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  • Banco Português de Fomento vai oferecer ‘carros desportivos’ aos directores de topo

    Banco Português de Fomento vai oferecer ‘carros desportivos’ aos directores de topo


    Numa sociedade guiada por valores materiais e ‘status’, um banqueiro tem de “parecer bem” e não pode ser visto num carro de gama baixa. Mas em Portugal basta ser director intermédio de um banco estatal, mesmo pequeno, para almejar sorte similar. Para quê ser austero quando se pode conduzir um topo de gama pago pelo erário público?

    Talvez tenha sido esse princípio de ouro da hierarquia social, de mostrar que se tem “status”, que fez com que o Conselho de Administração do Banco Português de Fomento (BPF), que é um banco estatal, lançasse um concurso público para encomendar, através de um contrato de aluguer de longa duração (ALD) de um total de 23 viaturas SUVs para a sua direcção de topo.

    Foto: D.R.

    O BPF é um banco estatal de apoio ao investimento, mas de pequeníssima dimensão face à mastodôntica Caixa Geral de Depósitos. Apesar de serem instituições financeiras muitíssimo distintas, basta dizer que a CGD teve um lucro de 1.735 milhões de euros no ano passado, enquanto o BPF teve resultados positivos de de 18 milhões de euros.

    Mas isso pouco parece importar na hora de mostrar ‘status’. O BPF vai desembolsar perto de 1,2 milhões de euros (981 mil euros, acrescido de IVA) para o aluguer de longa duração de 21 viaturas para dirigentes de topo, por cinco anos, e mais duas de luxo, por quatro anos, que incluirão vários extras.

    O concurso do banco público está, neste momento, a decorrer até finais deste mês, encontrando-se divido em cinco lotes, o que significa que pode ser entregues a diferentes empresas.

    Uma das viaturas que o BFE pretende alugar será da categoria deste Mercedes. / Foto: D.R.| Mercedes

    Segundo o caderno de encargos, consultado pelo PÁGINA UM, não são esquecidos alguns pormenores de luxo e distinção. O primeiro lote a concurso refere-se à encomenda de “uma viatura tipo SUV, com motorização híbrido plug-in/gasolina, tração integral, cinco portas” com uma potência combinada de 455 cavalos, de cor “preto ónix”.

    O equipamento mínimo obrigatório inclui “lotação máxima: sete lugares; cinco portas; depósito combustível 71 litros, pintura metalizada, tecto panorâmico, câmara 360º, vidros traseiros escurecidos”. A cor interior exigida é “nórdico acolchoado em carvão, jantes 21″ com 5 raios múltiplos pretos, corte em diamante”.

    Só este veículo terá um custo base de aluguer de 62.400 euros (76.752 euros com IVA), ou 1.600 euros por mês. A este valor acresce a despesa 3.150 euros com custos administrativos e operacionais.

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    Foto: D.R.

    O lote 2 abrange a encomenda de uma viatura sedan/limousine de cor “metalizada preto Obsidian”, com motorização híbrido plug-in/gasolina, de cinco portas, e potência de 280 kw – 381 cv. O custo desta viatura será de 65.067 euros, com uma renda mensal de 1.356 euros, a que se somam custos administrativos e operacionais de 2.600 euros.

    As especificidades mínimas obrigatórias incluem “pintura metalizada, jantes liga leve 18″, Apple car play, bancos dianteiros ajustáveis eletricamente”. Os interiores têm de ser em “couro Artico/microcut preto”. A encomenda exige ainda como extras um “pack desportivo premium, jantes 5 raios 18”, vidros traseiros
    escurecidos”.

    O lote 3 abrange 16 viaturas “tipo SUV, motorização híbrido plug-in/gasolina, cinco portas”. O custo será de 767.520 euros, com rendas mensais por viatura de 799 euros, num total de 12.784 euros, a pagar durante cinco anos.

    Estas viaturas têm de ter transmissão automática de
    oito velocidades, tracção às quatro rodas, barras de tejadilho (talvez para meter pranchas de surf, bicicletas ou caiaques), volante desportivo e bancos dianteiros também desportivos. Presume-se que são os “essenciais” para qualquer profissional “financeiro”. Como extras obrigatórios, o BFE exige ainda um “pack desportivo e vidros com protecção solar”.

    Das 16 viaturas, oito terão de ser de cor “cinza prata Space” e oito de cor “preto Sapphire metalizada”, enquanto os interiores ostentarão uma “combinação de Alcantara M/Veganza, preto/pesponto de contraste em azul”.

    Este novo modelo da Volvo encaixa nas exigências do BFE para uma das viaturas que vai alugar. / Foto: D.R.

    O lote 4, por sua vez, diz respeito a quatro veículos tipo SUV, de motorização híbrido/gasolina, com cinco portas, pintura metalizada e equipadas com sensores de estacionamento, cruise control adaptativo, jantes de liga leve de 17 polegadas, Apple Car Play, faróis led, câmara de assistência ao estacionamento, caixa automática e barras de tejadilho. Duas serão de cor “cinza Vapour” e duas de cor “preto Ónix”. Os interiores já serão mais “baratinhos”, apenas revestidos com “tecido antracite”. No caso deste lote, a despesa ficará em 191.880 euros, com uma renda global de 3.198 euros.

    Por fim, o lote 5 abrange uma viatura “SUV, híbrido/gasolina, cinco portas, sete lugares” com um custo de 47.970 euros e uma renda mensal de 799 euros. As especificidades mínimas obrigatórias incluem “pintura metalizada, barras de tejadilho, sistema de
    estacionamento traseiro e câmara traseira, vidros eléctricos
    condutor e passageiro, ar condicionado automático, luzes de
    circulação diurna em led, limpa vidros automático, faróis led e jantes de liga leve”.

    Como é habitual, o ALD de viaturas por entidades públicas é feito com o argumento de que a despesa engloba encargos com seguros, impostos e serviços de manutenção. Contudo, os veículos não ficam na posse do Estado, não podendo assim ser disponibilizados a outras entidades públicas após alguns anos de uso.

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    Numa sociedade orientada para o “estatuto”, qualquer executivo que se preze conduz um carro topo de gama, mesmo que o mesmo seja pago pelo erário público. / Foto: D.R.

    Note-se que a despesa que o BPF pretende agora fazer com aluguer de viaturas para dirigentes contrasta com os 599.335 euros que o banco público gastou nos últimos cinco anos para o mesmo tipo de contratação, segundo dados do Portal Base.

    Com efeito, em 2021, o BPF gastou 165.970 euros (sem IVA) num contrato de aluguer de nove viaturas para os seus quadros. Em 2023, efectuou três contratos de 130.216 euros, 140.006 euros e 19.800 euros. Por fim, em 2024, fez um novo contrato para o aluguer de uma viatura de 31.272 euros. No total, estes contratos resultam na soma de 599.335 euros (com IVA).

    Assim, nos últimos cinco anos, somando todos os contratos, o BPF assumiu uma despesa de mais de 1,8 milhões de euros no aluguer de veículos para os seus quadros.

  • Vacinação contra a covid-19 associada a um aumento do risco de vários cancros

    Vacinação contra a covid-19 associada a um aumento do risco de vários cancros


    Um estudo de grande escala publicado na sexta-feira passada na prestigiada revista científica Biomarker Research – integrada no grupo editorial Springer Nature – veio reacender um debate que as autoridades sanitárias em Portugal e na Europa têm preferido silenciar no pós-pandemia da covid-19.

    A investigação de cientistas sul-coreanos, de diversas instituições de Seul, abrangeu mais de 8,4 milhões de cidadãos, com dados recolhidos entre 2021 e 2023, e, na comparação dos riscos entre vacinados e não vacinados – utilizando modelos estatísticos ajustados por múltiplas variáveis –, encontrou uma possível associação entre pessoas vacinadas e um aumento da incidência de vários tipos de cancro ao fim de um ano. Os resultados apontam para aumentos estatisticamente significativos no risco de cancro da tiroide (risco relativo de 1,35), do estômago (1,33), do cólon (1,28), do pulmão (1,53), da mama (1,20) e da próstata (1,69), em comparação com os não vacinados.

    blue and white leather backpack

    O chamado risco relativo é uma medida que permite comparar a probabilidade de um evento ocorrer entre dois grupos distintos — neste caso, vacinados e não vacinados. Um valor igual a 1 significa que não há diferença entre os grupos; valores superiores a 1 indicam um risco mais elevado entre os vacinados; e valores inferiores a 1 sugerem o contrário. Assim, um risco relativo de 1,53 para o cancro do pulmão significa que os vacinados tiveram uma probabilidade 53% maior de desenvolver esse cancro em relação aos não vacinados.

    De acordo com os autores, as vacinas de cDNA, ou vacinas de ADN recombinante, estiveram associadas a aumentos de risco para os cancros da tiroide, estômago, cólon, pulmão e próstata. Estas vacinas utilizam fragmentos de ADN sintético que codificam a proteína spike do vírus SARS-CoV-2, introduzindo o material genético no núcleo das células, onde serve de molde para a produção do mRNA que, por sua vez, origina a proteína viral. Essa proteína estimula o sistema imunitário a reconhecer o vírus e a gerar resposta protectora.

