedimento concursal, alegando as mais diversas justificações, as quais não são aplicáveis em diversos casos.

    O segundo fornecedor escolhido a dedo para fornecer bens para as lojas da PSML foi a conhecida fabricante de sabonetes nortenha Castelbel Artigos de Beleza, que facturou 147,6 euros (com IVA incluído) num contrato por ajuste directo firmado no dia 30 de Julho.

    Neste caso, ao invés de lançar um concurso, dando a oportunidade a outros fornecedores para fornecerem as lojas da PSML, a empresa decidiu escolher sozinha a Castelbel para fornecer sabonetes, velas aromáticas, difusores de perfume e saquetas perfumadas. Para realizar este ajuste directo, a PSML alegou ser “necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”.

    Este é o segundo ajuste directo firmado com a Castelbel. Em 2018, a PSML firmou um contrato com a empresa nortenha invocando o artigo 24.º, n.º 1, alínea e), subalínea ii), do CCP, ou seja, alegando que não exista mais nenhuma empresa que pudesse fornecer os artigos pretendidos de perfumaria para revenda por motivos técnicos.

    Mas a opção pelo ajuste directo para ‘rechear’ as lojas com artigos de revenda é recorrente. Em Novembro de 2023, a PSML publicou no Portal Base um contrato por ajuste directo no montante de 150 mil euros com a empresa Gatafunhos para a aquisição de artigos de merchandising, nomeadamente canecas, t-shirts e sweat-shirts. Em Setembro de 2022, já tinha sido celebrado um contrato similar no valor de 75 mil euros, sem que fosse divulgado o preço unitário de cada produto a comprar. Aliás, chegaram a ser vendidos, no âmbito deste contrato, produtos que não constavam do contrato celebrado com a Gatafunhos. Na altura, o director de comunicação da PSML, Rui Mateus, justificou ao PÁGINA UM que “inicialmente, o contratante pode estabelecer os produtos que previsivelmente pretende obter, mas podem ser criados, ao longo da execução do contrato, novos produtos ou produtos que sejam claramente mais vendáveis”, dependendo do ‘apetite’ dos consumidores e das tendências do mercado. Também garantiu que o negócio compensou, já que “uma despesa de 75 mil euros originou uma receita superior a 200 mil euros”.

    Mas estes são apenas dois dos ajustes directos feitos pela PSML, mas a empresa, só nos últimos dois meses, gastou cerca de um milhão de euros dos contribuintes em 16 contratos por ajuste directo relativos à compra de bens e contratação de serviços diversos, desde a instalação de máquinas de venda automática de bebidas, a actividades equestres e compra de material de canalização, passando pela contratação de serviços de comunicações móveis à Meo. Tudo sem concurso ou por serem de valor abaixo dos 20 mil euros ou alegando-se critérios materiais específicos.

    (Foto: D.R./Parques de Sintra)

    Dos ajustes directos contratados desde o início de Julho, cinco envolvem montantes globais acima dos 100 mil euros. É o caso dos dois contratos com a Castelbel e a Liquid Brand Unipessoal e mais três. Um deles, publicado no dia 14 de Agosto no Portal Base, diz respeito a “Aquisição de chocolate quente, derivados, chás, bebidas sem glúten e açucaradas para venda nos espaços de Cafetaria e Restauração sob a gestão da Parques de Sintra”. Neste caso, a PSML escolheu a empresa Natfood Portugal, Limitada, que factura 98.000 euros (sem IVA), para fazer o fornecimento daqueles produtos a quiosques e cafetarias da PSML durante dois anos.

    Estranhamente, para justificar não ter feito concurso, a PSML invocou o artigo 20º, número 1, alínea d) do CCP que permite a opção pelo ajuste direto, “quando o valor do contrato for inferior a € 20 000”.

    Um outro ajuste directo avultado foi feito no início de Julho com a Multimac Hito Innovation, no montante global de 239 mil euros referente a “serviço de suporte e manutenção do sistema de bilhética”. Também no início do mês passado, a PSML assinou um contrato por ajuste directo com a Revelamos Jornalismo e Fotografia no valor de 125 mil euros, a que acresce IVA, para a “aquisição de artigos com imagens de autor”.

