Etiqueta: Recensão Eleitoral

  • Sondagens: incompetência ou amor laboral?

    Sondagens: incompetência ou amor laboral?


    Pela primeira vez em Portugal, em período de eleições, pudemos acompanhar diariamente as intenções de voto, através da tracking poll da CNN. Um modelo de “política-espectáculo” importado da casa-mãe que garantiu audiências, análises diárias e que… falhou estrondosamente.

    Como escrevi há uns dias neste jornal, a variação da amostra diária (apenas 150 pessoas) dava taxas de erro superiores a 10%, ou seja, poder-se-ia concluir tudo e o seu contrário em cada uma das previsões.

    Contudo, a tendência foi uma e uma só: a de criar um cenário de subida da direita sempre suportada pelos comentadores em estúdio. Tentei reunir os analistas de esquerda, e não me consegui lembrar de outros que não Francisco Louçã, Pedro Adão e Silva, Ricardo Araújo Pereira e Daniel Oliveira, contra um exército infindável, nos três canais, de simpatizantes do CDS, PSD, IL e Chega (embora estes com algum pudor na assunção das suas cores). Esta estratégia teve um efeito óbvio no decorrer da campanha, uma vez que as equipas de comunicação e os líderes partidários adaptavam os discursos ao que imaginavam ser a intenção de voto.

    Catarina Martins, por exemplo, a dada altura deixou de apontar ao PS para sugerir que se sentassem à mesa. Rui Rio que tinha iniciado a corrida sem grandes esperanças, já sugeria a Costa que soubesse perder com dignidade. O próprio primeiro-ministro, na última semana de Janeiro, deixou de falar em maioria absoluta e abriu a porta ao diálogo com todos. Era essa a leitura das intenções de voto, uma maioria absoluta impossível.

    person standing near table

    Quem assistisse aos diários de campanha nas televisões, apoiados nesta ilusão das sondagens e nas análises dos comentadores, imaginava que Rui Rio teria recuperado o terreno perdido e que a vitória estava garantida.

    Sempre me fez alguma confusão toda aquela “onda laranja”, foi assim que a baptizaram, em torno de um homem que tinha mostrado em cada debate que não estava preparado para ser primeiro-ministro, cuja tentativa de se colar ao centro era mais uma estratégia de agradar a todos do que ideologia. E, pior do que tudo, que em momento algum se libertara das amarras do Chega. E nem a matemática que apoiava o foguetório parecia fazer sentido, como se comprovou.

    Esta ilusão ajudou, por exemplo, a que se pensasse no voto útil à esquerda, para evitar um governo do PSD que só o seria com a ajuda dos deputados do Chega. O PS beneficiou, PCP e BE foram prejudicados. Não são poucos os relatos de eleitores de esquerda que, ao saberem da maioria absoluta, se arrependeram de não terem votado nos partidos onde normalmente votariam.

    Mas o que acho mesmo mais deplorável no fim de tudo isto é a tentativa de uma saída à portuguesa. Ninguém diz um simples “desculpem, enganámo-nos”. Discutiram-se durante dias a gravata do Costa, o coelho do Ventura ou o cão do Cotrim, mas não há debate sério sobre uma calamidade probabilística que serviu apenas para entretenimento e teve de informação séria um valor a tender para zero. Não há responsáveis, não há culpados.

    Faz-me lembrar aquela famosa compra de submarinos entre Portugal e Alemanha onde, do lado alemão se descobriu o corrompido, mas, alegadamente, neste belo rectângulo à beira-mar plantado, ninguém tinha sido corruptor. Ah, valente Pátria onde a responsabilidade é sempre aquela mãe de má-fama que acaba na solidão.

    Julgo que foi Luís Aguiar-Conraria que melhor resumiu o que verdadeiramente se fez com a tracking poll. Cito de cabeça, mas julgo que foi algo parecido com o seguinte: “criaram-se notícias a partir de uma amostra pequeníssima e depois, comentaram a sua própria criação”. Acrescento eu, com aqueles painéis escolhidos a dedo e sempre inclinados para o lado que segura a faca. Isto não é informação e, julgo eu, também não deve ser jornalismo.

    Resta, pois, descobrir se se tratará de mais um caso de simples incompetência, tão comum entre nós ou, por outro lado, de extrema dedicação ao trabalho.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Décimo sétimo episódio da Recensão Eleitoral (02/02/2022) – Sondagens: incompetência ou amor laboral?


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O dia seguinte de cada partido

    O dia seguinte de cada partido


    Dia 31 de Janeiro, depois do pequeno-almoço com sementes de chia, João Cotrim Figueiredo percorreu a lista de comentários na sua última publicação do Linkedin. Para quem não sabe, o Linkedin costumava ser uma plataforma onde empresas e trabalhadores se encontravam para, entre outras coisas, partilhar curricula vitae e concorrer a propostas de emprego. Hoje em dia é uma mistura de Facebook, Tinder, Instagram e frases motivacionais do Gustavo Santos.

    Entre os parabéns antecipados (a publicação foi feita no sábado de reflexão) pelo grupo parlamentar que se adivinhava, escorriam elogios e palavras de esperança de vários CEOs, CFOs, diretores, empresários e toda aquela nata que vê no recibo de cada mês a tabuada dos 10 do salário mínimo.

    Curiosamente não havia grande entusiasmo entre prestadores de serviços, operadores de fábricas ou caixas de supermercado. Dir-me-ão que um operador fabril não usa o Linkedin, porque não depende tanto do networking. Pode ser isso de facto. O meu primeiro pensamento foi para o facto de a taxa única não ajudar muito nos baixos salários, mas posso estar enganado.

    A minha curiosidade agora é a de saber como se sentem os liberais neste momento? Por um lado, formaram um grupo parlamentar com oito deputados, um extraordinário resultado para quem andou a vender ilusões, mas, estão dependentes da vontade de diálogo do governo para conseguirem começar a desviar fundos públicos para o sector privado ou “liberdade”, como eles lhe chamaram.

    Costa disse que seria dialogante apesar da maioria, mas também ele tem clientelas à espera e, por isso, Cotrim até pode passar os próximos quatro anos apenas a sentir o aroma da bazuca, mas sem lhe tocar. Ainda assim, se tivesse que apostar, diria que a IL ainda vai crescer mais.

