Etiqueta: Recensão Eleitoral

  • Os tiros nos pés da esquerda

    Os tiros nos pés da esquerda


    Por esta altura circulam SMS e e-mails no Largo do Rato com a seguinte questão: “és amigo do Sócrates? Se sim, apaga tudo”.

    A CNN cortou 30 minutos aos directos sobre o covid e presenteou-nos com um martírio ainda maior. José Sócrates, o nosso estimado filósofo da Sorbonne apareceu para trazer novidades. Para discutir se o cofre era da mãe? Se as fotocópias eram em papel timbrado com fios de ouro? Se as luvas eram feitas na serra da estrela ou na casa da moeda? Não, nada disso. Para que Sócrates pudesse descascar o juiz Carlos Alexandre e as falhas do processo Marquês.

    Júlio Magalhães repetia a mesma pergunta a cada acusação, “mas acha que o Carlos Alexandre tem algo contra si?”. Que borla do sistema para os desvios de Sócrates e que luxo ter um juiz que adora as luzes da ribalta, as páginas do Expresso e o cognome de “justiceiro”. Tudo o que o nosso José precisava para que não se falasse do que interessa ou, como ele dizia, “aquilo que eu gosto”.

    O bom do Júlio não deixou a homília acabar sem que Sócrates falasse das legislativas. Era tudo o que António Costa precisava. Com o PS a descer nas sondagens, Rui Rio a fazer stand-up no programa de Ricardo Araújo Pereira, PCP e IL em bom plano, faltava só aparecer o defunto a reclamar créditos passados, e a mandar um abraço solidário para os amigos que estão a disputar as eleições. É o chamado beijo da morte.

    Costa, a braços com os constantes ataques de Catarina Martins, numa estratégia que confesso não perceber por parte do BE, deve ter engolido em seco durante aqueles fatídicos 30 minutos. A última coisa que António Costa quer, neste momento, é que alguém se lembre de um Sócrates que não seja o grego. A campanha entra na última semana com o PS a receber um presente envenenado da CNN. Isto um dia depois de Rosa Mota, num evento de apoio ao PS, ter chamado nazi a Rui Rio. Nada corre bem a António Costa.

    Rio que entrou pessimamente no ciclo de debates e que não é propriamente forte em campanha, está a fazer um final de corrida, ou maratona como diria a nossa Rosa, bastante interessante. E com um empurrão decisivo por parte das forças de esquerda que, ao que parece, insistem em dar tiros nos pés.
    Veremos o que nos reserva o sprint final.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Sétimo episódio da Recensão Eleitoral (22/01/2022) – Os tiros nos pés da esquerda


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • As contas de dia 31

    As contas de dia 31


    Sempre que se fala em sondagens ouvimos dois chavões, um clássico e outro mais recente, consoante os interlocutores. “Sondagens são apenas sondagens”, diz quem normalmente vai atrás. Ou “lembrem-se do Moedas!”, quando queremos prevenir um falhanço catastrófico das empresas que fazem os estudos.
    Ainda assim, com o PS a descer nas intenções de voto e o PSD a subir, será interessante olharmos para o mapa parlamentar que se vai formando.

    Segundo a última sondagem (CESOP para a Universidade Católica e Público em 20/1/2022), o PS pode aspirar a um máximo de 110 deputados, sendo que Livre e PAN não ultrapassarão, em conjunto, o número de quatro deputados. Isto quer dizer que António Costa não terá a maioria absoluta sem se entender com PCP ou BE.

    É curioso verificar que, apesar do desaparecimento do líder (Jerónimo de Sousa) e da estratégia utilizada pelo PS para atingir a maioria absoluta (diabolizar os companheiros da geringonça), o PCP, segundo esta sondagem, não é muito castigado. No melhor cenário perderá apenas três deputados.

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    Pessoalmente, acho que a entrada de João Oliveira na campanha foi uma lufada de ar fresco positiva para o partido. Por outro lado, já se sabe que o eleitorado do PCP é fiel e não se dá a grandes indecisões. Já o BE, mesmo com a votação máxima prevista, perderá pelo menos 11 deputados. Uma pequena hecatombe. Ainda assim serão decisivos para uma maioria de esquerda.