    A verdade é que a vida não corre mal à PSML, uma sociedade anónima de capitais públicos criada em 2000, e que tem como actuais acionistas a Direção-Geral do Tesouro e Finanças, com uma participação de 35%, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, também com uma participação de 35% e o Turismo de Portugal e a Câmara Municipal de Sintra, ambos com 15% do capital.

    Pormenor do Palácio Nacional de Queluz. (Foto: D.R./PSML)

    Em 2023, as receitas da empresa pública subiram 25,3% face ao ano anterior, fixando-se em 34,7 milhões de euros, mas o valor ficou ligeiramente abaixo da facturação em 2019, antes da pandemia de covid-19 e das medidas radicais impostas pelo Governo, que arrasaram o sector do turismo e da restauração e atiraram a PSML para o registo de prejuízos em 2020 e 2021.

    Segundo a empresa, a sua principal fonte de receitas continua a ser a venda de bilhetes (para se visitar o Palácio da Pena, por exemplo, o custo de um bilhete normal é de 20 euros), que representou 80% total em 2023. A restauração corresponde a 9% das receitas e as lojas 4%. A empresa teve um lucro de 7,132 milhões de euros em 2023, uma ligeira descida face aos 7,264 milhões de euros obtidos em 2022. Ainda assim, os valores estão aquém do lucro de 10,2 milhões de euros observados em 2019.

    Mas, seja com lucro ou com prejuízo, a obrigação de observação de regras de transparência no uso de dinheiros públicos é a mesma e o que é certo é que em vários contratos celebrados pela PSML a justificação para a opção pelo ajuste directo deixa muito a desejar.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Mais de 1,2 milhões de euros de dinheiros públicos para evento com ‘naming’ do Continente

    Mais de 1,2 milhões de euros de dinheiros públicos para evento com ‘naming’ do Continente

    A Volta a Portugal em bicicleta foi perdendo élan nas últimas décadas, mas mantém-se no imaginário de autarcas, que abrem os cordões à bolsa com dinheiros públicos, para os seus municípios serem escolhidos pela organização como locais de chegada, de partida e até de metas volantes. Como o negócio fala mais alto, o resultado é uma Volta que parece uma manta de retalhos, onde os ciclistas quase andam tanto de autocarro como de bicicleta. A edição deste ano, de acordo com as contas do PÁGINA UM, já ultrapassam os 1,2 milhões de euros de dinheiros públicos, mas o ‘naming’ foi sacado pelo Continente por um valor não divulgado pela empresa organizadora, a Podium Events.


    A empresa organizadora da Volta a Portugal em bicicleta – que terminou no passado domingo com a vitória do russo Artem Nych –, que conta com quatro empregados, já garantiu na edição deste ano mais de 1,1 milhões de euros de dinheiros públicos. Apesar do ‘naming’ deste evento desportivo estar associado aos supermercados Continente, do Grupo Sonae, e existirem dezenas de patrocinadores e fornecedores oficiais, uma parte substancial das receitas da Podium Events surge de ‘patrocínios’ de autarquias e outras entidades públicas, em grande parte dos casos como contrapartida de os municípios respectivos serem escolhidos para início ou fim das etapas.  

    No passado dia 24 de Julho, quando se iniciou a principal prova portuguesa que integra o calendário da Union Cycliste Internationale (UCI) Europe Tour, o PÁGINA UM já tinha relatado que, contabilizando também um patrocínio da Santa Casa da Misericórdia de 310 mil euros, constavam no Portal Base contratos envolvendo entidades públicas e a Podium Events no valor de quase 815 mil euros. Mas este valor foi aumentando à medida que se foi desenrolando o evento. Entre o dia do prólogo até sexta-feira passada foram adicionados mais sete contratos com autarquias (Felgueiras, Bragança, Fafe, Boticas, Paredes e Santarém) e mais um com a Entidade Regional de Turismo do Centro de Portugal. No caso do ajuste directo com a Câmara Municipal de Bragança – a única localidade com ‘direito’ a ser sítio de chegada e partida durante a edição deste ano da Volta a Portugal –, o montante em causa (210 mil euros) garante, desde já, uma nova passagem em 2025.

    Autarquias a pagar para ver chegar e partir os ciclistas aparentam ser o factor mais determinante para que a Podium Events – que, também com outra denominação, tem organizado ou co-organizado esta prova, desde o início do século –, o que ‘obriga’ a uma complexa ginástica que tornou a Volta a Portugal num quase exercício de ‘pogo stick’.

