Etiqueta: Recensão

  • Um enteado à sombra do pai

    Um enteado à sombra do pai

    Título

    A viúva

    Autor

    JOSÉ SARAMAGO

    Editora (Edição)

    Porto Editora (Novembro de 2022)

    Cotação

    12/20

    Recensão

    Em 1991, no ano em que publicou o polémico O Evangelho segundo Jesus Cristo – e já sendo um escritor consagradíssimo, depois de Levantado do chão (1980), do sublime Memorial do convento (1982), de O ano da morte de Ricardo Reis (1984), de A jangada de pedra (1986) e de História do cerco de Lisboa (1991) –, José Saramago contou a génese do seu romance de estreia: Terra do pecado, publicado em 1947, quando o único Prémio Nobel da Literatura da língua portuguesa contava 25 anos: “Foi publicado pela Minerva, mas o editor achou que A viúva não era um título comercial e sugeriu que se chamasse Terra do Pecado. Pobre de mim, queria era ver o livro editado e assim saiu. De pecados sabia muito pouco e, embora a história comporte alguma actividade pecaminosa, não eram coisas vividas, eram coisas que resultavam mais das leituras feitas do que duma experiência própria. Não o incluo na minha bibliografia, apesar de os meus amigos insistirem que não é tão mau como eu teimo em dizer. Mas como o título não foi meu e detesto aquele título…”

    Em nota do próprio Saramago, nesta edição que a Porto Editora lança em parceria com a Fundação José Saramago, que recupera o título inicialmente desejado – a culminar as comemorações do centenário do nascimento do escritor –, além de contar a sua formação como leitor (alicerçado, como se sabe, na biblioteca das Galveias, em Lisboa), são revelados ainda outros pormenores da viagem do manuscrito até ser aceite inopinadamente pelo editor Manuel Rodrigues, que também criou o famoso Borda d’Água. E, por fim, conclui Saramago, não sem ironia, e em tom auto-depreciativo, que “não podia adivinhar que o livro terminaria a pouco lustrosa vida nas padiolas. Realmente, a julgar pela amostra, o futuro não terá muito para oferecer ao autor de A viúva.”

    Não tendo a “vida” de A viúva, como romance, acabado em padiolas, o futuro não teria, de facto, muito para oferecer ao seu autor se o estilo se tivesse mantido. Felizmente, mudou. Por ele e para agrado dos leitores. Depois da sua estreia, aos 25 anos, Saramago manteve um interregno em obras de ficção de três décadas, até que em 1977 publicou Manual de pintura e caligrafia, demorando depois mais três anos até Levantado do chão para apurar e depurar o seu estilo característico, de marcante oralidade e fluxo narrativo encantatório, crítico e irónico (e criativos enredos) com uma pontuação não convencional (na verdade, com poucos pontos).

    O interregno foi mais curto em outros géneros. Saramago publicou um livro de poemas em 1966, e na década de 70 mais dois livros de poesia, três livros de crónicas, sete contos (seis dos quais na obra Objecto quase, e o sétimo numa antologia) e duas peças teatrais. Em todo o caso, antes de Levantado do chão, Saramago era muito mais conhecido como (polémico) jornalista, de forte pendor ideológico, do que como escritor.

    Por isso, queiramos ou não, até ao início dos anos 80, Saramago – já a caminhar então para os 60 anos – não teria grandes motivos para se orgulhar do seu romance de estreia, e não propriamente por lhe terem trocado o título.

    De facto, sendo certo que A terra do pecado – ou A viúva, como agora se queira –, que era “renegado” por Saramago, acabou por ter mais edições do que a primeira, mas estas só começaram a surgir depois de 1997, a reboque da sua consagração, dois anos depois do Prémio Camões – e agregado a mais oito prémios literários – e em vésperas do Prémio Nobel da Literatura. As sucessivas edições que teve – na Editorial Caminho, foram sete até 1999 e 10 até à morte de Saramago, em 2010 – aparentam um sucesso literário, mas na verdade justificaram-se (e aceita-se que bem) somente pelo interesse, curiosidade e culto literários, tanto assim que os exemplares da primeira edição de 1947 atraem actualmente grande interesse bibliófilo. Os escassos exemplares no mercado alfarrabista atingem preços de 750 ou até de 1.000 euros. [com alguma sorte, há uns anos consegui um exemplar por 250 euros]. Um valor bem superior a um exemplar da primeira edição de Memorial do convento ou de Levantado do chão.

    De facto, pode-se acusar Saramago de muita coisa – além de se poder (e dever) venerá-lo pela sua extraordinária escrita a partir de 1980 –, mas jamais de falta de lucidez. Com efeito, não foi por acaso – nem pela questão do título – que Saramago não terá incluído, por décadas, o romance de estreia na sua bibliografia. Simpatias à parte, Terra do pecado (ou A viúva) é obra de Saramago mas não é obra saramaguiana; é romance completamente fora daquilo que viria a ser o seu universo e estilo; é um romance com enredo simples, escrita enquadrada no movimento entre o realismo e o naturalismo, mas com descrições banais e um encadeamento pueril. Por exemplo, veja-se a segunda metade do romance onde se sucedem os capítulos com um quase invariável “na manhã seguinte”. Ou diálogos que “não aquecem nem arrefecem” (pg. 193):

    – Boa noite, Joaquim! Já vais fechar?