    Este tipo de vacina foi sobretudo usado em países asiáticos como a Coreia do Sul, o Japão e a Índia, sendo distinto das vacinas de mRNA (como as da Pfizer-BioNTech e Moderna) e das vacinas de vector viral (como as da AstraZeneca e Janssen), não tendo sido utilizado na União Europeia nem nos Estados Unidos.

    person holding white and orange plastic bottle

    Já as vacinas de mRNA, por seu lado, apresentaram aumentos semelhantes nos riscos dos cancros da tiroide, cólon, pulmão e mama; e os esquemas heterólogos – ou seja, a combinação de diferentes tipos de vacinas nas doses – mostraram correlação com maior incidência de cancro da tiroide e da mama.

    Embora os resultados revelem correlações consistentes, os investigadores sublinham que estes dados não demonstram uma relação imediata de causalidade e defendem a necessidade de mais estudos para compreender se certas estratégias vacinais poderão ser mais seguras ou adequadas para determinados grupos populacionais.

    Em todo o caso, este estudo surge num momento de crescente escrutínio sobre a opacidade das autoridades de saúde em matéria de farmacovigilância das vacinas da covid-19, do qual Portugal tem sido um triste exemplo. O PÁGINA UM tem denunciado, desde 2022, o irresponsável alheamento das autoridades de saúde em Portugal relativamente às reacções adversas às vacinas e a completa ausência de acompanhamento sistemático e cronológico dos casos suspeitos, incluindo os mais graves, com mortes e incapacidades elevadas.

    Primeira página do artigo científico publicado na Biomarker Research, pertencente ao mesmo grupo editorial da revista Nature.

    Em Portugal, o Infarmed, liderado por Rui Santos Ivo — que, para cúmulo, foi este ano nomeado presidente da Agência Europeia do Medicamento (EMA) — tem-se destacado como a entidade que recusa intencionalmente disponibilizar a base de dados integral sobre efeitos adversos.

    Essa ocultação foi já considerada ilegal. Depois de uma série de mentiras e justificações absurdas, um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul obrigou, no ano passado, o Infarmed a entregar ao PÁGINA UM os registos completos de farmacovigilância, após uma “batalha judicial” de mais de dois anos.

    Contudo, a decisão continua sem execução plena. O Infarmed optou por enviar versões truncadas que impedem qualquer reconstituição de casos individuais ou análise da evolução temporal, o que desde logo denuncia a ausência de uma farmacovigilância digna dessa denominação. Mesmo assim, o PÁGINA UM conseguiu mostrar que pelo menos 19.224 portugueses com reacções adversas foram completamente desprezadas pelo Infarmed.

    Rui Santos Ivo; presidente do Infarmed: a ocultação de dados do Portal RAM também terá contribuído para a sua eleição para a liderança da Agência Europeia do Medicamento.

    Perante esta desobediência de Rui Santos Ivo, o PÁGINA UM tem actualmente um processo no Tribunal Administrativo de Lisboa para a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória – ou seja, uma multa diária – ao presidente do Infarmed e também à EMA, visando obrigá-los a cumprir a decisão judicial.

    É neste contexto de opacidade institucional que o estudo sul-coreano adquire maior relevância pública. Mesmo que as suas conclusões devam ser lidas com prudência — por carecer de análises de sensibilidade, controlos negativos e períodos de latência adequados —, o simples facto de investigadores independentes se debruçarem sobre potenciais efeitos de longo prazo das vacinas contra a covid-19 contrasta com a inércia das autoridades europeias, que têm abdicado de investigar sistematicamente a segurança das vacinas após a sua introdução massiva.

    Em todo o caso, convém destacar que este estudo sul-coreano constitui ainda um ponto de partida sobre o possível efeito oncogénico das terapias genéticas associadas à vacina contra a covid-19. A janela temporal de 12 meses é ainda demasiado curta para sustentar uma relação causal com tumores sólidos, cuja formação se prolonga por anos.

    aerial photography of lighted city high rise buildings during dawn
    Coreia do Sul: um dos países mais avançados do Mundo em ciências médicas não tenta evitar encontrar ‘verdades incómodas’.

    Os autores usaram técnicas estatísticas para reduzir vieses de selecção (propensity score matching) e equilibrar grupos de vacinados e não vacinados, mas não divulgaram as tabelas de balanço que comprovassem a equivalência entre ambos em factores determinantes como idade, hábitos de vida, rastreios ou comorbilidades.

    Outro ponto crítico é a ausência de correcção estatística para múltiplas comparações. Foram testados vinte e nove tipos de cancro, além de subgrupos por sexo, idade e tipo de vacina. Num universo de dezenas de testes, é previsível que algumas “significâncias” surjam por mero acaso. Além disso, o período 2021-2023 coincidiu com a retoma dos rastreios suspensos durante a pandemia, fenómeno que pode ter inflacionado a incidência nos vacinados, mais propensos a procurar cuidados médicos.

    Ainda assim, a dimensão invulgar da amostra e o contexto sul-coreano tornam alguns destes vieses menos prováveis, embora não impossíveis. Num país com cobertura universal de saúde, elevada literacia médica e disciplina social reconhecida, a diferença de comportamento entre vacinados e não vacinados será, à partida, muito menor do que em sociedades ocidentais. É também plausível que, entre os não vacinados, coexistam grupos mais jovens e informados, eventualmente mais atentos aos riscos ou às limitações dos ensaios clínicos iniciais.

    person in white jacket wearing blue goggles

    Por isso, mesmo com estas reservas, o estudo tem significativa relevância, sobretudo porque aponta para um dever de vigilância contínua que as instituições europeias parecem ter esquecido. A farmacovigilância, prevista nos regulamentos comunitários, exige o acompanhamento cronológico de cada caso reportado — algo que nunca foi feito em Portugal.

    Até agora, as bases de dados do Infarmed limitam-se a acumulações estatísticas destinadas um dia a serem apagadas, sem qualquer memória. Na verdade, hoje, em Portugal, não se sabe quantas pessoas tiveram reacções adversas graves, quanto tempo demoraram a recuperar ou quantas morreram posteriormente. Com as vacinas contra a covid-19 existe um omertà

  • Cabo de aço do elevador da Glória custou 7.783 euros em 2020, mas Carris decidiu depois ‘poupar uns cobres’

    Cabo de aço do elevador da Glória custou 7.783 euros em 2020, mas Carris decidiu depois ‘poupar uns cobres’


    A Carris gastou, em Agosto de 2020, apenas 7.783 euros na compra do cabo de aço que literalmente sustentava o Elevador da Glória. Dois anos depois, em Março de 2022, já em vésperas da entrada em funções da actual administração liderada por Pedro Bogas, decidiu “poupar” e adquiriu um cabo de menor qualidade, com alma de fibra, por um custo unitário 43% inferior. O barato poderá ter saído bem caro, com 16 mortos e mais de duas dezenas de feridos no desastre de 3 de Setembro passado.

    De acordo com facturas e notas de encomenda a que o PÁGINA UM teve acesso — e perante a incompreensível recusa da Carris em disponibilizar documentos que deveriam estar há anos no Portal Base —, tudo indica que a empresa municipal julgou poder “poupar uns cobres” optando por cabos com menos aço.

    Acidente de 3 de Setembro causou a morte de 16 pessoas e ferimentos em mais de duas dezenas.

    Na primeira metade de 2020, a Carris adquiriu à empresa ExtraCabos, com sede em Paio Pires, cabos certificados para uso em elevadores de passageiros, com alma de aço (IWRC), configurados para garantir boa resistência à tracção e maior durabilidade à fadiga provocada pelo contínuo dobrar e desdobrar nas polias.

    Essa opção seguia a prática consolidada no sector dos transportes e o espírito da norma europeia EN 12385-8, que admite diferentes tipos de núcleo, mas cuja aplicação em transporte de passageiros tem levado, por regra, à utilização de alma metálica, pelo nível de segurança exigido. Para assegurar essa conformidade, a Carris pagou mais 6.000 euros pela certificação, garantindo o cumprimento das regras específicas para transporte de pessoas.

    Tanto para o cabo do Ascensor da Glória como para o do Lavra, tratava-se de um modelo específico para transporte de passageiros, em aço galvanizado, com 32 milímetros de diâmetro e resistência de 1770 N/mm², cumprindo a norma EN 12385-8. Era um cabo 6×19 Seale IWRC, isto é, seis pernas com 19 fios cada, assentes sobre uma alma de aço independente, garantindo maior robustez e segurança. A carga mínima de ruptura (CRM) era de 662 kN, cerca de 67 toneladas-força. Para o Glória foram fornecidos 276 metros, ao preço unitário de 28,20 euros, num total de 7.783 euros (sem IVA).

    Em 2020, a Carris ainda comprou cabos com alma de aço e certificação EN 12385-8.

    Porém, em 2022, a Carris optou por uma solução distinta: cabos com alma de fibra (CF). À primeira vista, o diâmetro era o mesmo (32 mm), com CRM de 662 kN — equivalentes a cerca de 66 toneladas-força. Apesar de teoricamente suficiente para suportar as solicitações estáticas de um funicular, especialistas ouvidos pelo PÁGINA UM explicam que a questão crítica não é a resistência bruta, mas sim o comportamento em serviço.