    Com efeito, nos últimos anos, o pelotão não descansa logo que acaba uma etapa, porque na esmagadora maioria das etapas tem de saltar de bicicletas e bagagens para outra localidade, para daí partir na manhã seguinte. Em alguns casos, a caravana vai literalmente em mais do que duas rodas durante largos quilómetros.

    Por exemplo, na edição 85 que terminou domingo, depois do prólogo em Águeda, a primeira etapa saiu, no dia seguinte, em terras do vizinho concelho da Anadia, uma vila de Sangalhos. Neste caso foram 12 quilómetros, mas a primeira etapa terminou em Miranda do Corvo, mas a caravana viu-se obrigada a percorrer em veículos 111 quilómetros, porque a segunda etapa saiu de Santarém. Essa etapa terminou em Lisboa, e nova ‘peregrinação’ houve: 180 quilómetros até ao Crato, no norte do Alentejo, onde se iniciou a terceira etapa.  

    Não considerando o prólogo (Águeda) e o contra-relógio da última etapa (Viseu) – que, pela curta distância, podem ser considerados ‘circuitos’ –, apenas houve uma etapa que se iniciou na mesma localidade onde terminou a anterior: Bragança.

    De resto, a caravana automóvel, com os ciclistas à boleia, andou de norte ao centro do país para levar tudo do sítio onde se terminou para o outro onde se continuaria, a saber: Covilhã-Sabugal (42 km), Guarda-Penedono (63 km), Boticas-Felgueiras (79 km), Paredes-Viana do Castelo (83 km), Fafe-Maia (55 km) e Mondim de Basto-Viseu (123 km). Contas feitas, os ciclistas que terminaram a Volta pedalaram cerca de 1.540 quilómetros, mas entre etapas, de carro, andaram mais 748 quilómetros.

    Na análise do PÁGINA UM, apesar da Volta a Portugal deste ano ter tido somente um prólogo e 10 etapas, houve 18 concelhos onde a caravana parou para chegar ou partir. Até agora, não surgem ainda no Portal Base respeitantes à passagem da prova ciclista nos municípios do Crato, Sabugal, Penedono, Viana do Castelo, Maia, Mondim de Basto e Viseu. Também ainda não aparece qualquer contrato com a autarquia de Miranda do Corvo, chegada da primeira etapa, embora haja um apoio de 19.990 euros da Entidade Regional de Turismo do Centro de Portugal.

    De resto, todas as outras 11 autarquias por onde ‘estancou’ a caravana já abriram os cordões da ‘bolsa pública’ em direcção à Podium Events, sem sequer ser claro os critérios para definir o montante que cada uma pagou. O município de Águeda para ter o prólogo, mas sem direito a partida da primeira etapa, gastou 110 mi euros. Por sua vez, a autarquia de Anadia somente despendeu 24.390,24 euros – sem se perceber o motivo de, contrariamente aos outros, não haver um número redondo – para ficar com a saída da primeira etapa. Na segunda etapa, que ligou Santarém a Lisboa, a autarquia escalabitana desembolsou 20 mil embora, mas na capital foi a Junta de Freguesia de Marvila – onde se localizam alguns dos bairros mais maiores carências – que pagou à Podium Events, e não foi pouco: 90 mil euros para ficar no ‘mapa da Volta’ por uma simples tarde, até porque a caravana seguiu logo para o Crato.

    Como já referido, não existe ainda informação sobre verbas pagas pelos municípios da saída da terceira (Crato), quarta (Sabugal) e quinta (Penedono), mas há para as metas: a autarquia da Covilhã pagou 60 mil euros, a da Guarda 140 mil (integrado num contrato de quatro anos assinado em 2022 no valor total de 400 mil euros) e a de Bragança desembolsou 105 mil euros, que incluiu a partida da sexta etapa.

    Por sua vez, Boticas pagou 80 mil euros para ser meta da sexta etapa, enquanto Felgueiras e Paredes, que se ligaram na sétima etapa, deram à Podium Events 35 mil e 80 mil euros, respectivamente. Relativamente às etapas oitava a décima, somente se conhece ainda os 80 mil euros pagos pelo município de Fafe e os 79.950 euros pagos pela autarquia de Mondim de Basto por ter a etapa final na Senhora da Graça. E há ainda uma autarquia, a de Penamacor, que decidiu pagar 10 mil euros, em ajuste directo, apenas para que houvesse uma simples passagem por esta vila do distrito de Castelo Branco com direito a ‘meta volante’.