    O taberneiro curvou-se:

    – Boa noite, senhor doutor! Já ia fechar, sim, senhor!… Mas cá o estabelecimento, para o senhor doutor, está sempre aberto. Faça favor de entrar.

    O médico entrou e sentou-se, enquanto o taberneiro corria a um armário, donde tirou um copo limpo e uma garrafa de vinho do Porto.

    – O costume, não é, senhor doutor?

    – Sim, claro, o costume…

    Não se diga, em todo o caso, que A viúva é um mau romance; é um romance de formação, de um jovem de 25 anos, ainda sem calo literário, e por isso muito aceitável. Não envergonha, merece até estar numa estante, mas não exalta. E olhando para a obra do seu autor, José Saramago, que nos ofereceu alguns romances de merecida nota 20, dar-se assim um 12 à sua A viúva acaba até por ser, pelas diferenças colossais num confronto com as suas (várias) obras-primas, um gesto de respeito.

  • Crimes em Hollywood

    Crimes em Hollywood

    Título

    Os domínios do lobo

    Autor

    JAVIER MARÍAS (tradução: Ana Maria Pereirinha)

    Editora (Edição)

    Alfaguara (Novembro de 2022)

    Cotação 

    16/20

    Recensão

    Desaparecido no ano passado, Javier Marías foi um escritor espanhol que nasceu em Madrid em 1951 e morreu sem o maior reconhecimento literário mundial – o Prémio Nobel –, apesar de integrar a lista de candidatos por várias vezes. Não obstante, prémios não faltam a um dos maiores escritores contemporâneos.

    Com efeito, prémios e distinções foram vastos para grande parte das suas obras, como por exemplo, Assim começa o mal, Os enamoramentos (Prémio Giuseppe Tomasi di Lampedusa e Prémio Qué Leer), Coração tão branco (Prémio da Crítica, Prix l’Oeil et la Letre e IMPAC Dublin Literary Award), Amanhã na batalha pensa em mim (Prémio Fastenrath, Rómulo Gallegos e Prix Fémina Étranger). Todos estão publicados em Portugal pela Alfaguara.

    O autor espanhol ganhou, ainda, diversos prémios pelo conjunto da sua obra, como o Prémio Literário Europeu em 2011. Note-se que Javier Marías chegou a rejeitar o Prémio Nacional (de Espanha) da Literatura em 2012, por considerar não ser da responsabilidade do Estado a atribuição desse tipo de galardão.

    Além de escritor, ainda foi professor na Universidade de Oxford e na Universidade Complutense de Madrid. Era membro da Real Academia Espanhola e da Royal Society of Literature, desde 2011. Foi também tradutor, sendo de destacar a sua tradução de Tristram Shandy, de Laurence Sterne, que lhe valeu o Prémio Nacional de Tradução em Espanha em 1979.

    Para quem é admirador e leitor habitual de Javier Marías, é provável que esta sua primeira obra de 1971, reeditada em 2007 – e, agora finalmente publicada em Portugal pela Alfaguara, com tradução de Ana Maria Pereirinha – seja, para muitos, um mero exercício de escrita, um primeiro romance, quase juvenil, tal é a inocência e dedicação.

    Porém, convém referir que este livro foi, à época, um marco pelo afastamento do realismo social de Espanha. Por ser um dos primeiros autores da sua geração a distanciar-se dos temas da ditadura de Franco, Javier Marías gerou algum desconforto, o que lhe terá valido fortes críticas e mesmo censura.

    De facto, Marías desloca-se para outros espaços, tempos e realidades. Uma ode ao cinema de Hollywood de então, poder-se-á dizer, dada a manifesta influência que o autor admite ter sentido na Cinémathèque de Henri Langlois, em Paris, para onde fugiu aos 17 anos. Foi nessas salas que passou uma temporada, “o único lugar do mundo em que podia estar em contacto permanente com esse material” (pág. 18).

    O que é de salientar é a qualidade da escrita, apesar da juventude do autor – escreveu-o com 17-18 anos (e publicou-o aos 19). A intensidade da narrativa é um vislumbre do que se seguiria. Um livro que pode ser visto como um ponto de partida para ler e conhecer a profunda obra de Javier Marías.

    Os domínios do lobo resulta de uma série de histórias que se podem ler isoladamente, mas que estão ligadas entre si, pelo desmoronamento da família Taeger, uma família abastada de Pittsburgh, na Pensilvânia. O livro começa com os primeiros problemas, em 1922, sendo possível compreender alguns dos desenlaces em diversas histórias posteriores.

    A estética da tela cinematográfica caminha a par e passo com a crueldade descritiva em alguns momentos, como cruéis foram os tempos da guerra civil estadunidense (ou da Secessão) e da escravatura e da tentativa da sua abolição, entre 1861 e 1865.

    Dos cowboys aos gangsters, da Lei Seca até à mulher fatal do cinema mudo, o livro combina o cinema negro com a tragicomédia que provoca, no leitor, um entusiasmo que só um escritor talentoso consegue transmitir.