    A geração mais formada parece ver na IL uma esperança real de desenvolvimento e, essa tendência, a do aumento das qualificações da população, não deverá diminuir na próxima década. Eu diria que o produto da IL continuará a ser apetecível e bem comercializado. O problema maior é mesmo quando se experimenta e se percebe que, afinal, o anunciado Volvo eléctrico, verde, seguro e confortável, era só um Citröen Mehari com dois cavalos e portas de plástico.

    Não sei se André Ventura começou o day after na missa, agora que a CNN não estava por perto, mas imagino o que lhe passará pela cabeça. “O que é que vou fazer com esta malta no parlamento?”, deve ser o refrão mais repetido naquela voz de quem castiga a “Paixão” de Carlos Tê e Rui Veloso. Não sei se os eleitores do Chega tiveram a oportunidade de ver quem são os deputados que formam a nova bancada parlamentar. Diria que as ideias públicas dos 12 não chegam a metade das nove páginas do programa, portanto é coisa para se ler depressa.

    Temos por lá um senhor, com 72 anos, sempre bom para quem quer abanar e renovar o sistema, que pertenceu ao MDLP, movimento de extrema-direita responsável por atentados bombistas depois da Revolução de 25 de Abril de 1974. Um ancião que, entre outras coisas e no seu devido tempo, defendia, tal como o avô deputado no regime salazarista, que Portugal devia manter o império em África.

    Outros, mais novos, trazem para a Assembleia da República temas como “a invasão de Lisboa pelo mundo rural, no dia em que o Governo proibir a tourada”. Há também quem defenda o fim do corte de carne para consumo, como a que é feita por judeus e muçulmanos. Declara-se o “fim do racismo em Portugal” como um dado historicamente adquirido e comprovado.

    Outro elemento deste dream team tem três dívidas públicas na lista de execuções do Estado português, imagino eu que por alguns Mercedes ou algo do género. Um deles é acusado de xenofobia por uma dirigente do Chega de origem brasileira, e outro tem uma petição pública feita por militantes do partido para que seja afastado das listas. Dizem, e cito, “o mesmo demonstra uma impreparação total e uma falta de literacia e intelecto para se candidatar ao cargo de Deputado da Assembleia da República”. Com amigos assim, este deputado não irá longe.

    Quanto a vocês não sei, mas a sensação que me dá é que o Big Brother está a dias de se transferir da Venda do Pinheiro para a bancada parlamentar do Chega. Ou o Ventura fala pelos 12 e mostra a inutilidade dos restantes, num partido que se percebe ser unipessoal, ou distribui a palavra e contribui para o boom da indústria de memes.

    Se tivesse que apostar diria que, ao contrário da IL, o Chega está próximo do seu pico de crescimento.
    Cecília Meireles falou ontem na CNN durante 12 minutos para explicar, em duas frases o que aconteceu ao CDS. O partido que se quis afirmar como a direita mais pura e conservadora, desistiu de falar para os portugueses e preocupou-se essencialmente com a discussão dos golpes palacianos. Pior, esgotou um tema tão abrangente como o mundo rural apenas em caçadores e touradas.

    Cecília, de quem eu tinha ficado com uma boa impressão na comissão de investigação ao BES, disse no fundo o que todos já sabíamos: Chicão é um velho beato num corpo de 30 anos, com pensamentos típicos de quem está no Moçambique de 1963, achando-se um cristão decente porque deixa os empregados da sanzala comerem à mesa com o patrão.

    Depois desta brilhante exposição, com a qual concordo, e que, em parte, já tinha escrito em crónicas anteriores neste jornal, Cecília Meireles disse que continuava a apoiar Nuno Melo.

    Fiquei baralhado com o futuro deste CDS. Parecem querem sair de 1963 sem correrem o risco de verem 1974. Entre Chicão e Nuno Melo a diferença essencial está no racismo dito em voz alta. Que enorme travessia do deserto se adivinha para o CDS.

    Que caminho sobra agora para o PSD? Um partido do sistema, com boys para colocar, clientelas dependentes e abutres à espera da TAP, em ano de bazuca, e com 71 almas no parlamento sem saberem muito bem o que fazer.

    Se, quando foi necessário, Rui Rio não conseguiu fazer oposição, e se tornou no melhor amigo que Costa podia ter, como encarar agora estes quatro anos, sabendo que o dono da bola provavelmente não os deixará jogar?

    António Costa pode ficar no cargo o tempo suficiente para se tornar o primeiro-ministro português com o maior número de anos em funções. O PSD sofre do mal de qualquer grande partido que passa muito tempo longe dos centros de decisão. As críticas internas multiplicam-se e as facções também.

    Rui Rio conseguiu sempre derrotar os adversários internos, que não lhe deram grande descanso, diga-se, mas nunca conseguiu convencer o país de que estava preparado para o liderar. Tentou ao centro, e falhou. Tentou em terrenos da IL, e baralhou-se. Tentou normalizar o Chega, e selou o seu destino. O senhor que se segue, se fosse eu a escolher, seria Paulo Rangel. Na minha opinião representaria um corte definitivo com a extrema-direita e uma ameaça real à IL.

    Dizem-nos que PCP e BE pagaram a factura do apoio à geringonça. Sinceramente, não acho que termine aí a dor da esquerda. Julgo que a rasteira do Orçamento, deixada por Costa, foi a imagem que ficou na memória mais recente. Chegamos, pois, ao cúmulo de o PS se preparar para aprovar um Orçamento de Estado, lembre-se, chumbado por quase todos os partidos em Dezembro passado, mas que ficou nas costas de comunistas e bloquistas.

    O que se segue para ambos, agora com grupos parlamentares bem menores, caso queiram evitar o destino do CDS? São cenários diferentes na minha opinião. Em comum, o óbvio, devem voltar às políticas marcadamente de esquerda. À defesa dos trabalhadores, à luta nas ruas, ao combate frontal que fora do parlamento poderão fazer já que, lá dentro, o hemiciclo estará apenas com espectadores num jogo onde apenas o PS joga.