    Além destas verbas, este ano a Santa Casa da Misericórdia achou por bem ‘despachar’ 620 mil euros para a Podium Events para ser patrocinador, durante duas edições, da camisola branca (para o melhor jovem ciclista na classificação geral)) e do Prémio Melhor Português. Ou seja, 310 mil euros em cada ano. Este contrato tem, além de tudo, partes expurgadas: cerca de seis páginas do texto inserido no Portal Base, respeitantes à cláusula segunda, estão irregularmente em branco, uma vez que o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC) permite estes abusos.

    Contas feitas, e contabilizando o patrocínio da Santa Casa da Misericórdia, a facturação com dinheiros públicos da Podium Events já ultrapassa os 1,23 milhões de euros, podendo ainda subir. Este montante representa cerca de um terço da facturação em todas as actividades desta empresa – que não se cinge á Volta a Portugal – ao longo do ano de 2022. A empresa, que apresentou nesse ano, um lucro de 1.263 euros, ainda não apresentou as contas do exercício do ano passado, mas mostra-se evidente ser apenas um intermediário, dado que conta quatro empregados e praticamente todas as verbas arrecadadas servem para contratar serviços externos.

    Saliente-se que, para contornar o impedimento de patrocínios directos a empresas privadas, a generalidade dos contratos celebrados pelas autarquias, sob a forma de ajuste directo, indicam estar-se perante uma aquisição de serviços – como se fossem os municípios os organizadores do evento –, o que constitui uma forma pouco ortodoxa de cumprir o Códigos dos Contratos Públicos. Até agora, o Tribunal de Contas tem ‘fechado os olhos’, mesmo sendo evidente que se está perante patrocínios, tanto assim que a lista das autarquias surge na página dedicada aos patrocinadores.

    Embora a Podium Events realize outros eventos, sobretudo de ciclismo, as entidades públicas, sobretudo autarquias, são relevantes clientes. Desde 2009 contabilizam-se quase 190 contratos, envolvendo quase 13 milhões de euros, ultrapassando assim os 15 milhões, caso se inclua IVA. Mais de 3,6 milhões de euros apenas desde 2022.

    Grande parte destes contratos envolvem autarquias e comunidades intermunicipais, destacando-se como melhores clientes da Podium Events, para além da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (620 mil euros), os municípios de Lisboa (1,8 milhões de euros), de Castelo Branco (1,04 milhões de euros), de Viana do Castelo (895 mil euros), da Guarda (790 mil euros), Mondim de Basto (533 mil euros), Montalegre (430 mil euros), Covilhã (375 mil euros) e Braga (355 mil euros).

    O PÁGINA UM contactou a Podium Events para obter esclarecimentos e outras informações, mas não obteve resposta. Não foi assim esclarecido quanto pagou a Sonae pelo ‘naming’ da Volta a Portugal, que, para se realizar este ano, implicou mais de 1,2 milhões de euros em apoios públicos.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Uma serralharia de Guimarães é a única empresa capaz (por três vezes) de ‘tratar’ de um bloco operatório do Hospital de Faro

    Uma serralharia de Guimarães é a única empresa capaz (por três vezes) de ‘tratar’ de um bloco operatório do Hospital de Faro

    O caso foi insólito no primeiro ajuste directo. Estranho no segundo. E cada vez mais suspeito ao terceiro. Por estranhas razões, a empresa Custódio de Castro Lobo & Filhos, uma simples serralharia de Guimarães, conseguiu, desde Setembro do ano passado, sucessivos ajustes directos adjudicados pelo Centro Hospitalar Universitário do Algarve, primeiro para instalar um bloco operatório em estrutura amovível, depois para serviços de ‘terraplanagem’ e, agora, para efectuar melhorias não especificadas. Tudo sem concurso, sempre com justificações diversas, e a última mesmo absurda. Certo é que a empresa vimaranense, com sede a 600 quilómetros de distância de Faro, já facturou com este negócio mais de 1,2 milhões de euros.