    É, pois, uma leitura recomendada para os amantes do cinema de Hollywood, em particular da sua época áurea. Mas igualmente a todos os leitores que querem conhecer ainda melhor a vasta e excelente obra de um dos autores ibéricos mais reconhecidos.

  • As delícias dos erros e os prazeres das falácias

    As delícias dos erros e os prazeres das falácias

    título

    O mundo pelos olhos da língua

    autor

    MANUEL MONTEIRO

    Editora (Edição)

    Objectiva (Novembro de 2022)

    Cotação

    17/20

    Recensão

    Por mais excelso que seja um escritor, ou dotado que seja um jornalista – e permitindo uma só pessoa possuir os dois predicados pela ordem indicada, ou inversa –, não há jamais capacidade para se livrar de um aziago e medonho companheiro: a gralha. Ou como gralhas. Muitas ou poucas, são horrorosas, envergonham qualquer escriba.

    Se, como sucede com a PÁGINA UM, as folhas forem digitais, a vergonha mostra-se efémera. Entra-se no backoffice e corrige-se, sendo certo que quem viu, já viu, mas já passou.

    Em papel mostra-se mais complicado, sobretudo em livros. É mais persistente. Fica para a eternidade. José Saramago, por exemplo, confessou com propriedade que “quando pegamos no livro novo [da nossa autoria] e abrimos, a gralha normalmente aparece imediatamente, é a primeira bofetada que levamos”, contando depois ao jornalista (e também escritor) João Céu e Silva a famosa gralha da primeira edição do Memorial do Convento em que alguém decidiu corrigir (mal) a expressão “estridor operática”, que passou a “escritor operário”.

    Há uns anos, a editora e escritora Maria do Rosário Pedreira também contava, no seu blog Horas Extraordinárias , o caso de uma editora australiana que publicou um livro de culinária onde se recomenda acrescentar na receita de tagliatelle com sardinhas, em vez de “salt and black pepper” (sal e pimenta preta), “salt and black people“ (sal e gente preta). Retirar os livros do mercado custou-lhe cerca de 20.000 dólares australianos.

    Sendo certo que as gralhas irritam – e causam fúrias, mas também histórias deliciosas que até valorizam edições para bibliófilos –, acrescem aos involuntários corvachos os demais erros dos escritores, que nem sempre escrevem tão bem como parece, numa perspectiva ortográfica e gramatical.

    Não se critique os autores em demasia. Numa língua de tamanha riqueza mas de imensas regras, mostra-se impossível saber-se tudo, lembrar-se de todas as exceções, saber a globalidade dos detalhes linguísticos. Por exemplo, sabem todos em que circunstâncias se escrevem glaciares e glaciais? E sabem também que é correto escrever que ser leve é melhor do que ser pesado, mas já assim não será se se disser que ser pesado não é o mesmo do que ser gordo? E quanto ao gênero de certas palavras? Aluvião? Amálgama? Pulseira? Cotonete? Dengue? Entorse? Usucapião? Acertam em tudo? Ah!, e as vírgulas!, onde e como as colocar de modo correcto, para evitar mal-entendidos?

    Na hora de publicar um livro – ou até um jornal –, o melhor amigo do escritor (e também do editor) acaba por ser o revisor. O seu trabalho é discreto (uma linha na ficha técnica do livro) e meticuloso, mas de enorme erudição. Para tudo ficar perfeito, não basta ele ter bom olho (ajuda, é certo); tem ele de (ou que?) saber preciosismos ortográficos e gramaticais. E o mais que (nos) vale. Para um escritor, o revisor é o seu pára-quedas, embora também deva ele (o escritor) aprender com o saber dele (o revisor).

    Daqui se vê que o escritor não sonha apenas com bons leitores; deseja ardentemente um bom revisor. Ora, um desses revisores perfeitos é – dizem-me, e parece ser – Manuel Monteiro, que nos últimos anos, além de trabalhar para evitar vergonhas alheias (dos autores), tem aproveitado para escrever livros sobre a arte de não escrever mal, ou pelo menos a de não cometer erros muito horríveis enquanto se dedilha no teclado. 

    Começou em 2015 com Dicionário de erros frequentes da língua e, mais recentemente, lançou Por amor à língua (2018) e Sobre o politicamente correto (2020), além de um livro de contos, tudo obras que, talvez infelizmente, (ainda) não se leram.

    Se forem como O mundo pelos olhos da língua serão, por certo, obras não só de grande utilidade pedagógica como de diversão didática. Pelo menos neste, Manuel Monteiro usa um estilo escorreito, associado a um humor peculiar, para nos apresentar uma deliciosa colectânea de erros (ou dúvidas quotidianas na arte da escrita), e não só, agrupando tudo em 11 categorias, com mais de uma centena de “casos”, quase todos hodiernos – que parece ser palavra que o autor aprecia muito. 

    Em muitos casos, os erros são tratados de uma forma sucinta; Manuel Monteiro vai logo ao osso, porque basta curto e grosso para se cortar o mal pela raiz. Noutros, espraia-se mais, como um contista, como sucede na história do menino italiano que escreveu para a Accademia della Crusca depois de inventar uma palavra nova: petalosa. Ou errada.