    A alma de fibra — que, ao contrário do que escreveu erradamente o Expresso, só começou a ser usada em 2022, já no mandato de Carlos Moedas, e não em 1999, ainda no tempo de Fernando Medina — oferece menor resistência à compressão, maior alongamento e degrada-se mais rapidamente sob flexão repetida: exactamente o esforço a que estão sujeitos os ascensores históricos lisboetas.

    Além disso, ao contrário de 2020, a Carris não terá solicitado à fornecedora Sociedade de Aprestos para Navios, então ainda no Cais do Sodré, a certificação segundo a norma europeia. A decisão, em Março de 2022, foi da anterior administração, liderada por Tiago Farias, curiosamente doutorado e professor em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico.

    Cabos mais baratos, menos resistentes e sem garantia de certificação foram comprados apenas a partir de 2022: a Carris nem sequer quer agora explicar as explicar as decisões de um passado recente.

    “O problema destes cabos não é a força de ruptura, mas sim a fadiga. Um cabo com alma de fibra perde estabilidade mais depressa quando sujeito a ciclos repetidos de flexão — e isso é precisamente o que acontece nos funiculares da Glória, Lavra e Bica”, explicou ao PÁGINA UM um engenheiro de materiais com experiência em certificação de cabos de tracção.

    O argumento económico também ajuda a compreender a escolha. Entre 2020 e 2022 os preços das matérias-primas, sobretudo do aço, dispararam devido sobretudo à pandemia e à guerra da Ucrânia. Seria de esperar que os cabos de aço para elevadores históricos se tornassem mais caros. Mas os documentos mostram o inverso: em 2022 a Carris comprou cabos mais baratos por metro do que em 2020, apesar da conjuntura adversa.

    Nesse ano foram adquiridos 1.000 metros de cabos de 32 mm, suficientes não apenas para a substituição de 2022 mas também para a de 2024, dado que o Glória necessita de 276 metros e o Lavra de 188.

    Carlos Moedas, com a ministra do Ambiente e o presidente da Carris, ao fundo, no anúncio da Carris da formalização da candidatura da empresa para fornecimento de 15 elétricos, em 28 de Junho de 2024.
    / Foto: CML/ D.R.

    Em suma, ao mudar a especificação técnica, a Carris reduziu o custo por metro de 28,20 euros para 16,05 euros — uma poupança de 43% a preços nominais, mas sacrificando a durabilidade e o desempenho. “É uma poupança ilusória. Os cabos de fibra custam menos à cabeça, mas duram metade do tempo, e isso talvez não tenha sido ponderado quando se atribuiu a durabilidade prevista”, nota a mesma fonte.

    A diferença entre cabos com alma de aço (IWRC) e cabos com alma de fibra (CF) é crucial. Os primeiros oferecem maior resistência à ruptura, menor alongamento e duram mais sob esmagamento em polias e tambores, sendo por isso os mais indicados para sistemas de transporte de passageiros como os funiculares e acensores.

    Já os segundos — mais baratos e flexíveis, mas menos robustos — são adequados a guinchos, gruas de oficina ou sistemas auxiliares, mas não a equipamentos que puxam “trambolhos” como os ascensores de Lisboa. A capacidade de ruptura sobretudo em zonas sensíveis de ligação pode cair entre 7% e 10% face a um cabo equivalente com alma de aço.

    Logo após o acidente, o PÁGINA UM pediu repetidamente à Carris documentação sobre as compras de cabos. A administração, que inicialmente prometeu fornecer todos os elementos, passou a recusar, invocando que decorrem inquéritos do GPIAAF e do Ministério Público.

    Confrontada com os documentos relativos às aquisições de 2020 e 2022 — estes últimos usados, em princípio, na substituição de 2024 e que romperam em Setembro —, a Carris respondeu que “os elementos e a documentação, referidos nas perguntas, abrangem um período alargado que começa em 2020”, apesar de se tratar apenas de duas ou três compras em seis anos. E acrescentou que, por estarem em curso os inquéritos, “neste momento não nos podemos pronunciar sobre estas matérias”. Uma justificação que se tornou, afinal, uma conveniente desculpa para obscurecer um processo que exigia transparência absoluta.

    O PÁGINA UM também contactou a empresa Sociedade de Aprestos para Navios, agora com sede em Alcântara – que terá fornecido os cabos em uso aquando do acidente – no sentido de saber se estes cumpriam as normas europeias, mas não foi ainda possível falar com nenhum responsável.

  • Município das Caldas gasta 145 mil euros para ficar com “espólio” de dois jornais, mas não revela o que comprou

    Município das Caldas gasta 145 mil euros para ficar com “espólio” de dois jornais, mas não revela o que comprou


    A Câmara Municipal das Caldas da Rainha decidiu transferir 145 mil euros a dois jornais “da terra” justificando-o como aquisição de “espólio documental”, mas não são revelados detalhes daquilo que efectivamente adquiriu.

    Em causa estão duas despesas no espaço de um ano, e num período que antecede as eleições autárquicas, que beneficiam dois periódicos locais, a Gazeta das Caldas e o Jornal das Caldas. A autarquia é liderada desde finais de 2021 por Vítor Marques, antigo presidente social-democrata da União de Freguesias das Caldas da Rainha (Nossa Senhora do Pópulo, Coto e São Gregório), mas eleito para a Câmara Municipal como independente. E recandidata-se para as eleições do próximo mês de Outubro, com o apoio do Partido Socialista.

    Close-up view of stacked newspapers tied with twine, ideal for recycling and storage concepts.
    Foto: D.R.

    A primeira despesa do município caldense foi feita em 9 de Setembro do ano passado. A autarquia pagou à dona da Gazeta das Caldas, a Cooperativa Editorial Caldense, o montante de 100.280 euros, excluindo o IVA. Segundo os dados desta aquisição que constam a plataforma de registo de compras públicas, o Portal Base, o objecto do negócio foi a “aquisição de espólio documental – arquivo histórico Gazeta das Caldas”.

    Mas o município não fez nenhum contrato escrito, invocando o artigo 95.º do Código dos Contratos Públicos relativo a “locação ou aquisição de bens móveis ou de serviços”. Assim, não existem detalhes sobre esta aquisição, designadamente que tipo de documentos foram comprados e como foram avaliados. Também se desconhece onde é que a autarquia está a armazenar o “arquivo” comprado à Gazeta das Caldas e o que pretende fazer com ele.

    A segunda despesa foi efectuada no dia deste mês de Setembro e envolveu o pagamento de 44.490 euros à Medioeste com a justificação de se tratar da “aquisição de espólio documental do Jornal das Caldas”. Também neste caso não foi efectuado qualquer contrato escrito e também não existem dados sobre o tipo de documentos que foram adquiridos pela autarquia.

    Foto: D.R. / Museu Bordalo Pinheiro

    A Gazeta das Caldas completa no próximo dia 1 de Outubro o seu centenário. Foi fundado em 1925 e terá um arquivo vasto. Já o Jornal das Caldas foi fundado em 1992. Assim, pelo menos no caso da Gazeta das Caldas, a autarquia poderá ter desejado ficar com alguns documentos históricos em termos da imprensa da região. Mas o quê? Ninguém quer dizer.

    O PÁGINA UM questionou o presidente da Câmara Municipal das Caldas da Rainha sobre o que foi adquirido a estes dois jornais. Também quisemos saber o que a autarquia pretende fazer com os “espólios” adquiridos e onde estão armazenados. Até à publicação desta notícia ainda não recebemos qualquer resposta. Saliente-se que toda a documentação associada a estas aquisições, incluindo lista de bens, sua avaliação monetária e destino, são documentos administrativos, susceptíveis de serem solicitados por qualquer cidadão.

    Segundo António Salvador, proprietário da Medioeste – que, além da Jornal das Caldas, gere o Jornal Mais Oeste e Jornal Região da Nazaré -, a aquisição do espólio documental dos dois jornais do concelho “visam salvaguardar o acervo documental destes, antes que fechem, face à crise do sector, tendo sido iniciativa do outro jornal (Gazeta) junto do município”. Salientou ainda que as despesas foram aprovadas pelo “Executivo por unanimidade e deliberado pela Assembleia Municipal, com três forças políticas na Câmara e quatro na Assembleia Municipal”.

    Foto: D.R.

    Certo é que as verbas pagas pelo município das Caldas aos donos dos dois jornais “da terra” ocorreram no último ano, coincidindo com o período que antecede as próximas eleições autárquicas.

    Para as empresas proprietárias dos dois jornais, o dinheiro veio mesmo a calhar. A Medioeste fechou o ano de 2024 com um prejuízo de 70.260 euros depois de obter receitas de 108 mil euros. Assim, a verba que recebeu este mês da autarquia das Caldas de Rainha corresponde a 41% das receitas totais obtidas no ano passado. A não ser que este ano a Medioeste tenha receitas muito superiores às do ano passado, a empresa terá de registar o município das Caldas da Rainha como “cliente relevante” no Portal da Transparência dos Media, gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

    Acresce que a Medioeste recebeu, no passado dia 12 de Agosto, a verba de 13.940 euros da mesma autarquia a título de “aquisição de publicidade” no Jornal das Caldas, o que representa mais de 10% do total, devendo também ficar registado no Portal da Transparência dos Media.

