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  • Crédito ruinoso: Fundo de Resolução ‘sacode água’ para o Novo Banco

    Crédito ruinoso: Fundo de Resolução ‘sacode água’ para o Novo Banco

    O Novo Banco é um dos lesados da Trust in News, dona da revista Visão, que deve 3,5 milhões de euros à instituição financeira que nasceu na sequência do colapso do Banco Espírito Santo. O Fundo de Resolução, que é accionista e era o responsável pelas injecções de capital no banco para tapar os prejuízos herdados do BES, disse ao PÁGINA UM que não teve responsabilidades no crédito ruinoso concedido à sociedade unipessoal do empresário Luís Delgado para este comprar o portfólio de revistas à Impresa em 2018. Como é que o banco emprestou milhões a uma sociedade com um capital de apenas 10.000 euros e quem deu luz verde ao crédito, são questões sem resposta do Novo Banco. Este crédito, que permitiu a compra do portfólio de revistas da Impresa, deixará como maiores lesados os contribuintes, já que a dívida da Trust in News ao Estado supera os 15 milhões de euros. Recorde-se que o Novo Banco tem um histórico de créditos ruinosos que levaram a injecções milionárias de capital para tapar os buracos deixados por empréstimos concedidos sem que tivessem ficado acauteladas as devidas garantias.


    O Fundo de Resolução, que é acionista minoritário do Novo Banco, recusa responsabilidades no crédito ruinoso que levou a que o banco seja um dos lesados da Trust in News, dona da revista Visão que iniciou um Processo Especial de Revitalização (PER) para evitar a falência.

    O banco criado em 2014 para ficar com os activos ‘bons’ do malogrado Banco Espírito Santo (BES) pode vir a dizer a ‘adeus’ a 3.557.280,68 euros, uma verba que emprestou à Trust in News quando ainda recebia injecções de capital com recurso a empréstimos do Estado. O empréstimo aprovado em 2018 serviu para que a sociedade unipessoal do empresário e comentador Luís Delgado pagasse uma parcela do valor referente à compra do portfólio de revistas do grupo Impresa, dona da SIC e do Expresso. O negócio anunciado pelo valor de 10,2 milhões de euros só pôde avançar com o ‘cheque’ passado pelo Novo Banco.

    Recorde-se que o Novo Banco recebeu diversas injecções de capital do Fundo de Resolução, sobretudo financiadas com recurso a empréstimos do Estado, para tapar os buracos deixados por perdas herdadas do antigo BES. Mais de metade dos prejuízos e dos activos tóxicos identificados no Novo Banco, que tiveram de ser cobertos principalmente com empréstimos dos contribuintes, foram sobretudo relativos a créditos ruinosos.

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    A lista de empresas credoras da Trust in News engloba a Impresa e o Novo Banco mas é ao Fisco e à Segurança Social que a dona da Visão mais deve.

    Questionada sobre quem autorizou o Novo Banco a conceder o empréstimo a Luís Delgado, fonte oficial do Fundo de Resolução, que é uma entidade pública, sacudiu a ‘água do capote’ e apenas respondeu que o crédito não estava, nem está, abrangido pelo Acordo de Capitalização Contingente feito aquando da venda do banco. A mesma fonte oficial adiantou ao PÁGINA UM que “o Fundo de Resolução não foi, nem tinha que ser, nos termos dos contratos, consultado” sobre a concessão do crédito milionário a uma sociedade com um capital social de uns meros 10.000 euros.

    Aquele Acordo de Capitalização Contingente foi efectuado quando o Novo Banco foi vendido ao fundo Lone Star, que ficou com 75% do banco numa operação concluída em Outubro de 2017, tendo o Fundo de Resolução ficado com 25% do capital do banco.

    Mediante aquele acordo, o Fundo de Resolução teria de fazer injecções de capital de até 3.890 milhões de euros para cobrir perdas que o Novo Banco registasse que estivessem relacionadas com activos tóxicos herdados do BES, incluindo milhões em empréstimos ruinosos. Entre os ‘caloteiros’ que lesaram o Novo Banco com empréstimos ‘tóxicos’ estiveram a Ongoing, liderada por Nuno Vasconcellos, e a Promovalor, do antigo presidente do Sport Lisboa e Benfica, Luís Felipe Vieira.

    Luís Máximo dos Santos, presidente do Fundo de Resolução. O Fundo entende que não tem nada a ver com o crédito ruinoso concedido pelo Novo Banco a Luís Delgado, quando o banco dependia de injecções de capital financiadas pelos contribuintes.
    (Foto: Captura a partir de vídeo da audição no Parlamento, em Fevereiro de 2020)

    O empréstimo à Trust in News foi concedido em 2018, quando o banco era liderado por António Ramalho, que não quis comentar, agora, o facto de o Novo Banco ser um dos lesados da empresa de Luís Delgado. Ramalho também se escusou a indicar quem no banco deu o ‘OK’ à concessão de um empréstimo num valor tão elevado a uma sociedade unipessoal.

    Certo é que Ramalho não foi prejudicado. Naquele ano, o gestor viu o seu salário aumentar 16% para 382,4 mil euros. Já o Novo Banco fechou o exercício de 2018 com um prejuízo de 1.412 milhões de euros. No ano anterior, o banco tinha registado perdas colossais de 2,3 mil milhões de euros. Quanto ao Fundo de Resolução, liderado por Luís Máximo dos Santos, encerrou o ano de 2018 com um ‘buraco’ de 6,1 mil milhões de euros nos seus recursos próprios devido às injecções no Novo Banco.

    Também o Novo Banco escusou-se a explicar ao PÁGINA UM como é que ficou exposto a mais um crédito ruinoso. Também não explicou como pôde fazer um empréstimo milionário a uma sociedade com um capital social de apenas 10.000 euros e sem aparentes garantias sólidas correspondentes.

    António Ramalho, ex-presidente-executivo do Novo Banco. (Foto: Captura a partir de vídeo promocional do Novo Banco)

    O fundo Lone Star não respondeu às questões colocadas pelo PÁGINA UM, nomeadamente sobre como foi autorizado o crédito à Trust in News.

    O Novo Banco nasceu para ficar supostamente com os activos ‘bons’ do BES, que foi alvo de resolução em 2014. O banco foi comprado pelo fundo Lone Star, mas o Fundo de Resolução permaneceu accionista da instituição financeira e era a entidade responsável pela realização das injecções de capital anuais previstas no Acordo de Capitalização Contingente. Nos últimos anos, o Fundo foi diluindo a sua posição como accionista do banco mas em Maio ficou a saber-se que aquele fundo público decidiu pagar 128 milhões de euros ao Estado para comprar mais 4,14% do capital do Novo Banco, passando a deter 13,54% do capital.

    O Fundo de Resolução, que é “uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira“, foi criado em 2012 para “prestar apoio financeiro às medidas de resolução aplicadas pelo Banco de Portugal, na qualidade de autoridade nacional de resolução”. Desde 2014, o Fundo injectou 8.305 milhões de euros no Novo Banco, na maioria através de empréstimos do Estado. Recentemente, uma decisão judicial determinou que o Fundo tem ainda de pagar mais 185 milhões de euros ao banco, o que eleva a factura do Fundo para 8.490 milhões de euros.

    Luís Delgado (à esquerda) e Francisco Balsemão, presidente-executivo da Impresa. A dona da SIC é uma das lesadas da Trust in News e não se sabe ao certo quanto é que chegou a receber dos 10,2 milhões de euros anunciados em 2018 quando o grupo vendeu o seu portfólio de revistas a Delgado. (Foto: D.R.)

    O Fundo injectou 4900 milhões de euros no Novo Banco quando foi criado. Deste montante, 3900 milhões foram emprestados pelo Tesouro. Em 2017, com a venda do Novo Banco, foi criado um acordo com o fundo Lone Star que previa injecções de capital pelo Fundo de Resolução até 3.890 milhões de euros para cobrir perdas geradas por activos e créditos herdados do BES.

    A 13 de Fevereiro de 2023, foi anunciada a conclusão do processo de reestruturação do Novo Banco. Tinham sido injectados 3.405 milhões de euros desde 2017. Recentemente, soube-se que o Fundo ainda tem de pagar mais 185 milhões de euros, acrescidos de juros, e também juros pelo pagamento tardio, em 2021, da injecção anual pedida no âmbito do Acordo, além de danos adicionais causados pelo atraso. Por outro lado, o Fundo considera que tem ainda direito a receber um valor estimado de 127,8 milhões de euros referentes a verbas recuperadas pelo banco relativamente à sua exposição “a um devedor em particular”.

    Além das injecções do Fundo, outras operações permitiram o reforço do capital do Novo Banco. No total, o banco engoliu, desde que foi criado, um total de 11.875 milhões de euros.


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  • Trust in News: Luís Delgado sob risco de condenação por crime de abuso de confiança fiscal

    Trust in News: Luís Delgado sob risco de condenação por crime de abuso de confiança fiscal

    O volume de dívidas da Trust in News – dona da Visão e de mais 16 títulos da imprensa – à Segurança Social e à Autoridade Tributária e Aduaneira revelam que o ex-jornalista e empresário Luís Delgado nunca se preocupou em cumprir as obrigações com o Estado, mesmo estando a ultrapassar largamente o risco de abuso de confiança fiscal, por nem sequer pagar o IVA. Mas, nos últimos tempos, a estratégia mudou: além de não pagar ao Estado, não pagar também a fornecedores. E, nos últimos tempos, aos jornalistas. Assim, além de volumosas dívidas aos bancos (Novo Banco e BCP) e à Impresa, a quem terá comprado as revistas em 2018, a Trust in News foi somando calotes: ao senhorio, aos CTT, a uma empresa de limpeza e a duas de táxis, à Entidade Reguladora para a Comunicação e a tudo o que se cruzasse. Até a sociedade de advogados de Pedro Santana Lopes e o Benfica estão no rol. Pressente-se, aliás, o colapso do grupo, tanto assim que mais de oito dezenas de jornalistas reivindicam créditos. Nesse lote está a ex-directora da Visão, Mafalda Anjos, que no ano passado considerou “fantasiosas” as notícias do PÁGINA UM sobre a situação financeira da Trust in News. Afinal, agora, Mafalda Anjos talvez necessite de apelar à fantasia, pegando numa ‘varinha mágica’ para sonhar vir a receber mesmo os 54 mil euros que lhe foram prometidos aquando da rescisão do contrato no início deste ano.