    Mas não só de léxico, ortografia e gramática vive O mundo pelos olhos da língua . Particularmente interessante é, já na parte final do livro, o conjunto de falácias usadas em discussões (aí está) hodiernas: a falácia do falso nexo de casualidade, a falácia do verbo poder (muito usada pelos jornalistas mainstream nos últimos anos), a falácia da exceção, a falácia da adversativa, a falácia do espantalho, a falácia “E se fosse com o seu filho?”, a falácia “O que ganhou fez tudo certo”, a falácia da tradição e a falácia do afunilamento. Depois disso, há ainda mais umas páginas de armadilhas, truques e (arti)manhas para vencer ou evitar segredos. Os rótulos, por exemplo.

    Um livro para ir lendo e relendo, até se aprender a não errar… tanto. Até porque, enfim, teremos sempre necessidade de revisores. Humanos e eruditos.

  • Um livro para saciar a sede de saber

    Um livro para saciar a sede de saber

    Título

    Atlas mundial da água

    Autor

    DAVID BLANCHON (tradução: Maria Ana Matta)

    Editora (Edição)

    Guerra & Paz (Setembro de 2022)

    Cotação

    16/20

    Recensão

    Depois da pandemia, tem sido a questão energética a estar, actualmente, na ordem do dia. Não apenas pelo mediatismo (para além do drama humano) da invasão russa à Ucrânia e das consequências no fornecimento de gás à Europa, como também pela “emergência” das alterações climáticas, independentemente de se concordar ou não com as causas – e também atendíveis as hipocrisias dos políticos e das grandes empresas quanto às responsabilidades para a sua minimização.

    Porém, não há nenhum outro “elemento” mais relevante para a vida humana, e mais perene como pomo de discórdia, do que a água. Ao longo dos milénios da civilização humana, a água desempenhou um papel fundamental, não apenas na fixação das populações, como no desenvolvimento de actividades económicas. Era água – ou a falta dela – que obrigava primitivas comunidades humanas a serem nómadas; foi o controlo sobre os recursos hídricos que permitiu que nos tornássemos sedentários. É certo que foi a agricultura, mas sem água não há agricultura.

    Por maior que seja capacidade tecnológica humana, apenas de uma forma limitada se consegue alterar o “curso natural” das disponibilidades hídricas da chamada “água doce” – ou, mais concretamente, da água potável. A sua distribuição irregular do ponto de vista espacial e temporal é, infelizmente, uma questão incontornável; os efeitos daquilo que os vizinhos (a montante) fazem ou deixam de fazer é crucial.

    Não poucas vezes, por isso mesmo, tem sido a água a estar na origem de imensos conflitos, alguns bélicos, outros mais discretos (diplomáticos), outros mais locais, mas não menos sangrentos. Muito mais até do que os recursos energéticos.

    Ora, a obra Atlas mundial da água, da autoria do francês David Blanchon, geógrafo e professor da Universidade de Paris Nanterre, mostra de uma forma extremamente didáctica como esse bem renovável mas irregular se distribui pelo Mundo, revelando em simultâneo os seus benefícios e problemas, as suas ameaças e potencialidades, além dos desafios que se se colocam às sociedades para uma desejável gestão futura sustentável.

    Este livro – que surge integrado numa colecção da editora Guerra & Paz sob o título comum Atlas Mundial (tendo sido já publicadas obras similares sobre África, Império Romano, Médio Oriente, Estados Unidos da América, Holocausto, Antigo Egipto, Guerra Fria e, recentemente, Mediterrâneo) – não tem pretensões académicas (pelo menos aprofundadas) nem de substituir muita informação mais detalhada que se pode “adquirir” em sites especializados em recursos hídricos.

    No entanto, a forma cuidada e rigorosa como se encontra estruturado (e relativamente actualizado) este Atlas mundial da água é uma mais-valia para aguçar o apetite, ou saciar a sede de saber, de qualquer principiante ou mesmo um estudante na área do ambiente. 

    Além disso, o aprumo gráfico dos esquemas e mapas que acompanham os vários assuntos “devolvem” também o prazer de fazer a aprendizagem através de um livro – o que é fantástico nos tempos que correm, onde os jovens (que me parecem ser os principais destinatários) aparentam só querer aprender através dos smartphones.

    Na verdade, tenho pena de ter feito a minha aprendizagem básica sobre recursos hídricos, na minha formação académica inicial, há mais de três décadas, sem ter um livro assim…

  • Conta-me como foi… a música

    Conta-me como foi… a música

    título

    Silêncio aflito

    autor

    LUÍS TRINDADE

    Editora (Edição)

    Tinta da China (Março de 2022)

    Cotação

    14/20

    Recensão

    Em Silêncio aflito, o historiador Luís Trindade fornece um tratamento académico a uma associação bastante comum, esta que une as transformações da segunda metade do século passado e a sua efervescente banda sonora. De prever, por isso, um caminho já bastante trilhado, com pontos de passagem inevitáveis até um destino certo. Assim foi, em larga medida.

    Nestas quase quinhentas páginas (re)descobrimos um Portugal nacionalista e conservador ao som da música “ligeira”; burgueses e ocidentais dançando “ié-ié”; emancipado e esclarecido, cantando a “nova canção portuguesa”.

