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  • Farmacêuticas nos Estados Unidos: do paraíso ao inferno

    Farmacêuticas nos Estados Unidos: do paraíso ao inferno

    Os negócios das farmacêuticas já viveram melhores dias, pelo menos se se olhar para o seu desempenho no mercado bolsista. Muitas estão a despenhar-se no abismo, quando ainda há pouco ‘planavam’ pelo paraíso. Multinacionais como a Pfizer, que alcançaram máximos históricos em 2021, ‘à boleia’ dos gigantescos contratos públicos de venda de vacinas para a covid-19, são hoje uma pálida imagem de anos recentes, procurando compensar as quedas abruptas de vendas com despedimentos.

    A empresa liderada pelo veterinário Albert Bourla atingiu um máximo alcançado em meados de 2021, caindo depois dos 59,48 dólares para os actuais 23,09 dólares por acção, uma queda de 61%. Em 2025 já desvalorizou 13%.

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    / Foto:D.R.

    A sua parceira dos tempos da pandemia, a alemã BioNTech, está a sofrer a ‘ressaca’ do desinteresse das vacinas contra a covid-19 e acumula já uma desvalorização de 74% em bolsa desde o pico atingido em Agosto de 2021. E não pára. Em 2025, as acções da empresa já recuaram 16%.

    Pior ainda está a Moderna, uma das primeiras farmacêuticas a avançar com a tecnologia RNAm contra o SARS-CoV-2 e que está a apostar fortemente nessa linha para combate a outras doenças. Mas perdeu muito gás desde 2021, quando apresentaram 12,2 mil milhões de dólares de lucro. Nesse ano bateram máximo histórico em bolsa, perto dos 450 dólares. Agora, rondam os 26 dólares, recuando 38% desde o início do ano. Face ao máximo registado em 2021, perderam já 94% da sua valorização bolsista. A razão não é apenas financeira, mas também económica: nos últimos dois anos, a Moderna apresentou prejuízos acumulados de 8,3 mil milhões de dólares.

    Outras farmacêuticas, como a Merck (que opera fora dos Estados Unidos sob a marca Merck Sharpe & Dohme), com menor destaque na pandemia, tiveram outro ‘perfil evolutivo’ e até alcançaram máximos em Março de 2024. Porém, já afundou 40% desde essa altura, seguindo agora a valer 79,58 dólares. Desde o início do ano, a queda das suas acções é de 20%.

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    Estas desvalorizações, num casos recentes, noutros já ‘estruturais’, sucedem perante a incerteza vinda dos Estados Unidos, com a Administração Trump a sinalizar uma nova era, que começou com a nomeação de Robert F. Kennedy Jr. para Secretário da Saúde, passa pela recente nomeação do oncologista Vinay Prasad para liderar a regulação das vacinas e outros biofármacos.

    Nos mercados bolsistas, os investidores reagem, em regra, por antecipação, e tudo parece indicar estar a terminar os tempos de ‘passadeira vermelha’ para lucros extraordinários das farmacêuticas com a permissão da Casa Branca e dos reguladores norte-americanos. A forte quebra das acções das empresas deste sector e também das biotecnológicas mostram que as receitas e lucros de outrora arriscam a ser agora uma miragem no futuro. Pelo menos, no mercado norte-americano.

    Com efeito, os Estados Unidos são uma das principais fontes de receitas das farmacêuticas, não apenas por ser um mercado de mais de 330 milhões de pessoas mas porque, devido ao poder de compra, o preço dos medicamentos são extremamente elevados, Por norma, as farmacêuticas usam a chamada discriminação de preços por segmentação geográfica. Os Estados Unidos são, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), um dos países que mais gasta em cuidados de saúde em termos do Produto Interno Bruto (PIB): 16% em 2023.

    (Da esquerda para a direita) Martin Makary, líder da FDA, Jay Bhattacharya, responsável pelo NIH, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Robert F. Kennedy Jr, secretário de Saúde e Mehmet Oz, líder do Centers Medicare and Medicaid Services (o programa federal de seguro de saúde) na conferência de imprensa de hoje a propósito da ordem executiva que Trump assinou para baixar o preço dos medicamentos no país. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo da conferência de imprensa .

    Apesar disso, porque há uma franja populacional sem seguro de saúde com limitações de acesso a medicamentos caros, os Estados Unidos apresentam um fraco desempenho em indicadores básicos de saúde, como a esperança média de vida e a taxa de mortalidade infantil quando comparado com os países da Europa Ocidental, Escandinávia e países asiáticos mais desenvolvidos. Por exemplo, no Índice de Prosperidade do Legatum Institute de 2023, os Estados Unidos surgem apenas na 69ª posição no segmento da Saúde. Portugal encontra-se na posição 40.

    A nomeação do reputado hematologista oncologista Vinay Prasad – professor na University of California San Francisco (UCSF) – para dirigir o Center for Biologics Evaluation and Research (CBER) da Food and Drug Administration (FDA) foi mais um sinal de tempos mais difíceis para as farmacêuticas, embora mais favoráveis para a defesa dos consumidores. Prasad tem sido um crítico das políticas de facilitismo na regulação de medicamentos e foi particularmente activo opositor da vacinação de crianças contra a covid-19.

    O CBER, que agora liderará, tem como missão fundamental a “regulamentação de produtos biológicos e relacionados, incluindo sangue, vacinas, alergênicos, tecidos e terapias celulares e genéticas”, autorizando ou não novos fármacos de ponta após uma análise de beneficio-risco, ou seja, prevalecendo as vantagens clínicas e não o lucro.

    Vinay Prasad, novo responsável pela regulação de vacinas e fármacos biológicos da FDA, nos Estados Unidos. / Foto: D.R.

    Os efeitos da nomeação de Prasad, anunciada na terça-feira da semana passada, foram imediatos: as acções da Pfizer caíram quase 3%, fechando a valer 22,88 dólares. As restantes farmacêuticas também sofreram. O índice DJ para o sector caiu quase 4% naquele dia. Na Europa, o índice Stoxx de Saúde recuou 4,2%. As acções das biotecnológicas também assistiram a uma debandada de investidores, com o ETF S&P para as Biotechs, nos Estados Unidos, a cair 6,6% numa só sessão.

    Nos Estados Unidos, o índice Dow Jones para as farmacêuticas, que também integra empresas de consumo, como a Johnson & Johnson, perdeu 18% desde o pico máximo alcançado no início de Agosto do ano passado e recua 9% em 2025.

    Ontem, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou, entretanto, uma ordem executiva para que os preços dos medicamentos nos Estados Unidos desçam para o mesmo nível dos praticados em outros países. Nos Estados Unidos, os preços dos medicamentos com receita médica são significativamente mais elevados do que os praticados em outros países, com a média dos preços a ser 2,78 vezes mais alta do que os registados em outros 33 países. Mas, em alguns casos de medicamentos de marca, os preços nos Estados Unidos podem ser 4,22 vezes mais elevados.

    Depois de um choque inicial, com as ações das farmacêuticas a cair na pré-abertura das bolsas, as cotações das empresas do sector subiram, já que analistas apontam que será difícil implementar a medida prevista nesta ordem executiva. No entanto, o menor impacte desta medida também poderá resultar numa articulação de preços: as farmacêuticas podem aceitar redução de preços nos mercado norte-americano se lhes for possível aumentar nos outros países, não causando assim qualquer impacte negativo nas contas consolidadas.

    Martin Makary, que lidera a FDA, anunciou na rede X a escolha de Vinay Prasad para liderar a regulação de vacinas e fármacos biológicos. / Foto: D.R.

    Em todo o caso, na Europa, o índice Stoxx 600 para o sector da Saúde perde 5,4% em 2025, acumulando uma desvalorização de 19% desde o máximo histórico atingido em Setembro do ano passado. Por exemplo, acções da anglo-sueca Astrazeneca, que alcançaram o máximo no Verão passado, caíram 22% desde então. No último ano, desceram 16%. A empresa está envolvida em vários processos no Reino Unido por causa dos efeitos adversos das vacinas.

    E mesmo a dinamarquesa Novo Nordisk – a coqueluche do sector europeu, por via do Ozempic, um fármaco para diabetes que agora é usado largamente para emagrecimento -, depois de ter quadruplicado a sua cotação entre 2021 e Junho do ano passado, já desvalorizou 50% desde esse pico. Em 2025 desliza 30% na bolsa de Copenhaga.

    Mas, para algumas empresas, como as biotecnológicas, a queda já vinha de trás. No caso do S&P Biotech ETF desvalorizou 48% desde o máximo alcançado em 2021, em plena febre de corrida às vacinas contra a covid-19, incluindo as baseadas em tecnologia mRNA, como a vendida pela Pfizer em parceria com a alemã BioNTech.

    Em qualquer dos casos, este novo anúncio de Trump é mais um sinal de que a pressão do Governo Federal sobre as farmacêuticas aumentar, com com um reforço do escrutínio deste sector, algo que se iniciou com o convite ao polémico Robert F. Kennedy Jr. para ocupar o cargo de Secretário de Saúde.

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    O advogado, que se notabilizou há duas décadas como um destacado ambientalista, tem sido também, há muito, um dos mais ferozes críticos das farmacêuticas e um defensor do reforço do escrutínio sobre fármacos, designadamente vacinas, propondo a realização de ensaios clínicos mais rigorosos sobre a respectiva segurança e eficácia.

    Depois da sua chegada, no meio de um coro de críticas, foram nomeados para cargos de relevo da administração de saude diversos cientistas com um historial de peso, defensores da medicina baseada na evidência: Jay Bhattacharya foi o escolhido para liderar o NIH (National Institutes of Health) e Martin Makary, para dirigir a FDA.

  • Nininho Vaz Maia recebe 1,5 milhões em contratos públicos desde 2023

    Nininho Vaz Maia recebe 1,5 milhões em contratos públicos desde 2023

    A crescente popularidade do cantor Nininho Vaz Maia, que foi esta semana constituído arguido no âmbito de uma operação de combate ao tráfico de droga, tem causado uma ‘corrida’ das autarquias à sua contratação. Apenas desde Janeiro de 2023, em 41 contratos públicos, já facturou perto de 1,5 milhões de euros. Este ano, em pouco mais de quatro meses, a fasquia aproxima-se do meio milhão de euros..

    O contrato mais recente, adjudicado como habitualmente por ajuste directo, foi celebrado com o município de Anadia, no distrito de Aveiro, na passada terça-feira, no mesmo dia em que o popular cantor foi alvo de buscas e acabou constituído arguido no âmbito de uma operação da Polícia Judiciária denominada SKYS4ALL.