    O dono da Trust in News, Luís Delgado, arrisca uma condenação por crime de abuso de confiança fiscal, até cinco anos de prisão, independentemente da aprovação do processo especial de revitalização (PER) do grupo de media que tem a revista Visão como principal título. Essa possibilidade advém da constatação de que a dívida de 8.125.545,20 euros, apurada pelo administrador judicial, no âmbito do PER, anotar a existência quer de dívidas de IRS, incluindo retenções na fonte dos salários, quer de IRC, quer sobretudo de IVA.

    De acordo com o documento do Tribunal de Sintra que lista nominalmente os 166 credores com montantes reconhecidos que superam os 32,2 milhões de euros, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) reivindica o pagamento de quase 7,1 milhões de euros em dívidas, a que acresce já 802 mil euros em juros, quase 110 mil euros em coimas e 113 mil em custas. Considera-se crime, com pena de prisão de entre um e cinco anos se não for feita a entrega de IVA de mais de 50 mil euros, sendo que a punição se aplica se tiverem decorridos mais de 90 dias sobre o termo legal para entrega da quantia e não for tudo pago (incluindo juros e coimas) no prazo de 30 dias após a notificação pela AT. Ora, a notificação terá ocorrido, uma vez que só em juros a dívida aumentou mais de 800 mil euros.

    Acresce também as dívidas à Segurança Social, que serão também bastante antigas, a atender aos juros de mora que atingem agora mais de 836 mil euros, a que se juntam cerca de nove mil euros em custas. No total, a Trust in News conseguiu, airosamente continuar a laborar, enquanto acumulava dívidas de contribuições à Segurança Social que, de acordo com o PER, atinge já os 8.979.252 euros.

    Este ‘volume’ de dívidas ao Estado confirma que o histórico de endividamento começou desde a própria existência da Trust in News – que assumiu ter comprado o portefólio das revistas à Impresa, prometendo pagar 10,2 milhões de euros. E também revela que, apesar de essas dívidas serem conhecidas pelo Governo socialista de António Costa, nunca houve ordem para estancar os calotes ao Estado, que se mostraram sempre recorrentes e crescentes. E nunca a Trust in News surgiu na lista de devedores ao Fisco e à Segurança Social.

    Mas talvez o principal sinal mais evidente de que o destino da Trust in News será a insolvência – a solução se o PER não for aprovado – encontra-se no facto de, entre os credores, estarem 79 jornalistas das diversas revistas do grupo, que reivindicam já salários em atrasos nos últimos meses, subsídios de alimentação e / ou de férias. De modo a garantir os créditos, com carácter privilegiado em caso de insolvência, essa acção sugere sinais de colapso iminente. Existem também casos de prestações não pagas a jornalistas freelancer e também outros sete antigos jornalistas do grupo reivindicam agora créditos por incumprimentos dos acordos de rescisão, entre os quais está a antiga directora da Visão, Mafalda Anjos, que exige agora 54.250 euros.

    Mafalda Anjos, ex-directora da revista Visão: há um ano garantiu ser “fantasiosa” a crise da Trust in News. Agora, está no rol de ‘vítimas’ da Trust in News, e só em sonhos pode ambicionar receber os 54.250 euros prometidos no acordo de rescisão contratual no início de 2024.

    Recorde-se que Mafalda Anjos, agora comentadora na CNN Portugal, chegou a apelidar de “fantasiosas” as primeiras notícias do PÁGINA UM em Agosto do ano passado sobre a situação financeira da Trust in News. Arrisca agora a ver os 54.250 euros, com que chegou a sonhar quando saiu da revista no início deste ano, em formato de notas do Monopólio. Convém também salientar que, pela Lei da Imprensa, os directores dos órgãos de comunicação social detêm o direito de acesso detalhado à situação das suas empresas.

    Contudo, o mais surpreendente neste breve caminho da Trust in News – uma empresa com seis anos de existência e 10 mil euros de capital social – é o rol de ‘calotes’ que foi semeando em entidades do seu sector, que podem inviabilizar a continuidade da actividade por receio de aumentarem as dívidas. O caso da Lisgráfica, que actualmente ainda imprime as revistas do grupo, é o principal exemplo. A dívida da Trust in News vai já em 546.761 euros. Como o PER a impedirá, dentro de um prazo acordado pedir a execução desta dívida, a opção poderá passar por não aceitar mais trabalhos para estancar a possibilidade de novos incumprimentos. Similar situação tende a acontecer com o Grupo CTT que, através de três empresas, reivindica créditos muito próximos dos dois milhões de euros.

     A dívida da Trust in News à Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação é muito menor (22.648 euros), mas já levou ao corte de serviços. A associação que transmite as vendas dos títulos da imprensa portuguesa por trimestre – sendo um indicador vital para a definição dos preços de publicidade –, deixou de validar a circulação da Visão e de outros títulos da Trust in News este ano. Também não deverá haver muito interesse da Marktest em fazer controlo de audiência em meios digitais, através do Netscope, para a empresa de Luís Delgado. A empresa, também conhecida pela realização de sondagens, reivindica o pagamento de 110.946 euros.

    Luís Delgado deixou de pagar as rendas onde estão as redacções das revistas na Quinta das Fontes, em Paço de Arcos.

    Até a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) apanhou um calote, que deve ser bastante antigo, por já contabilizar a falta de pagamento da Trust in News de 35.088 euros. Um pouco menos (33.553 euros) é da dívida à Agência Lusa. Desde Janeiro, Luís Delgado também decidiu deixar de enviar o valor das quotas dos jornalistas sindicalizados ao Sindicato dos Jornalistas. Esse atraso constitui formalmente um crime, mesmo se essa falta representa um ‘grão de areia’ na dívida global, embora seja sintomático da desesperada falta de liquidez.

    Aliás, o rol de credores torna evidente que a estratégia dos últimos tempos baseou-se em simplesmente não pagar. Duas empresas de táxis, a Autocoope e Táxis do Alto da Barra, estão a ‘arder’ com 3.268 e 5.181 euros, respectivamente. A Taguspark tem a haver 273.117 euros por prestação de serviços. A empresa QDF, proprietária do edifício onde as revistas da Trust in News têm as redacções, reclama rendas vencidas, com juros, que atingem 82.942 euros. Se houver aprovação do PER, a QDF está impedida de acções de despejo.

    Além de dívidas por serviços de limpeza (12.282 euros), a Trust in News nem se incomodou em pagar os serviços de certificação legal de contas – que, como o PÁGINA UM revelou na semana passada, acrescentou um alerta às contas de 2021 com dois anos de atraso. A DFK & Associados, contratada para olhar a saúde financeira da empresa de Luís Delgado, fez um serviço de auditoria tão bom que nem conseguiu prever que iria apanhar um calote de 17.989 euros, o valor que viu ser reconhecido pelo administrador judicial no âmbito do PER. Entre os demais credores consta também a sociedade de advogados de Santana Lopes (48.973 euros) e até o Sport Lisboa e Benfica (9.942 euros).

    Sociedade de advogados fundada por Pedro Santana Lopes, actual presidente da autarquia da Figueira da Foz, tem créditos de quase 49 mil euros que dificilmente recuperará.

    Sem quaisquer activos não correntes relevantes, a Trust in News valoriza os seus títulos em cerca de 11 milhões de euros, mas mesmo que seja declarada insolvência, o Estado ficará sem quaisquer direitos, embora possa responsabilizar Luís Delgado e os outros dois gerentes, accionando uma reversão fiscal, incluindo a penhora da quinta em Santo Estêvão, em Benavente, que o empresário detém. Quanto aos títulos, não é líquido que se extingam com a insolvência da Trust in News.

    Uma parte dos títulos ainda detidos pela Trust in News, como a Exame Informática e a Visão História, são já penhor do Novo Banco do ponto de vista contratual. Porém, sobre os outros títulos mais apetecidos, como a revista Visão, embora se saiba também estarem sob penhor, não se conhece o detentor desse direito. A Impresa, que tem créditos superiores a quatro milhões de euros, nunca confirmou ou desmentiu se detinha qualquer direito de ‘reversão’ da Visão e de outros títulos em caso de insolvência ou não pagamento da dívida por parte da Trust in News.


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  • Dados da DGS mostram que reforço sazonal está associado a acréscimos de mortalidade por covid-19 nos maiores de 60 anos

    Dados da DGS mostram que reforço sazonal está associado a acréscimos de mortalidade por covid-19 nos maiores de 60 anos


    Talvez sem se aperceber ou mesmo sem saber – o que não retira, pelo contrário, a gravidade da situação –, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) acabou por fornecer, no final da semana passada, dados preocupantes sobre a segurança das vacinas contra a covid-19. E pior ainda, o comunicado de imprensa, acriticamente acolhido pelos jornalistas dos media mainstream, foi interpretado como um incentivo para mais um reforço (booster) a partir de Setembro.

    Convém referir que o Ministério da Saúde sempre recusou o acesso a dados em bruto sobre a pandemia, ou por não os ter (e ‘navegar à vista’) ou por assim deter o poder de manipular a informação a seu bel-prazer sem ser qustionado ou apanhado a mentir. Porém, desta vez, a DGS até deu elementos suficientes para, cruzando com outros dados oficiais, permitir concluir que nem sequer estamos numa situação em que a vacina é pouco eficaz mesmo em idades mais avançadas; estamos sim a falar de uma vacina que para a doença que visa “atacar” mostra-se contraproducente. Ou seja, melhor dizendo, é perigosa – e nem sequer estamos a incluir os potenciais efeitos adversos. Constitui um exemplo acabado, e cruel, de ser uma cura que estará a matar.

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    Vamos seguir em detalhe os dados transmitidos pela DGS no seu comunicado para comprovar isto, e explicar meticulosamente os cálculos. Diz esta entidade que “a mortalidade específica por covid-19 correspondeu a 15 óbitos a 14 dias por milhão de habitantes”. Consultando os dados oficiais, confirma-se que entre 16 e 30 de Junho, o período de referência, se registaram, de facto, 166 óbitos, um valor próximo da taxa de mortalidade indicada. Destes óbitos por covid-19, oito pessoas teriam idade inferior a 60 anos (sendo que seis não tinham reforço), mais uma vez de acordo com o comunicado da DGS, significando assim que 158 tinham mais de 60 anos.