    Por isso, é também de prever que esta “aflição” quebraria o “silêncio” com um solene “Grândola, Vila Morena”. Felizmente, o autor acerta aqui, como noutras passagens, em eventos, pessoas e canções para iconizar a sua narrativa. Nesta, o conturbado Encontro da Canção Portuguesa, no Coliseu dos Recreios, em Março de 74.

    Porém, é de questionar se uma história da “sociedade portuguesa através da música popular” aflora o essencial ao acompanhar, até àquela noite, a plateia que “harmonizou a voz com a do cantor e, em uníssono, formou uma comunidade, criou um hino e desencadeou um movimento” (p.464). Por exemplo, se nos interessamos por comunidade, cantor e hino, talvez o fado e Amália não devessem ter sido tratados ortogonalmente à “grande narrativa” que o autor ensaia.

    Haveria outra forma? Será possível dizer algo de fundamentalmente novo sobre a história deste tempo? Talvez. No entanto, a forma balizada com que Trindade estabelece alguns pontos de partida obriga a que, neste estudo, muitas observações porventura imbuídas de sentido acabem na berma como inconsequentes “contradições” (que o autor tem a franqueza de sinalizar).

    Com efeito, um monolito chamado “sociedade salazarista” (p.88), na qual a opressão e imobilismo parecem ser fins em si mesmos, é um conveniente antagonista, omnipresente embora pouco definido para além do papel de António Ferro e de alguns cronistas conservadores.

    Para colher outros sentidos ainda nos falta “desmilitarizar” o pensamento e discurso sobre o passado (já não tão) recente. Não seria razoável exigir que o autor desta pesquisa profissional e financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia o fizesse espontânea e isoladamente.

    O mérito de Silêncio aflito reside afinal na sólida pesquisa documental em que se baseia, reconstruindo este velho nexo com o auxílio quase exclusivo de imprensa da época, o que nos leva a dizer que o melhor deste livro está, quase sempre, entre duas aspas. Tanto assim que fechamos o volume com a clara impressão de que uma colecção completa d’ O Século Ilustrado e da revista Flama são essenciais para entender o passado recente português!

    Entre recortes e fotografias gloriosamente empoeiradas, vamos reforçar ou ajustar a nossa intuição sobre esta época fascinante, com tempo para arrumar de vez a origem da rivalidade entre Simone de Oliveira e Madalena Iglésias. Finalmente.

    Não podemos dizer de Silêncio aflito , como se diz dos bons livros de História, que se lê como um romance: para isso precisaríamos de uma verdadeira voz a narrá-lo. Mas podemos dizer que se lê como uma partitura, fiquedo a carga do intérprete extrair o melhor sentido dos símbolos ali inscritos.

  • O mundo é um lugar interessante, mas cheio de interesses

    O mundo é um lugar interessante, mas cheio de interesses

    Título

    As conspirações que mudaram o Mundo

    Autor

    FREDERICO DUARTE CARVALHO

    Editora (Edição)

    Oficina do Livro (Outubro de 2022)

    Cotação

    15/20

    Recensão

    “Não há conspirações que mudaram o mundo quando o mundo é já ele todo uma conspiração em andamento perpétuo.”

    Vivemos num mundo entre mundos. Por um lado, temos a ilusão da simplicidade entre os bons e os maus e a segurança de ignorarmos quem é quem. Do outro lado desta trincheira existe a real politique, o tentáculo do poder, o nepotismo e a complexidade gerada por jogadores da alta roda do Poder.

    É este o tema de fundo deste As conspirações que mudaram o Mundo, numa edição da Oficina do Livro. As conspirações de outrora e de agora e como é feito o jogo de todos os jogos.

    Natural da cidade do Porto, Frederico Duarte Carvalho é um jornalista com uma longa carreira, que passou pelas redacções de jornais como o Tal & Qual e o 24 horas, iniciando o seu percurso no diário O Primeiro de Janeiro ainda antes de finalizar os estudos na Escola Superior de Jornalismo na cidade invicta. Tem feito também colaborações pontuais no PÁGINA UM, sobretudo em temáticas históricas. 

    Neste seu (já) sétimo livro sob a forma de ensaio, regressa ao tema das conspirações ou mistérios, depois de Eu sei que você sabe: manual de instruções para teorias de conspiração (2003), Oswald Le Winter: poeta & espião (2005), Estado de segredos (2010), Camarate: Sá Carneiro e as armas para o Irão (2012), O Governo Bilderberg (2016) e O último segredo de Fátima (2019).

    Este livro é, contudo, uma espécie de obra autobiográfica, que celebra 30 anos de investigação, e onde o autor aproveita para revelar as raízes da sua curiosidade por estas temáticas, entre as piadas do irmão mais velho, os acontecimentos que a televisão mostrava e também uma assinatura de seis meses da revista Time oferecida pelo pai.

    Num estilo muito peculiar, Frederico Duarte Carvalho vai também desfiando, ao longo das páginas, as ligações entre acontecimentos e pessoas que à superfície aparentavam ser desconexas, como os casos de Camarate (morte de Sá Carneiro) e o do Irangate. 

    Através de testemunhos e conversas que foi colecionando, Frederico Duarte Carvalho oferece-nos assim a possibilidade de cruzar a fronteira entre a conversa ignorante de café e os desconfiados crónicos.