    À direita o cenário é ligeiramente mais complicado. Segundo os dados recolhidos, o PSD pode chegar aos 100 deputados, IL aos seis e o CDS aos dois. Mesmo contando com a boa vontade do PAN, Rui Rio não alcançará a maioria sem o Chega. É aqui que a democracia treme um bocadinho e o populismo e as ideias do século XIX ganham um novo fôlego.

    Desde Junho de 2021 que o Chega tem vindo a descer nas intenções de voto (de 9% para 7%, dados Marktest), ainda assim, mesmo depois das prestações deprimentes de André Ventura nos debates, apresenta-se a poucos dias do acto eleitoral em boa posição para ser a terceira força.

    A boa notícia é que nenhuma sondagem atribui uma maioria absoluta ao PS. A pior coisa que poderíamos ter na nossa, sempre frágil e dada a desvios, democracia, era vermos os boys instalados e sem controlo, na distribuição dos dinheiros da bazuca.

    A má nova é que, a História ensinou-nos, a sede de poder do PSD pode levar a uma segunda parte do acordo dos Açores e, de repente, termos um governo com pastas ministeriais distribuídas por um partido unipessoal, racista e xenófobo.

    Rio não fechou essa porta, apenas a IL e o CDS a encerraram à direita.

    Já António Costa, que partiu para isto com algum excesso de confiança, deve ter percebido entretanto que o apelo à maioria com a narrativa de que os parceiros de geringonça seriam os culpados por algo que todo o parlamento votou, também já caiu por terra.

    Hábil como é, vai obviamente entender-se com o PCP. João Oliveira abriu essa porta no último debate e, se há dançarino que não perde um tango, é António Costa.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Sexto episódio da Recensão Eleitoral (21/01/2022) – As contas de dia 31


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os que só contam em Agosto

    Os que só contam em Agosto


    991.536 é um número importante para a discussão que se segue. É, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), a quantidade de portugueses que foi trabalhar para outro país entre 2011 e 2020. Um período de 10 anos em que cerca de 10% da população se foi embora.

    Em 2019, Portugal tinha o equivalente a 25% da sua população espalhada pelo mundo. Para se ter uma noção do que isto significa, apenas quatro países europeus apresentam uma percentagem pior: Macedónia, Albânia, Moldávia e Bósnia. Todos fora da União Europeia, um deles devastado por uma guerra há pouco mais de 20 anos.

    Este cenário é o de uma catástrofe para Portugal. Especialmente quando pensamos neste último milhão que se foi embora. São a chamada “geração mais qualificada de sempre”, que, depois de formados pela escola pública com investimento estatal, vão utilizar os conhecimentos adquiridos no desenvolvimento da Economia da Alemanha, Dinamarca, Suécia, Holanda ou Reino Unido.

    Por que razão chamo este tema num diário de campanha sobre as legislativas? Simples. Para que nos lembremos de temas decisivos para o futuro do país que não entram no debate, completamente afogado em covid, SNS e alianças pós-eleitorais.

    Discutimos horas e horas de RSI, essa gota no oceano do Orçamento de Estado, mas, de bom grado, passamos ao lado do facto de um país cada vez mais envelhecido, perder 100.000 trabalhadores por ano, colocando o Estado Social em causa, a garantia das pensões, o crescimento da economia e do desenvolvimento tecnológico. Somos o país da Web Summit que vende sonhos de start-ups, mas cuja principal exportação resultante dessa feira é apenas os seus engenheiros.

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    Ouvi alguns partidos usarem bordões de ocasião. “Temos que impedir que os que cá estão se vão embora”, ou “temos que fazer com que regressem a casa”. Como, pergunto eu? Há 15 anos que tento descobrir a resposta.

    Entre os impostos noruegueses, custos de habitação parisienses e salários do Ruanda, como é que se sobrevive sequer? Como é que, 70% da população que não leva 900 euros para casa, paga a conta da electricidade para suportar o frio das casas no Inverno, a prestação do carro durante um ano e a renda do T2? Como é que se encaixa isto com três refeições diárias, roupa para os miúdos, manuais escolares e 900 euros?

    O que eu queria ouvir falar nesta campanha era disto: salários. Para quem está, para quem foi, para quem quer voltar. É essa a razão pela qual as pessoas se vão embora. Ninguém abandona os 300 dias anuais de céu azul de Lisboa, a vista de Gaia para o Porto, o sol do Algarve ou as paredes caiadas do Alentejo, se não andar cada mês da sua vida a trabalhar para pagar contas.