    Organized filing cabinets stacked with indexed books in a library setting.
    Foto: D.R.

    No caso da dona da Gazeta das Caldas, ainda não houve registo das contas de 2024 no Portal da Transparência. Porém, em 2023, teve um lucro de 42.831 euros e receitas de 393 mil euros. Se as receitas registadas em 2024 forem da mesma ordem, somando a verba recebida da autarquia das Caldas, significa que o montante do encaixe da venda do “arquivo” da Gazeta das Caldas terá superado os 20% das receitas, o que também obriga a registo na ERC da autarquia como “cliente relevante”.

    Acresce que a autarquia pagou à dona deste jornal, no passado dia 12 de Agosto, o montante de 19.045 euros, para a compra de publicidade na Gazeta das Caldas.

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    Foto: D.R.

    Se não restam dúvidas sobre a importância da preservação de arquivos e acervo documental com valor histórico, também se levantam questões sobre se ónus das facturas a pagar para tapar a crise na imprensa, seja ela regional ou nacional, deve sair do bolso do Zé Povinho, ou seja, dos contribuintes.

    No caso destes dois jornais, a factura paga só no último ano pelos contribuintes para a compra de “espólios” e publicidade foi de 178 mil euros, excluindo o IVA. E se estas dependências do poder local nas contas da imprensa regional não são depois reflectidas num portal gerido pelo regulador sobre a transparência dos financiamentos, resta perguntar para que serve esse portal.

  • Assim vão ter de arranjar outro nome: INPI dá nega ao podcast dos Gato Fedorento

    Assim vão ter de arranjar outro nome: INPI dá nega ao podcast dos Gato Fedorento


    O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) recusou aceitar a protecção da denominação do podcast do jornal Expresso da autoria de Ricardo Araújo Pereira, Miguel Góis e José Diogo Quintela, três dos quatro membros do Gato Fedorento. “Assim vamos ter de falar de outra maneira”, lançado em Março deste ano, não conseguiu que a entidade responsável pelo registo de marcas aceitasse a expressão escolhida pelos três humoristas, alegando “falta de capacidade distintiva”.

    De acordo com um documento explicativo das causas de recusa, o INPI considera que a falta de capacidade distintiva “engloba tanto os sinais descritivos como todos aqueles que, não sendo totalmente descritivos, não atingem o patamar mínimo da distintividade”, dando como exemplo a denominação “polvo assado no forno com arroz do mesmo“. O despacho definitivo foi publicado em meados de Agosto e tornar-se-á definitivo no próximo mês de Novembro, caso não haja recurso.

    Podcast do Expresso começou em Março deste ano, mas não tem protecção jurídica para a marca.

    Requerida em 11 de Fevereiro, a denominação escolhida pelos três humoristas pretendia protecção para a classe 41 da Classificação de Nice – que cobre serviços de educação, entretenimento, publicação e eventos culturais – e chegou a ser publicada provisoriamente no boletim do INPI. Contudo, em Junho surgiu a recusa provisória, invocando o artigo 23.º do Código da Propriedade Industrial, que impede o registo de expressões banais ou demasiado descritivas ou genéricas.

    A consequência desta decisão não implica que Ricardo Araújo Pereira, Miguel Góis e José Diogo Quintela deixem de usar a denominação no podcast do Expresso, mas ficam sem protecção legal exclusiva. Assim, em teoria, qualquer outra entidade ou pessoa pode lançar um programa com designação idêntica ou muito semelhante sem incorrer em infracção de marca. A única salvaguarda possível dos três Gato Fedorento reside nos direitos de autor sobre os conteúdos originais, mas não sobre o nome do programa.

    Este episódio evidencia a importância do registo de marca no sector mediático, onde a diferenciação não se joga apenas no conteúdo, mas também no título. E Ricardo Araújo Pereira esteve indirectamente envolvido num processo que mostra essa importância. Com efeito, o humorista integrou desde 2008, com Pedro Mexia e João Miguel Tavares, e com moderação de Carlos Vaz Marques, a equipa do programa satírico Governo Sombra, inicialmente apenas na TSF.

    Ricardo Araújo Pereira, Miguel Góis e José Diogo Quintela, três dos quatro membros dos Gato Fedorento.

    À época, os quatro autores do programa não registaram a marca em seu nome próprio, mas, no mesmo mês em que foi inaugurado, em Outubro de 2008, houve um particular (Ricardo Manuel das Neves Campos) que solicitou o registo. O INPI deferiu o pedido poucos meses mais tarde, mas aparentemente nunca houve conflitos entre o titular da marca e os autores do programa radiofónico, que foi consolidando a sua notoriedade, primeiro na rádio e depois na TVI24, antecessora da CNN Portugal.

    “No primeiro ano de programa recebemos queixas de uma banda rap da Margem Sul, dizendo que lhes tínhamos roubado o nome”, relembrou Carlos Vaz Marques ao PÁGINA UM. “Não ligámos, por duas razões: porque uma banda rap (ainda para mais desconhecida) e um programa de televisão são produtos totalmente distintos. Também nunca ninguém confundiu o grupo GNR com a Guarda Nacional Republicana”, acrescenta. Em todo o caso, mesmo que chegasse a litígio, não haveria qualquer problema porque os registos de marcas aceita denominações comuns desde que para actividades distintas.

    Em todo o caso, os autores do ‘Governo Sombra’ não se preocuparam com o registo e em 2012 aceitaram o convite da TVI para que o programa passasse a ter também transmissão televisiva, “com a anuência da TSF”, conforme salienta Carlos Vaz Marques. Mas essa anuência, em 2012, não incluía o uso da marca, porque a empresa da TSF ainda não a detinha.

    black and silver headphones on black and silver microphone

    Só quando o detentor da marca (Ricardo Manuel das Neves Campos) registada em 2008 não a renovou é que a Rádio Notícias, sociedade gestora da TSF (hoje nas mãos da empresa Notícias Ilimitadas) se aproveitou e solicitou a caducidade do registo. E em Setembro de 2017, a Rádio Notícias obteve despacho favorável e passou a deter o registo do título Governo Sombra.

    Somente quando, em 2021, o moderador Carlos Vaz Marques saiu em litígio da TSF e quis levar o programa com Ricardo Araújo Pereira, Pedro Mexia e João Miguel Tavares para a SIC Notícias é que foram confrontados com a nova realidade. “Por ingenuidade nunca registámos o título”, lamenta o moderador do programa e editor da Zigurate, afirmando que “foi para nós uma surpresa e um choque quando percebemos que a TSF tinha registado a marca à nossa revelia”. Ainda mais surpreendente porque, como diz o moderador do ex-Governo Sombra, a TSF “nunca mais pagou um cêntimo” a Ricardo Araújo Pereira, João Miguel Tavares e Pedro Mexia depois de o programa passar a ser transmitido pela TVI, a partir de 2012.

    Certo é que, por causa do registo da marca no INPI, o quarteto ficou impedido de usar a denominação Governo Sombra, apesar da notoriedade do formato estar a eles associada. E daí nasceu o Programa cujo nome estamos legalmente impedidos de dizer – uma ironia explícita à perda do título anterior, mas que curiosamente ficou registado no INPI não em nome dos autores, mas da SIC Notícias.

    Por razões de registo de marca, o ‘Governo Sombra’ – criado por Ricardo Araújo Pereira, Carlos Vaz Marques, Pedro Mexia e João Miguel Tavares – foi obrigado a mudar a sua denominação.

    Ou seja, se um dia o programa sair do Grupo Impresa, provavelmente os autores terão de registar uma denominação do estilo Programa cujo nome estamos pela segunda vez legalmente impedidos de dizer, o que pode parecer anedótico, mas é juridicamente incontornável.

    Até à presente recusa, todos os pedidos de marca ligados a Ricardo Araújo Pereira, mesmo com as denominações mais estapafúrdias, tinham sido bem-sucedidos. O INPI concedeu-lhe, em exclusivo, o uso das marcas para programas televisivos e podcasts como Isto é gozar com quem trabalha, Gente que não sabe estar e Coisa que não edifica nem destrói.

    Também o nome Gato Fedorento está protegido como marca desde 2006, e pelo menos até 2027, mas neste caso o registo está em nome do quarteto original: Ricardo Araújo Pereira, José Diogo Quintela, Miguel Góis e o ‘renegado’ Tiago Dores. Nestes casos, o INPI reconheceu carácter distintivo suficiente, permitindo que as expressões funcionassem como sinais identificadores de origem.

    Registo da recusa da denominação da marca ‘Assim vamos ter de falar de outra maneira’.

    No entanto, no caso do podcast do Expresso, a decisão foi diferente. Para o INPI, a expressão “Assim vamos ter de falar de outra maneira” aproxima-se demasiado de um slogan comum ou de uma frase de uso corrente, sem a originalidade necessária para funcionar como marca. A entidade que regista marcas e patentes tem sido consistente: slogans são aceitáveis como marcas apenas quando adquirem singularidade ou fantasia capaz de individualizar serviços ou produtos. Expressões genéricas, mesmo que criativas, devem permanecer de uso livre.