    Nininho Vaz Maia / Foto:D.R.

    Num comunicado citado pela imprensa, o artista alegou estar inocente: “importa deixar absolutamente claro que o Nininho está inocente e que confiamos plenamente na Justiça. Estamos certos de que tudo será esclarecido com brevidade […]”.

    Para já, a acusação criminal não parece ter arrefecido a requisição do cantor, já que se mantém no cartaz para encerrar hoje o festival da Queima das Fitas do Porto 2025, organizado pela Federação Académica do Porto.

    Resta saber se o cantor vai continuar a ser tão solicitado por autarquias como tem sido nos últimos dois anos. Segundo um levantamento feito pelo PÁGINA UM, constam na plataforma de contratos públicos, o Portal Base, um total de 41 contratos feitos por entidades públicas para a contratação de Nininho Vaz Maia. O primeiro foi assinado em Janeiro de 2023, com o município de Vila Nova de Foz Côa, no valor de 26 mil euros. e o mais recente na passada terça-feira com o município de Anadia.

    Neste recente contrato com autarquia da Bairrada, o cantor receberá 40.590 euros por um concerto de 90 minutos na ‘Feira da Vinha e do Vinho’, agendado para o dia 18 de Junho. O contrato foi efectuado com a Gigs on Mars, detida em partes iguais por Pedro Pontes, agente do cantor, e pela empresa Lemon Ibéria, controlada por António Vilas Boas, fundador dos Pólo Norte.

    De entre os 41 contratos encontrados desde 2023 – antes desse ano, não existem outros -, 40 foram feitos através de ajuste directo e apenas um pelo procedimento de contratação excluída, o que, na prática significa o mesmo: o cantor foi ‘escolhido a dedo’.

    Nininho Vaz Maia afirmou estar inocente, num comunicado enviado à imprensa. / Foto: D.R.

    Ao todo, foram 36 autarquias e quatro entidades municipais que contrataram o popular cantor nascido numa família cigana, que se tornou numa das coqueluches do panorama musical nacional.

    O montante dos contratos oscila entre os 22.140 euros e os 217.132 euros, sendo que neste último caso se tratou de um espectáculo que abrangeu ainda performances de Profjam e a Festa M80 num contrato com a autarquia de Vila do Conde.

    Em média, excluindo o montante mais elevado dos contratos, o valor pago por autarquias para contratar o cantor rondou os 33.320 euros, com IVA incluído, sendo evidente que os cachets têm aumentado. Nos contratos estabelecidos este ano (Abrantes, Góis, Olhão, Estremoz, Vila Real, Alter do Chão, Marinha Grande e Azambuja), que atingem os 4.711 euros, o valor médio é já de cerca de 47 mil euros por concerto.

    A maioria dos contratos foi adjudicada a Nininho Vaz Maio através da empresa Gigs on Mars, Lda, mas também há contratos através de outras entidades, sobretudo quando outros artistas estão envolvidos, designadamente com as empresas Music Mov, Miguel Castro Oliveira Unipessoal, Lda – IAM Event Production & Brand Consultancy e José Manuel Rodrigues Caetano, Unipessoal, Lda.

    Se, para já, não há sinais de estar a abrandar a procura de serviços do artista, as críticas já fazem ouvir sobre a sua contratação e presença em espectáculos, designadamente no encerramento da Queima das Fitas do Porto, apesar de o cantor não ter sido ainda condenado na Justiça.

    Saliente-se, aliás, que como fenómeno musical, Nininho Vaz Maia tem feito também um percurso fora do circuito dos contratos públicos, sendo exemplo disso a Queima das Fitas (esteve no ano passado em Coimbra) e sobretudo espectáculos comerciais, com entradas pagas. Por exemplo, há menos de dois meses esgotou duas noites no Meo Arena, em Lisboa.

    De resto, o facto de o cantor ter nascido numa família pertencente a uma minoria pode mesmo pesar a seu favor e mitigar o facto de ser arguido num processo de tráfico de droga, podendo evitar que Nininho Vaz Maia perca o seu ‘allure‘ numa época em que a etnia ou a origem e nacionalidade são factores usados politicamente, tanto por partidos da esquerda, como da direita.

    De facto, Nininho tornou-se num dos símbolos de homenagem à cultura cigana e de defesa das minorias, perante o crescimento de discursos hostis à sua comunidade e também a imigrantes, numa altura em que em Portugal se assiste a um cada vez maior aprofundamento da desigualdade económica e social.

    Foto: D.R.

    Em ano de eleições legislativas e autárquicas, mesmo estando acusado, Nininho Vaz Maia pode encontrar alguma ‘imunidade’ e continuar a ser requisitado por autarquias, graças à sua origem familiar, e mediante o aproveitamento ideológico das minorias — de forma positiva ou negativa — pelos partidos tanto de esquerda como de direita.

    Assim, apesar de estar acusado, talvez o popular artista consiga continuar a facturar com contratos com entidades públicas, lucrando com a crescente polarização política em torno das minorias.

  • Limpeza no Fisco: Governo Montenegro também já entrega contratos de ‘mão-beijada’ a empresa francesa

    Limpeza no Fisco: Governo Montenegro também já entrega contratos de ‘mão-beijada’ a empresa francesa

    Mudou o Governo, mas os negócios entre a empresa francesa Samsic e a Autoridade Tributária e Aduaneira continuam de pedra e cal. Este mês entrou em vigor mais um ajuste directo, o 21º desde 2017, para limpeza das instalações da ‘máquina fiscal’, sempre com o argumento da “urgência imperiosa resultantes de acontecimentos imprevisíveis”, que já dura há sete anos. Durante o Governo Costa, os contratos de ‘mão-beijadas’ eram suportados por despachos do Ministério das Finanças, mas o último justificava a escolha sem concorrência da Samsic, só até ao final do primeiro semestre deste ano. Aparentemente, a limpeza continuou mesmo sem contrato entre os meses de Julho e Outubro. E surgiu agora, caído do céu, mais um ajuste directo por mais um mês. O Ministério de Miranda Sarmento não dá explicações sobre um negócio que desde 2021 deu 11,4 milhões de euros à empresa francesa, ‘sem espinhas’, ou seja, sem concorrência.


    Desde 2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) anda a contratar sempre a mesma empresa de limpeza, a Samsic, através de ajustes directos justificados por alegada “urgência imperiosa” e ‘escoltados’ em despachos do Ministério das Finanças. Já são 21 ajutes directos sucessivos, usando um subterfúgio legal no Código dos Contratos Públicos, mas que se torna ilegal quando usado de forma abusiva.

    A prática de contratualizar serviços de limpeza só à Samsic sem qualquer concurso público surgiu durante o Governo de António Costa, mas está a prolongar-se com o Governo de Luís Montenegro, uma vez que foi assinado pelo menos mais um ajuste directo este semestre. Com capitais franceses, a Samsic soma já 25 contratos para limpar as instalações da ‘máquina fiscal’, sendo que os últimos 21 foram por ajuste directo, sem qualquer possibilidade de apresentação de propostas por outros candidatos. Os serviços de limpeza, a par da segurança e do fornecimentos de refeições, é um dos sectores onde a prática abusiva de contratos de ‘mão-beijada’ se tem vindo a generalizar, ano após anos, de uma forma arbitrária e potencialmente ilegal, nas ‘barbas’ do Tribunal de Contas.

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    Apesar de ser um serviço programável – e onde os concursos públicos fazem todo o sentido, por uma questão do melhor preço e qualidade –, apenas dois contratos, desde 2016, não foram realizados por ajuste directo, tendo sido abrangidos por um acordo-quadro. E grande parte dos contratos entre a Autoridade Tributária e a Samsic foram celebrados no decurso do período de vigência, que normalmente são trimestrais, mas podem abranger outras durações sem se perceber os motivos. O mais recente, por exemplo, no valor de cerca de 350 mil euros (sem IVA), é uma excepção: foi assinado em 30 de Outubro e vigora durante o actual mês de Novembro.

    Contudo, o ajuste directo anterior a este, que consta no Portal Base, no valor de um pouco mais de dois milhões de euros, foi assinado apenas em Abril deste ano, apesar da sua vigência se aplicar a todo o primeiro semestre (Janeiro a Junho de 2024). Não existe no Portal Base ainda qualquer referência à prestação de serviços de limpeza referentes aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro – ou seja, quatro meses. O valor deste período ‘esquecido’ deve ascender aos 1,4 milhões de euros.

    Conforme o PÁGINA UM já havia atestado em Outubro do ano passado, quase todos os contratos têm contornos estranhos, havendo mesmo sinais de fraude. Com efeito, em diversos contratos existrem evidências de os preços terem sido inflacionados para compensar a inexistência de suporte contratual em períodos anteriores. Um desses contratos teve uma duração de apenas 13 dias, porque só foi assinado no dia 19 de Março de 2019 e expirava no dia 31 desse mês, e envolveu um pagamento de 648.402 euros, significando assim que, formalmente, em cada um dos poucos dias deste contrato de limpeza a Autoridade Tributária pagou 49.877 euros à Samsic. No mês seguinte, em Abril, entraria em vigor um novo contrato por ajuste directo, que durou 275 dias, até ao final do ano. Como teve um preço contratual de 1.984.242,74 euros, significa que por dia custou 7.215 euros, bem demonstrativo de que o contrato de Março de 2019 foi forjado para ter um preço médio mais de sete vezes superior.

    Helena Borges, directora-geral da AT, e Cláudia Reis Duarte, secretária de Estado dos Assuntos Fiscais. O Ministério das Finanças do actual Governo não diz se manterá prática que ajustes directos sempre com a Samsic.

    Todos os ajustes directos desde 2016 têm sido assinados pelo subdirector Roda Inácio, nomeado pela então ministra social-democrata Maria Luís Albuquerque, actual comissária europeia. Em alguns contratos inseridos no Portal Base, o seu nome está indevidamente rasurado alegadamente por causa do Regulamento Geral da Protecção de Dados.

    O uso de tantos despachos governamentais para justificar a entrega de ‘mão-beijada’ de contratos sempre à mesma empresa, e alegando sempre “urgência imperiosa”, não é uma prática comum e a sua legalidade é bastante questionável. Através destes despachos, o Governo Costa autorizou, entre 2021 e 2024, a aquisição de serviços de limpeza à Samsic no valor total de 9.115.734,10 euros (11,2 milhões de euros com IVA), fundamentados num alegado critério material decorrente de supostos “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis” pela AT. Mas isso somente pode servir de argumento se for “na medida do estritamente necessário” e, em simultâneo, “as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”, ou seja, neste caso, à AT.