    Três tipos de pessoas não pensam em emigrar neste momento:

    i) os que não têm perspectivas de trabalho;

    ii) os que estão na percentagem mínima de funções bem remuneradas;

    iii) os boys dos partidos e os filhos dos banqueiros.

    Portanto, uma minoria. E isso explica a sangria de pessoas que atravessam a fronteira, em cada ano, com maior ou menor qualificação, mas com vontade de trocar a força do seu trabalho por uma vida confortável.

    A quantidade de mão-de-obra que oferecemos aos parceiros europeus é uma espécie de Natal português em forma de dádiva para os países mais ricos. Um Natal que reserva, em cada ano, aos nossos governantes, o triste papel de burro do presépio.

    Estarão eles preocupados? Provavelmente não.

    Para já estão concentrados nas suas próprias entrevistas de emprego. Ou campanha eleitoral, como alguns lhe chamam.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Quinto episódio da Recensão Eleitoral (20/01/2022) – Os que só contam em Agosto


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O debate dos pequenos ou o espectáculo dos horrores

    O debate dos pequenos ou o espectáculo dos horrores


    Começo por dizer que valorizo a coragem de quem consegue argumentar em frente a uma câmara de televisão, pressionado pelo tempo e sabendo que milhares de pessoas, no século que tudo regista e armazena, estão à escuta.

    Dito isto, acrescento, que sob a capa de serviço público e suposto favor à democracia, a RTP serviu-nos ontem, em horário nobre, um espectáculo de horrores.

    É um facto que, mesmo na era das redes sociais, um partido que não tenha tempo de antena numa televisão dificilmente passa a sua mensagem. Mas colocar onze pessoas numa sala, dar meia dúzia de minutos a cada um, e misturar malucos com pessoas que têm algo para dizer, dificilmente acrescenta alternativas ao debate político.

    Eu não percebo, por exemplo, como se explicam as décadas de intervenção política de José Pinto Coelho, e aquele papel de odioso de serviço a que ele se dedica desde sempre. Menos ainda, como é que aquele discurso tem cinco minutos de antena pagos por todos nós. Mesmo que apenas de quatro em quatro anos, como ele se queixou, é tempo a mais para um partido de ideologia nazi que pura e simplesmente devia ser ilegal. Em 2022 ainda temos saudosistas de 1939 em horário nobre.

    Em sentido oposto estavam o recém-criado Volt, com uma ideia europeísta interessante, e os dissidentes do Bloco de Esquerda reunidos no MAS. Dois projectos políticos que teriam algum interesse de serem ouvidos em confronto com outros intervenientes. Assim, no meio de elefantes, tubarões e golfinhos, destacaram-se apenas por não terem um discurso risível.

    Carlos Daniel fez o que sabe e bem. Distribuiu jogo com a classe de Valdo na década de 80. Deu uns empurrões ao Tino quando o discurso falhava, aturou com paciência as teorias sobre o grande reset, e ainda ouviu que os testes da covid-19 eram uma enorme desculpa para evitar jantar com as sogras. Menos a minha, disse ele, beijinhos para a dona Fernanda, acho que era esse o nome.

    Eu ainda tentei tirar notas, mas também não as percebo no dia em que escrevo. O caos instalou-se. Os emigrantes, tema tão caro nestes tempos, foram referidos por duas vezes. Pelo MPT (Movimento Partido da Terra), para que não se fossem embora, numa referência à dramática perda de mão-de-obra qualificada. E pelo Ergue-te, para que não entrassem e não viessem roubar os empregos dos portugueses. Isto, num país que nem preenche a sua quota de refugiados. Ninguém quer vir para o nosso cantinho à beira-mar plantado. Porque será?

    O representante madeirense do JPP falou da necessidade de baixar a dívida pública, sem explicar se os calotes do Alberto João ao erário nacional seriam contabilizados. O Partido Trabalhista afirmou que já não havia RSI nos Açores, e que o tubarão se encaminhava agora para Lisboa, restando ao PTP a nossa defesa com golfinhos.

    Tino de Rans disse que as empresas de sondagens lhe pediriam desculpas no dia 31, e, ao fim de 20 anos, ainda não conseguiu arranjar uma ideia.