    Colocar a estratégia para os próximos quatro anos na capacidade de diálogo de António Costa parece-me um risco desnecessário. Catarina Martins talvez tenha condições para continuar. Posso não gostar do estilo, mas reconheço a combatividade. Já Jerónimo não tem mesmo por onde seguir. Só por teimosia e absoluto conservadorismo é que Jerónimo de Sousa não sai já da liderança, abrindo caminho para João Ferreira. Ou até João Oliveira.

    Se alguém me deixasse entrar no comité central para cinco minutos de prosa, pediria a Jerónimo para se despedir da Assembleia da República, receber a saudação e o respeito que todos lhe prestarão, mas, depois, deixar a renovação do PCP efectivamente acontecer. A hora já passou há muito, resta saber se num partido pouco maleável, alguém está disposto a dar um murro na mesa.

    Rui Tavares é um parlamentar de quem espero algo bom, e, imagino, que possa beneficiar de um crescimento nas próximas eleições, em virtude da sua maior visibilidade a partir de agora. O Livre foi um projecto adiado por causa do caso Joacine Katar Moreira, mas, mesmo tendo que voltar à casa de partida, parece-me um projecto com alguma solidez para se manter na Assembleia da República.

    Já o PAN, a não ser que António Costa lhes dê a mão como fez nos debates, não vejo como podem ganhar alguma relevância e inverter este ciclo de perda. Não há ideologia nem uma líder carismática ou de discurso cativante. A componente da Ecologia pode ser ocupada pelo Livre, e a maior parte das suas linhas programáticas são coincidentes com outros partidos, nomeadamente o PS. Só com as leis para os animais o discurso tender-se-á a esvaziar ainda mais.

    A direita diz-nos que depois desta maioria do PS chegará a troika. A Moody’s, segundo notícias de hoje, parece contente e já faz contas à nossa dívida pública. Quando uma agência de rating começa a falar do nosso país, ainda que seja para elogiar, devemos logo esperar o pior.

    O PS tem agora campo livre para cumprir o seu programa: aumento do salário mínimo, desdobramento dos escalões do IRS, creches públicas, a TAP, crescimento económico acima da média europeia, estabilidade na carreira de docente, semanas de trabalho de quatro dias, aumento do rendimento médio em 20%, redução da dívida para 110% do PIB e alteração de leis para a dignidade no trabalho.

    Não sei onde estaremos daqui a quatro anos, mas, uma coisa é certa: de todas as desculpas para as falhas no cumprimento do programa, a única que o PS não poderá invocar será a do número de votos no Parlamento.

    A manhã de dia 31 foi gloriosa para António Costa e para o PS. Pedro Nuno terá que esperar mais uns anos, e não há quem levante a voz internamente depois de uma vitória destas. Em democracia aceita-se tudo o que as urnas nos dizem, e, por isso, viveremos em regime de quero, posso e mando.

    Regra geral, em Portugal, a população não beneficia com isso, já as clientelas costumam gostar muito.

    O povo escolheu e o voto é soberano. Agora é aguentar.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Décimo sexto episódio da Recensão Eleitoral (01/02/2022) – O dia seguinte de cada partido


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Quem ganhou e quem perdeu?

    Quem ganhou e quem perdeu?


    Este é o primeiro de uma série de três textos sobre a noite eleitoral.

    O grande derrotado da noite foi, sem qualquer dúvida, Rui Rio. Não só viu o PS chegar a uma impensável maioria absoluta, depois de dois anos de crise pandémica e saturação da população, como ainda foi penalizado com a perda de deputados e fuga de votos para os partidos à sua direita, o Chega e a Iniciativa Liberal.

    Rio disse na declaração de derrota que a esquerda se uniu em torno do PS mas, à direita, não se verificou igual movimento em torno do PSD. Deduz-se, pois, que a culpa estará nos receptores da mensagem, vocês, portanto, e não em quem a transmite. Em português e alemão assumiu que chegara a sua hora e que, por ele, a facção de “Rangelistas” podia ir começando a afiar as facas. Depois de quatro eleições perdidas e uma presença parlamentar nos próximos anos de puro corpo presente, resta pouco para fazer ao PSD de Rui Rio. A conta do jantar nos Açores com André Ventura demorou, mas chegou.

    Francisco Rodrigues dos Santos e o CDS figuram entre os outros derrotados à direita. Pela primeira vez em democracia o partido conservador desaparece do Parlamento. Era um fim expectável e, apesar das sucessivas tentativas de Chicão, entre o combate aos opositores internos e a renovação dos quadros do partido, estimava-se que a debandada dos mais radicais para o Chega, ou dos mais progressistas para a Iniciativa Liberal, traria o fim anunciado. Veremos quem é o próximo aluno do Colégio Militar que quer pegar num partido que participará em debates acompanhado pelo RIR, MRPP, Aliança e Ergue-te.

    four men sitting at desk talking

    João Cotrim Figueiredo e André Ventura foram os vencedores da noite à direita. Ambos criaram um grupo parlamentar – no caso do Chega com 12 deputados –, uma subida absolutamente estratosférica. Quase 400.000 pessoas em vários distritos acharam boa ideia votar num partido de índole racista e xenófoba, cujas principais discussões que trouxe para a campanha foram a castração química, prisão perpétua e os ciganos do RSI. Temas fundamentais e estruturantes na República Portuguesa, como se perceberá.

    A Iniciativa Liberal conseguiu juntar quase 270.000 pessoas que concordam com a baixa de impostos aos mais ricos, saúde privada paga pelo Estado e escolas financiadas por todos, mas com acesso limitado a alguns. Beneficiaram largamente do deserto de ideias de Rui Rio, e da incapacidade deste se distanciar mais do Chega, para captar descontentes mais progressistas no PSD. A sensação com que fico é que, mesmo sem conseguir explicar os unicórnios do liberalismo, João Cotrim Figueiredo convenceu os desiludidos do PSD, mas com escolaridade suficiente para não aderirem ao Chega, que a IL era a única porta que lhes restava.