    Em todo o caso, este desfecho acaba por ser irónico: os três humoristas que construíram a carreira com engenho linguístico e capacidade de manipular a língua portuguesa de forma criativa viram-se barrados precisamente pelo carácter “banal” da frase escolhida, segundo o burocrático INPI. Se o título pretendia ser um comentário metalinguístico, a lei exige originalidade suficiente para o registo. Assim vão ter de arranjar outro nome…

    N.D. (20h08 de 27/9/2025) – O PÁGINA UM recebeu o seguinte esclarecimento do Departamento de Relações Externas do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), que comenta no final:

    Na sequência do artigo publicado na edição do jornal digital Página Um de 22 de setembro de 2025, com o título “Assim vão ter de arranjar outro nome: INPI dá nega ao podcast dos Gato Fedorento”, gostaríamos de esclarecer alguns aspetos essenciais, de forma a clarificar o verdadeiro motivo da recusa da marca em questão.

    Ao contrário do que é referido na peça jornalística, o indeferimento não se deveu à utilização de “expressões banais ou demasiado descritivas ou genéricas”, mas sim à ausência de elementos obrigatórios no pedido, designadamente:

    • A indicação do número de identificação fiscal dos três requerentes da marca;
    • O envio de documento que comprovasse a legitimidade da signatária do requerimento para apresentar e assinar o pedido de registo em nome dos requerentes (declaração ou procuração).

    O Instituto Nacional da Propriedade Industrial envidou todos os esforços para que a irregularidade fosse suprida, emitindo sucessivas notificações para o efeito. Contudo, a correspondência foi devolvida ou não obteve resposta. Perante esta situação, a decisão de recusa provisória foi convertida em definitiva, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º do Código da Propriedade Industrial.

    Estamos naturalmente ao dispor para prestar quaisquer esclarecimentos adicionais. Sempre que surjam dúvidas relacionadas com este ou outros processos, não hesite em contactar-nos.

    Com os melhores cumprimentos,

    O PÁGINA UM indica na notícia que o INPI destaca, na fundamentação da recusa, a alínea c) do artigo 23.º do CPI, que se refere à “inobservância de formalidades ou procedimentos imprescindíveis para a concessão do direito”. Se a causa da recusa foi o não envio dos números de contribuintes e a legitimidade de quem solicitou a marcam então deveria ser invocada a alínea b), ou seja, “a não apresentação dos elementos necessários para uma completa instrução do processo”. O PÁGINA UM pediu esclarecimentos subsequentes sobre esta matéria ao INPI, mas ainda não chegaram.

  • Festa do Livro em Belém 2025: Marcelo estoura em música o dinheiro que daria para 15 bolsas literárias

    Festa do Livro em Belém 2025: Marcelo estoura em música o dinheiro que daria para 15 bolsas literárias


    Na próxima quinta-feira, e durante quatro dias, os jardins do palácio presidencial de Belém abrem as portas aos amantes do livro para mais uma celebração dedicada à literatura e aos escritores. Mas a edição deste ano do evento cultural promovido por Marcelo Rebelo de Sousa desde 2016 dever-se-ia chamar antes, mais apropriadamente, Festa da Música Pop & Rock. Isto porque, na derradeira festa em prol da promoção dos escritores e das letras, o Presidente da Republica decidiu puxar da pena e do tinteiro e ‘passar um cheque’ de 235.594 euros para a contratação de estrelas da música rock e pop nacionais.

    Assim, em quatro dias de festa do livro, só em cantorias e guitarradas (e outros instrumentos, claro) a Presidência da República vai gastar uma verba equivalente a quase 16 bolsas anuais de criação literária de 15.000 euros, como as que são atribuídas anualmente pelo Governo. Essas bolsas podiam acrescentar-se às (apenas) 24 que serão atribuídas este ano pelo Governo para a poesia, ficção narrativa, dramaturgia e ensaio. A verba para os efémeros concertos daria para comprar quase 14 mil livros ao preço unitário de 17 euros.

    Feira do Livro de Belém: escritores são os reis, mas quem recebe são os músicos.. Foto: Pedro Matias / Museu da Presidência.

    O evento, que tem este ano a sua oitava edição — depois de uma pausa de dois anos na pandemia de covid-19 — sofreu um adiamento devido à tragédia no elevador da Glória. Vai agora ter lugar entre os dias 25 e 28 de Setembro e conta com uma programação que inclui jogos didáticos, debates, sessões de autógrafos, apresentações de livros mas, sobretudo, concertos musicais.

    O cartaz de música anunciado conta com a performance de cinco estrelas nacionais: Xutos & Pontapés, Rui Veloso Trio, Carolina Deslandes, Bárbara Tinoco e Fernando Daniel — este último adicionado à programação após o adiamento do evento.

    A animação musical do primeiro dia da Festa do Livro em Belém custou 68.080 euros aos contribuintes. Isto porque sobem ao palco no dia 27 de Setembro o Rui Veloso Trio, cuja contratação, feita através da PG Booking, ascendeu a 34.870 euros, com IVA incluído. O contrato não foi redigido a escrito, pelo que não está disponível no Portal Base, onde ficam registados os contratos públicos. Também actuará no mesmo dia a cantora Carolina Deslandes, por um custo de 33.210 euros, por via de um contrato feito com a empresa Sons em Trânsito, que também não foi redigido a escrito.

    Marcelo Rebelo de Sousa na primeira edição da Festa do Livro em Belém com o escritor luso-americano Richard Zimler / Foto: Miguel Figueiredo Lopes / Museu da Presidência

    No segundo dia do evento, a animação musical ficará a cargo de Bárbara Tinoco, que cobrou 33.210 euros à Presidência da República, através da empresa Primeira Linha.

    No dia 27 de Setembro, será a vez de subir ao palco o cantor Fernando Daniel, que bisa a presença neste evento anual da Presidência. A contratação do artista ainda não se encontra registada no Portal Base. Mas no ano passado, o cantor cobrou 31.057 euros, com IVA, através da Universal Music Portugal, para actuar na Festa do Livro em Belém.

    A edição deste ano do evento termina com um concerto dos Xutos & Pontapés que cobraram 53.505 euros para actuar, através da Xutos 6 Pontapés – Produções Musicais. O contrato também não foi redigido a escrito.

    A banda de rock Xutos & Pontapés encerra a Festa do Livro em Belém 2025 por um custo de 53.505 euros. / Foto: D.R.

    Aos custos da contratação destas “estrelas” acrescem mais três contratos. Um deles, no valor de 23.973 euros, é relativo à “aquisição de serviços de riders técnicos de som e luz para os concertos”. Para o efeito, foi contratada a empresa Rapsódia de Ritmos, sem haver contrato escrito.

    Foi também adjudicado um contrato no valor de 17.035 euros à empresa Wireless Voice referente à “aquisição de serviços audiovisuais, som e luz para os viveiros e cablagem e transmissão vídeo e áudio dos concertos no Led Wall”. Já a “aquisição de aluguer de palco” foi adjudicada à WiseDevotion, por 8.733 euros.

    Além de apostar em concertos de música rock e pop, esta edição da Festa do Livro em Belém contrasta com as anteriores em matéria de custos com animação musical. Uma análise aos contratos registados no Portal Base revela que a despesa com a contratação de cantores e bandas nos anos anteriores foi muito inferior à registada este ano.

    Jardins de Belém enche de livros mas escritores continuam a ser o parente pobre da Cultura. Foto: Museu da Presidência

    Marcelo Rebelo de Sousa despede-se, assim, com uma Festa do Livro de arromba do seu mandato final na Presidência. Mas, se tivesse antes aplicado os 235.594 euros gastos em concertos este ano, no investimento em literatura, Marcelo poderia ter incluído no seu legado como Presidente da República a criação de 15 bolsas de criação literária, e ainda dava mais um meses para uma mais.

    Mas, numa sociedade que vive de costas voltadas para a leitura e em que proliferam posts e selfies, não admira que até a Presidência prefira gastar verbas em arraiais de música, mas, claro, com a Literatura na lapela e os escritores no bolso.

  • Carris: investimento real na manutenção de eléctricos caiu 21% entre o último ano de Medina e o terceiro de Moedas

    Carris: investimento real na manutenção de eléctricos caiu 21% entre o último ano de Medina e o terceiro de Moedas


    A Carris sob a tutela de Carlos Moedas, no período 2022-2024, reduziu de forma expressiva o investimento real na manutenção e reparação dos eléctricos e ascensores, quando comparado com os quatro anos anteriores, em que Fernando Medina liderava a autarquia (2018-2021). Comparar o investimento do último do mandato do socialista (2018) com o terceiro ano do mandato do social-democrata é constatar que o investimento em manutenção caiu 566 mil euros em termos práticos.