    O PÁGINA UM consultou advogados especializados em contratação pública que referiram que a urgência imperiosa exige que a situação seja comprovadamente imprevisível, inevitável, e que não permita respeitar os prazos dos procedimentos concorrenciais habituais, pelo que a contratação repetitiva ao longo de vários anos, usando este expediente, contradiz o espírito da lei, que pressupõe que as entidades públicas planeiem os seus procedimentos de forma a evitar ajustes diretos sistemáticos.

    Nélson Roda Inácio, à esquerda (cumprimentando em 2016 o então presidente da autarquia de Pombal) foi nomeado subdirector-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 2015, tendo assinado todos os ajustes directos com a Samsic.

    Além disso, nos casos em apreço, estamos perante a prestação de serviços de limpeza que constitui uma necessidade contínua e previsível. A renovação anual ou trimestral com o mesmo fornecedor, alegando urgência, demonstra assim ou uma incompreensível falta de planeamento ou uma estratégia deliberada para contornar os procedimentos normais de contratação pública, nomeadamente concursos públicos ou limitados por prévia qualificação. A renovação sucessiva com a mesma empresa cria também um ambiente de favorecimento e reduz a transparência e a concorrência, violando princípios fundamentais do Código dos Contratos Públicos.

    O PÁGINA UM contactou o Ministério das Finanças para obter esclarecimentos adicionais sobre estes sucessivos ajustes directos, incluindo a razão pela qual nem sequer consta ainda no Portal Base a sustentação legal para os serviços de limpeza entre Julho e Outubro deste ano. De igual modo, procurou-se saber se o Ministério agora liderado pelo social-democrata Miranda Sarmento também usou despachos de algum secretário de Estado para ‘abrigar’ a continuação dos ajustes directos. Não houve resposta. Nem se sabe também qual o motivo para um concurso público para serviços de limpeza da AT, promovido pela Unidade Ministerial de Compras do Ministério das Finanças anda a ‘vegetar’ desde 2022.


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  • De peças para navios até farinheiras e presunto: Gouveia e Melo bate recorde de ajustes directos na Marinha

    De peças para navios até farinheiras e presunto: Gouveia e Melo bate recorde de ajustes directos na Marinha

    Sob o comando de Gouveia e Melo, a Marinha bateu este ano o máximo de, pelo menos, seis anos, na adjudicação de contratos sem concurso público. A despesa em compras por ajuste directo, em 2024, já ultrapassou os 18,1 milhões de euros, num total de 703 contratos, dos quais 66 acima de 50 mil euros. Só estes últimos atingem, no total, 13,3 milhões de euros. Os ajustes directos serviram para comprar tudo: desde peças para navios até serviços de limpezas, passando até por chouriços e farinheiras. Nos últimos três anos, sob completa responsabilidade de Gouveia e Melo, os ajustes directos em contratos acima de 50 mil euros rondam os 30 milhões de euros. O recente ‘puxão de orelhas’ à Marinha, seguido de perdão, por parte do Tribunal de Contas, não serviu de nada.


    O recente ‘puxão de orelhas’ que o Tribunal de Contas deu a Gouveia e Melo por causa de contratos por ajuste directo feitos pela Marinha caíram em saco roto. Não só a Marinha prosseguiu com a prática de efectuar contratos sem concurso, como este ano bateu o recorde: até 1 de Novembro foram celebrados, através deste procedimento, um total de 703 contratos, envolvendo 18,1 milhões de euros. Se se excluir os ajustes directos inferiores a 50 mil euros, encontram-se ainda 66 que totalizam quase 13,3 milhões de euros. Trata-se do valor mais alto de pelo menos seis anos.

    De acordo com um levantamento do PÁGINA UM no Portal Base, ao todo, apenas somando os ajustes directos de maior montante (acima de 50 mil euros), a Marinha gastou nos últimos três anos, sob a liderança de Gouveia e Melo, perto de 30 milhões de euros em compras de bens e aquisição de serviços sem concurso público ou sequer consulta prévia, ou outro qualquer procedimento de transparência pública e de fomento da livre concorrência.

    Foto: D.R.

    O valor total dos ajustes directos da Marinha em particular em 2024 – que ainda não terminou, sendo também habitual que haja atrasos na colocação dos contratos no Portal Base – está bem acima dos montantes globais tanto dos primeiros dois anos de ‘mandato’ de Gouveia e Melo como dois seus dois antecessores. Apenas incluindo os contratos acima de 50 mil euros, no ano passado contabilizam-se 56 ajustes directos no valor de cerca de 7,8 milhões de euros, enquanto em 2022, o primeiro ano completo com liderança de Gouveia e Melo, contam-se 71 ajustes directos envolvendo 8,6 milhões de euros. Em 2021, quase todo sob liderança de Mendes Calado, houve 70 contratos por ajuste directo acima de 50 mil euros, num montante global de 10,6 milhões de euros. Também sob as ordens de Mendes Calado, a Marinha realizou, acima dos 50 mil euros, 71 ajustes directos em 2020 e 60 em 2019, gastando 10,1 milhões e 7,2 milhões de euros, respectivamente.

    Este ano, além de chorudos contratos feitos para aquisição de serviços de limpeza, como o PÁGINA UM já noticiou, em Agosto passado, a Marinha adjudicou outros tantos milhões de euros numa panóplia de compras de bens e serviços. É o ‘vale tudo’. O modelo do ajuste directo serviu tanto para a compra de peças para navios de guerra, como a aquisição de software, serviços de limpeza, de vestuário profissional, de combustíveis, de purificadores do ar, de medicamentos, de serviços de telecomunicações, de máquinas para tratamento de águas residuais e até de enchidos, designadamente chouriço mourão, farinheira, fiambre e presunto.

    O ajuste directo com o valor mais elevado efectuado este ano pela Marinha, no montante de 735.681 euros, consistiu na contratação de serviços à empresa Reparaciones Navales Canarias, S.A., para a reparação urgente do navio patrulha ‘Zaire’. O contrato foi celebrado a 29 de Agosto sendo fundamentado com o já estafado e abusado argumento da “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”.

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    Já o segundo maior contrato, no valor de 728.670 euros, diz respeito à contratação de serviços de limpeza à empresa Interlimpe – Facility services, SA e foi celebrado a 19 de Julho com a mesma fundamentação. Este contrato consistiu, em concreto, na “aquisição de serviços de Higiene e Limpeza no período de junho a outubro de 2024, com possibilidade de prorrogação para o mês de novembro de 2024, para o Comando Naval, a Escola de Tecnologias Navais, o Centro de Educação Física da Armada, o Centro de Avaliação Psicológica, o Centro de Medicina Naval, o Departamento de Logística Sanitária, a Escola Naval e o Departamento Marítimo do Sul”. De resto, nos ajustes directos acima dos 50 mil euros efectuados este ano, a Marinha conta com 12 contratos feitos com empresas de limpeza, superando os 3,3 milhões de euros.

    Ainda no pódio dos ajustes directos, consta ainda um contrato celebrado a 14 de Julho com a Empresa de Investigação e Desenvolvimento de Electrónica no montante de 601.972 euros com o argumento de que a adjudicação só podia ser confiada a esta entidade por ser “necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”. Não é incluído no Portal Base qualquer documento que justifique cabalmente essa decisão.

    Mas na longa lista de compras sem concurso feitas pela Marinha encontra-se mesmo de tudo. Até um contrato no valor de 215.640 euros para a compra de enchidos, designadamente chouriços mourão, farinheiras, fiambre e presunto, à empresa Carnes Loução – Industrial Carnes. Este contrato não está disponível, surgindo uma mensagem de erro na ligação para o documento, mas sabe-se que o ajuste directo foi concretizado a 4 de Abril. A justificação para este expediente remete para uma norma do Código dos Contratos Público que permite ajustes directos quando “em anterior concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação para a formação de contratos de valor inferior aos limiares […], consoante o caso, todas as propostas ou todas as candidaturas tenham sido excluídas”. Também não há documentos no Portal Base que indiquem as razões para as exclusões.

    O recurso aos ajustes directos por parte da Marinha tem-se intensificado, apesar do ‘puxão de orelhas’ do Tribunal de Contas em Agosto passado, numa inspecção iniciada em 2022, que perdoou a Gouveia e Melo inúmeras infracções à lei dos contratos públicos, na sequência de dezenas de contratos que foram adjudicados à mesma empresa, a Proskiper, sem concurso e à margem do que a legislação permite, além de outro tipo de irregularidades.

    Evolução do valor dos ajustes directos da Marinha acima de 50 mil euros. Unidade: milhares de euros. Gouveia e Melo assumiu funções em Dezembro de 2021. Valores de 2024 até 1 de Novembro. Fonte: Portal Base.

    Recorde-se que Gouveia e Melo exerce as funções de Chefe do Estado-Maior da Armada e Autoridade Marítima Nacional desde 27 de Dezembro de 2021, sendo que entre 2017 e 2020 foi Comandante Naval. Foi nesse período que assinou diversos contratos de ajuste directo à Proskipper. No relatório de auditoria a contratos da Marinha, o Tribunal de Contas entendeu que o então vice-almirante e outros responsáveis não tinham actuado com a intenção de violar a lei e concluiu que as suas acções foram passíveis de “um juízo de censura de falta de cuidado e mera negligência”, pelo que escapou a multas.

    Contactada para explicar este volume de ajustes directos, o Estado-Maior da Armada (ou Marinha) justificou que “está a celebrar estes contratos no estrito cumprimento do normativo em vigor e para satisfação das necessidades decorrentes da especificidade das suas atividades e meios, ressalvando-se a necessidade de celebração de contratos por inexistência de concorrência por motivos técnicos e por proteção de direitos exclusivos nas aquisições decorrentes das ações de manutenção dos meios navais operacionais e seus equipamentos, sistemas e respetivos componentes”. Indicou ainda que “este conjunto de procedimentos representam entre 65% a 70% da despesa por ajuste direto”.

    Instada a explicar a razão para invocar sistematicamente a “urgência imperiosa”, mesmo em casos que poderiam ser programados, para celebrar contratos por ajuste directo, a Marinha apenas se limitou a explicar a situação da aquisição de serviços de limpeza, que já tinha adiantado ao PÁGINA UM numa notícia anterior.