    À esquerda a noite foi agridoce. Costa arriscou tudo no braço de ferro com o PCP e o Bloco, na discussão do Orçamento de Estado. Forçou eleições e convenceu a população que o chumbo do Orçamento era da responsabilidade dos parceiros de geringonça. Isto apesar de ter votado durante a legislatura, quase sempre, ao lado de PSD e contra PCP e BE.

    black statue of a man

    A população acreditou e deu os votos que Costa precisava para não precisar de discutir com mais ninguém. O PS, a solo, em ano de enxurradas de dinheiro europeu, poderá decidir onde o quer aplicar e por quem o vai distribuir. Já há filas de boys a fazerem meia-volta do centro de emprego e empresas de construção à espera de novo ajuste direto.

    António Costa, como já tinha escrito em crónicas anteriores neste jornal, saiu dos debates pouco amassado, e conseguiu sempre manter-se à tona da narrativa oficial das sondagens, tema a que voltarei no terceiro texto.

    Explicou, ao vivo, como fez a cama a António José Seguro, a Pedro Passos Coelho e a Rui Rio, sem aparentemente se sujar, gritar ou cansar. Está claramente mais bem preparado para o cargo do que Rui Rio, mas a forma como vence deveria ser estudada em teoria política.

    Bloco de Esquerda tem a maior queda da noite com a perda de 14 deputados. Uma hecatombe. Se António Costa soube culpar o BE pela queda do Governo, Catarina Martins nunca conseguiu desmascarar a estratégia do PS. Ao invés, insistiu naquele discurso ensaiado e sem alma, por vezes surreal, que levou a que eleitores do BE fossem na cantiga de Costa, do voto útil, para evitarem um governo de aliança entre a direita ou ao centro.

    O PCP perdeu metade do seu grupo parlamentar, mas, pior do que isso, deixa de contar com deputados importantes como António Filipe ou João Oliveira. A campanha do PCP foi um misto de enganos e a ausência de Jerónimo foi a única coisa boa. Tal como o BE, não conseguiram distanciar-se da bola de ferro que Costa lhes colocou nos pés. Olhar para o destino do CDS deve agora ser uma prioridade. Sem renovação, arriscam-se ao mesmo destino.

    O PAN também foi castigado, embora não se perceba bem se foi à esquerda ou direita. Inês Sousa Real não soube passar ideias que interessem verdadeiramente à maioria das pessoas e, como se não bastasse, mostrou-se confortável com alianças com qualquer Governo. A factura da falta de ideologia chegou na noite de ontem.

    Já Rui Tavares recupera um lugar que devia ser seu há três anos. É uma lufada de ar fresco à esquerda, e uma esperança para uma esquerda que pode aprender algo com as esquerdas europeias que importam.
    Entre os perdedores da noite estão também as empresas de sondagens, e aquele inenarrável empate técnico que durou sete dias. Voltarei a este tema no terceiro texto desta análise.

    Regresso amanhã com a segunda parte do rescaldo eleitoral, onde tentarei perceber o dia seguinte de cada partido.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Décimo quinto episódio da Recensão Eleitoral (31/01/2022) – Como encher 12 horas de emissão?


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Como encher 12 horas de emissão?

    Como encher 12 horas de emissão?


    Chegámos finalmente ao dia das decisões. O dia em que as televisões sofrem a bom sofrer na procura de material para encher 12h horas de emissão, até que os resultados sejam conhecidos.

    À hora a que escrevo já recolhi uma enormidade de informações que podem, quiçá, ajudar alguns indecisos. Ou então não.

    Marcelo Rebelo de Sousa votou em Celorico de Basto, como é habitual, a terra onde tem amigos e de onde era a sua avó Joaquina. Rui Rio votou na escola do Bom Sucesso, mesmo ali ao lado de casa no Porto. Vai almoçar, ficou a dúvida se seria carne ou peixe, e depois seguirá para Lisboa por uma das três auto-estradas possíveis, desenhadas num paralelo surreal para um percurso de 300 quilómetros e que, como se percebe, são bem mais úteis para o país do que o descongelamento das carreiras dos professores.
    Alguém lhe disse que era mais barato vir na TAP, mas ele recusou para não deixar cair a nódoa no pano do populismo mesmo a chegar à meta.

    O Chicão é meu vizinho, e eu não sabia. Julgo que é uma notícia relevante para todos vós. Foi votar no Lumiar e seguiu para um repasto com a família, composto de carne bem selvagem caçada com a ajuda de perdigueiros na mata de Monsanto. Mais tarde vai à missa, em princípio, pedir ao Criador que lhe safe a pele quando o táxi se reduzir a uma trotinete.

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    Já Ventura ensaiou o voto, sim, ensaiou, porque saiu e entrou novamente para dar tempo aos repórteres de imagem de captarem aquele belo fato e gravata. Quantos de nós, portugueses de bem, não damos o passeio matinal de fim-de-semana equipados com Armani?

    Enquanto fazia um compasso de espera, a jornalista da CNN informava-nos que Ventura chegara ao Parque das Nações, à sua secção de voto, ao volante de um Mercedes.

    Percebe-se agora a embirração com a malta do RSI. Desde pequeno que o André não gosta de partilhar brinquedos. Depois do almoço com a família e dos telefonemas com a Le Pen, conta também ir à missa para fazer a penitência. Não esclareceu se seria na mesma igreja do amigo Chico.

    Costa já votou há uma semana e por isso foi apenas passear os cães junto às câmaras da RTP. Não vi saquinhos na mão e por isso, deduzo, que o resultado da caminhada tenha ficado espalhado na calcada portuguesa. Mas é especulação, admito. Inês Sousa Real podia vir atrás a limpar de forma discreta.

    Já mais ofuscante foi aquele casaco que a líder do PAN usou para se proteger do frio. Eram penas de pato, Inês? Daqueles que acabam envoltos em arroz e rodelas de chouriço? Vá lá que não comemos cães.
    João Cotrim Figueiredo conseguiu hoje o seu melhor e mais sincero momento de campanha. Disse que estava muito bem disposto, que lá fora havia sol e que os confinados podiam votar. Tudo verdade, tudo real, pura liberdade. Muito bem, João.

    person in blue denim jeans and white sneakers standing on gray concrete floor

    Catarina Martins deu um salto a Vila Nova de Gaia para meter o voto na urna e aproveitou o momento para fazer um pouco de campanha, mantendo o mesmo tom ensaiado de discurso dos últimos 20 dias. Denota alguma dificuldade em sair da personagem.