    O senhor do Aliança, ainda órfão de Santana, começou por se distanciar de CDS, IL, PSD e CHEGA. Por pouco não se confundiu com o PCP.

    Cavalgando a onda de militares que são óptimos em logística e na organização de eventos, o senhor dos NÓS fez questão de dizer que era contra tudo e o seu contrário, mas que, tal como o outro camarada, também ele era oficial da Armada e iria resolver tudo. Não esclareceu se o passo seguinte seria a Presidência da República.

    A representante do MRPP cumpriu o objectivo da noite, que era usar a palavra “burguês” pelo menos três vezes. O PREC foi um período lindo, estamos de acordo, mas era bom que avisassem o PCTP-MRPP que já acabou.

    O momento de humor da noite aconteceu quando Carlos Daniel perguntou a José Pinto Coelho se este era racista. Julgo que JPC terá ficado ofendido com a mais pequena dúvida sobre esse orgulho que carrega na lapela.

    A única coisa que verdadeiramente retirei deste debate foi a curiosidade de ir ver o que VOLT e MAS tinham para dizer fora daquele estúdio. São projectos interessantes, e, pelo menos, no caso do VOLT, acho que poderão ambicionar chegar à Assembleia da República em poucos anos.

    Foi o que se conseguiu ouvir de uma noite recheada, essencialmente, de vergonha alheia.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Quarto episódio da Recensão Eleitoral (19/01/2022) – O debate dos pequenos ou o espectáculo dos horrores


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A hora dos capitães

    A hora dos capitães


    Quando, no fim do debate de ontem, entre todos os partidos com assento parlamentar, a opinião, mais ou menos unânime, de que o Carlos Daniel tinha sido o vencedor, ficamos elucidados sobre aquela hora que jamais recuperaremos.

    Começo pelo fim. Pelo momento em que todos se juntaram em amena cavaqueira ainda com as câmaras da RTP3 ligadas. Costa e Ventura. Rui Tavares, Rio, Chico e Catarina Martins. Gosto da civilidade depois do calor do debate. Mas gosto ainda mais da realidade. Pessoas que representam um papel, defendem uma ideologia, demonizam o parceiro do lado. Mas no fim, tal como qualquer um de nós, estão apenas a fazer uma entrevista de trabalho. Neste caso em directo.

    Costa levou pancada de todos os lados e aguentou. Meteu-se a jeito com a sua versão de “a história me julgará” e Cotrim aproveitou. Foram dele os momentos mais inteligentes na noite do Capitólio. Para além da habitual venda de unicórnios, aproveitou os poucos minutos disponíveis para atacar António Costa, a falta de clareza na política de alianças e claro, o sempre miserável crescimento económico.

    João Oliveira sabe que não está na lista de preferidos, mas explicou, para quem ainda não tinha percebido, como é que se evitou um novo mandato de Passos Coelho. E deixou claro que o PCP voltará a dizer presente.

    Já no campo oposto, e sobre este tema, Francisco do mundo rural usou a palavra “bolchevique” e, só por isso, conseguiu mais 7 votos na Quinta da Marinha.

    Rio voltou às conversas de café. Calmo, bem-disposto, prático na essência de dizer que se junta com todos. Até com o PS. Sem a chama que nunca teve, portanto, coerente.

    Foi Cotrim quem, de facto, fez as despesas da direita no ataque ao governo e à geringonça. O Chico estava entretido com o cheque-farmácia, o Ventura com os que não fazem nada e a Inês fazia contas para perceber onde ficava o centro.

    Rio assistia ao espectáculo, pensando, ora aqui está um bom ministro da Economia.

    Valeu a António Costa que Rui Tavares estava lá e, ao contrário de mim, ainda acordado. Foi ele que interrompeu a venda no bazar liberal das ilusões sobre o SNS, trocando por miúdos o que significava o exemplo holandês na saúde e como, de repente, poderíamos acabar no caso búlgaro. A chamada roleta da saúde.

    Foi também o líder do Livre que tomou as rédeas da esquerda para ripostar.

    Os generais descansaram à sombra da azinheira, cansados e com a fita gasta, deixando campo aberto para que os capitães marcassem o seu espaço.