    De acordo com a análise detalhada do PÁGINA UM aos relatórios e contas da empresa municipal desde 2018, verifica-se que no último ano de Medina, em 2021, foram aplicados cerca de 2,68 milhões de euros em valores reais — já corrigidos pelo efeito da inflação. Em 2024, essa verba caiu para apenas 2,11 milhões de euros, o valor mais baixo da série e que representa um corte de 21% em termos efectivos. Embora os montantes nominais tenham permanecido aparentemente estáveis ao longo de todo o período de análise desde 2018 — na ordem dos 2,5 a 2,7 milhões de euros anuais —, o impacto da inflação no último triénio traduziu-se num desinvestimento inequívoco.

    Carlos Moedas, com a ministra do Ambiente e o presidente da Carris no anúncio da Carris da formalização da candidatura da empresa para fornecimento de 15 elétricos, em 28 de Junho de 2024.
    / Foto: CML/ D.R.

    O contraste entre os dois ciclos autárquicos é notório. Entre 2018 e 2021, sob Medina, o investimento real em manutenção e reparação dos eléctricos cresceu de 2,41 para 2,68 milhões de euros, traduzindo um aumento efectivo de 11%. Já entre 2022 e 2024, sob Moedas, o percurso foi inverso: os valores reais caíram consecutivamente, de 2,37 milhões em 2022 para 2,11 milhões no ano passado. Esta trajectória anulou os ganhos do ciclo anterior e mergulhou a cidade numa situação de subfinanciamento estrutural, precisamente numa fase em que a inflação acelerava e exigia maior esforço orçamental. O ano de 2024 foi mesmo aquele com valores reais, a preços de 2018, mais baixos nos últimos sete anos.

    Compreender esta evolução obriga a distinguir valores nominais de valores reais. Os primeiros correspondem às verbas inscritas em orçamento e efectivamente gastas; os segundos resultam da aplicação de deflatores baseados no Índice de Preços no Consumidor (IPC), que corrigem a perda de poder de compra causada pela inflação. Assim, um milhão de euros em 2018 não tem o mesmo peso económico que um milhão de euros em 2023 ou 2024: para assegurar o mesmo nível de bens e serviços, é necessário gastar mais.

    No caso concreto da manutenção dos eléctricos, o PÁGINA UM recorreu à série histórica do IPC publicada pelo Banco de Portugal, tomando 2018 como ano-base (100 pontos). A divisão dos valores nominais pelos deflatores anuais permitiu calcular as despesas em preços constantes de 2015, neutralizando o efeito da inflação e assegurando uma comparação precisa.

    Evolução do investimento da Carris na manutenção e reparação de eléctricos e ascensores (2018-2024), em valores nominais (amarelo) e reais (vermelho). FM correspondem aos anos de mandato de Fernando Medina e CM aos de Carlos Moedas, Usaram-se os seguintes deflatores: 100,00 (2018, ano base); 100,30 (2019); 100,20 (2020); 101,10 (2021); 109,29 (2022); 115,08 (2023) e 117,85 (2024), Fonte: Relatórios e Contas da Carris no período 2018-2024 e INE (deflatores), Análise: PÁGINA UM.

    Os resultados são claros: em 2022, apesar de estarem orçamentados 2,59 milhões de euros, o deflator de 109,29 pontos reduziu a despesa efectiva para 2,37 milhões. Em 2023, com 2,66 milhões de euros nominais, o deflator de 115,08 pontos — que reflecte já uma inflação acumulada de 15% face a 2018 — cortou o valor real para 2,31 milhões. Finalmente, em 2024, os 2,49 milhões de euros inscritos corresponderam, após aplicação do deflator de 117,85 pontos, a apenas 2,11 milhões de euros reais, o nível mais baixo desde 2018.

    Durante o mandato de Medina, o efeito da inflação foi praticamente irrelevante: os deflatores oscilaram entre 100 e 101 pontos, pelo que os aumentos nominais significaram, na prática, aumentos reais. Ou seja, Medina aplicou mais verbas e garantiu mais manutenção efectiva da rede. Já Moedas, mantendo valores nominais semelhantes, deixou que a inflação corroesse esses montantes, conduzindo a uma quebra substancial e prolongada.

    O problema não é apenas aritmético. Ao contrário do que aconteceu com a rede de autocarros — que entre 2018 e 2024 aumentou de 75 para 102 carreiras —, o número de carreiras de eléctricos (seis) e de ascensores (três), a que se soma o elevador de Santa Justa, manteve-se inalterado. Ou seja, não houve qualquer redução de equipamentos que pudesse justificar a descida do investimento real.

    O corte de recursos traduziu-se directamente em menor capacidade de manutenção preventiva e correctiva, em maior desgaste da frota e das infra-estruturas, em mais falhas operacionais e em riscos acrescidos de acidentes.

    É neste enquadramento que o desastre do Elevador da Glória adquire um significado mais do que simbólico: não se trata de um episódio isolado, mas da consequência previsível de três anos consecutivos de cortes efectivos na verba destinada à manutenção. Uma negligência que, longe de ser acidental, é estrutural e revela a falta de prioridade política dada à preservação e segurança de um dos ícones mais emblemáticos da cidade.

  • Caricato: Autarquias pagam milhões de euros por formação em literacia financeira que o Estado até dá de borla

    Caricato: Autarquias pagam milhões de euros por formação em literacia financeira que o Estado até dá de borla


    No que toca a literacia financeira, há autarquias que, não se duvide, precisam de umas aulas para aprender a gerir melhor o seu orçamento e poupar. É que alguns municípios têm gastado milhares de euros a contratar, por ajuste directo, serviços de educação financeira nas escolas públicas quando têm disponível um programa educativo gratuito da iniciativa ‘Todos Contam’ dos três reguladores financeiros.

    Só este mês de Setembro, no espaço de oito dias, duas autarquias entregaram quase 100 mil euros à empresa privada Doutor Finanças para fornecer manuais sobre literacia financeira e disponibilizar um curso online.

    Foto: Imagem do vídeo sobre a plataforma gratuita ‘Todos Contam’ dos três reguladores financeiros: CMVM, Banco de Portugal e ASF. / D.R.

    O município de Santa Maria da Feira adjudicou no passado dia 8 de Setembro um contrato no valor de 74.250 euros à Doutor Finanças para a aquisição de “serviços para acções formativas de promoção de literacia financeira para alunos do 8.º ano do 3.º CEB (ciclo do ensino básico) enquadrado no Plano Estratégico Educativo Municipal”. O contrato tem um prazo de execução máximo, de forma continua, de 36 meses e foi adjudicado por ajuste directo após um procedimento de “contratação excluída”.

    O contrato foi registado incorrectamente no Portal Base, que justifica o ajuste directo com a alínea d) do artigo 20º do Código dos Contratos Públicos que permite a ausência de concurso público “quando o valor do contrato for inferior a 20.000 euros”.

    O contrato prevê a realização de “duas sessões de literacia financeira por turma, para um total de 50 turmas (um total de 100 sessões para o prazo total do contrato)” bem como a “elaboração
    de conteúdos programáticos de literacia financeira”.

    A empresa Doutor Finanças, fundada em 2014, presta aconselhamento financeiro e fornece outros serviços serviços, como a intermediação de crédito. / Foto: Captura de ecrã do site da empresa Doutor Finanças

    A empresa terá a seu cargo “o recrutamento da equipa de facilitadores, materiais de desgaste e todas as deslocações necessárias à implementação semanal do projeto nos 9 agrupamentos de escolas do município”.

    O contrato exige que sejam alocados dois formadores com o mínimo de dois anos de experiência para o desempenho do serviço: um formador qualificado na área de intervenção social, com formação em finanças pessoais e desenvolvimento pessoal; um formador qualificado em administração e gestão de
    empresas, com formação em finanças pessoais a particulares e
    empresas.

    Também o município de Espinho contratou a Doutor Finanças por ajuste directo, através de um contrato assinado no passado dia 1 de Setembro, no montante de 19.999 euros, para a “aquisição de livros e curso online” no âmbito de um projeto literacia financeira. Recorde-se que a legislação permite a realização de ajuste directo se o valor do contrato for inferior a 20.000 euros.

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    Foto: D.R.

    Este contrato visa conferir literacia financeira a alunos e respectivas famílias, sobretudo as mais vulneráveis, e tem um prazo de execução de 45 dias.

    O montante pago inclui a aquisição de exemplares do livro Doutor Finanças e a Bata Mágica, “que introduz os mais novos ao mundo das finanças de forma lúdica e acessível”. Inclui ainda “a aquisição do curso online “Orçamento Pessoal e Familiar” com a duração de oito horas. Este curso “oferece aos adultos formação prática e concreta para a gestão do orçamento familiar” e, por ser online, “as famílias poderão fazer o mesmo, ao ritmo que desejarem e sem interferir no seu quotidiano”.

    Assim, em apenas oito dias, a empresa Doutor Finanças facturou 94.249 euros, valor a que acresce IVA, para fornecer serviços de “literacia financeira” em escolas. Em Outubro do ano passado, a empresa já tinha obtido um primeiro contrato, com a autarquia de Ovar, no valor de 11.644,40 euros, sem IVA, no âmbito de um “ciclo sobre literacia financeira”.