    Apesar de um estilo de escrita de fácil assimilação, para a leitura e compreensão de algumas temáticas, convém ter-se algum conhecimento prévio sobre determinados assuntos, como o Clube Bilderberg e as suas mãos cada vez mais visíveis. Neste aspecto, nota-se que Frederico Duarte Carvalho é um expert face ao detalhe da informação recolhida.

    Estamos, porém, paradoxalmente, perante um livro mordaz, bastante útil até para quem não quer pôr em causa o seu sistema de crenças ou a forma como olha para o mundo.

    Como diz o próprio, “qualquer que seja o ano haverá sempre uma conspiração”, porque “este é o mundo onde vivemos, onde a ignorância e secretismo fazem a delícia dos eleitos e poderosos.”

    Enfim, As conspirações que mudaram o Mundo é um bom livro, mas não é um livro bom; é difícil manter-se indiferente depois de o ler.

  • Riso para entreter a academia

    Riso para entreter a academia

    Título

    História do riso

    Autor

    Abílio Almeida

    Editora (Edição)

    Guerra & Paz (Outubro de 2022)

    Cotação

    10/20

    Recensão

    Há livros que, antes de serem lidos, são muito desejados, tal a expectativa que determinado título ou temática suscita junto dos leitores. Foi o caso desta História do Riso, título demasiado abrangente para o resumo que dela se aproveita, escrito por Abílio Almeida (n. 1991), doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho e investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade.

    Composto por duas partes, em que na primeira, intitulada “O Riso no Pensamento: O conflito dos rostos do poder”, o autor pretendeu “entender a origem do conflito de perspectivas acerca do riso”, bem como a sua evolução até aos dias de hoje. Na Parte II, com o título “O Riso na Sociedade: Uma análise de fora para dentro”, o autor incidiu o foco “essencialmente nas muitas causas externas capazes de afectar as diferentes significações do riso”.

    Para Margaret Mead (1901-1978), o riso era a expressão emocional mais distintiva do homem, aquilo que caracteriza e distingue o ser humano. Contudo, para Platão (428-348 a. C.), o riso pertencia “ao mundo dos ignorantes, dos que se alimentam apenas dos sentidos e que, de forma ignorante, riem da realidade.” No seu entender, “o sábio, o filósofo, aquele que jamais encontra motivo para rir, não olha com bons olhos para aqueles que riem, pois esses são não só ignorantes, mas também perigosos”. De acordo com Platão, o riso “pertence, por isso, àqueles que, por não serem capazes de entender a realidade, riem dela, e que, por não a entenderem, estão dispostos a acabar com ela.”

    Através de vários exemplos, o autor tenta demonstrar como a interpretação do riso, “algo tão amplo e complexo quanto distinto e contraditório”, foi variando, “não só de época para época como de autor para autor.”

    De entre os pais da Igreja, o mais ferrenho adversário do riso foi João Crisóstomo (347-407), arcebispo de Constantinopla, argumentando que, de acordo com as escrituras, Jesus Cristo nunca riu. Esta ideia criada por João Crisóstomo levou a que as pessoas acreditassem que Cristo nunca manifestara o seu riso, como também nenhum dos apóstolos ou santos alguma vez o fizera.

    Não obstante, na Bíblia, o primeiro a rir é Abraão, com 99 anos, ao saber que sua mulher, Sara, com 90 anos, iria dar à luz um filho seu. Perante a novidade, Abraão pôs-se a rir. Curiosamente, esse inesperado filho chamar-se-á Isaac, nome que em hebraico significa “riso”.

    Este livro é o resultado da tese doutoral de Abílio Almeida e assim chega aos escaparates. Infelizmente, é disso mesmo que o livro padece, quedando-se a presente edição espartilhada por coloquialismos académicos, a desfiar conceitos e argumentos, com citações extensas, umas em inglês, outras em alemão — como se os leitores comuns fossem poliglotas —, preocupando-se em demasia com a forma e as normas de referenciação, mas olvidando o ritmo do texto e, principalmente, da leitura, que deveria ser fluída como um sorriso. Algo que a temática em apreço, seguramente, mereceria.

    Em bom rigor, esta História do Riso, em termos de conteúdo científico, certamente cumpre com honra a sua função de entreter a academia; todavia, devido à forma académica como se apresenta, pouco entusiasma o humilde leitor.

  • A sobranceria lusitana, versão internet

    A sobranceria lusitana, versão internet

    Título

    O segredo da descoberta portuguesa das Américas

    Autor

    JOSE GOMES FERREIRA

    Editora (Edição)

    Oficina do Livro (Novembro de 2022)

    Cotação

    9/20

    Recensão

    Nascido numa aldeia de Tomar, onde viveu até aos 14 anos, José Gomes Ferreira (JGF) é licenciado em Comunicação Social, pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa.

    Fez parte da redação da rádio TSF e do jornal Público. Desde 1992, está ligado ao canal de televisão SIC, na qual assume, actualmente, o cargo de director-adjunto de Informação. Além disso, é apresentador do programa Negócios da Semana na SIC Notícias e comentador nesta estação.