    Já diz o ditado que ‘não há duas sem três’. No caso de uma empresa de serralharia de Guimarães, a permissa cumpriu-se. A sociedade Custódio de Castro Lobo & Filhos conseguiu um terceiro contrato por ajuste directo com o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), desta vez, para efectuar “melhorias funcionais ao novo edifício do Bloco Operatório Amovível”, sem se saber que melhorias são precisas para uma unidade que terá sido construída, em princípio para ficar funcional, pela mesma empresa, há menos de um ano.

    Ao todo, não tendo transcorrido uma volta da Terra ao eixo do Sol, esta empresa facturou já 1.245.495,90 euros em três contratos com o CHUA. O primeiro contrato que conseguiu, em Setembro de 2023, no valor de 800 mil euros, noticiado pelo PÁGINA UM, envolveu a ‘montagem de bloco operatório, duas salas cirúrgicas, em estrutura aligeirada amovível’.

    two men wearing blue lab coats
    (Foto: D.R.)

    Seguiu-se, no mesmo mês, um segundo e estranho contrato de 199.249,60 euros para a realização de ‘trabalhos de terraplanagem, modelação do terreno e preparação de acessibilidades’, apesar de o alvará registado pela serralharia vimaranense no Instituto dos Mercados Públicos Imobiliário e Construção (IMPIC) não pareça abranger a execução daquele tipo de trabalhos de construção, como o PÁGINA UM também noticiou.

    Agora, no dia 1 de Agosto, foi publicado no Portal Base um terceiro contrato, assinado a 20 de Maio, por ajuste directo, entre a CHUA e a Custódio de Castro Lobo & Filhos, no valor de 246.246,30 euros, para efectuar ‘melhorias funcionais ao novo edifício do Bloco Operatório Amovível’. O motivo invocado, desta vez, para a não realização de concurso público pelo CHUA, foi a necessidade de “proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual“, algo que, por norma, se aplica à compra de obras de arte ou de espectáculos culturais, e não para obras de construção, como blocos operatórios. Instado a comentar este argumento, o centro hospitalar nada disse a este respeito.

    Assim, segundo o CHUA, o primeiro contrato com esta serralharia foi feito sem concorrência invocando o o artigo do Código dos Contratos Públicos que admite o ajuste directo quando “em anterior concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação, nenhum concorrente tenha apresentado proposta, todas as propostas tenham sido excluídas […], nenhum candidato se haja apresentado, ou todas as candidaturas tenham sido excluídas” com base em determinados fundamentos.

    A serralharia de Guimarães tem um alvará de empreiteiro de obras públicas mas não consta expressamente no IMPIC que esteja habilitada para efectuar um dos serviços contratados pelo CHUA, que envolveu a execução de terraplanagem. (Foto: PÁGINA UM)

    No segundo contrato, o da terraplanagem, o argumento usado pelo CHUA foi o da urgência, para não lançar concurso público. Isto sabendo-se que, nestes casos, o ajuste directo só pode ser justificado se “estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, [e que] não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias […] não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”. Para essa opção, não basta invocar, mas tem de se fundamentar; algo que nunca sucedeu.

    De resto, antes destes contratos com o centro hospitalar algarvio, a empresa de Guimarães tinha apenas mais um contrato registado, além destes três ajustes directos com o CHUA: um contrato obtido através de um procedimento de consulta prévia, em Junho de 2023, com o Município de Alijó, no valor de 23.070 euros para ‘Aquisição de serviços de restauro e recuperação de peças para exposição do Centro Interpretativo D`Olival ao Azeite de D`Ouro’.

    Saliente-se que esta empresa vimaranense tem uma estrutura familiar, sendo gerida por José Dâmaso da Cruz Castro Lobo, um empresário que também é dono da Mabera, que comprou a histórica têxtil Coelima, em 2021, para a recuperar. No seu portfólio, disponível no site da empresa, a serralharia vimaranense apresenta como clientes o Hospital de Braga, apesar de no Portal Base não constar nenhum contrato correspondente. No entanto, é comum existirem subcontratações em obras de grande envergadura.

    Destaque-se que o Hospital de Braga chegou a ser presidido pelo actual presidente do CHUA, o economista João António do Vale Ferreira, entre 2011 e 2019, mas o centro hospitalar algarvio sempre se escusou a esclarecer o motivo para que fosse escolhida uma serralharia a 600 quilómetros para montar um bloco operatório, que requer conhecimentos específicos.

    (Foto: D.R.)