    Já Jerónimo de Sousa parece não conseguir entrar na personagem, por mais que tente. Estava tão cansado depois de votar que, ofegante, conseguiu a custo prestar declarações. Simpatizo com Jerónimo e por isso desejo que se recupere o quanto antes. E já agora, assim que estiver na plenitude física que os seus 75 anos permitem, espero que se reforme e aproveite o que a vida tem para lhe oferecer, para lá da liderança do PCP.

    Todos os líderes políticos disseram hoje, a uma só voz, que era seguro ir votar e que mesmo os infectados deveriam sair de casa, a bem da democracia.

    Não poderia estar mais de acordo com eles. Gostava apenas que, amanhã, fosse qual fosse o governo, mantivessem essa coerência e deixassem cair as regras de segregação, com testes e certificados, que impõem aos emigrantes em cada regresso a casa.

    Para lá do desfile e palavras de ocasião com que as televisões tentam aquecer o dia, há uma informação de facto relevante. Segundo a última sondagem (Pitagórica), o terceiro lugar neste momento pode ser do Chega, BE ou CDU, algo que parecia garantido para Ventura nos últimos 15 dias. Segundo a mesma sondagem, ao PS dificilmente escapará a vitória, restando saber o número de deputados. Neste momento o melhor cenário, em que não acredito, prevê 113.

    Volto depois de serem conhecidos os resultados.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Décimo quarto episódio da Recensão Eleitoral (30/01/2022) – Como encher 12 horas de emissão?


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Reflectir em voz alta

    Reflectir em voz alta


    Uma vez que o dia se presta a tal, resolvi reflectir. Coincidentemente coloquei essas reflexões numa folha de papel e espero, com esse gesto, não ferir susceptibilidades ou sequer incorrer em ilegalidades. A justiça é fulminante em Portugal, nem pensar em meter-me em tais alhadas.

    A primeira coisa que me passou pela cabeça foi que, afinal, corri o risco de ter votado quase em branco. Não sendo eu um eleitor do centrão (eu sei, ninguém adivinhava) e podendo o namoro entre Costa e Rio dar casamento, ficam os pequenos partidos numa situação de quarta roda num sidecar. Ali a roçar a inutilidade.

    Alguns saudosos da AD falarão em estabilidade, outros, lembrando-se da bazuca, percebem que este cenário deixa a raposa a tomar conta do galinheiro. Ou, explicando de uma forma mais visual, os boys a distribuírem o dinheiro pelas sequiosas clientelas.

    O facto de nem Costa, nem Rio, atormentados pelas sondagens, fecharem a porta a um entendimento entre eles, deixa-me algo inquieto. Os líderes de PS e PSD chegaram ao último dia de campanha sem fecharem a porta a qualquer entendimento, à esquerda, ao centro e à direita. Confesso que, numas eleições com a particularidade destas, esperava entrar no dia de reflexão sabendo os cenários possíveis. Assim, votamos todos sem saber bem em quê.

    Outra nota de destaque em dia de reflexão vai para o cordão sanitário estabelecido por António Costa na direcção do Chega, pela mão cheia de nada de Rui Rio sobre uma eventual coligação e, pior, pela tentativa algo ridícula dos comentadores da CNN, ontem, fazerem uma operação Javisol, lava mais branco, no partido de André Ventura.

    Rui Rio assumiu que não levará o Chega para o Governo mas que poderá negociar um acordo. Ventura já disse que só valida um governo do PSD se for ministro. O que faz todo o sentido, num partido unipessoal que serve, essencialmente, a ambição de Ventura, independentemente da ideologia necessária. Se para a semana as redes sociais se indignarem com pokemons, Ventura cavalgará na onda do Pikachu, se isso lhe valer mais alguns votos. O homem quer ser ministro de qualquer coisa, não quer defender ideias. Até porque não as tem.

    Na CNN compara-se esta teimosia (de deixar o Chega fora de acordos de governação) com a geringonça entre PS, PCP e BE. Dizia um rapaz por lá, cujo nome não me lembro, por que razão não pode Rio negociar com a extrema-direita, mas Costa pode fazê-lo com a extrema-esquerda? Bom, a resposta a isto é relativamente simples. Primeiro porque não existe extrema-esquerda no parlamento. Existe esquerda.

    Depois porque PCP e BE, por mais divergências que tenham em temas económicos, europeus ou de Estado Social, não são partidos xenófobos, racistas e contra a Constituição da República. No fundo, a realidade é que, por mais lixívia que se passe na bandeira do Chega, não há maneira de tirar aquele mofo da década de 30 do século passado. E deixá-los longe de qualquer centro de decisão era o mínimo que um democrata deveria querer.

    Por fim, lembrei-me das próprias sondagens que saíram ontem, a habitual tracking poll da CNN e a da SIC/Expresso, com resultados ligeiramente diferentes, que deixam no ar a extinção do CDS, com zero deputados, tal como Livre e a redução do PAN para apenas um.

    Pergunto-me, num país onde habitualmente metade da população não vota, seja porque é dia de praia ou por puro desinteresse, que fiabilidade devemos colocar nestas sondagens? Por outro lado, que influência terão os 10% da população que, em casa, estão confinados por causa do covid? Quantos votarão?
    Veremos domingo.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Décimo terceiro episódio da Recensão Eleitoral (28/01/2022) – Reflectir em voz alta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A ultrapassagem que vem de Leste

    A ultrapassagem que vem de Leste


    Ao fim de sete dias de empates técnicos nas sondagens, os discursos finalmente mudaram. Costa deixou de pedir a maioria absoluta corrigindo um erro que não devia ter cometido e Rio, saindo da posição de humildade onde já esteve, deu mais um empurrão ao adversário dizendo que era tempo de este aprender a perder. Os estrategas da campanha de Rui Rio devem ficar com cólicas de cada vez que o deixam sozinho por mais do que 5 minutos.

    É curioso perceber como o tracking poll vai influenciando a campanha. Isto apesar de os dados revelados pela CNN diariamente terem uma margem de erro de mais de 10%, já que apenas 150 pessoas variam na amostra diária. Mas lá que as campanhas dançam ao ritmo das sondagens, já ninguém duvida.