    Paralelamente, é autor de vários livros, como sejam O meu Programa de Governo (2013), Carta a um bom português (2014) e A vénia de Portugal ao regime dos banqueiros (2017), publicados pelo grupo Leya. Mais recentemente, JGF voltou-se para temas históricos, tendo publicado Factos escondidos da História de Portugal (2021) e surge agora com O segredo da descoberta portuguesa das Américas – ou as provas irrefutáveis de como Portugal chegou ao Novo Mundo antes de Cristóvão Colombo, ambos pela Oficina do Livro (também do grupo Leya).

    A referência ao primeiro livro de “História” do autor, juntamente com este “O segredo…” decorre do facto de o autor tentar pôr em prática, em ambos os casos, a ideia de descobrir um “ovo de Colombo”. Num primeiro vislumbre, o leitor mais inocente fica realmente incrédulo.

    Com efeito, ante tantas “provas irrefutáveis de como Portugal chegou ao Novo Mundo antes de Cristóvão Colombo”, como é que os historiadores e outros cientistas afins nunca se chegaram à frente e questionaram a narrativa dominante? Porquê a negação de tais provas documentais?

    Para JGF, a recusa em atender a determinadas fontes – muitas, afirma, queimadas pela Santa Inquisição, outras escondidas como segredo da Monarquia – está relacionada com o Tratado de Tordesilhas. Na sua perspectiva, a Monarquia Portuguesa não queria, de todo, revelar que os portugueses andavam por mares nunca dantes navegados, desrespeitando, assim, aquele compromisso assinado com o Reino de Castela.

    Tal como JGF foi em busca de informação na Internet, a fim de conseguir “provas irrefutáveis de como Portugal chegou ao Novo Mundo antes de Cristóvão Colombo”, também nós nos perguntámos sobre como era possível que só agora se descobrisse o “ovo de Colombo”, e ainda por cima, por alguém de tão reputada experiência científica nas áreas da História, Cartografia, Náutica, entre outras…

    Além de especular sobre o que poderia ter ocorrido entre 1472 e 1520, JGF usa fontes da forma que mais lhe convém, incluindo a fotomontagem de mapas de escalas incomparáveis. Basta lembrar que a precisão dos instrumentos de medição do século XXI é totalmente diferente da dos instrumentos usados pelos navegadores de finais do século XV.

    JGF tem o mérito de, pelo menos, nos fazer pensar sobre o método mais ou menos científico. Não obstante, para que as teorias sejam substituídas, é necessário mais do que aventar hipóteses confirmadas com recurso ao uso selectivo de determinadas fontes – não só questionáveis, mas também, por vezes, descontextualizadas.

    Uma das sugestões que se pode dar a JGF é em relação à revisão crítica deste “O segredo….”. Em vez de recorrer a um engenheiro, talvez tivesse sido mais frutuoso dar a ler e discutir as suas teorias a um historiador oficial, ainda que este fosse um forte defensor de uma antítese.

    De qualquer forma, JGF pode estar descansado, porque cobertura mediática não lhe falta, já que se pode dar ao luxo de promover o seu livro em programas da sua própria SIC, como foi o caso da “Casa Feliz”.

  • O fascínio pelas ruínas

    O fascínio pelas ruínas

    título

    Edifícios abandonados em Portugal

    autor

    RICARDO RAIMUNDO

    Editora (Edição)

    Manuscrito (novembro de 2022)

    Cotação

    16/20

    Recensão

    Na última década, Ricardo Raimundo, agora com 41 anos, tem-se dedicado a divulgar, através da escrita de livros, vários e interessantes episódios da nossa vasta História. Começou em 2011, com Vidas surpreendentes, mortes insólitas na História de Portugal , continuous dois anos mais tarde com Escandalos da monarquia portuguesa e em 2014 com Os maus na História de Portugal , todos editados pela Esfera do Livro.

    A partir de 2016 mudou de editora, para a Manuscrito, mas não de temáticas, sempre focadas em episódios mais ou menos conhecidos, todos rocambolescos, da nossa historiografia. Em fevereiro passado tinha publicado, na Manuscrito, a sua quarta obra nesta editora: Enigmas e mistérios da História de Portugal.

    Agora, com Edifícios abandonados em Portugal , Ricardo Raimundo – que tem uma licenciatura em Filosofia e um mestrado em História Moderna – inflete de tema, mas não completamente. Na verdade, como confessa na introdução, neste novo livro dá asas ao seu fascínio sobre edifícios em ruínas ou abandonados, que lhe nasceu desde a infância, quando viajava com os pais e avós até Trás-os-Montes. Não por acaso, um dos 15 edifícios retratados – dir-se-ia esventrados no sentido de revelado – é o Solar dos Pimentéis, um palacete do século XVIII da aldeia de Castelo Branco, no concelho de Mogadouro, que tem a particularidade de possuir 365 portas e janelas.

    O tema dos edifícios abandonados tem sido registrado – nem sempre com bons propósitos (eg, vandalismo) – um crescente interesse e curiosidade, por mor da aventura, mas esta obra de Ricardo Raimundo não tem, como propósito, mostrar através de imagens e fotografias aquilo que o tempo, esse grande destruidor, e a ação humana, ainda maior do que aquele, causaram em espaços outra de riqueza e esplendor.