    Com efeito, questionado pelo PÁGINA UM sobre as razões da ausência de concurso público nestes três contratos e como foi feita a escolha da empresa vimaranense, a Unidade Local de Saúde do Algarve apenas afirmou, através de respostas enviadas pelo gabinete de comunicação, que “realizou os procedimentos de contratação, a que se refere no estrito cumprimento da lei em vigor e da sua missão e na proteção de direitos e obrigações exclusivas dos Contratos Públicos”.

    Adiantou que “a escolha do procedimento contratual adotado para cada um dos contratos, encontra-se devidamente fundamentada, considerando a exigência das necessidades de garantia de prestação de cuidados em segurança, por parte do órgão competente para a decisão de contratar”, sem responder directamente às questões colocadas.

    Fonte oficial deste centro hospitalar indicou ainda que, desde o início de atividade do bloco operatório amovível, “foram já realizados 481 procedimentos urgentes em ambas as salas cirúrgicas, atendendo a que o Bloco Operatório Central da Unidade Hospitalar de Faro não estará operacional até final do corrente ano por motivo de obras adjudicadas a outro concorrente”.

    (Foto: D.R.)

    “A alteração do Plano de Contingência Clínico da obra principal para salvaguarda da segurança na reabilitação de forma muito mais célere no Bloco Central no Edifício Principal, considerando a adaptação das respostas cirúrgicas ao plano de proteção radiológica e reforço do circuito do doente, motivou a decisão de adjudicar os trabalhos necessários à empresa responsável pela construção do novo Bloco Operatório em causa”, diz fonte do centro hospitalar algarvio, acrescentando que só dessa forma ficavam garantidos “os direitos e obrigações de garantia relacionados com a montagem e fornecimento dessa instalação, e assegurando a celeridade e qualidade desejadas”.

    Este tipo de procedimentos, de sucessivos ajustes directos, transformando em fases a execução de um projecto, constitui um expediente de duvidosa legalidade, sobre o qual o Tribunal de Contas ainda se pode pronunciar. Caso tal não suceda, será provável que haja um quarto ou quinto contrato, e que a facturação improvável desta serralharia de Guimarães em serviços num hospital do Algarve, a 600 quilómetros de distância, e sem concorrência, continue de boa saúde.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Chapa 3: Parques de Sintra faz três ajustes directos de mais de meio milhão a fotógrafo

    Chapa 3: Parques de Sintra faz três ajustes directos de mais de meio milhão a fotógrafo

    Por norma, e também pelo Código dos Direitos de Autor, uma empresa que encomende os serviços fotográficos a alguém, fica com os direitos de reprodução. Mas a empresa gestora do património cultural de Sintra, a Parques de Sinta – Monte da Lua, decidiu manter os direitos de autor do fotógrafo Nuno Antunes, sócio da Revelamos, sobre as imagens usadas em merchandising cultural, e isso está a permitir-lhe o exclusivo da produção de postais, ímanes, marcadores e cadernos, sem qualquer concorrência e sem se conhecer se os preços praticados são os mais adequados. Esta semana foi assinado o terceiro ajuste directo, para os próximos dois anos (ou até se esgotar o ‘plafond’), num negócio que, contabilizando os outros dois contratos de 2019 e 2022, já totaliza mais de 516 mil euros. Sem espinhas.


    À boleia de direitos de autor por fotografias do seu património, a Parques de Sintra Monte da Lua – a empresa pública que gere, entre outros, o Palácio da Pena e a Quinta da Regaleira – está a entregar por ajuste directo a produção de diversos materiais de merchandising a uma empresa de um fotógrafo local. Anteontem foi assinado o terceiro contrato, no valor de 153.750 euros (IVA incluído),  foi assinado o terceiro ajuste directo à empresa Revelamos, ao qual se somam contratos similares em Março de 2022 (166.050, com IVA) e em Janeiro de 2019 (196.800 euros, com IVA). Assim, no total, e sem qualquer concurso público, a Parques de Sintra vai permitir à empresa do fotógrafo local Nuno Antunes uma facturação superior a meio milhão de euros (516.600 euros).