    E estes, bem, aproveitaram.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Terceiro episódio da Recensão Eleitoral (18/01/2022) – A hora dos capitães


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Rio e o fetiche da TAP

    Rio e o fetiche da TAP


    Rui Rio não ficou contente com a trapalhada sobre a TAP no debate com António Costa e resolveu voltar à carga.

    Disse, e cito, “a TAP é uma empresa que não só não é estratégica como não serve os interesses de Portugal. Não serve o resto do país, porque só pensa em Lisboa, e não serve Lisboa porque prefere Madrid ou qualquer outra cidade estrangeira.”

    Quando meteu os pés pelas mãos com a história dos voos entre Lisboa ou Madrid, com destino São Francisco, eu ainda dei o benefício da dúvida. Poderia ser simples ignorância de quem o ajudou a preparar o debate, e enfim, como tantos outros, ter tido um momento infeliz em directo.

    Contudo, depois de toda a discussão que o debate gerou e com explicações oferecidas de todo o lado, já não há grande espaço para acreditar que não exista uma alma no PSD capaz de explicar que qualquer companhia aérea cobra menos por um voo com escala do que por um voo direto.

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    A Lufthansa, da sempre estimada referência alemã utilizada por Rio em cada esquina, cobra quase o dobro a um alemão que vá de Frankfurt a Los Angeles directamente, se comparado com um sueco que inicie a mesma viagem, mas em Estocolmo. Será a Lufthansa uma companhia que não serve Alemanha?
    Claro que Rio sabe o que está a dizer e a fazer. Chama-se populismo barato. Mas não fica por aqui. Rio diz que a TAP não serve Portugal porque só pensa em Lisboa, isto, apesar da companhia de bandeira portuguesa ligar todos os aeroportos do país ao seu hub.

    Eu não sei se Rui Rio alguma vez saiu de Portugal e andou de avião, mas também não foi a TAP que inventou a história dos hubs e muito menos a sua localização. Um dia que tenha tempo, Rio poderá pedir a um assessor que conte o número de voos da Iberia em Barcelona, da KLM em Roterdão, da Air France em Marselha, da SAS em Gotemburgo ou da Lufthansa em Hamburgo.

    Compreendo que seja necessário estimular o eleitorado de direita com o fantasma do despesismo público e, neste caso, a TAP presta-se ao papel. Isto porque, obviamente, a banca privada onde gravitam os barões do PSD ficou esquecida nos ataques de Rui Rio. Calculo, pois, que seja estratégica para alguém que não Portugal ou a sua classe média.

    Rio defende nova privatização da TAP, quiçá como a anterior feita no governo de Passos Coelho e elogiada pelo atual líder do PSD. Se for para pagarem novamente a alguém para ficar com a TAP e garantirem a margem de lucro, espero que metam o anúncio no jornal. Há, pelo menos, 10 milhões de portugueses interessados em borlas de 3 milhões de euros.

    Nas eternas discussões sobre a TAP e, em particular, no ataque contínuo da direita à companhia de bandeira de um país periférico, pobre e com 5 milhões de emigrantes espalhados pelo mundo, há um argumento que me faz sorrir. O de que o mercado ocuparia os slots das rotas da emigração. Sim, sim. O mercado que se regula pela maximização do lucro e que altera rotas mal a faturação se veja atingida pela turbulência, iria assegurar ligações a cidades secundárias, países mais remotos ou zonas onde vivem poucos milhares de portugueses.

    É preciso estar no conforto de casa, ver o Atlântico pela janela e nunca ter dependido das ligações da TAP para ir a Portugal, para dizer esta cascata de disparates.

    Bem sei que estamos em tempo de vale tudo na caça ao voto e Rio discute eleitores com a Iniciativa Liberal, mas a comunidade portuguesa a viver no exterior não pode servir apenas para o ramalhete do 10 de junho ou para o envio de remessas. Exige-se mais algum respeito.

    Por nós e pela TAP.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Segundo episódio da Recensão Eleitoral (17/01/2022) – Rio e o fetiche da TAP


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Legislativas em tempos de sound bites

    Legislativas em tempos de sound bites


    O formato escolhido para os debates entre os líderes dos partidos com assento parlamentar foram um sopro de democracia e um vendaval de populismo.