    Como “cerca de 44% dos óbitos não tinham registo de vacinação sazonal na última época”, acrescenta a DGS, então significa que, deduzindo a condição vacinal dos menores de 60 anos, houve no período em análise um total de 91 óbitos de pessoas vacinadas com o último reforço sazonal e 67 de pessoas sem vacinação no grupo dos maiores de 60 anos.

    Ora, mas para se tirar conclusões rigorosas, e sobretudo para avaliar a eficácia da vacina, mostra-se necessário saber o universo de vacinados (com reforço) e de não-vacinados. E isso sabe-se, porque a Direcção-Geral da Saúde foi divulgando essa informação durante o programa de vacinação sazonal, cujo último relatório é de finais de Abril passado.

    Aí se refere que para a população de mais de 60 anos, receberam reforço um total de 1.687.260 pessoas, correspondente a 56,14% do total. Deste modo, os não-vacinados (sem reforço) nesta faixa etária terão sido, contas feitas, 1.318.190 pessoas (43,86%).

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    Com estes dados, pode-se então calcular as taxas de mortalidade para ambos os grupos:

    Taxa de mortalidade entre vacinados (TMv)

    TMv = Mv/Pv , sendo Mv – mortes de vacinados ; Pv – população vacinada

    donde

    TMv = 91 / 1.687.260 = 53,93 por milhão

    Taxa de mortalidade entre não-vacinados (TMnv)

    TMnv = Mnv/Pnv , sendo Mnv – mortes de não-vacinados ; Pnv – população não-vacinada

    donde

    TMnv = 67 / 1.318.190 = 50,83 por milhão

    A partir daqui já vemos haver um “problema” – e grave – com a vacina contra a covid-19, mesmo havendo a possibilidade de alguns vieses: para a covid-19, a taxa de mortalidade dos vacinados é superior à dos não-vacinados (53,93 vs. 50,83 por milhão)

    Isso mostra-se ainda mais relevante quando se calcula o risco relativo (RR) entre os vacinados e os não-vacinados – que, tal como sucede em qualquer fármaco, deve ser inferior a 1 para existir vantagem sobre o placebo (neste caso, não tomar dose de reforço).

    Temos assim que, para a faixa dos maiores de 60 anos:

    RR = TMv/TMnv = 53,93 / 50,83 = 1,061

    Ora, sabendo-se que a eficácia da vacina (VE) mede a redução relativa no risco de um evento (mortalidade) devido à vacinação (reforço sazonal), no caso em apreço calcula-se o valor da seguinte forma:

    VE = 1 – RR = 1 – 1,061 = 0,061 = – 6,1%

    Significa isto, de forma literal, que a eficácia da vacina (dose de reforço) foi de – 6,1% (valor negativo), indicando, na verdade, em função destes dados oficiais, que o reforço sazonal para a população com idade superior a 60 anos está afinal associado a um aumento no risco de mortalidade por essa doença em comparação com as pessoas não vacinadas.

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    Admite-se que possa existir aqui algum viés, à cabeça do qual estará o Paradoxo de Simpson, que para ser detectado recomenda uma maior desagregação das faixas etárias. O comunicado da Direcção-Geral da Saúde indica, por exemplo, que 70% dos óbitos são de maiores de 80 anos, mas não especifica a percentagem respeitante a vacinados e não vacinados. Se essa distribuição for similar ao valor global (56% e 44%, respectivamete), e tendo em conta que 66,37% da população desta faixa etária recebeu reforço vacinal, então para os maiores de 80 anos o RR seria de 0,646, dando assim um valor de VE de 35,4% (similar ao da vacina contra a gripe).

    Mas, neste caso, para a faixa etária dos 60 aos 79 anos, assumindo os valores oficiais das taxas de reforço (45,49% para os 60-69 anos) e 62,78% para os 70-79 anos) e a distribuição dos óbitos entre vacinados e não vacinados (56% e 44%), o VE seria desastroso, uma vez que para a taxa de mortalidade para os não-vacinados seria de 15,05 por milhão e para os vacinados de 21,96.

    Ou seja, o reforço vacinal estaria assim, para este grupo etário, associado a um acreéscimo de mortalidade por covid-19 de 46%. Um valor completamente insustentável, que deveria levar à simples e imeadiata suspensão da vacinação para este grupo etário, excepto em casos de comorbilidade graves.

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    Aqulo que estes dados – e esta análise – sobretudo indicam à saciedade é que a Direcção-Geral da Saúde, as outras autoridades de Saúde e o próprio Governo não podem continuar a agir com uma ligeireza potencialmente criminosa, insistindo na promoção de uma vacina que claramente se mostra de fraquíssima eficácia (ou talvez mesmo contraproducente), apenas para “salvar o coiro” e os negócios de farmacêuticas. O objectivo de uma Autoridade de Saúde Nacional e de um Governo não é esse: é salvar pessoas; e não matá-las. Uma (in)eficácia do reforço de -6,1% (valor negativo, o que é insustentável em farmacologia) é demasiado preocupante para nada se fazer – e insistir num programa vacinal com estes valores chega a ser criminoso.

    N.D. Ainda em análise (escrever-se-á sobre isso em breve), um recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul recusou a pretensão do PÁGINA UM, perseguida há dois anos, em aceder aos dados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE), bem como a outros dados em bruto relativos à gestão da pandemia. Esta decisão confirma o obscurantismo de um país que comemorou há pouco os 50 anos da democracia, mas que, de cravo no peito, cultiva a falta de transparência, irmã da manipulação e da desinformação. Esgotas-se assim, em princípio, a possibilidade de se aceder a informação para uma análise independente. Aliás, nem dependente, visto que o relatório sobre o excesso de mortalidade prometido em Agosto de 2022 pela então ministra Marta Temido ainda continua em ‘águas de bacalhau’ para que ‘a culpa morra solteira’. Um Governo decente e uma Administração Pública ao serviço do público não podem continuar a esconder informação e, de uma forma irresponsável, como aqui se revela, promover um fármaco que, afinal, com base em dados fortuitos que divulgam, se mostra, afinal, perigoso. Desafia-se assim a DGS (e o próprio Ministério da Saúde) a refutar esta análise do PÁGINA UM mostrando todos os dados brutos (sem ‘invenções’ nem manipulações), de modo que possam ser livremente analisados. E que seja transparente no futuro. Afinal, estamos a falar de vida; que sempre valem mais do que votos.


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  • Número de pensões ultrapassa pela primeira vez a fasquia dos 3 milhões

    Número de pensões ultrapassa pela primeira vez a fasquia dos 3 milhões

    Apesar do aumento da idade da reforma a partir do ano de 2014 e da maior dificuldade na atribuição de apoios por incapacidade, o somatório das pensões de reforma, de sobrevivência e de invalidez registadas no ano passado ultrapassou em Portugal, pela primeira vez, a fasquia dos três milhões. O aumento é de 39% face ao ano de 1990 e, actualmente, sete em cada 10 pensões são por velhice, de acordo com a análise do PÁGINA UM aos últimos dados do Instituto Nacional de Estatística. A pandemia não teve, segundo a linha de tendência do quinquénio anterior, qualquer impacte relevante.


    O número de pensionistas em Portugal ultrapassou, pela primeira vez, a fasquia dos 3 milhões. Segundo os mais recentes dados, divulgados no final desta semana pelo Instituto Nacional de Estatística, no final do ano passado foram contabilizadas 3.020.960 pensões, um aumento de 30.950 face ao ano de 2022. Este foi, aliás, o maior aumento interanual desde 2012.

    De entre a tipologia das pensões, 70% (2.117.487) são por velhice, sendo este o valor mais elevado de sempre, por via do aumento da expectativa de vida dos mais idosos nas últimas décadas, mesmo com a pandemia. O número de pensões de velhice diminui em 318 entre 2020 e 2021, mas no ano de 2022 já subira 11.726. Em 2023, o aumento ainda foi mais substancial: mais 35.692 pensionistas, o maior crescimento desde o momento em que a idade da reforma passou a estar indexada à expectativa de vida.

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    Segundo a análise do PÁGINA UM, desde 1990 o número de beneficiários de pensões de velhice cresceu mais de 807 mil, uma taxa de crescimento médio anual de 1,46%, apesar de esse aumento ter sido atenuado a partir de 2014, quando a idade de reforma passou de uma idade fixa de 65 para os 66 anos, passando a partir daí a variar de acordo com a evolução da expectativa de vida aos 65 anos. Essa medida implicou mesmo que em 2014 houvesse um decréscimo de 11.685 pensões desta tipologia, quando a média anual do quinquénio anterior fora de 38.355. Este ano, a idade de reforma está estabelecida nos 66 anos e quatro meses, sabendo-se já que subirá mais três meses em 2024.

    Desde a tomada dessa medida, o aumento médio anual de pensionistas – que depende das mortes e da entrada de novos reformados – cifrou-se em apenas 12.260, o que em certa medida retira pressão á Segurança Social.

    Também as pensões de sobrevivência registaram o seu maior número de sempre no final do ano passado, com 741.001 pensionistas. Convém referir que a contabilidade do INE acumula as pensões, ou seja, pensionistas com pensão de sobrevivência e de velhice contam como dois. O valor do ano de 2023 é, em todo o caso, pouco maior do que aquele referente a 2022: apenas mais 2.921, mas a taxa de crescimento médio anual desde 1990 é de 1,96%. Naquele ano havia apenas 390.704 pensões de sobrevivência.

    Evolução do número de pensões de invalidez, de velhice e de sobrevivência entre 1990 e 2023. Fonte: INE.

    Ao invés, as pensões de invalidez estão a diminuir fortemente e o valor do ano passado é mesmo o mais baixo desde sempre. Os registos do INE para 1990 apontavam para as 472.449 pensões por invalidez, enquanto no ano passado se cifrou em apenas 163.472 pensões desta tipologia. A razão desta descida é sobretudo administrativa e política tanto ao nível da maior dificuldade na confirmação do grau de incapacidade e demais burocracias quer nos critérios de acumulação de pensões. Por exemplo, a partir de 2014 os funcionários públicos deixaram de poder acumular pensões de invalidez com a reforma.