    Questionada sobre se a Marinha pretende, no futuro, optar por fazer mais vezes concursos em vez de ajustes directos, a Marinha respondeu que “tem vindo a introduzir melhorias significativas nos seus procedimentos de contratação pública e está a consolidar as medidas com esse objetivo”. Destacou, por exemplo, “a criação de um gabinete específico de normativo e apoio à contratação pública, que produziu e divulgou internamente diversas diretivas, normas técnicas, modelos padronizados e vários documentos de apoio à contratação pública”.

    Por outro lado, ressalvou “a reestruturação da organização financeira e patrimonial da Marinha tendo resultado na concentração de competências financeiras, concentração das estruturas executivas de compras, recursos e reformulação de processos”. Indicou que “esta restruturação permitiu a criação de centros de competências na área da contratação pública, incrementando as compras planeadas, agregadoras, de que resultou o aumento dos procedimentos concorrenciais e a redução do número geral de processos de despesa”.

    Ainda segundo a Marinha, “a uniformização dos procedimentos e a alteração do modelo organizacional permitiram nos últimos três anos uma redução de 47% no número total de procedimentos aquisitivos, com um aumento de 76% no número de procedimentos concorrenciais”.

    Apesar disso, no Portal Base o cenário é de um aumento no montante despendido através de ajustes directos, pelo que, pelo menos em 2024, as medidas da Marinha aparentam servir para encher chouriços.

    N.D. 18/11/2024; 22h15 – O antecessor imediato de Gouveia e Melo foi Mendes Calado, e não Silva Ribeiro, como inicialmente referido. Ao visado, as nossas desculpas.


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  • INE confirma que ocupação hospitalar durante a pandemia foi anormalmente baixa

    INE confirma que ocupação hospitalar durante a pandemia foi anormalmente baixa

    Já se sabia que em 2020 e 2021 as taxas de ocupação hospitalar tinham sido reduzidas, mas era preciso conhecer os valores de 2022 para saber se era uma situação de conjuntura ou estrutural. E os dados mais recentes do INE, divulgados esta semana confirmam mesmo: nunca houve tantas camas de hospitais disponíveis nos dois primeiros anos da pandemia nem tão poucos internamentos. Estes indicadores contrariam a tese de ter havido uma ruptura no Sistema Nacional de Saúde por causa de um aumento da procura, que até levaram a criação de hospitais de campanha, que estiveram ‘às moscas’. Os dados oficiais mostram que a taxa de ocupação hospitalar afundou de 78,8% em 2019 para 72% em 2020 e 74% em 2021, mas subiu depois em 2022 já com a covid-19 a tornar-se endémica. Quanto aos internamentos, se em 2019 se registaram no país 111,1 por cada mil habitantes, no ano de 2020 o número caiu para 94,3 no primeiro ano da pandemia. Afinal, paradoxalmente, a pandemia trouxe um estranho cenário de desafogo hospitalar.


    A taxa de ocupação hospital e o número de internamentos registados em Portugal afundaram durante os principais anos da pandemia de covid-19 para valores mínimos da última década. Segundo os novos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), actualizados no início desta semana, referentes ao ano de 2022 ainda não se verificava a ‘normalidade’, em termos de camas ocupadas nos hospitais e de internamentos em função da população, comparando com anos anteriores.

    De acordo com os dados do INE, a taxa de ocupação hospitalar em Portugal desceu de 78,8% em 2019 para os 72% em 2020, uma descida de sete pontos percentuais. Os internamentos caíram de 111,1 por cada mil habitantes para 94,3 em 2020. No ano de 2021, aqueles valores mantiveram-se abaixo da média do que era habitual ao longo da última década. Os indicadores contrariam algumas das mensagens de caos e crise nos hospitais durante a pandemia. Pelo contrário: os hospitais em Portugal registaram na pandemia de covid-19 algum desafogo em termos de ocupação e doentes internados.

    empty hospital bed

    De resto, em 2022, apesar de começar a notar-se um regresso à ‘normalidade’ em termos de internamentos e ocupação hospitalar, os dados revelam que os hospitais estavam ainda com indicadores de ocupação e internamentos abaixo do habitual. Assim, naquele ano, os internamentos situaram-se nos 105,9 por mil habitantes, estando aquém dos valores observados pré-pandemia, entre os 110,9 e 112,5 por mil habitantes. A excepção aqui vai para a Região Autónoma dos Açores que, em 2022, registou mais internamentos do que em média na década anterior.

    Quanto à taxa de ocupação hospitalar em Portugal, fixou-se nos 76,8% no ano de 2022, ainda inferior aos valores pré-pandemia. Entre 2013 e 2018, este indicador oscilou entre os 78,5% e os 80,4%.

    Por regiões, foi no Alentejo que se observou a maior queda na taxa de ocupação de camas nos hospitais, tendo passado de 83,3% em 2019 para 78,2%. Em matéria de internamentos, a maior quebra registou-se na Região Autónoma da Madeira, onde a taxa passou de 106,8 para 87,5 por mil habitantes.

    Poder-se-ia argumentar que a taxa de ocupação de camas se devesse ao aumento de camas instaladas durante os anos da pandemia, mas não foi isso que sucedeu, porque, se se olhar para os internamentos por região em função da população, os valores também baixaram consideravelmente nos anos da pandemia. No primeiro ano da pandemia, em 2020, os internamentos por mil pessoas baixaram cerca de 16% face à média do quinquénio anterior. Em 2021 e 2023 subiram ligeiramente, suplantando novamente os 100 internamentos por 1.000 pessoas, mas ficaram ainda aquém do período pré-pandemia.

    Na Área Metropolitana de Lisboa – onde também pelas valências hospitalares, este indicador está sempre um pouco inflacionado (por receber bastantes doentes de outras regiões) -, os valores somente foram mais baixos no primeiro ano da pandemia, passando de um valor médio anual de 128 internamentos por 1.000 pessoas no quinquénio 2015-2019 para apenas 108 no ano de 2020, voltando a subir logo acima dos 120 nos anos seguintes.

    A – Taxa de ocupação das camas nos hospitais (%); B – Internamentos nos hospitais por 1.000 habitantes. Fonte: INE

    Recorde-se que, na pandemia, a população foi aterrorizada pelas autoridades de saúde e pelos media, através de mensagens diárias com os números de vítimas mortais e estatísticas dos doentes com covid-19. Alas inteiras de hospitais foram encerradas, cirurgias e tratamentos foram adiados ou cancelados. Por exemplo, entre Março de 2020 e Julho de 2022 foram adiadas 235.989 cirurgias, segundo um relatório da Entidade Reguladora da Saúde. Estes adiamentos geraram um aumento de 45 dias no tempo de espera para uma cirurgia no Serviço Nacional de Saúde.

    Portugal foi, no rescaldo da pandemia, dos países europeus com níveis elevados de excesso de mortalidade, o que se mostra um paradoxo face à baixa ocupação hospitalar. Ou talvez não, uma vez que a opção por suspender diagnósticos e operações, e até a incentivar as populações a não se deslocar aos hospitais, só poderia resultar em duas coisas: hospitais mais vazios e morgues mais cheias.


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  • Grupo de autarcas cria oligopólio de transportes públicos com ajustes directos

    Grupo de autarcas cria oligopólio de transportes públicos com ajustes directos

    De boas intenções está o inferno cheio. E também com alegadas boas intenções se criam oligopólios ilegais. A Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela (CIM-BSE) achou por bem que poderia montar um sistema de transportes públicos em zonas mais periféricas, bastando distribuir ajustes directos por empresas da região. Só nos últimos dois meses foram assinados oito contratos convenientemente distribuídos por empresas da região, um dos quais de quase quatro milhões de euros. A fundamentação para tantos ajustes directos remete para uma norma que não é sequer aplicável, ou seja, é falsa. A CIM-BSE é uma estrutura criada por 15 autarquias dos distritos da Guarda e Castelo Brranco, sendo presidida pelo social-democrata Luís Tadeu, presidente da Câmara de Gouveia, que, no ano passado, foi condenado por prevaricação a três anos e meio de prisão, com pena suspensa.


    A Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela (CIM-BSE) celebrou desde Setembro oito contratos de contratação de transporte rodoviário de passageiros no valor total de mais de 9 milhões de euros (IVA incluído), através de estranhos ajustes directos, em vez de lançar concurso público global ou por lotes. Se se considerar o período de 2024, o número de ajustes directos sobe para 18, envolvendo  mais de 11,3 milhões de euros, e beneficiando apenas sete empresas da região, que compartilham o ‘bolo’ num evidente oligopólio. A entidade pública, liderada pelo social-democrata Luís Tadeu, simultaneamente presidente da Câmara Municipal de Gouveia, nem sequer se deu ao trabalho de esclarecer ou comentar o PÁGINA UM sobre estes avultados contratos de ‘mão-beijada’ que colidem com os princípios mais básicos da contratação pública e da transparência e boa gestão dos dinheiros públicos.

    Recorde-se que, em Abril do ano passado, Luís Tadeu foi condenado pelo crimes de prevaricação a pena de prisão de três anos e meio, suspensa sob condição do pagamento de 25 mil euros, por causa de parcerias público-privadas com a e empresa MRG. Na altura dos factos, Tadeu era vice-presidente da autarquia então liderada por Álvaro Amaro, também condenado na mesma pena. No processo foram também condenadas outras pessoas, entre as quais Júlio Sarmento, antigo presidente da Câmara de Trancoso, que apanhou uma pena efectiva de sete anos por prevaricação de titular de cargo político, corrupção passiva e branqueamento de capitais. Este histórico militante social-democrata foi ainda sentenciado a devolver ao Estado 552 mil euros.

    Luís Tadeu, presidente da Câmara Municipal de Gouveia e da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela. Foto: DR.

    Pessoa colectiva de direito público de natureza associativa, a CIM-BSE agrega as 15 autarquias dos distritos da Guarda e Castelo Brranco (Almeida, Belmonte, Celorico da Beira, Covilhã, Figueira de Castelo Rodrigo, Fornos de Algodres, Fundão, Guarda, Gouveia, Manteigas, Mêda, Pinhel, Sabugal, Seia e Trancoso), e como tem vindo a suceder na última década têm assumido, mesmo com a regionalização a marcar passo, protagonismo político, com investimentos quase sempre financiados com dinheiros comunitários. Desde 2017, a CIM-BSE já estabeleceu 225 contratos no valor de quase 17,7 milhões de euros, mas no presente ano os gastos têm aumentando consideravelmente.