    Folheto do Plano Nacional de Formação Financeira e do portal ‘Todos Contam’ que fornece informação e formação gratuita sobre literacia financeira. / Foto: Imagem de um folheto da iniciativa ‘Todos Contam’

    Esta empresa, criada em 2014, presta aconselhamento financeiro e de investimentos e actua ainda como intermediário de crédito à habitação, entre outros serviços.

    Além de se questionável as autarquias estarem a promover uma marca privada de serviços financeiros a alunos, pais e professores de escolas públicas, a principal dúvida é por que motivo estes municípios não solicitaram acções de formação da iniciativa ‘Todos Contam’, a qual é gratuita.

    A iniciativa insere-se no Plano Nacional de Formação Financeira criado em em 2011 pelos três reguladores financeiros: Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM); Banco de Portugal; e ASF-Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. O seu objectivo é melhorar os conhecimentos financeiros da população e contribuir para que tenham comportamentos financeiros adequados. O Plano trabalha com uma rede de parceiros públicos e privados.

    A iniciativa dos reguladores disponibiliza acções de formação, manuais de literacia financeira e uma área de e-learning, entre outros recursos educativos. Todos os serviços prestados são grátis.

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    Foto: D.R.

    As autarquias podem contactar a iniciativa ‘Todos Contam’ para pedir acções de formação gratuita em literacia financeira. Também podem descarregar a imprimir os manuais e outros recursos pedagógicos disponibilizados no site. E várias autarquias têm-no feito.

    No caso dos manuais de literacia financeira para os mais novos, a iniciativa ‘Todos Contam’ disponibiliza a série Cadernos de Educação Financeira que conta com um Guião para a Educação Financeira na Educação Pré-escolar, três volumes para os três ciclos do ensino básico, os Cadernos de Educação Financeira 1, 2 e 3, respetivamente, e um para o ensino secundário, o Caderno de Educação Financeira 4. Estes cadernos estão disponíveis para serem descarregados no portal ‘Todos Contam’ e no site da Direção-Geral da Educação.

    Além dos cadernos e outros guias e recursos técnico-pedagógicos disponíveis gratuitamente, a iniciativa também dá formação a professores. A mais recente noticiada na plataforma decorreu em Lagos, no passado mês de Abril.

    Dois dos cadernos de educação financeira disponíveis para descarregar no portal ‘Todos Contam’ e também no site da Direcção-Geral da Educação.

    De resto, o portal oferece guias, informação e simuladores dirigidos a particulares, mas também a empresas.

    O PÁGINA UM questionou os dois municípios sobre a contratação da empresa Doutor Finanças. Em resposta por escrito enviadas ao PÁGINA UM, o município de Santa Maria da Feira justificou a adjudicação do contrato por ajuste directo, no âmbito de um procedimento de “contratação excluída”, com o facto de “o objeto específico do contrato corresponde à realização de sessões de formação”.

    Justificou também que “o preço base foi obtido através de consulta preliminar informal ao mercado, conforme previsto no Código dos Contratos Públicos”.

    Segundo a autarquia, não foi solicitada formação gratuita no âmbito da iniciativa ‘Todos Contam’ porque “a entidade convidada [Doutor Finanças] apresentou um plano específico dirigido aos alunos do 8.º ano, com sessões em formato presencial”. Segundo o município, “esta abordagem representa uma mais-valia pedagógica, uma vez que favorece a transferência efetiva de competências para os alunos”.

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    Foto: D.R.

    Adiantou que, “apesar do seu inegável interesse, esta iniciativa [Todos Contam] não contempla sessões presenciais para os alunos do 8.º ano”. Contudo, a iniciativa ‘Todos Contam’ dá formação a professores e educadores para que estes possam também transmitir informação sobre literacia financeira aos mais novos. A iniciativa tem respondido positivamente a solicitações de autarquias sobre formação em literacia financeira e os municípios podem pedir acções de formação grátis quando quiserem.

    Quanto ao município de Espinho, até à publicação deste artigo ainda não respondeu às questões enviadas ontem de manhã pelo PÁGINA UM.

    Mas a Doutor Finanças não é a única entidade que tem lucrado com os programas de literacia financeira. Nos contratos disponíveis no Portal Base analisados pelo PÁGINA UM a Fundação António Cupertino de Miranda destaca-se como campeã nos contratos públicos para prestação de serviços relacionados com literacia financeira.

    Esta Fundação facturou nos últimos 10 anos um total de 2.286.494 euros em 56 contratos públicos relacionados com literacia financeiras, grande parte dos quais nos anos mais recentes. Só desde 2023, a fundação criada pelo banqueiro Artur Cupertino de Miranda, falecido em 1988, e com sede em Vila Nova de Famalicão, assegurou a adjudicação de 30 contratos desta natureza com autarquias e comunidades intermunicipais, que somam quase 1,5 milhões de euros.

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    Foto: D.R.

    Entre os municípios, destacam-se os acordos estabelecidos com Gondomar, que totalizam 203.475 euros em diferentes contratos, bem como o Porto, com 174.400 euros. Também Santa Maria da Feira firmou contratos no valor de 102.000 euros, enquanto Valongo se comprometeu com 109.660 euros. Outros municípios a surgirem com contratos relevantes são Guimarães (67.400 euros), Paredes (93.000 euros) e a Trofa (72.000 euros), valores que confirmam uma rede de cooperação financeira alargada entre a fundação e as autarquias do Norte do país.

    No plano das comunidades intermunicipais, o peso financeiro é igualmente notável. Só a Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa contratualizou 135.000 euros, seguido da do Cávado, que celebrou dois contratos no valor conjunto de 92.325 euros. A Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa figura também como um parceiro assíduo, com três contratos que somam 153.000 euros, ao passo que a Comunidade do Ave aparece com um total de 52.175 euros.

  • Dirigentes da Administração Central do Sistema de Saúde andam a fugir ao carteiro como o diabo da cruz

    Dirigentes da Administração Central do Sistema de Saúde andam a fugir ao carteiro como o diabo da cruz


    É um retrato grave mas trágico-cómico da degradação burlesca da Justiça e do próprio Estado de Direito: quatro dirigentes da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) recusam-se a receber notificações judiciais, obrigando um tribunal a sucessivas tentativas falhadas. Primeiro, por erros burocráticos da secretaria do Tribunal Administrativo de Lisboa. Depois, já com a morada certa, porque os administradores públicos se esconderam do carteiro, devolvendo as cartas com a menção “objecto não reclamado”.

    Desde Janeiro deste ano, o juiz Miguel Crespo procura notificar os quatro membros do Conselho Directivo da ACSS — André Trindade, Carlos Galamba, Sandra Brás e Paula Oliveira, todos já nomeados no ano passado pela ministra Ana Paula Martins — para responderem a um incidente de incumprimento apresentado pelo PÁGINA UM.

    Ao centro, Ana Paula Martins, ministra da Saúde; na ponta direita, André Trindade, actual presidente da ACSS e que conseguiu já fugir por duas vezes ao carteiro; e na ponta direita, Victor Herdeiro, ex-presidente da ACSS que durante mais de dois anos lutou para esconder e manipular uma base de dados,. Foto: ACSS.

    Em causa está a eventual aplicação de sanções compulsórias diárias (multas pessoais) pela recusa em entregar a base de dados integral dos internamentos hospitalares, denominada Grupos de Diagnósticos Homogéneos (GDH), ordenada por sentença em Novembro de 2022 e confirmada pelo Tribunal Central Administrativo do Sul em Março de 2023 e pelo Supremo Tribunal Administrativo em Junho de 2023.

    A disputa remonta a Julho de 2022, quando o PÁGINA UM pediu acesso à Base de Dados Central dos Grupos de Diagnóstico Homogéneos e à reposição da base de Morbilidade e Mortalidade Hospitalar no Portal da Transparência do SNS, retirada meses antes por decisão de Victor Herdeiro, então presidente da ACSS e próximo da ministra Marta Temido. Apesar das decisões judiciais favoráveis ao jornal, a ACSS optou depois por tentar entregar apenas uma versão mutilada da base de dados, eliminando variáveis e desagregações que inviabilizam o escrutínio sobre a evolução das doenças e o desempenho dos hospitais.

    Depois de tentativas de diálogo, que incluiu duas reuniões presenciais na ACSS, e também uma tentativa desta entidade de reiniciar o julgamento indicando peritos que tinham ligações a hospitais públicos, o PÁGINA UM, avançou então em Janeiro deste com um denominado “incidente de incumprimento“, que significa que os dirigentes podem ser pessoalmente multadas por cada dia de atraso no cumprimento da sentença transitada em julgado.

    Sede da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), junto ao Hospital Júlio de Matos: CTT não conseguiram entregar nenhuma das quatro notificações aos dirigentes desta entidade em duas ocasiões diferentes.

    O juiz deste processo determinou então que os administradores da ACSS fossem pessoalmente citados. Mas tudo começou a complicar-se, com incompetência à mistura. A oficial de justiça encarregue da diligência, Maria Lurdes Lamarão, enviou as notificações dos dirigentes da ACSS em Fevereiro deste ano para… a antiga morada do PÁGINA UM. E alertado o tribunal, a mesma funcionária judicial repetiu a dose, enviando novamente as cartas da ACSS erradamente para o Bairro Alto, em vez de as endereçar para o edifício 16 do Parque de Saúde de Lisboa, mesmo ao lado do Hospital Júlio de Matos.