    Um dos temas mais marcantes destas legislativas, trazido para o debate pela direita em geral, tem sido a ultrapassagem dos países de leste a Portugal e a nossa crónica posição na cauda da união europeia.
    Há duas coisas que me irritam particularmente nessa discussão. Desde logo que se refiram a eles como “ex-países de leste”, como se, entretanto, se tivessem movido para as Caraíbas. Depois, a demagogia e populismo usados para explicar essa ultrapassagem.

    Liberais culpam o Governo pelo Estado Social e carga fiscal. O PSD diz que as leis do trabalho não são flexíveis e competitivas. O CDS culpa a falta de produtividade na lavoura e o Chega, imagino, culpará os emigrantes que chegam ao paraíso para nos resgatarem aqueles empregos altamente aliciantes nas obras e nas limpezas.

    woman biting pencil while sitting on chair in front of computer during daytime

    Findo este discurso atira-se com um “a geração mais qualificada de sempre” e “emigração”, mexe-se bem e temos uma receita de populismo e sound bites, que explica coisa nenhuma sobre a ultrapassagem, mas que deixa, na tal geração mais preparada, a sensação que aconteceu uma calamidade e por isso, ficámos para trás.

    Ora, de facto aconteceu uma calamidade. Chama-se “Escola Pública”.

    Aquilo a que Portugal chama a geração mais qualificada de sempre representa, na verdade, 25% de frequência universitária entre a população com mais de 25 anos e menos de 64. Estónia e Lituânia, dois daqueles países que aparecem sempre como exemplo do nosso fracasso, caminham para metade da população (42% e 44%, respectivamente em 2020) com frequência universitária.

    A imagem que nos tentam passar dos países do leste europeu, como se fossem de terceiro mundo, é pura e simplesmente falsa e por aí começa a nossa frustração, ao não percebermos de facto com quem estamos a concorrer.

    O índice de educação, publicado anualmente pelas Nações Unidas, que relaciona o tempo expectável na escola com o tempo que efectivamente se passa na escola, tinha a Lituânia e a Estónia no top 25… em 1990. Portugal ocupava por essa altura uma honrosa 63ª posição, lado a lado com a Mongólia, Panamá, África do Sul e Bolívia.

    Em 2019, Lituânia, Estónia e, já agora, Letónia e Polónia, continuavam pelo top 25 e Portugal, galgara cerca de cinco posições. Era agora quinquagésimo sétimo, em parceria com Tonga, Grenada e Bahrain.
    Portanto, é com isto que estamos a lidar e é esta a razão para o nosso atraso. A “melhor geração de sempre” que chegou a Portugal em 2022, já tinha passado pelo Báltico no século passado. Logo, assim que entraram no mesmo espaço económico, estranho era se não ultrapassassem um país com um nível de educação muito mais baixo.

    A dúvida agora é o que fazer daqui para a frente? Demorámos 30 anos a recuperar os níveis de educação para algo parecido com a primeira divisão europeia (embora continuemos atrás da maioria). Deve a aposta ser toda na educação universal que só o pode ser se for oferecida no serviço público a troco da contribuição fiscal? Apostamos em pagamento de salário digno aos professores? Ou jogamos na roleta de um sistema misto onde o estado arca com os custos públicos e privados, mas os alunos só têm acesso garantido ao que for público com investimento reduzido?

    A História explica.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Décimo segundo episódio da Recensão Eleitoral (27/01/2022) – A ultrapassagem que vem de Leste


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os ofendidos de direita

    Os ofendidos de direita


    Boa parte desta campanha eleitoral joga-se no “pós-jogo”. Explico. Por cada vira que António Costa dança no Minho, por cada três minutos de conversas de mercado de Rui Rio, ou por cada declaração de Ventura sobre o RSI, discute-se uma hora entre os comentadores de serviço nos quatro canais noticiosos.

    A dinâmica imposta à campanha pelas televisões transforma-se em entretenimento de horário nobre. Os líderes partidários fazem declarações de segundos e os comentadores enquadram-nas durante horas. Num país onde adultos conseguem discutir dias a fio a vida de Jardel e Bruno de Carvalho numa casa na Venda do Pinheiro, ainda há 50 000 almas que, por exemplo, assistem à CNN todos os dias (cerca de 2,2% de share). Se somarmos aos que se espalham pelos restantes canais, podemos facilmente assumir que mais de 100 000 pessoas, diariamente, vão formando opinião com o que por ali ouvem.

    E é aqui que a batalha me parece incrivelmente desigual. Os comentadores afectos à direita estão em larguíssima maioria. Ao fim de 12h só consegui contar 5 de esquerda, entre todos os canais. 5,5 se pensar em Pacheco Pereira, uma espécie de estrumpfe chateado dentro da sua própria casa. Honestamente não encontro uma explicação para isto, mas compreendo que a influência exercida não tem contraditório.

    Ontem, na CNN, depois de António Costa ter sido entrevistado, quatro comentadores criticaram a posição do atual primeiro-ministro. Ou porque repetia o discurso, ou porque não esclarecia as alianças, ou porque se associava novamente a PCP e BE. Já Rui Rio continuava muito bem e a presença de Luís Montenegro, ex-opositor, mostrava unidade no partido. Quando o PSD ultrapassou por 1% estava à frente, quando o PS ficou a 4% de distância, já era empate técnico. Os intervalos de confiança aplicam-se apenas para um lado, ao que parece.

    Pedro Silva Pereira, em debate com Paulo Rangel (no mesmo programa), acusou o painel de ser escolhido a dedo para emitir aquelas opiniões. Sebastião Bugalho, ex-candidato ao parlamento nas listas do CDS e amigo de jantarada de André Ventura, ficou muito ofendido. Mafalda Anjos, diretora da Visão, também. Inês Serra Lopes, antiga diretora do Independente, jornal associado à direita, também. E Rui Calafate, que classifica Ventura como um “killer” nos debates e que vê, na gritaria, uma substituição do debate, também ficou incomodado. Em resumo, num painel onde o CDS tem mais apoio do que votos nas urnas, Pedro Silva Pereira constatou o óbvio.