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  • Trust in News: Luís Delgado corrigiu ontem contas de 2021 para assumir elevadas dívidas ao Estado

    Trust in News: Luís Delgado corrigiu ontem contas de 2021 para assumir elevadas dívidas ao Estado

    A revista Visão é semanal, mas agora a sua dona, a Trust in News, ‘dá’ notícias quase diárias, e todas más. Ontem, a empresa unipessoal do ex-jornalista Luís Delgado decidiu entrar com uma correcção das contas de 2021 para ‘introduzir’ uma reserva do revisor oficial de contas (ROC) onde se alertava para a dívida ao Estado que era então de 8,2 milhões de euros. A Trust in News, que tinha obrigação legal de certificar as suas contas, nunca o fez, violando o código das sociedades comerciais. Mas isso é apenas mais uma peça de um puzzle que não explica o essencial: como é que um empresário dos media, mesmo se com boas relações no poder socialista (é ainda sócio de João Cepeda, director de comunicação do Governo Costa, na empresa Capital da Escrita) conseguiu sem incómodo endividar-se tanto (30 milhões de euros) em tão pouco tempo (seis anos), tendo investido apenas 10 mil euros? E depois disso, será que o Estado (Governo) vai dar-lhe a mão e usar dinheiros públicos para ‘salvar’ empregos de jornalistas que andaram seis anos a assobiar para o ar?


    Já não é apenas um caso de crise na imprensa, mas sim um caso de polícia. A Trust in News, a empresa unipessoal de Luís Delgado – dona da revista Visão e de mais 16 títulos de imprensa – esteve a esconder durante anos a situação de dívidas ao Estado, porque nem sequer emitiu a Certificação Legal de Contas (CLC), que no seu caso era claramente obrigatória por ser uma sociedade por quotas com um balanço superior a 1,5 milhões de euros, deter vendas anuais superiores a 3 milhões de euros e contar mais de 50 trabalhadores.

    Nas contas de 2018 a 2022 – as do ano passado ainda não foram aprovadas – depositadas regulamente na Base de Dados das Contas Anuais, a Trust in News informava sempre que não estava obrigada a ter contas certificadas por um revisor oficial de contas. Mas isso foi até ontem, porque a empresa de media apresentou esta quinta-feira uma “declaração de substituição” respeitante às contas do ano civil de 2021, para assim ‘eliminar’ aquela que fora apresentada em 15 de Julho de 2022, e que o PÁGINA UM tinha obtido numa consulta aos registos no ano passado.

    Esta declaração de substituição não alterou absolutamente nada das demonstrações financeiras já conhecidas (balanço, demonstração de resultados, demonstrações dos fluxos de caixa e alteração do capital próprio). A alteração é mais relevante por um formalismo substancial: o revisor oficial de contas – DFK & Associados – faz uma reserva extremamente relevante: “Chamamos a atenção para o facto da Entidade [Trust in News] apresentar dívidas à Segurança Social e Autoridade Tributária [e Aduaneira] no montante total aproximado de 8.200.000 euros. Do valor indicado refira-se que até à emissão da presente Certificação tinham sido liquidados, pelo menos, 790.000 euros e celebrado acordos de pagamentos prestacionais no montante de 2.500.000 euros“.

    Este ‘adiamento’ de dois anos, violando o Código das Sociedades Comerciais, em relevar as dívidas fiscais e o não pagamento das contribuições à Segurança Social dos seus trabalhadores, mesmo com um acordo (secreto) com o Estado, pode ser fundamental para uma eventual responsabilidade civil e judicial de Luís Delgado e dos outros dois gestores da Trust in News, Cláudia Serra Campos e Filipe Passadouro. No limite, pode haver lugar a reversão fiscal sobre o património dos gerentes em caso de insuficiência patrimonial, que sempre se mostrou insuficiente.

    Também não deixa de ser anormal que a auditora DFK & Associados – com regras específicas e sob supervisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC) se tenha aprestado a proceder, agora em 2024, a uma adição de uma reserva às contas de 2021. O PÁGINA UM pediu esclarecimentos à empresa de auditoria – que tem uma vasta experiência em consultoria financeiras com entidades públicas, contabilizando 87 contratos no valor de quase 2 milhões de euros – sobre as razões deste extemporâneo alerta, e se as contas de outros anos sofreriam idêntica alteração.

    Informação constante no IES das contas de 2021 da Trust in News na declaração entregue em 15 de Julho de 2022 (A) e na declaração de substituição em 4 de Julho de 2024 (B)

    Contudo, fonte desta sociedade escusou-se a responder, dizendo apenas que “a DFF & Associados presta serviços de auditoria e encontra-se sujeita a supervisão das entidades competentes e regras deontológicas deste setor de atividade”, acrescentando que “neste enquadramento não fará publicamente ou através de órgãos de comunicação social comentários sobre situações particulares dos seus clientes”. Essa posição não retira a anormalidade desta situação.

    Em todo o caso, a assumpção pela Trust in News – mesmo que esc0ndida durante dois anos, embora com o ‘rabo de fora’ por serem detectáveis na análise ao passivo – das dívidas ao Estado para o ano de 2021 sugere que, em breve, o mesmo seja extensível aos anos seguintes, onde o ‘calote’ foi aumentando. Na verdade, quase duplicou, uma vez que se situa agora, sendo os dados do Processo Especial de Revitalização (PER), em quase 16 milhões de euros.

    Os montantes em dívida em 2021, bem como os actuais, indiciam que a Trust in News nunca cumpriu, desde a sua fundação, e após a compra das revistas à Imprensa, quaisquer obrigações fiscais e de Segurança Social. Por exemplo, no caso dos trabalhadores, os encargos da empresa de media respeitante a IRS e Segurança Social atingiu ultrapassou os 1,6 milhões de euros, que não terão ido para os cofres do Estado. Mas para que a dívida seja agora tão elevada, não apenas ficaram por cumprir como se acumularam outras obrigações. Certo é que entre 2022 e o primeiro semestre deste ano, a dívida ao Estado aumentou mais de 250 mil euros em cada mês, não tendo havido ninguém, dentro do Governo, que tenha mandado parar o ‘regabofe’ que se iniciou logo no primeiro ano de existência da Trust in News.

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    Recorde-se que há quase um ano, em 24 de Julho de 2023, o PÁGINA UM começou a revelar, apesar do então silêncio absoluto da generalidade da imprensa mainstream, as dívidas astronómicas da Trust in News ao Estado já se encontrava, em 2022, nos 11,4 milhões de euros, um aumento de 3,2 milhões face ao ano anterior.

    O montante dessa dívida, que representava já 42% do passivo da empresa, não era assumido nem identificado quer pelo Ministério das Finanças quer pelo Ministério da Segurança Social. Este último, então liderado por Ana Mendes Godinho, nem sequer respondeu ao PÁGINA UM quando questionado. E o Ministério das Finanças, então chefiado por Fernando Medina, embora tenham sido colocadas diversas questões específicas, respondeu apenas “A AT [Autoridade Tributárias e Aduaneira] não se pronuncia sobre a situação tributária de contribuintes específicos, incluindo a tributação de operações concretas, pois estão protegidas pelo dever de sigilo fiscal, previsto no artigo 64º da Lei Geral Tributária”.

    Recorde-se também que o director de comunicação do Governo Costa era João Cepeda, que se mantém como sócio de Luís Delgado na empresa Capital da Escrita, fundada em 2007. Tendo sido a proprietária inicial da revista Time Out, esta empresa – ‘irmã’ da Mercados da Capital, que geriu o franchising Time Out no Mercado da Ribeira até ser vendida em 2015 à Oakley Capital Investments – ainda existe, embora sem actividade. Nas últimas contas apresentadas, relativas a 2022, a Capital da Escrita não teve vendas e só registou gastos de 80 euros, mas ainda possuía activos de 567 mil euros, além de uma dívida ao Estado de quase 142 mil euros. Certo é que os sócios ainda têm esperança de vir a distribuir entre si cerca de 303 mil euros se dissolverem a empresa. Mas isso são outras contas.

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    No caso da Trust in News, a dissolução não é sequer possível; o mais provável será a insolvência, no caso de o PER não ser aprovado face à quase impossibilidade de equilibrar a situação financeira mesmo sem Luís Delgado. De acordo com elementos constantes do PER, a Trust in News apresenta, actualmente, dívidas de cerca de 30 milhões de euros, sendo 8,9 milhões de euros de comparticipações não pagas à Segurança Social e mais 7 milhões de euros respeitam a dívidas fiscais.

    A Impresa – que se ‘safou’ das revistas agora nas mãos de Luís Delgado, mas que teve de suportar imparidades brutais (23,2 milhões de euros) que lhe impactou as contas em 2017 – é o terceiro principal credor da Trust In News, reivindicando 4,2 milhões de euros. Mas o negócio concretizado em 2018 continua, apesar da fiscalização das contas da Impresa pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), envolto em obscurantismo, porque só indirectamente se tem uma estimativa sobre os valores efectivamente pagos por Luís Delgado após a venda.

    Também relevante é o ‘calote’ da Trust in News ao Novo Banco: 3,5 milhões de euros, uma parte dos quais foram financiamento para o pagamento de uma parte da compra das revistas à Impresa, o que significa que Luís Delgado adquiriu as revistas à conta de calotes e empréstimos não pagos. Fica ainda na dúvida sobre quem, no Novo Banco, sob intervenção do Fundo de Resolução, concedeu autorização de milhões para uma empresa com um capital social de apenas 10 mil euros

    Em 2018, Luís Delgado, à esquerda, prometeu comprar as revistas da Impresa por 10,2 milhões de euros. Seis anos depois, o negócio afecta a credibilidade e a independência dos media, deixando um rasto de dívidas. (Foto: D.R.).

    Sabe-se também que existem cerca de 170 credores da Trust in News que, além dos acima referidos, incluem os CTT (1,86 milhões de euros), o BCP (922 mil euros), a Associação Portuguesa de Imprensa (36.305 euros), a Lusa (27.575 euros), a Reuters (25.403 euros), a APCT – Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (21.072 euros), o Sport Lisboa e Benfica (8824 euros), a Associação Nacional de Jovens Empresários (4320 euros), à Misericórdia do Porto (2.331 euros), o Facebook (480 euros) e ainda a empresa unipessoal do apresentador Cláudio Ramos (3.400 euros). E há também, conforme apurou o PÁGINA UM, antigos jornalistas da Visão que são credores da empresa, no âmbito de processos de rescisão, como são os casos de Cláudia Lobo, Rosa Ruela; Sara Belo Luís e Cesaltina Pinto. Até ao Sindicato dos Jornalistas são devidas verbas, mostrando assim que a Trust in News não enviava para a estrutura sindical as quotas descontadas do salário. O PÁGINA UM confirmou junto do Sindicato dos Jornalistas a existência de atrasos no envio das quotas de jornalistas sindicalizados, o que também constitui crime.