    Se por um lado conseguimos ouvir todos, por outro, ficámos reduzidos a 12 minutos por candidato, sem tempo para trocar ideias e com minutos a mais para procurar o sound bite mortífero. Ou killer, como lhe chamavam os comentadores de serviço ao pós-debate. Aliás, essa foi outra curiosidade dos tempos vertiginosos em que vivemos. Políticos gritam durante 12 minutos, espalham equívocos e reescrevem a história. Em seguida, comentadores maioritariamente afectos à direita, explicam durante uma hora o que os políticos queriam afinal dizer. Também eles ganharam votos.

    António Costa conseguiu passar pelo cabo das tormentas sem se molhar muito. Um primeiro-ministro que ao fim de seis anos, dois deles em pandemia, consegue chegar ao fim de oito debates à frente das sondagens. Entre o mérito do próprio ou o demérito da oposição, hesito na conclusão.

    Ao centro restavam poucas dúvidas e os debates esclareceram as restantes. Costa não é o melhor primeiro-ministro que podíamos ter e Rui Rio não é sequer alternativa.

    Rio, que tinha no distanciamento à situação dos Açores a primeira missão, nem a porta ao Chega conseguiu definitivamente fechar. Ele, que mudou de opinião quanto a alianças com a extrema-direita mal cheirou a poder nos Açores, vem agora classificar o unipessoal partido de Ventura como não confiável. Conseguiu ainda discutir políticas do século XIX em dois ou três debates, a reboque do mesmo Ventura.

    Do lado dos partidos mais pequenos, na minha opinião, foi Rui Tavares quem verdadeiramente aproveitou a oportunidade para mostrar a clareza de um raciocínio que merece estar no parlamento.
    Catarina Martins também se preparou bem e aguentou um registo que sabemos não ser o seu, mas foi eficaz. De igual forma e para um eleitorado muito específico, Francisco Rodrigues dos Santos não esteve muito mal. É certo que falou essencialmente para toureiros, forcados, caçadores e famílias de Cascais com montes no Alentejo, mas, para quem ainda pensa que está em 1956 a explorar africanos na sanzala, aquele discurso esteve sempre afinado.

    Boletim de voto para o distrito de Lisboa

    Já João Cotrim Figueiredo, Inês Sousa Real e André Ventura, perderam mais uma oportunidade para agarrarem o palco. O líder da IL, apesar de bem falante, calmo e educado na troca de ideias, raramente foge do registo da “liberdade individual e menos Estado”, e, quando lhe perguntam como se paga essa liberdade, invariavelmente concluímos que é o mesmo Estado que ele não quer ver.

    Há alguns anos que a IL nos vende cartazes coloridos e países onde o liberalismo é maravilhoso (menos os EUA, aí parece que correu pior), mas, por mais tinta que metam nas telas, para quem os ouve fica sempre a ideia que o cálice sagrado está na transferência de dinheiro do Orçamento de Estado para negócios privados.

    Inês Sousa Real perdeu-se no monotema e na constante repetição das contradições verdes. Transição energética para o lítio, mas sem estragar o solo para o obter. Menos carne de vaca e mais soja sem mexer nas florestas. Fecho de centrais energéticas sem alternativa para os trabalhadores. Falta de ideologia política oferecendo-se para ser bengala tanto a PS como a PSD. Vale ao PAN a vontade férrea de Costa para uma nova geringonça.

    André Ventura foi o maior derrotado destes debates porque 12 minutos x 7 são incrivelmente difíceis de preencher com fotocópias, Mercedes à porta de ciganos, RSI para uma percentagem mínima da população ou conversas com Deus. A pobreza de ideias e a limitação do discurso de André Ventura ficou à vista de todos e isso, a bem da democracia, foi uma boa notícia. Quando digo todos não me refiro, obviamente, à Parrachita, ao Tilly e ao Calafate da TVI/CNN. Para esses, o pastor “arrasou” sempre.

    Falta Jerónimo, o homem que passou ao lado dos debates. Desde logo porque, em direto, nos mostrou que já não devia ali estar, e que a sua era, respeitada por militantes e adversários, já passou. Há muito. Valeu a Jerónimo e ao PCP, primeiro, João Oliveira e depois, o facto de a base eleitoral ser fiel e não abanar muito ao ritmo das TVs. É tempo de renovação na Soeiro Pereira Gomes. Ontem já era tarde.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Primeiro episódio da Recensão Eleitoral (16/01/2022) – Legislativas em tempos de sound bites


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.