    E, se alargarmos o espectro para as restantes televisões, percebemos que os opinion makers que ajudam os indecisos a deixarem de o ser, estão largamente ao serviço da direita política. Resta saber quantos votos ganharão, num dia em que a direita, à excepção do Chega, se afundou um pouco mais.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Décimo primeiro episódio da Recensão Eleitoral (26/01/2022) – Os ofendidos da direita


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Ligeira curva à esquerda

    Ligeira curva à esquerda


    Olhar para a tracking poll, animada com a evolução diária das intenções de voto, tornou-se o meu café da manhã. Há alguma emoção naquela corrida colorida, com margens de erro. Hoje as notícias não são boas para a direita. O PSD volta a cair e a IL dá um trambolhão assinalável. O Chega segura-se nos 6%, e apenas o CDS regista uma pequena subida, mas ainda em torno do 1%.

    O caso do CDS parece ser o de explicação mais simples. Francisco Rodrigues dos Santos tem uma missão espinhosa entre mãos, e vê o eleitorado fugir para a esquerda e para a direita. Aquela base de votantes de classe média alta que quer menos impostos, a mesma escola privada e mais seguros de saúde, foge para a IL. Já a fatia mais pobre, de visão mais reduzida da realidade, e com uma necessidade maior de sangue no imediato, corre para o Chega, uma vez que a facção Nuno Melo não venceu nas internas do partido.

    De modo que, ao bom do Francisco, sobraram os caçadores e os devotos do Colégio Militar. Não serão assim tantos.

    Já no caso de PSD e IL, a explicação pode ser mais complexa, mas eu aposto na leitura dos programas. Entre os indecisos que provocam as variações nas intenções de voto, alguém deve ter andado a ler o que, afinal, PSD e IL escreveram nos programas que apresentaram ao país.

    Ontem, por exemplo, num debate entre as cabeças de lista por PS e PSD em Coimbra, Marta Temido e Mónica Quintela, respectivamente, a segunda, entre gritos e interrupções, afirmou que o PSD não queria privatizar a saúde. Ora, se tiverem paciência de consultar o dito programa, está lá, nas páginas 104 e 105, uma mudança no financiamento do Sistema Nacional de Saúde (sistema, não serviço, note-se), passando este também por privados (certamente aumentando as PPPs existentes).

    Rui Rio, que tem estado bem na campanha, resolveu também aderir à modalidade de dar tiros nos pés, afirmando que a Justiça em Portugal se tornou muito menos efectiva desde o 25 de Abril.

    Pode parecer ao leitor um disparate comparar o sistema de justiça de uma ditadura com o de uma democracia, mas, se pensarmos bem, Rio até tem aqui estrada para andar.

    Hoje os mega-processos por corrupção demoram anos, décadas e, no caso do visado ser rico, vamos de recurso em recurso até à prescrição final.

    Já no tempo da ditadura a coisa era mais simples. A PIDE entrava nas casas a meio da noite e o acusado, antes de o ser, já estava nos calabouços da António Maria Cardoso ou a fazer sauna no Tarrafal. Não sabemos se chegava a haver Justiça, mas, em termos de velocidade de processos, eram imbatíveis.

    Imaginemos, por exemplo, todos aqueles acusados do PSD que andavam a gravitar no BPN, a dar lucros de 127% a Cavaco Silva, ou a assinar contratos para off shores em Porto Rico. Como seria o seu julgamento em 1965? Também gostava de ver…

    brown and gray wooden tables and chairs

    A queda maior da IL também pode estar relacionada com a leitura do programa. São 614 páginas e só ao fim de uma semana é que os indecisos chegaram a meio. Nomeadamente à página 308 onde se lê, cito:

    “ACESSO UNIVERSAL A ESCOLAS DE QUALIDADE E LIBERDADE DE ESCOLHA DA ESCOLA

    • Estabelecer um regime de cheque-ensino, em que as pessoas podem escolher a escola, e o Estado paga às escolas de acordo com os alunos que as frequentem. Neste modelo, a escola pública coexiste com escolas privadas e sociais que queiram aderir ao sistema, e todas passam a estar acessíveis a todos os alunos, porque todos os alunos são financiados por igual.”

    Ora, em termos de chavão está óptimo, e como slogan de campanha também me parece forte. “Escola universal para todos” é um best seller.

    Só há dois problemas. O primeiro é que é o Estado que paga a escola privada, entrando naquele conceito muito caro à direita que diz “menos Estado, a não ser na hora de receber a factura”. O segundo é que a escolha não é verdadeiramente do aluno ou dos pais. É da escola. Ou seja, o estabelecimento de ensino pode ser pago por todos, mas só escolhe alguns, como tal, tonar-se difícil estabelecer o conceito de escolha livre para todos quando há um porteiro que só deixa passar os amigos do bridge e da canasta.

    Entre o barulho das luzes e as pílulas de Viagra, começa a assentar a poeira, e as intenções de cada partido vão ficando mais límpidas. E ainda bem.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Décimo episódio da Recensão Eleitoral (25/01/2022) – Ligeira curva à esquerda


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O debate das rádios e o desespero dos guiões

    O debate das rádios e o desespero dos guiões


    Escapou-me o debate das rádios (Antena 1, TSF e RR) e, agora que o ouvi, compreendo que dei duas horas da minha vida para ver uma sequela de categoria B. Lembrei-me da minha meninice, para usar uma expressão da minha avó alentejana, e daquela tarde na Academia Almadense a torcer pelo Ivan Drago, iludido pela ingenuidade da tenra idade e das mensagens políticas formatadas em guiões.

    Depois de assistir a mais de 30 debates, fiquei com a sensação de que há muito tempo nada de novo nos é dito. A repetição do discurso e a fuga às questões colocadas pelos jornalistas são as principais armas de retórica.

    Mesmo sabendo que cada partido tem uma mensagem para passar, torna-se insuportável, ao fim de dias e dias de tempo de antena, ouvir intervenções que começam com um “vou já responder à sua pergunta, mas antes permita-me que…”.

    Deste lado apetece-me gritar “epá, responde só à pergunta!!!”.

    Já são tão raras as ideias válidas partilhadas e discutidas que, qualquer deriva no discurso, arrisca-se a tornar miserável o que já era pobre.