    De acordo com um levantamento no PÁGINA UM, desde Janeiro foram assinados 47 contratos para diversas aquisições de bens e serviços, com os compromissos financeiros a atingirem, sem IVA incluído, quase 10,2 milhões de euros. Globalmente, de entre os 17,7 milhões de euros ‘despachados’ desde 2014, mais de 12,5 milhões de euros (69% do total) foram entregues em 157 ajustes directos. Por concurso público somente foram celebrados 55 contratos envolvendo pouco mais de 2,7 milhões de euros (15% do total).

    Desde Setembro, a ‘rotativa’ tem aumentado. Os oito contratos de ‘mão-beijada’ assinados nos últimos dois meses, no âmbito de um projecto de mobilidade entre povoações dos concelhos do CIM-BSE (MobiFlex.BSE), têm a particularidade de incluir três com valores acima de um milhão de euros, que dificilmente terão enquadramento para a escolha ser feita de forma arbitrária e com ajuste directo.

    O maior contrato foi assinado com a Transdev Interior, uma empresa de Castro Daire que recentemente incorporou a Caima. Sem pestanejar, a CIM-BSE entregou-lhe um contrato por ajuste directo de 3.213.596,18 euros, sem IVA, incluído. Com esse imposto, aproxima-se dos quatro milhões de euros. No Portal Base surge uma ligação às peças do procedimento, mas o sistema dá erro: ou seja, a ligação é falsa, não se ficando assim, a conhecer o caderno de encargos nem sequer o serviço a executar durante os 12 meses da prestação de serviço. A fundamentação indicada para a escolha pelo ajuste directo também é falsa: refere-se o artigo 11º do Código dos Contratos Públicos, que diz respeito a pormenores sobre o acto público. Mas não é o único contrato este ano.

    A Transdev Interior foi a mais beneficiada por uma distribuição suspeita de ajustes directos por empresas da região.

    A empresa ‘sacou’ mais dois contratos com o mesmo expediente: o primeiro em Abril, por serviços de 30 dias por quase 260 mil euros; o segundo no mês seguinte, com duração de dois meses, pelo qual arrecadou 410 mil euros. Com IVA, a transportadora já facturou este ano à CIM-BSE quase 4,8 milhões de euros em contratos de ‘mão-beijada’.

    A fundamentação errada para a opção por ajustes directos num mercado fortemente concorrencial é extensiva aos restantes contratos. O segundo ajuste directo mais chorudo ficou noutra empresa da região: a Auto Transportes do Fundão. São quase 1,5 milhões de euros por serviços de transporte que não se percebe quais serão, porque as peças do procedimento também não estão disponíveis. A este contrato podem também adicionar-se mais três ajustes directos celebrados este ano: em Junho passado foram dois, que totalizaram cerca de 375 mil euros, e em Setembro ‘caiu’ mais outro por quase 159 mil euros. Em todos os casos a fundamentação para os ajustes directos é falsa.

    Num dos contratos de Junho existe um caderno de encargos disponível no Portal Base, ficando-se a saber os percursos de transporte previamente definidos. Cada quilómetro percorrido teve um custo para a CIM-BSE de 2,74 euros por quilómetro, um valor consideravelmente elevado.

    A empresa Marques Lda., com sede em Viseu, foi outra das ‘felizes contempladas’ com um ajuste directo milionário: o contrato estipula a entrega de cerca de 1,2 milhões de euros, sem se conseguir saber a tipologia dos serviços a prestar. Também neste caso, não há caderno de encargos disponível. Em Junho, esta empresa já conseguira outro ajuste directo no valor de 222 mil euros.

    Em menor valor, a Empresa Berrelhas de Camionagem – originalmente de Penalva do Castelo, mas que mudou a sede para Viseu em 2022 – teve ‘direito’ a um ajuste directo de um pouco mais de 601 mil euros agora em finais de Setembro, mas contentara-se com 75 mil euros de outro ajuste directo em Junho por serviços de três meses.

    Sem regionalização, autarcas encontraram nas comunidades intermunicipais um expediente para distribuir contratos públicos por ajuste directo.

    Além destas quatro empresas, a empresa Viúva Monteiro & Irmão, com sede no concelho do Sabugal, não tem motivos para ‘chorar’, porque também teve direito a dois ajustes directos: em Setembro, no valor de 396 mil euros, e em Junho, no valor de 103 mil euros. Com menores direitos a ‘comer do bolo público’, sem o incómodo da livre concorrência e transparência, encontram-se ainda mais duas empresas no sector dos transportes, também da região: a Lopes & Filhos, com sede em Figueira de Castelo Rodrigo – com dois contratos no valor total de 194 mil euros – e a União do Sátão & Aguiar da Beira, com sede no Sátão, que ficou com dois contratos de apenas 160 mil euros.

    Saliente-se que o ajuste directo, uma medida que permite a contratação sem concurso público, destina-se geralmente a casos excepcionais, como situações de emergência ou quando o fornecimento dos serviços envolve pequenos montantes ou existem direitos especiais. No entanto, no sector de transportes, a concorrência é forte, e existem empresas que poderiam estar interessadas em exercer essa actividade em novos mercados a preços mais competitivos e benéficos para os clientes.

    Estes novos contratos de transporte estarão associados ao programa de transporte flexível MobiFlex.BSE, promovido pela CIM-BSE. Este programa, que visa proporcionar uma solução de mobilidade ajustada às necessidades das populações mais isoladas, começou a ser implementado em Seia e no Fundão. Criado para complementar o transporte público regular, o MobiFlex.BSE é uma solução de transporte flexível que permite aos cidadãos marcar viagens com antecedência, operando em dias específicos e ligando localidades mais periféricas aos centros de concelho.

    Exemplo de um dos serviços de transporte pagos por ajuste directo pela Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela.

    No concelho de Seia, por exemplo, o programa integra circuitos experimentais, como Sabugueiro – Seia e Vide-Cabeça-Loriga, que se destinam a colmatar a falta de transporte regular e garantir mobilidade inclusiva. O serviço é assegurado por táxis, e o sistema de reservas é feito através de uma linha telefónica gratuita, com os preços dos bilhetes variando entre os 3,65 e os 1,65 euros, numa tabela tarifária semelhante à do transporte público convencional.

    O PÁGINA UM enviou um conjunto de questões à presidência da CIM-BSE, mas Luís Tadeu nem sequer respondeu. Em todo o caso, a acta de uma reunião desta entidade, no passado dia 10 de Setembro, revela um ‘truque’ usado para justificar os chorudos ajustes directos: a CIM-BSE estará a manifestar avanços para vir a lançar um concurso público internacional para estes serviços de transporte – tendo sido aprovadas as peças do procedimento –, mas logo no ponto seguinte foi votado um parecer de Agosto no sentido de ser não se avançar por um concurso público por lotes. E, em seguida, de imediato, passou-se então a análise, discussão e votação para se avançar para os ajustes directos milionários. Tudo aprovado por unanimidade.


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  • 31 milhões em três anos: Porto Editora aproveita manuais digitais para vender computadores

    31 milhões em três anos: Porto Editora aproveita manuais digitais para vender computadores

    Desde 2018, os contribuintes desembolsaram 36,6 milhões de euros em contratos feitos com a Porto Editora, na maioria por ajuste directo, mas grande parte da verba (30,8 milhões) advem de contratos a partir de 2022. O grupo portuense, que possui conhecidas editoras de manuais escolares, tem beneficiado de muitos contratos por ser o escolhido pelos agrupamentos escolares e escolas do ensino público para fornecer manuais digitais e licenças de acesso a conteúdos. Mas, à boleia, a Porto Editora acaba a vender ‘kits’ de computadores, muitas vezes sem concorrência, porque as escolas decidem, de forma questionável, não separar as aquisições. Em contratos recentes, a Porto Editora cobrou 490 euros por cada portátil. Somando os manuais digitais e software, cada ‘kit’ para alunos rendeu mais de 900 euros. No top 20 dos maiores contratos ganhos pela Porto Editora, a Região Autónoma da Madeira dá um ‘baile’ ao Continente. As escolas madeirenses são responsáveis pelos 16 contratos mais valiosos feitos com a Porto Editora. Na sua maioria, são adjudicações feitas no último ano e meio por ajuste directo.


    As licenças de acesso a manuais digitais têm sido o’ cavalo de Tróia’ da Porto Editora para facturar milhões de euros em contratos com as escolas do ensino público, muitas vezes sem concurso. O grupo editorial, que detém a Areal e a Raiz, ganhou já contratos no valor de 36,6 milhões de euros desde 2018, na maioria por ajuste directo, mesmo quando o objecto do negócio foi a venda de ‘kits’ informáticos para os alunos, num sector com ampla concorrência.

    As escolas e os professores têm autonomia para escolher os manuais escolares a adoptar a cada ano lectivo, mas no que toca o material informático, o caso muda de figura. Ainda assim, à boleia da compra de manuais digitais e licenças de acesso a conteúdos pedagógicos, há escolas a adjudicar contratos por ajuste directo de milhares de euros sem a devida fundamentação legal.

    A Porto Editora tem beneficiado desta prática. Num levantamento feito pelo PÁGINA UM a contratos públicos registados no Portal Base, a Porto Editora é a ‘rainha’ da venda de manuais e licenças digitais, detendo 100% dos contratos. Na mesma análise, constata-se que em diversos contratos, além dos manuais e das licenças digitais, a empresa vende ‘kits’ informáticos para alunos.

    three person pointing the silver laptop computer

    Já em Setembro do ano passado, o PÁGINA UM tinha denunciado esta prática, de haver contratos por ajuste directo com a Porto Editora para vender tablets e computadores em ‘packs‘ à boleia dos manuais e licenças digitais. Em contratos recentes, a Porto Editora cobra mais de 900 euros por cada ‘kit’ para alunos do 10º ano, por exemplo, com o custo de cada portátil a sair a quase 500 euros ao Estado.

    De resto, este ano, a editora obteve os dois maiores contratos de sempre feitos com o Estado, ambos envolvendo a venda de ‘kits’ e manuais digitais a escolas da Região Autónoma da Madeira. O seu maior contrato de sempre, no valor de e 1.036.411,89 euros, que, acrescido de IVA, eleva a despesa dos contribuintes para 1.264.422,50 euros, foi efectuado a 22 de Julho com a Secretaria Regional de Educação, Ciência e Tecnologia – Escola Secundária Francisco Franco, no Funchal, referente à ‘Aquisição de manuais escolares digitais, bens e serviços conexos, 2024/2025’. Apenas a Porto Editora concorreu a este concurso público anunciado a 7 de Junho e com data-limite para entrega de propostas a 8 de Julho.