    Luís Delgado, que mantém silêncio sobre a situação da Trust in News desde que lançou o PER, continua, em todo o caso, a fazer as suas frequentes curtas crónicas no site da revista Visão. Numa delas, no passado dia 13 de Março, a pretexto da greve dos jornalistas, chegou a defender que “esta nova AR [Assembleia da República] e Governo têm o dever e a obrigação de prestar a mais básica atenção a toda a Comunicação Social”. E acrescentava: “Era o que faltava preocuparem-se apenas com a RTP, RDP e Lusa. Merecem, sem dúvida, mas são a ínfima parte da Imprensa em Portugal”, concluindo que “com a Imprensa em greve, está suspenso um dos pilares fundamentais e independentes da Democracia. Assim não pode ser!”


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  • Assessoria de comunicação: os negócios públicos ao sabor do ajuste directo e do ‘amiguismo’

    Assessoria de comunicação: os negócios públicos ao sabor do ajuste directo e do ‘amiguismo’

    Se um presidente do Tribunal Constitucional acha que pode contratar por ajuste directo uma empersa de comunicação apenas por obra e graça da sugestão de um amigo (neste caso, um antigo presidente do Supermo Tribunal de Justiça), que mal haverá se de entre 1.298 contratos similares, detectados pelo PÁGINA UM, apenas 39 tenham sido sujeitos a prévio concurso público, com concorrência directa? Para quem faz do ‘amiguismo’ e da deslealdade na livre concorrência, uma forma de gestão dos dinheiros públicos, nenhum. Mas para quem acha que o Código dos Contratos Públicos é mais do que um conjunto de regras e princípios para serem contornados com esquemas, então talvez ache que não pode suceder que em cada 100 contratos públicos no sector da comunicação pública haja 97 a serem entregues de ‘mão-beijada’.


    João Caupers, o ex-presidente do Tribunal Constitucional que contratou por ajuste directo a agência de comunicação Wonderlevel Partners porque lhe foi sugerida por um antigo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, conforme relatou uma investigação do Público, constitui o símbolo da decadência do actual regime de contratação pública, onde os princípios da transparência, da livre concorrência e da boa gestão dos recursos públicos são menorizados perante os “amiguismos”, que levam até à corrupção moral e financeira.

    Se os casos da contratação da Wonderlevel Partners, de Luís Bernardo – um socialista muito próximo da governação de José Sócrates mas que continuou a manobrar bem nas águas dos Governos Costa –, estão agora na ordem do dia, depois das buscas realizadas esta quinta-feira em vários locais, entre os quais a Câmara de Oeiras, na verdade o mundo das agências de comunicação, algumas integrando consultadoria e outras componentes de marketing, vivem – e muitas bem – através de contratos de ‘mão-beijada’, ou seja, por ajustes directos.

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    Em muitos casos, devido aos limites do Código dos Contratos Públicos – que limitam os ajustes directos para este tipo de serviços tanto em montante, como em sequência –, o ‘truque’ passa por lançar – ou simular – uma consulta prévia a outros dois potenciais concorrentes. Em muitos casos, nem sequer existe resposta dos outros dois, não apenas por uma espécie de pacto de não-agressão neste mundo de negócios, mas também por se saber que esse procedimento está ‘viciado’, isto é, serve apenas para legalizar uma escolha já antecipadamente feita.

    Uma coisa é certa, conforme constatou uma investigação do PÁGINA UM: encontrar no Portal Base um concurso público para a contratação por uma entidade pública de serviços de comunicação ou de assessoria de imprensa é como apanhar agulha em palheiro. Até porque nem sequer há ‘agulhas’ na cultura das entidades públicas na hora de contratar quem lhes ‘faz’ a imagem.

    Num levantamento que envolveu a análise dos contratos públicos de 42 empresas que se dedicam em exclusivo ou sobretudo a serviços de comunicação, constata-se a existência de apenas 39 concursos públicos, no valor de cerca de 3,5 milhões de euros, num universo de 1.298 contratos de todo o género, que envolveram mais de 37,5 milhões de euros. Ou seja, em 100 contratos de comunicação, apenas três são antecedidos por concurso público. Em termos de montante, os concursos públicos representam 9% do total.

    Para este ‘desempenho’ mesmo assim destaca-se a Creative Minds, uma empresa que também desenvolve actividade de marketing e consultadoria, e que, por isso, contabiliza 20 contratos por concurso público e ‘apenas’ 43 por ajuste directo e consulta prévia. Se retirarmos essa empresa, só se detectam 19 concursos públicos nas outras 41 empresas, sendo que 29 nunca souberam o que é ganhar um contrato com concorrência a sério.

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    De entre todas as empresas, a LPM – fundada por Luís paixão Martins – é aquela que está no topo dos contratos sem concorrência decente. Desde 2008, altura em que começaram a ser registados os contratos no Portal Base, a empresa facturou cerca de 5,7 milhões de euros a entidades públicas, sendo que o período de ouro foi o triénio 2009-2011, ultrapassando mais de 2,3 milhões de euros nesses anos. Quase tudo foi por ajuste directo. Nos anos seguintes decaiu a sua facfuração pública, sobretudo por via da drástica diminuição dos ajustes directos. A partir de 2018, os ajustes directos em cada ano foram já sempre largamente inferiores aos contratos por outros procedimentos, designadamente concurso público, concurso limitado por prévia qualificação e consulta prévia.

    O ano 2022 foi para a LPM um ano atípico: mesmo facturando mais de 716 mil euros em contratos público, nenhum dos seis contratos foi por ajuste directo, tendo a maior parte da receita sido obtida através de quatro concursos públicos. No total, a LPM contabiliza cinco contratos após concurso público, num volume de negócios de 516 mil euros, que representam 9% da sua facturação com entidades públicas.

     Em todo o caso, analisando todo o período temporal a partir de 2008, a LPM viveu de ajustes directos nas suas relações com entidades públicas. De um total de 120 contratos, 90 foram por ajuste directo, 21 por consulta prévia, quatro por concurso limitado por prévia qualificação e apenas cinco por concurso público. Neste caso, os contratos através de concursos públicos ocorrerem em 2022 e 2023, sendo que o de maior montante (177.838 euros) foi assinado com a EMEL e terminou recentemente.

    Em termos de volume facturação, quase dois terços (63%) do montante dos contratos públicos da LPM foram por ajuste directo (3,6 milhões de euros), sendo que os concursos públicos atingiram um valor de pouco mais de 516 mil euros, o que representa 9% do total.

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    A segunda empresa com maior facturação pública é a First Five Consulting, que também estará a ser investigada no processo que envolve Luís Bernardo. Com um crescente domínio no mundo comunicacional, a empresa detida formalmente por Rui Farias, conta com 131 contratos públicos no valor de 4.956,171 euros, Não há um contrato sequer ganho por concurso público. Tudo feito por ajuste directo e consulta prévia, isto é, resolvido por telefone, correio electrónico, reuniões ou outras confraternizações.

    A Wonderlevel Partners é a terceira com maior facturação a entidadEs públicas, apesar de nos anos mais recentes ter ultrapassado a LPM. Considerando os contratos a partir de 2012, apenas 315 mil euros numa facturação de quase 3,6 milhões de euros foram provenientes de contratos após  concurso público.  Esse montante corresponde apenas a um concurso público aberto pelo município do Barreiro, tendo sido assinado o contrato em Janeiro do ano passado. O contrato permite, porém, que a edilidade prescinda dos serviços ao fim de cada ano, pelo que apenas está garantida uma verba de 105 mil euros em cada um dos três períodos.

    Este é, no entanto, um caso absolutamente excepcional no histórico da Wonderlevel Partners, que conta agora com exactos 100 contratos públicos, sendo que 45 são por ajuste directo e 54 por consulta prévia. No entanto, as relações comerciais contínuas entre a Wonderlevel e certas entidades públicas mostra à evidência que a opção pela consulta prévia, em vez do ajuste directo, não se deve ao interesse em permitir a concorrência ou serviços a preços mais adequados. Mostra ser, sobretudo, um truque para contornar os limites do Código do Contrato Público aos ajustes directos.

    Volume de negócios e número de contratos públicos (total e por concurso público) celebrados por empresas de comunicação e assessoria de imprensa. Fonte: Portal Base.

    Um exemplo paradigmático – e ainda por cima vindo de uma instituição universitária pública que tem a função de também ensinar o respeito pela transparência e boas práticas de gestão dos dinheiros públicos – passa-se com a Universidade Nova de Lisboa que nos últimos seis anos tem celebrado sucessivos contratos com a empresa de Luís Bernardo, ora por ajuste directo, ora por consulta prévia (para a qual, na generalidade dos casos, os outros convidados nem respondem  por saberem ser uma consulta ‘viciada’, uma espécie de ‘pro forma’).

    Em 2018 houve um ajuste directo e uma consulta pública; no ano seguinte dois ajustes directos; em 2020, mais um ajuste directo que ‘obrigou’ a fazer uma consulta prévia em 2022; e a seguir em 2023 houve mais um ajuste directo e duas consulta prévia. Este ano já houve mais uma consulta prévia. Em resumo, em seis anos, a Universidade Nova de Lisboa entrega 10 contratos sem concorrência num montante que já vai em 268.525 euros.

    Com contratos públicos acima de um milhão de euros, o PÁGINA UM detectou para além das quatro já referidas (LPM, First Five Consulting, Wonderlevel Partners e Creative Minds), outras cinco: Essência Completa, Mediana, Multicom, YoungNetwork e Unimagem. No conjunto, estas empresas celebraram 301 contratos no valor de quase 7,5 milhões de euros, mas destes somente sete foram por concurso público, que representaram menos de 900 mil euros.

    Em empresas de pequena e média dimensão, que desenvolvem em muitos casos uma actividade de regional, nota-se ainda mais a ausência de contratos ganhos em concurso público. Essa situação é demonstrativo de se estar perante empresas que obtêm os contratos por ajuste directo ou consultas prévias por via de relacionamentos pessoais com os gestores públicos, incluindo presidente de autarquias.