    De facto, embora todos os 15 edifícios tenham uma fotografia actual, a intenção de Ricardo Raimundo foi tão-só (e é muito bom nisso) contar a história, com todos os pormenores, da origem e evolução de cada um dos edifícios, e seus protagonistas, bem como as causas que levaram ao seu abandono e decadência, que, em muitos casos ainda se mantém, ou que levaram mesmo até à quase ruína.

    Num estilo descomprometido, quase jornalístico, mas com rigor, apresentando uma quantidade colossal de detalhes interessantíssimos, temos aqui um livro de leitura bastante atractiva, sem sofrer de qualquer mácula de escrita hermética, como muitas vezes sucede em livros de divulgação escritos por especialistas em História . No entanto, a atender à longa lista bibliográfica – não apenas histórica, mas também da imprensa, para abordar o passado mais recente dos edifícios –, nota-se que Ricardo Raimundo fez um meticuloso trabalho de investigação.

    Retratando, como se disse, 15 edifícios (e não apenas de habitação), também equilibrados se encontram a sua distribuição geográfica: Lisboa (dois, o Palácio da Quinta das Águias e o Pavilhão Carlos Lopes), Mogadouro, Caldas da Rainha, Carregal do Sal , serra da Arrábida, Porto, Coina, Braga, Caramulo, Sabugal, Vila Franca de Xira, Ponta Delgada, Almada e Sintra.

    Lendo um “edifício” por dia – tarefa exequível, por enquanto cada capítulo tem entre uma dezena e duas dezenas de páginas – ficará a saber o bem que lhe fará um pouco de História e curiosidades, sobretudo quando se cruzar, um destes dias, com algum deles.

    Em todo o caso, resta uma sensação de incompletude: este tema mereceria uma edição mais completa, com maior número de edifícios e uma apurada “cobertura” fotográfica (e iconográfica, se possível) para se chegar à perfeição. Assim, sabe apenas a aperitivo, mas dos excelentes.

  • Património culinário para ler, saborear e aprender

    Património culinário para ler, saborear e aprender

    Título

    História dos paladares: redenção

    Autora

    DEANA BARROQUEIRO

    Editora (Edição)

    Prime Books (Novembro de 2022)

    Cotação

    16/20

    Recensão

    Livros há que, pela sua riqueza interior, conquistam de imediato o coração dos leitores. É o caso desta História dos paladares, de Deana Barroqueiro (n. 1945), obra amplamente premiada e elogiada pela crítica.

    Reconhecida sobretudo pelos seus romances históricos, cinco títulos até ao momento, de onde destacamos D. Sebastião e o Vidente: Um romance de conspiração, mistério e revelação (2006) e O Corsário dos Sete Mares: Fernão Mendes Pinto (2012), Deana Barroqueiro escreveu também, ao longo de mais de duas décadas, romances de viagens e aventuras para jovens e livros de contos.

    Entretanto, Deana Barroqueiro colocou de lado as ficções e assumiu em mãos a hercúlea tarefa de gizar uma História da Alimentação, não só de Portugal, mas também do Mundo, através desta sua História dos paladares, composta por três volumes: Sedução (2020), Perdição (2021) e Redenção (2022).

    Os dois primeiros volumes foram galardoados com vários prémios: o primeiro volume com o Prix International de la Littérature Gastronomique 2021, pela Académie Internationale de la Gastronomie, e ambos com o Gourmand World Cook Book Awards 2022 e o Gourmand Best in the World Award 2022. Ainda há poucos dias, a autora anunciava numa rede social que o terceiro volume acabava de ser igualmente premiado no Gourmand World Cookbook Award, na primeira fase do concurso entre países, como a melhor colecção de livros de Gastronomia de Portugal.

    Neste terceiro volume da História dos paladares, dedicado à Redenção, somos confrontados com saber enciclopédico e culinário da autora, espraiados ao longo de 480 páginas, plenas de histórias, curiosidades, apontamentos, numa linguagem acessível, por vezes de recorte intimista, com a autora, de quando em vez, a pincelar os textos com as suas opiniões sobre variados assuntos, detalhe raro nos livros que correm hoje em dia, ou defendendo algumas instituições pelo trabalho que promovem na defesa da culinária portuguesa. Destaque, uma vez mais, para o número de receitas de época que o livro disponibiliza, trezentas, algumas delas assinadas por Deana Barroqueiro.

    Para melhor se compreender a profundidade da investigação levada a cabo por Deana Baarroqueiro atente-se no índice deste terceiro volume, dedicado aos Paladares de Redenção, distribuídos ao longo de nove capítulos de abrir a boca de apetite: I Patrimoniais / Identitários / Turísticos; II Afrodisíacos / Eróticos / Voluptuosos; III Capitosos / Efervescentes / Inebriantes; IV Alucinogénios / Irreverentes / Viciantes; V Restauradores / Boémios / Conspirativos; VI Icónicos / Sinestésicos / Pigmentados; VII Cinéfilos / Iconoclastas / Fetichistas; VIII Críticos / Mediáticos / Premiados; IX Pandémicos / Inovadores / Futuristas.

    De futuro, todos os investigadores que queiram escrever sobre a História da Alimentação em Portugal terão de passar os olhos pelas mais de mil e trezentas páginas de conhecimento que estes três volumes nos oferecem, bem como analisar as mais de setecentas e cinquenta receitas que a autora diligentemente coligiu.