    Este contrato inclui a venda, pela Porto Editora, de 780 portáteis Chromebook, com bolsa de proteção personalizada, para alunos do 10º ano, disponibilização da ‘Plataforma LMS-Learning Management System com conteúdos e recursos educativos’, licenças ‘para Firewall Cloud (Secure Access Service Edge – SASE)’, licenças de acessos aos ‘Manuais em Formato digital’ e ainda licenças da ‘plataforma MDM-Mobile Device Management, para gestão centralizada dos equipamentos’. Cada ‘kit’ foi vendido ao preço de 907,52 euros, excluindo IVA. Além disso, o contrato abrangeu o fornecimento de licenças digitais a alunos do 11º ano ao preço de 416,64 euros, cada.

    Valor (em euros) dos contratos públicos relativos à compra de manuais digitais, licenças de acesso ou ‘kits’ com manuais digitais e computadores ou tablets. A Porto Editora foi a entidade contratada em 100% dos contratos detectados pelo PÁGINA UM. Fonte: Portal Base.

    O segundo maior contrato, no valor de 797.852,37 euros, foi efectuado a 19 de Agosto com a Escola Secundária Jaime Moniz, no Funchal. Este contrato engloba, por exemplo, a venda de 600 ‘kits’ no valor de 907,52 euros para os alunos do 10º ano, que inclui um portátil ‘Chromebook com bolsa de protecção’, num valor global de 544.512 euros, sem IVA. No caso dos ‘kits’ para os alunos do 11º ano, a Porto Editora cobra 416,64 euros por cada um, apenas para disponibilizar manuais digitais, software de cibersegurança e a plataforma LMS-Learning Management System. Fazendo as contas, significa que a Porto Editora vendeu, neste contrato, computadores portáteis para alunos ao preço de 490,88 euros sem IVA.

    De resto, os 16 maiores contratos da Porto Editora com entidades públicas foram celebrados com escolas da Região Autónoma da Madeira em contratos adjudicados, na sua maioria, no último ano e meio, tendo gerado mais de 8,1 milhões de euros de receita à Porto Editora. Destes contratos, 12 foram feitos por ajuste directo.

    Numa análise a várias compras de ‘kits’ informáticos para alunos feitas por escolas públicas, nos últimos meses, e registadas no Portal Base, o PÁGINA UM detectou contratos em que cada ‘kit’ composto por portátil, uma mochila de transporte, um ‘headset‘ e um rato com ligação USB custa em redor dos 410 euros ou 415 euros, incluindo um sistema operativo. Além do custo mais baixo, alguns dos contratos para a aquisição de portáteis para os alunos são feitos através de concurso ou consulta prévia, mas, na sua maioria, têm sido adjudicados por ajuste directo, apesar de existirem diversas empresas a operar no mercado.

    woman reading book

    Nos contratos registados no Portal Base referentes à aquisição de manuais e licenças digitais, todos feitos com a Porto Editora, verifica-se que o ‘pico’ das compras ocorreu em 2023, quando o valor total da despesa atingiu os 12,4 milhões de euros. Contudo, este ano o valor global dos contratos vai em 10,3 milhões de euros e há ainda procedimentos que não estarão registados no Portal Base.

    Além da Porto Editora, outras empresas que surge ligada a compras por ajuste directo relacionadas com a digitalização das escolas e a aquisição de material informático são a Meo e a Altice, que facturaram 460 mil euros com contratos públicos. Estes contratos feitos pelas escolas surgem num contexto de políticas que têm promovido uma maior digitalização do ensino público e a desmaterialização dos manuais escolares em papel.

    Recorde-se que, em 2018, a Direcção-Geral das Actidades Económicas e a Associação de Editores e Livreiros assinaram uma convenção relativa à venda de manuais escolares destinados aos ensinos básico e secundário, na qual se previa a distribuição de licenças digitais a todos os alunos do ensino público abrangidos pela medida de gratuitidade dos manuais escolares. Nesse sentido, anualmente, o Estado tem subsidiado ‘vouchers’ que são enviados aos encarregados de educação dos alunos para serem trocados por manuais escolares novos ou usados, os quais vem acompanhados por licenças de acesso a conteúdos digitais das editoras.

    woman wearing blue denim jacket holding book

    Neste caso, são os pais que recebem os ‘subsídios’ e, por isso, não surgem compras de manuais escolares às diferentes editoras no Portal Base. “A relação é entre o Ministério da Educação e os pais, que recebem os ‘vouchers’, pelo que não há uma compra de manuais às editoras por parte de nenhuma escola”, afirmou Pedro Sobral, presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), em declarações ao PÁGINA UM.

    Pedro Sobral defendeu que, no caso da compra de manuais digitais por parte das escolas, como as que estão registadas no Portal Base, faz sentido que sejam feitas por ajuste directo, já que “são as escolas que escolhem os manuais que pretendem”. Recordou que essas compras surgem inseridas em programas de digitalização das escolas e desmaterialização dos manuais em papel.

    Estes programas surgiram no âmbito do ‘Plano de Ação para a Transição Digital’ aprovado pelo Governo socialista em Abril de 2020. Nesse âmbito, desde então que o Ministério da Educação, Ciência e Inovação tem vindo a implementar, por exemplo, um projecto-piloto relativo ao uso de manuais digitais que, no ano lectivo passado, abrangeu 24 mil alunos de 104 agrupamentos escolares e escolas não agrupadas. No total, para o ano lectivo de 2023-2024, foi fixado o tecto de 24,167 milhões de euros que o Governo autorizou a gastar em licenças digitais de manuais.

    Página online da ‘Escola Virtual’ do grupo Porto Editora. Foto: Captura de ecrã/PÁGINA UM

    Mas a aposta na ‘desmaterialização’ dos livros escolares está em ‘banho-maria’ e tem um futuro incerto. “Felizmente, o anterior Governo decidiu, e bem, suspender esse plano”, disse Pedro Sobral, frisando que existem muitos estudos científicos que revelam a importância que o uso de livros em papel tem para o adequado desenvolvimento das crianças, nomeadamente nas suas capacidades de leitura, escrita e compreensão de textos.

    “Na APEL, pugnamos por uma complementariedade de formatos”, juntando o manual em papel com conteúdos digitais, frisou Pedro Sobral. “Não somos contra a digitalização, pelo contrário. Pensamos que é complementar”, salientou.

    Também o actual Governo já indicou que a estratégia de apostar numa maior digitalização dos manuais escolares está sob análise. Isto acontece numa altura em que persistem as dúvidas sobre os benefícios do uso exclusivo de livros digitais pelos alunos e também os ‘efeitos adversos’ que surgem com a excessiva exposição de crianças e jovens a ecrãs. Ao mesmo tempo, aumenta a pressão por parte de movimentos como o ‘Menos Ecrãs, Mais Vida‘, para travar o projecto dos manuais digitais nas escolas públicas.

    Seja como for, o negócio dos manuais digitais já rendeu milhões à Porto Editora e, até ordem contrária, as escolas irão continuar a comprar licenças se quiserem que os alunos continuem a poder usar os computadores comprados em ‘kit’ junto com os manuais digitais.


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  • Conteúdos comerciais em secção ambiental do Público resultam em processo de contra-ordenação

    Conteúdos comerciais em secção ambiental do Público resultam em processo de contra-ordenação

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu instaurar um processo de contra-ordenação ao jornal Público pela inclusão de conteúdos comerciais disfarçados de notícias na secção Azul, dedicada ao tema do ambiente. Em causa está um conjunto de conteúdos publicitários publicados no âmbito de um contrato de ‘parceria comercial’ feito com a Comissão de Coordenação da Região Norte (CCDR-N). O regulador dos media também identificou uma jornalista que assinou quatro peças de carácter comercial no âmbito dessa parceria comercial, o que constitui uma incompatibilidade com a profissão, pelo que decidiu remeter para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista a análise da infracção. Esta acção do regulador dos media resulta de uma notícia do PÁGINA UM em Junho do ano passado, e que, na altura, mereceu um direito de resposta do director do Público a negar a veracidade das revelações. A ERC confirma agora, implicitamente. quem dizia a verdade.


    Mais vale tarde do que nunca. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) tardou mas decidiu abrir um processo de contra-ordenação ao Público por publicar conteúdos comerciais disfarçados de ‘notícias’ na sua secção de ambiente, Azul.

    Em causa estão quatro conteúdos publicados há um ano no âmbito de um contrato celebrado com a Comissão de Coordenação da Região Norte (CCDR-N), um organismo da Administração Pública com nomeação governamental. Nas cláusulas contratuais constava a “obrigação de produzir uma série de conteúdos editoriais relativos à temática do crescimento azul do Programa Espaço Atlântico”, ficando o jornal do Grupo Sonae obrigado a publicar os referidos conteúdos encomendados pela CCDR-N nos sites do Azul, do Público e no podcast Azul.

    Na sua deliberação, a ERC refere que decidiu avançar com a “instauração de um processo de contraordenação contra o Público – Comunicação Social, SA, por violação do disposto no nº 2 do artigo 28º da Lei da Imprensa“, o qual estabelece que “toda a publicidade redigida ou a publicidade gráfica, que como tal não seja imediatamente identificável, deve ser identificada através da palavra ‘Publicidade’ ou das letras ‘PUB’, em caixa alta, no início do anúncio, contendo ainda, quando tal não for evidente, o nome do anunciante”.

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    A deliberação, adoptada a 4 de Setembro e que foi comunicada esta semana ao PÁGINA UM em primeira-mão, surge na sequência de questões colocadas à ERC pelo nosso jornal em 3 de Outubro do ano passado sobre a legalidade dos contratos de prestação de serviços entre o Público e duas entidades, a CCDR-N e a Biopolis, que envolviam a obrigação de publicação de conteúdos editoriais.

    Os contratos assinados entre o Público e aquelas duas entidades foram revelados pelo PÁGINA UM numa notícia publicada em Junho de 2023. No caso da Biopolis, o contrato determinava até o número de artigos a publicar pelo jornal, e no caso da CCDR-N constava mesmo a condição de prévia entrega de conteúdos para a respectiva validação por aquela entidade. A decisão do PÁGINA UM de remeter para a ERC um pedido formal de análise dos contratos da Biopolis e da CCDR-N foi tomada após o director do Público, David Pontes, ter exigido a publicação de um direito de resposta.