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    Com efeito, na amostra das 33 empresas com menos de um milhão de ‘facturação pública’, apenas se encontram seis contratos por concurso público num universo de 583. Ou seja, apenas um contrato ganho por concurso público em cada 100. Em termos de montante, esses seis contratos representaram apenas 2,5%.

    No caso das empresas com menos de 500 mil euros de ‘facturação pública’, então o ajuste directo (complementado pelas consultas prévias, grande parte das quais simulada) é rei e senhor: em 220 contratos assinados, grande parte dos quais com valores que nunca passam dos 20 mil euros, só se encontra um por concurso público. Aqui é onde as amizades valem literalmente euros… públicos.


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  • Trust in News: sem pagar nada, empresa de 10 mil euros já vai em ‘calotes’ de 30 milhões

    Trust in News: sem pagar nada, empresa de 10 mil euros já vai em ‘calotes’ de 30 milhões

    Por agora, são 170 os credores da Trust in News, que até incluem o apresentador Cláudio Ramos, embora o apresentador da TVI tenha ficado a ‘arder’ com apenas 3.400 euros. Pior está o Estado, que é credor de quase 16 milhões de euros. O colapso da empresa unipessoal do ex-jornalista Luís Delgado é uma das estórias mal contadas do jornalismo português, porque surge apenas seis anos depois de um suposto negócio de sucesso, quando a Trust in News comprou diversos títulos, com a revista Visão à cabeça, prometendo pagar 10,2 milhões de euros à Impresa. Afinal, só pagou cerca de um terço, usando um empréstimo do Novo Banco, a quem deu calote, e foi construindo sem incómodo um passivo que vai já nos 30 milhões de euros. Mais de metade são dívidas à Segurança Social e à Autoridade Tributária e Aduaneira. Tudo com a ‘protecção’ do Governo de António Costa, que, desde o ano passado, quando o PÁGINA UM descobriu o ‘buraco’ da dona da Visão, nunca esclareceu como era possível uma empresa com capital social de 10 mil euros manter actividade com um tão elevado grau de incumprimento perante o Estado.

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    Há quase um ano, em 24 de Julho de 2023, o PÁGINA UM revelava, num dos ‘segredos’ mais escondidos da crise financeira dos media, assente em cumplicidade política ao mais alto nível governamental, que a Trust in News – a empresa unipessoal do ex-jornalista Luís Delgado – tinha uma dívida astronómica ao Estado, e que até a escondia da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Nessa primeira investigação, destacava-se que a dona da revista Visão – e de mais uma dezena e meia de títulos, comprados à Impresa em 2018 – tinha uma dívida ao Estado que já se encontrava, em 2022, nos 11,4 milhões de euros, um aumento de 3,2 milhões face ao ano anterior.

    O montante dessa astronómica dívida, que representava já 42% do passivo da empresa, não era assumido nem identificado quer pelo Ministério das Finanças quer pelo Ministério da Segurança Social. Este último, então liderado por Ana Mendes Godinho, nem sequer respondeu ao PÁGINA UM quando questionado. E o Ministério das Finanças, então chefiado por Fernando Medina, embora tenham sido colocadas diversas questões específicas, respondeu apenas “A AT [Autoridade Tributárias e Aduaneira] não se pronuncia sobre a situação tributária de contribuintes específicos, incluindo a tributação de operações concretas, pois estão protegidas pelo dever de sigilo fiscal, previsto no artigo 64º da Lei Geral Tributária”.

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    No decurso dessa primeira notícia, à qual se seguiriam outras, a então directora da revista Visão, Mafalda Anjos, chegou a rotular de “fantasiosos” os trabalhos de investigação jornalística do PÁGINA UM. E durante largos meses, a imprensa mainstream, quase toda com dificuldades financeiras, foi ‘escondendo’ o elefante que se passeava pela sala. E a ERC ‘assobiava’ para o ar. Até há cerca de um mês, quando deu entrada no Tribunal de Sintra um pedido de Processo Especial de Revitalização (PER), tendo o PÁGINA UM confirmado, mais uma vez em primeira mão, no passado dia 4 de Junho, que a empresa de Luís Delgado tinha também dívidas à Segurança Social, o que consubstanciava um eventual crime. O PÁGINA UM apontava então que as dívidas ao Estado já teriam ultrapassado os 14 milhões de euros, sendo que o passivo rondava os 30 milhões de euros.

    E assim é. De acordo com elementos constantes do PER, a Trust in News apresenta mesmo dívidas de cerca de 30 milhões de euros, dos quais 15,9 milhões são ao Estado. Deste montante, 8,9 milhões de euros são de comparticipações não pagas à Segurança Social e 7 milhões de euros respeitam a dívidas fiscais. Saliente-se que o plano de recuperação proposto apenas será aprovado com o voto favorável das entidades estatais, o que a suceder com o Governo Montenegro constitui um regime de proteccionismo a grupos de media que não cumprem as normas legais. Recorde-se que em apenas cinco anos, o então Governo de António Costa permitiu que o grupo de revistas da Trust in News subisse o ‘calote’ até aos 15 milhões ao Estado, sem nunca sequer passar pela lista de devedores. E isto numa empresa com um capital social de apenas 10 mil euros.

    A Impresa – que se ‘safou’ das revistas agora nas mãos de Luís Delgado, mas que teve de suportar imparidades brutais (23,2 milhões de euros) que lhe impactou as contas em 2017 – é o terceiro principal credor da Trust In News, reivindicando 4,2 milhões de euros. Mas o negócio concretizado em 2018 continua, apesar da fiscalização das contas da Impresa pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), envolto em obscurantismo, porque só indirectamente se tem uma estimativa sobre os valores efectivamente pagos por Luís Delgado após a venda.

    Em 2018, Luís Delgado, à esquerda, prometeu comprar as revistas da Impresa por 10,2 milhões de euros. Seis anos depois, o negócio afecta a credibilidade e a independência dos media, deixando um rasto de dívidas. (Foto: D.R.).

    Foi anunciado no início de 2018 que a transacção seria de 10,2 milhões de euros, mas nas contas da Imprensa surgem sucessivas renegociações. Nas contas de 2023, o grupo de Pinto Balsemão assumiu já que não esperava vir a receber 2,5 milhões de euros. Assim, se consideramos que ainda está em dívida 4,2 milhões de euros, então Luís Delgado apenas pagou à Impresa 3,5 milhões de euros, através de um empréstimo do Novo Banco. Ora, como o ‘calote’ da Trust in News ao Novo Banco é de 3,5 milhões de euros, significa que Luís Delgado adquiriu as revistas à conta de calotes e empréstimos não pagos.

    Hoje, o Jornal de Negócios adiantou ainda um rol com alguns dos 170 credores da Trust in News que, além dos acima referidos, incluem os CTT (1,86 milhões de euros), o BCP (922 mil euros), a Associação Portuguesa de Imprensa (36.305 euros), a Lusa (27.575 euros), a Reuters (25.403 euros), a APCT – Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (21.072 euros), o Sport Lisboa e Benfica (8824 euros), a Associação Nacional de Jovens Empresários (4320 euros), à Misericórdia do Porto (2.331 euros), o Facebook (480 euros) e ainda a empresa unipessoal do apresentador Cláudio Ramos (3.400 euros).


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  • Mineração no mar profundo português: moratória ficou em ‘águas de bacalhau’

    Mineração no mar profundo português: moratória ficou em ‘águas de bacalhau’

    O Parlamento português tinha aprovado, na generalidade, um projecto de lei proposto pelo Pessoas–Animais–Natureza (PAN) que visava impedir a exploração de minerais em mar profundo até 2050 em águas territoriais e na Zona Económica e Exclusiva. Mas a queda do Governo, em Novembro passado, atirou o diploma para a pasta de arquivo dos ‘caducados’. O PAN já avançou com nova proposta no Parlamento para fixar uma moratória, mas a discussão da proposta ainda não tem data marcada. O consórcio ambientalista ANP/WWF Portugal reuniu na semana passada com a secretária de Estado do Mar, Lídia Bulcão, e defende ser urgente que o Governo e a Assembleia da República garantam a proteção dos ecossistemas marinhos através de uma moratória, contrariando as diligências já tomadas pelo Governo da Noruega, que decidiu avançar com o projecto de mineração em mar profundo. [Pode ler AQUI a reportagem do jornalista Boštjan Videmšek na Noruega, que publicámos hoje, em exclusivo em português, no PÁGINA UM].


    Voltou à estaca zero o plano para proteger o fundo mar português da exploração de minérios. Um projecto de lei da autoria do partido Pessoas Animais Natureza (PAN), que deu entrada na Assembleia da República em Julho de 2022, propunha uma moratória à mineração em mar profundo em águas nacionais até 2050, mas acabou por caducar na sequência da queda do Governo de António Costa.

    O diploma chegou a ser aprovado no Parlamento, na generalidade, em Outubro do ano passado, mas ainda não tinha cumprido os trâmites processuais, em termos de discussão na especialidade da Assembleia da República, para poder entrar em vigor. Com a dissolução da Assembleia da República no decurso das legislativas de Março, tudo o que foi feito se perdeu. O PAN já avançou, entretanto, com a apresentação de uma nova iniciativa no mesmo sentido, mas aguarda ainda data para a ver discutida pelos deputados.

    Octópode de mar profundo (Sauroteuthis syrtensis) que se pode encontrar a 800 metros de profundidade no Oceano Atlântico.
    (Foto: WWF).

    “Infelizmente, e devido à realização de eleições antecipadas esta proposta não pode ser foi concluída e acabou por caducar (como todas as outras que se encontravam em situação idêntica)”, lamentou o PAN, em resposta a questões colocadas pelo PÁGINA UM. O partido garante que “não deixará cair este tema”.

    “Apesar de o Governo português ainda não ter aplicado o princípio da precaução em relação às águas nacionais , sabe-se que uma moratória em toda a ZEE [Zona Económica e Exclusiva] e plataforma continental estendida, protegeria uma grande percentagem dos mares europeus, como defendem aliás também várias associações ambientalistas com quem temos estado em contacto”, defendeu o partido.