    Ventura e Rio não apareceram. O primeiro porque, provavelmente, depois da catástrofe que foram as suas prestações nas televisões, não quis voltar a correr riscos. Isto numa altura em que as sondagens mostram o Chega em perda, mas ainda a segurar o terceiro lugar.

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    Já Rui Rio, imagino que justifique a ausência com as maravilhas que a campanha de rua está a fazer pelo PSD. Recuperou grande parte da desvantagem que trazia dos debates e já há no ar um cheiro a poder, basta ver como a oposição interna se vai chegando ao líder.

    Se uma crise económica transforma um liberal num socialista, já a distribuição de lugares na governação transforma a oposição interna no Coro de Santo Amaro de Oeiras.

    O Óscar “como ajudar Rui Rio em 10 lições” segue destacado nas mãos de Catarina Martins. Eu, confesso eleitor de esquerda, já não consigo ouvir aquele discurso. O tom de voz, a pontuação, o ritmo ensaiado, a repetição de ataques ao PS, deixando campo aberto à direita.

    Depois de 20 dias neste registo, algum dos estrategas da campanha bloquista deve ter olhado para as sondagens e percebido que o BE se prepara para dar o maior trambolhão no lado esquerdo do espectro político. Assim, ontem, num comício, a líder do BE abriu a porta para se sentar à mesa com o PS e discutir propostas de governação com António Costa. Isto, note-se, três dias depois de o ter rasgado na rádio.

    António Costa continua a disparar para todo o lado e a recusar assumir pontes de governação. Vai aguentando os ataques e, tirando o PAN (que provavelmente perderá metade do grupo parlamentar e não será grande ajuda), parece apostado em não revelar entendimentos futuros. Custa-me um pouco concordar com João Cotrim Figueiredo, mas, pelo carácter específico destas eleições, era bom que cada um de nós soubesse que destino pode ter o seu voto.

    Neste momento António Costa joga com tripla. Entendimento com maioria de esquerda, bloco central ou um novo Queijo Limiano, com acordos pontuais.

    Rui Rio ensaia uma solução parecida, mas com aquele embrulho da maioria de direita dependente do Chega.

    Dias difíceis para os eleitores dos dois maiores partidos portugueses.

    Regresso amanhã, com o obituário do CDS, se, obviamente, não voltar a ver fotografias do Ventura com um camuflado do Exército.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Nono episódio da Recensão Eleitoral (24/01/2022) – O debate das rádios e o desespero dos guiões


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • As letras pequenas no contrato com a Iniciativa Liberal

    As letras pequenas no contrato com a Iniciativa Liberal


    Com os dois maiores partidos em empate técnico, o grande destaque desta semana no que a sondagens diz respeito é a Iniciativa Liberal (IL). O crescimento nas sondagens deixa a IL com um grupo parlamentar constituído por 4 a 6 deputados.

    Esta subida assinalável tem, na minha opinião, duas razões primordiais. Desde logo as prestações de João Cotrim Figueiredo nos debates. Depois, a magnífica capacidade da retórica liberal que transforma um prato de feijão com arroz numa experiência gourmet de hidratos.

    O objectivo é só um: desviar dinheiro público para bolsos privados, chamando-lhe outra coisa qualquer. Ou como diria um liberal, um rebranding no Orçamento de Estado.

    A parte difícil é convencer uma população, ou parte dela, que isto lhes trará algo de bom. Cotrim tem feito um bom trabalho nesse campo, admito. Até na gestão das incongruências vejo mérito. As sondagens assim o provam.

    Andou anos a pedir menos Estado, mas, durante a pandemia, pediu intervenção urgente do Governo nos apoios às empresas.

    Falou em cada debate sobre o dinheiro gasto na TAP, mas, que me lembre, nem uma palavra sobre a banca, em especial o BPP, de cuja holding foi presidente.

    Vende todos os dias as maravilhas do imposto único sem explicar que isso beneficia verdadeiramente uma minoria, não os 75% que levam menos de 900 euros para casa.

    Consegue dizer, sem se rir, que desviar dinheiro da escola pública para o ensino privado (é disto que se trata, por mais nomes que lhe possam dar) é dar mais liberdade de escolha às pessoas. Nunca o ouvi explicar que, na verdade, são as escolas privadas, pagas por todos, que teriam a liberdade de escolha, uma vez que fazem a selecção dos alunos.

    Num país onde os privados fugiram do combate à pandemia ou exigiram ao governo uma fortuna por cada paciente, Cotrim quer dizer-nos que liberdade na saúde é um bom seguro da Medicare.

    Quando lhe perguntam se o exemplo a seguir é a selva americana, ele diz que não. A IL segue o modelo nórdico e de outros países europeus de “sucesso económico”. E é aqui que fico baralhado. A Suécia, tão utilizada nos cartazes, tem 30% da força de trabalho assente na Função Pública. Ora, Cotrim está farto de dizer que temos funcionários públicos a mais.

    O Governo sueco (de esquerda), governa com o apoio dos centristas, comunistas e ambientalistas. O partido liberal é a sétima força no parlamento sueco. Isto está para um “país liberal” como o Brasil de Bolsonaro estava para o mapa de partidos socialistas, com que a IL decorou os cartazes da Segunda Circular.

    A ideia liberal tem óptimos conceitos. E não estou a ser irónico. Pena é que não se apliquem a pessoas que dependem de um sistema público de Saúde, aos que necessitam de uma escola pública decente num bairro de subúrbio ou para quem tem salários, digamos, inferiores a 4.000 ou 5.000 euros. Mas para todos os outros funciona às mil maravilhas, isso é garantido. Resta saber quantos portugueses se encaixam nesta última categoria.

    Por isso, olhando para as intenções de voto na IL, fico na dúvida se a classe média portuguesa aumentou, e estão a tratar da vida, o que compreendo, ou se o pessoal que depende da rede pública de serviços, e está naquela média salarial que nos mata, ainda não percebeu as letras pequenas do contrato que João Cotrim Figueiredo nos tenta vender.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Oitavo episódio da Recensão Eleitoral (23/01/2022) – As letras pequenas no contrato com a Iniciativa Liberal


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.