    David Pontes acusou então o PÁGINA UM de, “através de uma leitura parcelar de documentos” ter construído “uma teia de falsidades com que se procura[va] denegrir a actividade profissional” dos jornalistas do Público e da secção Azul. Numa primeira fase, o PÁGINA UM, convicto da veracidade das revelações, recusou a publicação do direito de resposta do director do Público, mas o regulador considerou que esse direito pode ser exercido independentemente das circunstâncias relatadas serem verídicas. Agora, a deliberação da ERC de abrir um processo de contra-odenação ao Público atesta que não houve qualquer “teia de falsidade” criada pelo PÁGINA UM, mas apenas mercantilização do jornalismo à margem da lei por parte do jornal dirigido por David Pontes.

    O processo de contra-ordenação aplica-se apenas ao contrato com a CCDR-N, porque o Público alegou que o contrato com a Biopolis “nunca chegou a ser concretizado por não ter sido viável o cumprimento das obrigações dele decorrentes pelo que o mesmo foi revogado por mútuo acordo”. Segundo o jornal, os textos envolvendo a Biopolis que foram mencionados no ofício que a ERC enviou ao Público, foram elaborados e publicados exclusivamente devido ao seu interesse noticioso, não estando abrangidos por nenhum contrato comercial.

    No entanto, até hoje não constava qualquer referência no Portal Base à revogação do contrato público entre estas duas entidades, assinado no dia 2 de Março do ano passado, como deveria suceder se tal tivesse mesmo ocorrido. Na verdade, já este ano, em 9 de Março, o Público e a Biopolis assinaram um novo contrato, em tudo similar ao do ano anterior, e que inclui especificamente a promoção de “projectos de investigação desenvolvidos pelos cientistas da Biopolis”. Tudo a troco de 90 mil euros.

    Foto: PÁGINA UM

    A intenção destes apoios até pode, em teoria, ser boa, mas este tipo de prestação de serviços é incompatível com a Lei da Imprensa, e se generalizado pode implicar que, por exemplo, uma petrolífera ou uma farmacêutica possa também pagar para ver promovidos na imprensa “projectos de investigação desenvolvidos pelos cientistas” da sua confiança ou de temas que lhe sejam queridos.

    No caso da CCDR-N, estão em causa conteúdos comerciais publicados como notícias entre 29 de Setembro e 11 de Novembro de 2023. A ERC constatou que nos quatro artigos publicados, alguns com referências positivas e elogiosas a empresas e instituições públicas, não existem referências “nem quaisquer elementos verbais ou gráficos que identifiquem a relação contratual”. Os quatro textos com o tema comum de ‘Mudar o Atlântico em quatro vagas’ são assinados por uma jornalista com carteira profissional, Inês Loureiro Pinto (CP 8264). A jornalista assina os quatro textos, bem como um podcast sobre a mesma temática. Esta jornalista é freelancer, ou seja, não tinha vínculo ao Público. A ERC enviou documentos para a CCPJ para eventual processo de cassação da carteira profissional.

    Na sua deliberação, a ERC assinalou também que “a não identificação [pelo PÚBLICO] da natureza contratual estabelecida, bem como da entidade adjudicante [CCDR-N], é susceptível de comprometer a independência do órgão de comunicação social perante interferências do plano económico”. O regulador constatou ainda que “tal actuação é também passível de inobservar o livre exercício do direito à informação”, garantido na Constituição da República Portuguesa e na Lei da Imprensa.

    Por outro lado, o regulador presidido por Helena Sousa, considerou que, “ao comprometer-se contratualmente nestes termos, o Público restringe a liberdade e autonomia editorial do seu director, em desrespeito” pela Lei da Imprensa, acrescentando que tal “pode perigar o rigor e a objectividade da informação”.

    Foto: PÁGINA UM

    Além da instauração de um processo de contra-ordenação, a ERC advertiu “o Público para a necessidade de garantir que os conteúdos publicados ao abrigo de contratos de natureza comercial com entidades externas não sejam concebidos, nem assinados, por jornalistas”. Recorde-se que a ERC está a realizar um estudo sobre a separação entre conteúdos jornalísticos e conteúdos promocionais ou publicitários. embora a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalismo sejam extremamente claros sobre esta temática.

    O regulador ainda tem em curso, desde Junho do ano passado, um conjunto de processos de contra-ordenação por contratos públicos de mercantilização do jornalismo que atingem sete grupos de media, nomeadamente a Global Media, Trust in News, Impresa, SIC, TVI, Medialivre (ex-Cofina) e Público. Houve também 14 ‘jornalistas comerciais’ identificados, que elaboraram artigos e conteúdos noticiosos contratualizados com entidades públicas, mas nenhum caso teve efeitos na CCPJ.

    Apesar destes processos, a promiscuidade mantém-se na imprensa, sobretudo nas ambíguas ‘parcerias comerciais’ ou de ‘media partner’, com a ERC e a CCPJ a fecharem os olhos a casos evidentes de elaboração de notícias e entrevistas que são feitas ao abrigo de contratos com empresas e entidades públicas, passando mensagens de cariz promocional ou promovendo gestores, organismos, empresas e até políticos. Além disso, proliferam nos media outros formatos, como podcasts, cujos conteúdos poderão estar também contratualizados, passando a ideia de que se trata de informação isenta, quando não passa de promoção dos entrevistados ou de entidades ou produtos. Ao contrário do que sucede nos contratos públicos, divulgados no Portal Base, os acordos comerciais envolvendo empresas de media e entidades privadas não são de divulgação obrigatória, mantendo-se secretos. A única excepção sucede com as farmacêuticas, obrigadas pela Lei do Medicamento a divulgar fluxos financeiros de promoção, incluindo nos média, mas o regulador, o Infarmed, presidido por Rui Santos Ivo, tem intencional e claramente fechado os olhos à ausência sistemática de registos no Portal da Publicidade e Transparência.

    Resta agora aguardar pelo estudo do regulador dos media sobre a promiscuidade evidente, que em muito tem contribuído para desacreditar a imprensa e os jornalistas, ajudando a melhorar as receitas de órgãos de comunicação, mas afastando cada vez mais o público e os leitores. Para já, de acordo com a Lei da Imprensa, o ‘crime’ compensa do ponto de vista financeiro: a coima máxima para o caso do Público é de apenas 5.000 euros. A ERC costuma, porém, fazer ‘descontos’, ou seja, por regra atenua as ‘multas’.


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  • Sinais de corrupção atingem um terço dos gastos públicos do Reino Unido durante a pandemia

    Sinais de corrupção atingem um terço dos gastos públicos do Reino Unido durante a pandemia

    Uma organização anti-corrupção, a Transparency International UK, detectou 135 contratos públicos adjudicados durante a pandemia de covid-19 que levantam fortes suspeitas de terem envolvido práticas corrupção. No total, estes contratos envolveram um montante de 18,2 mil milhões de euros, cerca de um terço de toda a despesa pública efectuada na pandemia pelo país. Agora, aquela organização apela às autoridades britânicas para investigarem os contratos suspeitos. Não foi só no Reino Unido que a gestão da pandemia escancarou a porta para a corrupção. Em Portugal, houve o chamado ‘cartel dos testes’, envolvendo os maiores laboratórios do país, mas também floresceu a falta de transparência, como no caso dos contratos das vacinas assinados pela Direcção-Geral da Saúde, que permanecem envoltos em opacidade. Um processo de intimação do PÁGINA UM, apresentado em Dezembro de 2022, ainda não tem desfecho previsto, devido a sucessivas procrastinações e mentiras do Ministério da Saúde.


    A Transparency International UK, uma organização britânica anti-corrupção, analisou 5.000 contratos públicos adjudicados no Reino Unido durante a pandemia da covid-19 em busca de sinais de potencial corrupção. A análise aos contratos públicos detectou a existência de problemas significativos em contratos no valor de 15,3 mil milhões de libras (ou 18,2 mil milhões de euros), o que corresponde a um terço dos gastos globais. Segundo a análise da mesma organização, foram identificados 135 contratos com sinais de alto risco de poderem envolver práticas de corrupção.

    Testes, material de protecção médica e máscaras geraram estão entre os bens que originaram contratos nebulosos no Reino Unido. Um total de 28 contratos, no valor de 4,1 mil milhões de libras (4,9 mil milhões de euros), foram adjudicados a empresas com conhecidas ligações políticas. Outros 51 contratos, no montante de 4,0 mil milhões de libras (4,75 mil milhões de euros), foram adjudicados através de uma via VIP para empresas recomendadas por membros do parlamento e pares, uma prática que o Supremo Tribunal considerou ser ilegal.

    Para a Transparency International UK, a suspensão das regras normais de prevenção da corrupção no Reino Unido, careceu de fundamentação, na maior parte dos casos, tendo a medida acabado por trazer prejuízo aos contribuintes. Segundo aquela organização, quase dois terços dos contratos de valores mais elevados para fornecer bens como máscaras e equipamento de protecção médica durante a pandemia, num total de 30,7 mil milhões de libras (36,5 mil milhões de euros), foram adjudicados por ajuste directo.

    Um grupo de oito contratos, num valor global de 500 milhões de libras (593,8 milhões de euros) foram entregues a empresas que não tinham mais de 100 dias de existência, que é um dos sinais de alarme na prevenção da corrupção.

    A Transparency International UK, uma organização que tem tido um papel forte e activo na investigação à gestão da pandemia naquela país, apelou às autoridades para que investiguem os contratos identificados como apresentando um risco muito elevado de corrupção.

    Em Portugal, foi notícia, recentemente, a aplicação de coimas ao chamado ‘cartel dos testes‘ que envolveu os grandes laboratórios de análises clínicas do país. Mas, além da corrupção, a gestão da pandemia trouxe falta de transparência em diversos contratos públicos. O PÁGINA UM, por exemplo, aguarda ainda o desfecho da intimação colocada no Tribunal Administrativo de Lisboa contra a Direccção-Geral da Saúde para o acesso aos contratos da compra das vacinas para a covid-19, bem como da correspondência com as farmacêuticas e as guias de remessa. A acção foi colocada em 31 de Dezembro de 2021, ou seja, há quase 21 meses.