    Para a Associação Natureza Portugal, que no nosso país trabalha em consórcio com a World Wide Fund for Nature (WWF) é urgente que seja aprovada uma moratória para proteger o fundo do mar da indústria de exploração de minérios. “A mineração em mar profundo destina-se a extrair minerais como cobalto, níquel e lítio do fundo do mar, com máquinas gigantescas e poderosíssimas a operar em condições muito adversas e arriscadas (elevada profundidade e sujeitas a grande pressão), destruindo localmente ecossistemas e perturbando outros a largos milhares de quilómetros em redor”, disse Bianca Chaim Mattos, coordenadora de Políticas da ANP/WWF ao PÁGINA UM.

    Larva de estrela-do-mar (Luidia sarsi) no oceano Atlântico profundo.
    (Foto: WWF)

    Para esta responsável da organização ambientalista, “em Portugal, 2023 foi um ano de grandes avanços políticos nesta matéria, com a posição precaucionária defendida pelo Governo nas reuniões da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês) e também pelo posicionamento maioritário da Assembleia da República contra esta atividade, através da aprovação na generalidade do Projeto de Lei 230/XV/1 do PAN para estabelecer uma moratória à mineração em mar profundo”.

    A ANP/WWF defende que “é urgente que o Governo e a Assembleia da República retomem o processo para estabelecer uma moratória à mineração em mar profundo em águas nacionais, garantindo assim a proteção dos nossos ecossistemas marinhos”. “Infelizmente, alguns países, como a Noruega, já sucumbiram aos interesses económicos em detrimento da proteção da natureza, permitindo a exploração mineira de parte dos seus mares, o que serve de alerta para o nosso país”, lamentou Bianca Chaim Mattos.

    A Noruega aprovou o avanço da exploração de minérios em mar profundo, o que está a gerar contestação e protestos de organizações ambientalistas, nomeadamente a WWF que processou o Governo norueguês. [Pode ler a reportagem do jornalista Boštjan Videmšek na Noruega publicada hoje no PÁGINA UM]. Em Portugal, a ANP/WWF também defende que o país deve apoiar a moratória para águas internacionais. “O Governo português deve continuar a defender ativamente uma moratória à mineração em mar profundo em águas internacionais, principalmente nas reuniões da ISA”, argumentou Chaim Mattos.

    Ilha de São Miguel, Arquipélago dos Açores. Em 2023, a Assembleia Regional dos Açores aprovou uma resolução para uma moratória até 2050 à mineração em mar profundo. Mas cabe ao Governo dos Açores dar seguimento a esta resolução.
    (Foto: D.R.)

    Por outro lado, a organização ambientalista também considera importante “promover o conhecimento científico”, pelo que recomenda que “o Governo deve investir em projetos científicos para melhor compreender os ecossistemas de mar profundo e os impactos potenciais da mineração”. Segundo Bianca Chaim Mattos, “sabemos menos sobre o mar profundo do que sabemos sobre a lua”. Lembrou que “perturbações num único local de exploração mineira poderiam aniquilar espécies inteiras”. “As consequências podem ser dramáticas para a biodiversidade, para as comunidades costeiras e para a saúde humana”, avisou a coordenadora da ANP/WWF Portugal.

    “Face ao desconhecimento dos efeitos potencialmente devastadores da atividade mineira em mar profundo, as Organizações Não Governamentais de Ambiente que trabalham este tema consideram que os governos de todo o mundo devem aplicar o princípio da precaução, declarando já uma moratória a esta atividade em todas as áreas marinhas sob a sua jurisdição nacional, e defender o mesmo para as águas internacionais, pois permitir a mineração em ambientes tão pristinos e valiosos sem termos o conhecimento necessário é um retrocesso, e não um passo à frente rumo a um futuro sustentável, equilibrado e equitativo”, recomendou.

    Segundo a coordenadora da ANP/WWF, a organização “tem mantido conversas e reuniões com várias partes interessadas sobre esta questão, aliadas também com duas ONGA com implantação no território português: a Sciaena e Sustainable Ocean Alliance (SOA)”.

    A organização ambientalista ANP/WWF reuniu na semana passada com Lídia Bulcão, secretária de Estado do Mar, para “discutir a importância de manter uma abordagem precaucionária em relação à mineração em mar profundo e estabelecer o quanto antes uma moratória”. (Foto: D.R.)

    “Ainda esta semana [na semana passada] nos reunimos com a Secretária de Estado do Mar, Lídia Bulcão, para discutir a importância de manter uma abordagem precaucionária em relação à mineração em mar profundo e estabelecer o quanto antes uma moratória. Temos feito o mesmo apelo junto de vários partidos representados na Assembleia da República, principalmente aqueles que tiveram um papel ativo na aprovação do referido projeto de lei”, disse.

    Bianca Chaim Mattos relembra “as ações de ‘advocacy’ junto do Governo dos Açores e dos partidos açorianos”, que teve os seus frutos: no ano passado, a Assembleia Regional dos Açores aprovou uma resolução para uma moratória até 2050 à mineração em mar profundo. No entanto, cabe ao Governo dos Açores dar seguimento a esta resolução – e ainda não é totalmente claro se e quando o fará.

    Contactados os Ministérios da Economia e do Ambiente, ainda não foi possível obter um comentário do Governo sobre este tema.


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  • Jantar da Presidência: 54 mil euros deu para alguns encherem ‘a barriga de Camões’

    Jantar da Presidência: 54 mil euros deu para alguns encherem ‘a barriga de Camões’

    No célebre poema Cena do Ódio, escrito de um jorro em 1915, Almada Negreiros vociferava: “E inda há quem faça propaganda disto: a pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões”. Exageros de vate à parte, até por os versos seguintes fazerem referências pouco abonatórias, e injustas, à beleza das mulheres portuguesas, na verdade nem todos enchem “a barriga de Camões”; mas quem a enche, enche-a bem. Eis uma história exemplar de um repasto escondido (e irregular) no Dia de Portugal e de Camões, que custou quase 54 mil euros à Presidência da República, na coimbrã Quinta das Lágrimas, ligada à família da ministra da Justiça, Rita Júdice, e que está numa situação financeira de ‘ir às lágrimas’. Está em falência técnica.


    No âmbito das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, no início deste mês a Presidência da República destacava que teriam lugar em Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Coimbra e em Genebra, Berna e Zurique, na Suíça. No caso da cidade do Mondego, a nota salientava que, acompanhado por Luís Montenegro, Marcelo Rebelo de Sousa visitaria a Biblioteca Joanina e presidiria à Cerimónia Evocativa dos 500 anos de Camões, que se realizou na Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra, “terminando o dia com um espectáculo musical no Páteo das Escolas”.  

    No próprio dia 10 de Junho, a Presidência da República divulgava, em destaque o cerimonial na Universidade de Coimbra, que demorou uma hora e meia, profusamente fotografado, e também o concerto nocturno “Eram tudo memórias de alegria”, no Pátio das Escolas. Mas nada se referiu nem se fotografou nas horas de intervalo entre o cerimonial e o tal concerto. E não foi por ter sido período particularmente desagradável, pelo contrário.

    Hoje, o Portal Base revela o que se passou entre esses dois momentos: um jantar de gala na Quinta das Lágrimas, um local ligado a Camões – por ser o poeta que eternizou a fonte ligada aos amores de Pedro e Inês –, mas também à actual ministra da Justiça, por via da família Júdice, que gere a empresa que beneficiou do ajuste directo no valor de 53.924,93 euros.

    De acordo com Portal Base, o contrato foi adjudicado pela Secretaria-Geral da Presidência da República no passado dia 29 de Maio por ajuste directo, alegando-se uma norma do Código dos Contratos Público que não poderia ser invocada, porque apenas se aplica a contratos de valor inferior a 20 mil euros, sendo que o contrato ficou próximo dos 54 mil euros. No limite, a Presidência da República teria sempre pelo menos de fazer uma consulta prévia a pelo menos três entidades, tendo em conta que tal já se pode aplicar quando os contratos são inferiores, como foi o caso, a 75 mil euros.

    Não se sabe também, até pela ausência de fotografias, quantos convidados estiveram presentes, uma vez que não houve sequer contrato escrito, justificando-se essa ausência, impedindo assim o estabelecimento de um preço unitário, com recurso a mais uma norma de excepção que prescinde desse acto de transparência se a aquisição de serviços se fizer no prazo máximo de 20 dias e for de imediato consumido.

    Jantar ‘oferecido’ na Quinta das Lágrimas foi exclusivo para académicos, políticos e diplomatas presentes nas efeméride do Dia do Camões.

    A única informação oficial é a breve descrição do objecto do contrato: “Jantar de abertura das comemorações dos 500 Anos de Camões oferecido por SEXA PR ao Corpo Diplomático e entidades académicas da Universidade de Coimbra – Catering, palamenta, iluminação, som e estruturas”.

    Saliente-se que a empresa Quinta das Lágrimas, fundada nos anos 90 por José Miguel Júdice, deixou de ser familiar, estando agora sob controlo (60%) pela Oxy Capital, uma sociedade gestora detida por Miguel Callé Lucas, que também tem participações na imprensa regional, surgindo mesmo como director-adjunto do Diário de Leiria. No entanto, o administrador-delegado continua a ser Miguel Júdice, filho de Luís Miguel Júdice e irmão da ministra da Justiça, Rita Júdice, que há pouco mais de uma década chegou a ser administradora da Quinta das Lágrimas.

    A empresa Quinta das Lágrimas já viveu, aliás, tempos muito mais bonançosos, que teve o seu auge no início do século quando chegou a ter o seu restaurante Arcadas com uma estrela Michelin. Embora ainda não tenha apresentado contas referentes ao ano passado, os prejuízos de 2022, superiores a 423 mil euros, apenas contribuíram para agravar uma situação financeira desesperante.

    Mesmo escolhida para um ajuste directo irregular pela Presidência da República, a empresa da Quinta das Lágrimas está em falência técnica.

    A empresa manteve-se em falência técnica, já com um capital próprio negativo em 2022 a superar os 3,8 milhões de euros, apresentando um passivo de 18,1 milhões de euros. Grande parte deste montante, cerca de 14 milhões de euros, era financiamento bancário, o que torna o seu futuro praticamente insustentável. Em 2022, quando as taxas ainda estavam baixas, a empresa teve de desembolsar mais de 347 mil euros em juros.