    Só à terceira tentativa, em Abril deste ano, foram as notificações finalmente remetidas para a sede correcta da ACSS.

    E aí começou o jogo do gato e do rato – ou dos diabos a fugirem da cruz. Com efeito, apesar de a ACSS possui um edifício com recepção e serviços administrativos e de expediente abertos no horário de expediente, o carteiro não conseguir entregar qualquer uma das quatro cartas aos dirigentes desta entidade tutelada pelo Ministério da Saúde. As notificações regressaram ao tribunal com a indicação “objecto não reclamado”, facto que só se explica por ordem expressa dos destinatários.

    Foto dos quatro actuais dirigentes do Conselho Directivo da ACSS tirada em data incerta, mas certamente num dia em que o carteiro não bateu à porta para lhes entregar as notificações do tribunal que, por duas vezes, ostensivamente recusaram este ano. Foto: ACSS.

    O juiz insistiu em nova tentativa, a quarta, em Maio, e desta vez com advertência formal: o prazo contaria a partir da data de recepção, mesmo sem assinatura do próprio notificado. Mas em Julho os envelopes voltaram a ser devolvidos da mesma forma. André Trindade, Carlos Galamba, Sandra Brás e Paula Oliveira conseguiram furtar-se segunda vez à notificação de um tribunal impedindo a concretização de decisão com três selos judiciais (Tribunal Administrativo de Lisboa, Tribunal Central Administrativo do Sul e Supremo Tribunal Administrativo).

    Perante este bloqueio, a lei permite agora que o tribunal recorra a meios mais drásticos, como a intervenção policial ou de solicitadores, para garantir que os dirigentes não possam continuar a fugir. Mas isto expõe sobretudo uma condição lamentável.

    Num verdadeiro e efectivo Estado de Direito, seria impensável que dirigentes públicos se escondessem deliberadamente para não receber notificações judiciais, sobretudo quando está em causa o cumprimento de decisões transitadas em julgado. Mas em Portugal, os mesmos que exigem aos cidadãos rigor fiscal e legalidade não hesitam em contornar a Justiça.

    Primeira página do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Junho de 2023. Mais de dois anos depois, os dirigentes da ACSS borrifam-se impune e descaradamente até para ordens dos tribunais superiores.

    Enquanto isto durar, o PÁGINA UM – que, com este processo, já dispendeu alguns milhares de euros e horas infindáveis – n permanece impedido de aceder a uma base de dados fundamental para avaliar a qualidade dos hospitais públicos e dar transparência ao sistema de saúde.

    Mais do que um processo administrativo, a situação torna-se um símbolo de degradação institucional: um país em que se foge do carteiro para evitar cumprir decisões judiciais é, afinal, um país da bandalheira. E esta palavra é escrita numa notícia, porque objectivamente essa é a palavra adequada.

    N.D. Este e outros processos de intimação são suportados pelos leitores através do FUNDO JURÍDICO, na plataforma MIGHTYCAUSE. Pode encontrar mais elementos deste processo aqui.

  • Estado laico mas pouco: Autarquias gastam mais de 11 milhões de euros em igrejas católicas desde 2020

    Estado laico mas pouco: Autarquias gastam mais de 11 milhões de euros em igrejas católicas desde 2020


    Portugal orgulha-se, na sua Constituição, de ser um Estado laico e de garantir a separação entre as diferentes religiões e o Estado, mas quando se mergulha nos contratos públicos das autarquias, descobre-se que os municípios e freguesias continuam a ser dos maiores mecenas da Igreja Católica, sem qualquer polémica visível, mesmo quando os montantes são elevados.

    De acordo com um levantamento exaustivo realizado pelo PÁGINA UM sobre contratos inseridos no Portal Base desde 2020 foram identificados, em obras superiores a 100 mil euros, um total de 63 contratos públicos, celebrados por 45 autarquias (Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia) e entidades intermunicipais, para reabilitação, conservação, restauro ou valorização de igrejas e conventos, atingindo um valor global superior a 11 milhões de euros.

    Obras na igreja de São Francisco em Tomar foram pagas pela autarquia local. Foto: CMT.

    Este número é ainda mais expressivo quando se considera que não se incluíram inúmeras intervenções exclusivamente em espaços exteriores (como adros) ou arranjos urbanísticos em redor de lugares de culto, nem as obras promovidas por irmandades, fábricas paroquiais ou misericórdias, nem as empreitadas conduzidas pelas Direcções Regionais de Cultura ou outras entidades do Estado central, que tenham também uma componente patrimonial e turísticas.

    Também não se entrou em conta as intervenções em igrejas desafectadas ao culto e convertidas em salas de espectáculo ou museus, como sucedeu recentemente em Coimbra com a Igreja de São Francisco. Ou seja, o levantamento diz apenas respeito a obras de património religioso activo, onde se celebram missas e rituais, pagas directamente com verbas dos contribuintes.

    O maior contrato identificado foi celebrado em Lisboa, a 24 de Janeiro de 2023, quando a empresa municipal Lisboa Ocidental adjudicou à Tecnorém uma empreitada no valor de 3,5 milhões de euros para construir de raiz a nova Igreja do Bairro da Boavista, embora neste caso esteja também incluído um centro social e paroquial, bem como a praça central do bairro. É um caso singular porque não se trata apenas de reabilitar o que existe, mas de edificar do nada uma nova igreja e um centro paroquial.

    Maquete da igreja de São José no Bairro da Boavista, construída por uma empresa municipal de Lisboa.

    Seguem-se, no ranking, a requalificação integral da Igreja de São João Baptista, em Tomar, contratada à Signinum em 15 de Janeiro de 2021 por 1,5 milhões de euros, e duas empreitadas sucessivas em Melgaço — em 2022 e em Agosto de 2025 — para a reabilitação do Convento de São Salvador de Paderna, que somam mais de 1,85 milhões de euros. Amares figura logo a seguir, com 946.707 euros para restaurar a Igreja de Bouro e revitalizar a casa paroquial para instalação de um núcleo interpretativo do mosteiro.

    Mais abaixo na tabela, mas ainda com valores significativos, surgem Loulé (890.146 euros para a Igreja Matriz), Santarém (849.934 euros para estabilização da Igreja de Santa Iria da Ribeira de Santarém), Moura (duas obras que totalizam 1,16 milhões de euros), Baião (570.338 euros para a terceira fase de restauro do Mosteiro de Santo André de Ancede), Sardoal (657.325 euros para a sua igreja paroquial) e Cabeceiras de Basto (559.348 euros para a reabilitação do mosteiro de São Miguel de Refojos).

    O levantamento do PÁGINA UM permitiu ainda perceber a evolução temporal destes investimentos: 2020 e 2021 foram os anos particularmente intensos, com 3,15 milhões e 4,12 milhões de euros em adjudicações respectivamente, coincidindo com o período da pandemia em que muitas autarquias aproveitaram fundos comunitários e planos de recuperação para lançar empreitadas.

    Igreja de Paderne, em Melgaço. Foto: D.R,

    Em 2022 registaram-se 3,02 milhões de euros em adjudicações associadas a reabilitações de igrejas, enquanto 2023, impulsionado pelo contrato da Boavista, foi o ano mais dispendioso, com 4,14 milhões de euros. O ano de 2024 apresenta uma quebra (1,69 milhões), mas 2025 volta a evidenciar crescimento, com 2,23 milhões contratados até Setembro.

    Se os grandes municípios têm um papel de relevo, também as pequenas autarquias não ficam atrás. Em Tavira, a Câmara investiu 259.949 euros na Igreja Matriz de Santa Maria do Castelo. Em Tabuço, uma única empreitada de 263.900 euros permitiu restaurar simultaneamente três igrejas paroquiais (Granja do Tedo, Longa e Sendim). Em Pedrógão Grande, a intervenção na Igreja Matriz custou 385.797 euros. E até pequenas juntas de freguesias, como Tancos, investiram mais de 160 mil euros na valorização da sua igreja matriz.

    No extremo oposto da escala, o contrato de menor valor encontrado foi em Sátão, onde a autarquia pagou 117.617 euros para conservar e restaurar a Igreja de Santa Maria, seguido da intervenção de 118.995 euros na Igreja das Carvalhiças (União de Freguesias de Vila e Roussas, no município de Melgaço). Estes números mostram que mesmo obras modestas — reparação de telhados, retábulos, pavimentos — têm custos significativos e absorvem recursos municipais.

    Igreja matriz de Loulé, Foto: CML.

    Além da dimensão financeira, este levantamento revela uma lista recorrente de empresas especializadas que dominam este mercado, como a Signinum, a Lusocol e a Monumenta, com contratos repetidos em vários pontos do país. Para estas empresas, o património religioso é uma fonte estável de encomendas, sustentada por financiamento público.

    No final, a grande questão é política e não técnica: até que ponto é legítimo que autarquias, em nome da preservação patrimonial, financiem afinal a manutenção de templos de culto, beneficiando de forma desproporcionada a Igreja Católica face a outras confissões ou usos comunitários. Se o Estado – e por extensão as autarquias – é laico, olhando para as suas obras não aparenta.