    A peculiaridade destes três contratos é que, seleccionando as fotografias de Nuno Antunes – sem que se conheça qualquer critério prévio –, a Parques da Lua tomou a decisão lhe entrega também a produção dos materiais, designadamente postais, pósteres, marcadores de livros, ímanes e até cadernos.

    gray and yellow castle at the top of a hill

    Essa opção da empresa pública – retribuição contínua de direitos de autor por fotografia para merchandising – foge completamente áquilo que é norma neste tipo de serviços, tanto mais que o próprio Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos estipula que “se a fotografia for efectuada em execução de um contrato de trabalho ou por encomenda, presume-se que o direito previsto neste artigo pertence à entidade patronal ou à pessoa que fez a encomenda”. Ou seja, se assim desejasse, a Parques de Sintra encomendava de uma só vez as fotografias a Nuno Antunes, ou a outro qualquer fotógrafo, com um preço pré-determinado, reproduzindo-as depois nos materiais que assim desejasse e quando desejasse.

    Mas mesmo não tendo optado por essa via, mostra-se abusivo que seja invocado nos três contratos uma excepção do Código dos Contratos Públicos que possibilita um ajuste directo quando “seja necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”. Essa norma aplica-se sobretudo a espectáculos ou a obras de arquitectura, de execução única e exclusiva, e não para a reprodução de materiais como postais, ímanes ou cadernos com fotografias. Ou seja, qualquer gráfica ou loja de brindes poderia produzir esses produtos para a Parques de Sintra sem violar qualquer tipo de direitos de autor. Se existisse esse direito de autor, então haveria um contrato separado.

    Deste modo, sem abrir concurso público, a Parques da Lua permite assim não apenas uma retribuição de direitos de autor desnecessária à luz do Código dos Direitos de Autor, como lhe associou direitos exclusivo da sua produção dos produtos de merchandising, aumentando assim os lucros da Revelamos. Estabelecendo uma analogia, seria a mesma situação de se entregar a um arquitecto, que concebeu um edifício, também o direito exclusivo, sob a forma de ajuste directo, para a execução da empreitada de construção da obra.

    Especificações técnicas dos contratos (ver aqui em melhor resolução) entre a Parques de Sintra e a Revelamos indicam as características dos produtos. Independentemente de eventuais direitos de autor, a produção dos materiais poderia ser realizada por qualquer outra empresa de brindes.

    Fonte oficial da Parques de Sintra confirma que o terceiro contrato “envolve fotografias, linha gráfica, impressão, produção e a entrega em loja dos produtos finais ao longo de dois anos”, tal como os dois anteriores, acrescentando que a empresa pública “tem optado pela aquisição destes produtos já impressos e produzidos em formato ‘chave na mão’, para que o encargo associado às grandes tiragens e impressões não fique do lado da empresa, evitando, assim, a manutenção, em stock, de grandes quantidades de produto que, naturalmente, se vai danificando e degradando ao longo do tempo”.

    Mas podendo ser isto uma legítima opção de gestão, a Parques de Sintra não explica a necessidade de contratar especificamente a Revelamos (e o fotógrafo Nuno Antunes) tanto para a execução das fotografias quer para a produção dos materiais de merchandising que, em situações normais, pelos valores em causa, exigiam sempre a abertura de concurso público.

    Omitindo qualquer explicação em concreto para a abusiva interpretação de protecção de direitos de autor para justificar três volumosos ajustes directos à Revelamos, a Parques de Sintra diz que “o modelo optado pela empresa [em regime de ‘plafond’] permite igualmente, em qualquer momento, interromper a aquisição destes produtos, sem qualquer encargo adicional para a Parques de Sintra”, algo que, diga-se, também seria possível pré-determinar num concurso público aberto a outras empresas.

    a spiral staircase in a stone building with moss growing on the sides

    A Parques de Sintra conclui, em todo o caso – e sem prejuízo de se salientar que aquilo que está em causa é a legalidade de procedimentos e o eventual benefício indevido da Revelamos – que esta opção pelo merchandising cultural tem sido um sucesso económico, sendo que para uma despesa (sem IVA) de 295 mil euros, relativa aos dois primeiros contratos, registou-se um lucro de 420 mil euros.

    A empresa pública garantiu, por fim, ao PÁGINA UM que não existe qualquer relação entre os administradores da Parques de Sinta e qualquer sócio da Revelamos, mas também não foi explicada a razão para se ter escolhido especificamente Nuno Antunes, que em 2020 publicou um livro de fotografias de paisagens e património de Lisboa, Cascais e Sintra.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.