    O jantar da Presidência da República, por isso, não vai, em abono da verdade, salvar a situação financeira da Quinta das Lágrimas que, pela análise das demonstrações financeiras, é quase de ‘ir às lágrimas’.


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  • Na região mais pobre, Ponta Delgada paga a 600 magistrados um jantar de 100 euros por estômago

    Na região mais pobre, Ponta Delgada paga a 600 magistrados um jantar de 100 euros por estômago

    Há 75 mil açorianos pobres, quase um terço da população do arquipélago, mas a autarquia de Ponta Delgada ficou tão agradada em ter o Congresso do Ministério Público na sua terra que achou boa ideia oferecer ao sindicato organizador, através de uma empresa municipal, o repasto de encerramento. E não foi um jantar volante com garrafas de sumo: foi um opíparo jantar de gala que custou quase 63 mil euros, ficando assim em cerca de 100 euros por cada estômago. Além disto, por ironia, apesar do discreto mas majestático evento ter-se realizado no início de Março, a empresa municipal demorou mais de dois meses a assinar o contrato com o empresário que forneceu o jantar, o que significa que esta refeição teve contornos de ilegalidade. As entidades envolvidas – o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, a autarquia de Ponta Delgada e a empresa municipal Coliseu Micaelense – também não quiserem explicar os fluxos financeiros no âmbito do congresso, que envolveram outros apoios e pagamentos.


    Quase um em cada três açorianos (31,4%) estava em risco de pobreza no ano passado, divulgou ontem o Instituto Nacional de Estatística, mas isso não incomodou a autarquia de Ponta Delgada que, através da empresa municipal Coliseu Micaelense, se dispôs a suportar os encargos do jantar de gala de encerramento do recente congresso organizado pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP). A ‘prova do crime’ – ou seja, o uso de dinheiros públicos para custear seis centenas de refeições de luxo, na noite de 2 de Março –, foi agora descoberta pelo PÁGINA UM no autêntico ‘palheiro’ que é o Portal Base, sendo que a empresa municipal da autarquia açoriana, com liderança social-democrata, apenas consumou a contratação por ajuste directo mais de dois meses depois do repasto, o que, além de tudo o resto, constitui uma violação das normas do Código dos Contratos Públicos.

    Embora o congresso tenha sido uma iniciativa exclusiva de um sindicato, foi a empresa municipal Coliseu Micaelense, que gere o teatro local onde também se realizou o congresso, que decidiu contratar os serviços de catering para o jantar de encerramento. A factura, com IVA, chegou aos 62.655 euros, o que, considerando a capacidade oficial do espaço para jantares (599 lugares), e as informações sobre o número de participantes, representa um custo médio para o erário público de cerca de 100 euros por estômago. Além disto, também houve outros apoios financeiros da autarquia de Ponta Delgada, estabelecidos através de um protocolo, mas cujos termos se desconhecem, uma vez que tanto o município como o SMMP não o quiseram disponibilizar ao PÁGINA UM. Refira-se, em todo o caso, que no site do congresso não surge, até agora, a menção a quaisquer patrocinadores.

    Realizado entre os dias 29 de Fevereiro e 2 de Março, este congresso, o décimo terceiro, foi promovido, como habitualmente, pelo SMMP, tendo tido a presença da própria procuradora-geral da República, Lucília Gago. O encerramento contou com a presença do presidente do Governo Regional dos Açores, José Manuel Bolieiro. O último dia coincidiu com o congresso da União Internacional de Procuradores e Promotores do Ministério Público dos Países de Língua Portuguesa, onde se debateu a independência e o estatuto socioprofissional dos magistrados do Ministério Público.

    Acabados os trabalhos, a independência aos ‘costumes disse nada’, e as bocas e estômagos dos magistrados e convidados saciaram-se num repasto de 100 euros em pleno teatro com as mesas convenientemente montadas na zona da plateia e primeiro balcão. Apesar de o PÁGINA UM ter pedido esclarecimentos, por duas vezes, e feito um contacto telefónico à empresa municipal Coliseu Micaelense sobre as razões para ter suportado os custos de um jantar de gala ao preço de 100 euros por cabeça, não se obteve qualquer resposta.

    Em todo o caso, o contrato de aquisição do jantar por ajuste directo é inequívoco: foi a empresa municipal Coliseu Micaelense a contratar por ajuste directo um empresário em nome individual, Carlos Fernando Santos Furtado – que nunca antes fizera qualquer negócio com entidades públicas –, que gere um negócio de catering no concelho da Lagoa, usando a marca Q’enosso. Esta denominação é a mesma de uma empresa que Carlos Furtado dissolveu em 2018. É, aliás, através da página no Facebook do Q’enosso que se identificam as únicas fotografias do jantar, mas antes da chegada dos convivas. Numa das fotos surge o menu, embora ilegível.

    Lucília Gago, procuradora-geral da República, esteve presente no Congresso do Ministério Público. À direita, num dos almoços, mais frugal, com sumos de garrafa à disposição.

    Curiosamente, no site do congresso, apesar de constaram largas dezenas de fotografias do evento, não surge qualquer imagem do jantar de gala. Somente aparecem algumas fotos das refeições mais informais e frugais, realizadas na marina, no decurso dos três dias da programação. Numa dessas refeições até surge a procuradora-geral da República sentada a uma mesa onde se vê garrafas de sumo ‘industrial’, o que denuncia que essas não custaram certamente 100 euros por cabeça.

    Apesar da existência da prova factual de o jantar ter sido pago pela empresa municipal da autarquia de Ponta Delgada, presidida pelo social-democrata Pedro Nascimento Cabral, advogado de profissão, o SMMP não admite que tenham sido dinheiros públicos a custear o derradeiro repasto do seu congresso. A assessoria de imprensa do SMMP, relevando ter este congresso sido ainda organizado pela anterior direcção – presidida por Adão Pedro, substituído em Abril por Paulo Lona –, salienta que foi celebrado “um protocolo com a autarquia de Ponta Delgada, traduzido num apoio financeiro, recebido pelo SMMP, valor pelo qual o SMMP pagou inclusive IVA”, considerando ser “normal, para a realização de eventos desta natureza, recorrer a parcerias pontuais, numa óptica de valorização das entidades envolvidas”.

    Numa segunda fase da investigação do PÁGINA UM, o SMMP admitiu que “foi celebrado, entre outros, um protocolo de cooperação para a organização do XIII Congresso,  entre a CMPD [Câmara Municipal de Ponta Delgada] e o SMMP, conferindo ‘um apoio financeiro, destinado à comparticipação dos custos inerentes à organização do XIII Congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público”, acrescentando que nesse âmbito o sindicato se comprometeu a “aplicar o apoio financeiro atribuído exclusivamente para os efeitos previstos na Cláusula Primeira do protocolo”.  

    A fonte oficial do SMMP diz que, em relação “ao jantar que encerrou o evento […],  assim como de outros serviços prestados pelo Coliseu Micaelense,  os mesmos constam em duas facturas emitidas pelo Coliseu Micaelense (e pagas pelo SMMP) respectivamente, nos valores de 44.283 euros  e 46.0031,67 euros, num total de 90.314,67 euros”. Apesar de se ter pedido, as facturas não foram enviadas ao PÁGINA UM. O SMMP não quis também revelar o protocolo nem as condições aí estabelecidas, incluindo o finaciamento autárquico. Também não explicou que serviços prestados pelo Coliseu Micaelense constam nas duas alegadas facturas nem tão-pouco o motivo para, formalmente, ter sido a empresa municipal a organizar e a pagar um jantar de luxo para um evento daquele sindicato.

    Aspecto das mesas do jantar de gala de encerramento do congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público pago com dinheiros públicos.

    Além disso, como se desconhecem todos os fluxos financeiros entre as três entidades envolvidas – SMMP, autarquia de Ponta Delgada e a Coliseu Micaelense –, a hipótese de o sindicato ter recebido dinheiro da município para depois entregar à empresa municipal mostra-se bastante plausível. Nessas circunstâncias, nada de substancial muda, ou seja, o jantar de gala dos magistrados foi pago com dinheiros públicos.

    Saliente-se que apesar de ser usual a existência de apoios públicos em eventos desta natureza, nomeadamente de cedência de espaços a título gratuito ou com descontos – por exemplo, a preço de tabela, o teatro de Ponta Delgada, onde se realizou o congresso custa 4.500 euros por dia –, não se encontrou nenhum outro caso de uma autarquia a pagar directamente um jantar de gala que fosse da responsabilidade de um sindicato, ainda mais de magistrados do Ministério Público.

    Acrescente-se ainda que a situação financeira do SMMP é desafogada, registando, no ano passado, rendimentos de quase 826 euros e um lucro de 173 mil euros. Nos últimos cinco anos, os lucros acumulados deste sindicato ascenderam aos 680 mil euros e conta actualmente com capitais próprios superiores a 1,7 milhões de euros.

    O PÁGINA UM também contactou a Pocuradoria-Geral da República – que, obviamente, não tem responsabilidade sobre o SMMP – para saber se considerava ético o uso de dinheiros públicos num evento de magistrados do Ministério Público, e em especial para suportar um jantar de gala desta natureza, mas não obteve qualqyer reacção.

    No decurso dos trabalhos do congresso, a frugalidade foi a nota dominante. No fim, o jantar de gala foi ‘outra fruta’, que, talvez por pudor, não surge na galeria de fotos do congresso.

    Evidente, para já, é a irregularidade do contrato face às normas do Código dos Contratos Públicos, uma vez que o ‘repasto de gala’ se realizou no dia 2 de Março, mas o ajuste directo somente foi celebrado no passado dia 10 de Maio, após uma decisão da administração da empresa pública em 17 de Abril. Isto é, o contrato foi celebrado mais de três meses depois da execução do serviço. Nenhum problema haverá para os magistrados que deglutiram os 100 euros de comida e bebida do jantar de gala, mas os administradores da empresa municipal de Ponta Delgada podem vir a ter problemas se o Tribunal de Contas se debruçar sobre este contrato irregular.

    Quanto aos mais de 75 mil açorianos em risco de pobreza – ou seja, os tais 31,4% –, esses continuarão em risco de pobreza, ou melhor, continuarão pobres sem grandes probabilidades, se a gestão de dinheiros públicos se mantiver nesta linha, de saberem sequer o que é um jantar de 10 euros, quanto mais de 100.


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