    O Ministério da Saúde tem tentado aproveitar o secretismo dos acordos prévios assinados entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas para convencer a juíza deste exasperante e longo processo, Telma Nogueira, a considerar os tribunais administrativos portugueses incompetentes para analisar o pedido. A suceder significaria que qualquer acto administrativo que decorresse de Bruxelas podia estar vedado aos cidadãos portugueses se houvesse qualquer cláusula secreta determinada por ‘eurocratas’ não-eleitos, independentemente da sua cidadania.

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    Depois de o Tribunal Geral da União Europeia ter considerado abusivas as cláusulas de confidencialidade, a juíza Telma Nogueira instou o Ministério da Saúde, antes de concluir a sentença, a fornecer-lhe os contratos assinados pelo Estado português, bem como a correspondência. E deu um prazo de 15 dias. Esta semana, no limite deste prazo, a directora-geral da Saúde, Rita Sá Machado, pediu uma prorrogação de de mais 40 dias. A juíza concordou, o que, em princípio, fará com que um processo de intimação, considerado urgente, vá demorar, na primeira instância, aproximadamente dois anos.

    Além deste negócio da compra das vacinas, merece também destaque em Portugal uma aquisição sem contrato no valor de 20 milhões de euros do antiviral Paxlovid, da farmacêutica Pfizer, usando uma norma legal já revogada. De entre os casos obscuros de aquisição de testes e diversos materiais de protecção individual, estão situações qm que as empresas não detinham sequer qualificações nem histórico no sector.

    Houve também entidades públicas que esconderam compras por ajuste directo e sem documentos de suporte conhecidos, aproveitando um regime especial de contratação pública que dispensava a redução a escrito. O caso mais gritante detectado ao longho dos anos pelo PÁGINA UM passou-se no Hospital de Braga, presidido por João Porfírio Oliveira, que escondeu 1.354 ajustes directos de 47 milhões de euros relacionados com a pandemia por mais de dois anos. Em muitos nem se sabe o que se comprou. O PÁGINA UM ainda aguarda que o Tribunal de Contas se pronuncie sobre esta matéria.


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  • Mafra transforma patrocínio em falso contrato de ‘aquisição de serviços’ de organização de prova internacional de surf

    Mafra transforma patrocínio em falso contrato de ‘aquisição de serviços’ de organização de prova internacional de surf

    O Município de Mafra pagou 125 mil euros a uma empresa para organizar uma prova de surf, mas, na verdade, este evento desportivo integra o circuito da Liga Mundial de Surf e tem associada uma empresa de cerveja espanhola, uma marca de roupa desportiva norte-americana e a EDP. O ajuste directo para uma falsa prestação de serviços é assim, em concreto, um ‘subsídio’ a uma empresa privada dado pela Câmara de Mafra é justificado, pela autarquia com o facto de os municípios poderem apoiar eventos “que contribuam para a promoção da saúde e prevenção das doenças”. Desde 2018, a autarquia social-democrata já ‘lançou ao mar’ 750 mil euros. porque tem boas ondas…


    A Câmara Municipal de Mafra assinou um contrato por ajuste dirrecto para a “produção” em concreto da prova internacional de surf, mas, na verdade, trata-se de um apoioà organização deve ser visto com um patrocínio. Denominada “EDP Vissla Ericeira 2024”, a prova decorrerá na praia de Ribeira d’Ilhas, entre os próximos dias 29 de Setembro e 6 de Outubro, e integra o circuito internacional de Liga Mundial de Surf, sendo que a organização está associada a uma empresa espanholsa de cerveja (Estrella Galicia) e tem como ‘naming’ (principais patrocinadores) uma marca de roupa desportiva da Califórnia (Vissla) e a EDP.

    A autarquia do distrito de Lisboa tem, aliás, desembolsado anualmente sempre a mesma verba de 125 mil euros para pagar a organização da prova autorizada pela Liga Mundial de Surf, tanto directamente, como através de uma empresa municipal. Desde 2018, foram gastos 750 mil euros de dinheiros públicos para suportar gastos com a organização desta prova, que, em quase todas as edições, tem tido o ‘naming‘ da EDP, com a excepção do evento de 2021, que foi patrocinada pela MEO.

    Autarquia assume em contrato que uma empresa organiza para si um evento que é afinal da responsabilidade da Liga Mundial de Surf, estando associada a uma emprsa espanhola de cerveja e tem a Vissla e a EDP como patrocinadores com direito a ‘naming’.

    Este ano, o contrato assinado pelo presidente social-democrata da autarquia, Hugo Moreira Luís, em 3 de Setembro passado e registado no Portal Base na mesma data, beneficiou a empresa 3Sports Events e explicita que o objecto é a “Produção do Evento Desportivo – EDP Vissla Pro Ericeira 2024”. Porém, apesar de o contrato estipular que faz parte integrante o caderno de encargos, este documento não se encontra disponibilizado no Portal Base, como deveria. Deste modo, pouco se sabe sobre as tarefas a executar pela empresa contratada, inferindo-se, sem ser evidente, nas cláusulas do contrato que envolverá montagens e desmeontagens de estruturas e também limpeza de espaços. Este procedimento, através de ajuste directo, contrasta com apoios atribuídos por outras autarquias a provas desportivas, mesmo quando sob a forma de patrocínio, onde as contrapartidas estão definidas em detalhe.

    No único documento disponível no Portal Base, que se resume às sucintas cláusulas do contrato, apenas é mencionado que prazo para a prestação do serviço é de 19 dias e corresponde não só ao período em que decorre o evento, de 29 de Setembro a 6 de Outubro, incluindo um período para montagem de infraestruturas e posterior desmontagem e limpeza dos espaços. Mas não diz explicitamente que a emprsa adjudicatária seja quem executa essas tarefas.

    Em resposta a perguntas do PÁGINA UM, a autarquia de Mafra afirmou apenas que, “nos termos do caderno de encargos [que não enviou], a prestação de serviços é referente à ‘Produção do Evento Desportivo – EDP Vissla Pro Ericeira 2024’, a realizar, previsivelmente, de 29 de Setembro a 6 de Outubro do corrente ano, com período inicial de preparação e montagem das infraestruturas, e final onde será contemplada a desmontagem e limpeza dos espaços, prazo este com início a 22 de Setembro e término a 10 de Outubro do corrente ano”. Em suma, repetiu o que consta no contrato.

    O evento “subsidiado” pela Câmara Municipal de Mafra tem como patrocinador de destaque a EDP, que dá mesmo o nome ao evento. (Foto: D.R.)

    A mesma fonte oficial da autarquia adiantou ainda que esta prestação de serviços contempla a “apresentação de licença para realização da prova; produção do evento (gestão de atletas; viagens; refeições), gestão logística; montagem de infraestruturas e equipamentos; desenvolvimento de plano de comunicação; [e] gestão da atividade desportiva”. Ora, esta parte não consta nas breves cláusulas do contrato.

    Sobre o facto de a autarquia assumir os custos de produção de um um evento onde não é formalmente a organizadora – nem o seu nome consta na divulgação da prova no site da Liga Mundial de Surf –, e cujo ‘naming’ é de duas empresas privadas, a Câmara argumenta que “ainda que o município de Mafra não tenha o seu nome do evento, do mesmo faz parte a referência à Ericeira, que é uma localidade deste município e que, numa perspectiva de marketing territorial, se pretende promover”. E conclui ainda que “a referência do Município de Mafra, através do seu brasão, faz parte dos diversos materiais de comunicação da prova”. O PÁGINA UM consultou vários materiais e diversos vídeos de anteriores edições desta prova na Ribeira d’Ilhas, como a do ano passado, e apenas surgem referências à EPD, Vissla e Estrella Galicia.

    Para explicar a entrega deste ‘apoio’ à prova internacional através de um ajuste directo, a autarquia alegou a ncessidade de “proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”, o que torna estranho este contrato de prestação de serviços se estivesse em causa a simples montagem ou desmontagem de instalações e limpeza de espaços.

    O município de Mafra tem patrocinado o evento de surf pelo menos desde 2018, incluindo através da empresa municipal GIATUL. Fonte: Portal Base.

    A explicação para esta “aquisição de serviços” por parte da autarquia de Mafra também se mostra ‘sui generis’. O município liderado pelo social-demcrata Hugo Moreira Luís refere que o regime jurídico das autarquias locais lhe que confere competências para “apoiar actividades de natureza social, cultural, educativa, desportiva, recreativa ou outra de interesse para o município, incluindo aquelas que contribuam para a promoção da saúde e prevenção das doenças”. Fica por explicar como uma prova internacional privada de surf, já apoiada por empresas privadas, pode promover a saúde e prevenir doenças da população do concelho de Mafra.

    Segundo o contrato, o procedimento por ajuste directo foi autorizado por despacho do presidente da autarquia social-democrata, Hugo Moreira Luís, assinado pelo autarca a 11 de Julho deste ano. A prestação de serviços contemplada no contrato foi adjudicada pelo autarca a 26 de Julho.

    Este contrato está isento de fiscalização pelo Tribunal de Contas ao abrigo do artigo 48º da Lei 98/97 que refere que “ficam dispensados de fiscalização prévia os contratos referidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 46.º de valor inferior a 750 000 (euro), com exclusão do montante do imposto sobre o valor acrescentado que for devido”.

    Câmara de Mafra alega que o seu brasão está em todos os materiais de divulgação do evento internacional.

    Saliente-se que este procedimento tem sido seguido em anos anteriores, embora por vezes em moldes distintos. Já o anterior presidente da autarquia, o social-democrata Hélder Sousa Silva, que saiu do cargo este ano, para assumir funções como eurodeputado, usou a mesma estratégia para conceder este “apoio”. No entanto, para o ano de 2022 e 2023, a autarquia fez contratos de “aquisição de serviços”, também no valor de 125 mil euros, à empresa Oceanptevents, para patrocinar o mesmo evento de surf na Ericeira.

    No entanto, nos três anos anteriores os contratos, por ajuste directo e pelo mesmo valor, foram suportados pela GIATUL, a empresa municipal que gere as actividades lúdicas, infraestruturas e rodovias deste concelho, mas neste caso o patrocínio, embora não explicitamente assumido, tornava-se mais evidente. Resta saber se, nos próximos anos, o município vai continuar a ‘surfar esta onda de águas turvas’, concedendo um apoio ou subsídio, justificando tudo através de um contrato de “aquisição de serviços”, aproveitando-se também do facto de não ser, aparentemente, exigido visto prévio do Tribunal de Contas.


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