Etiqueta: Política

  • Em 2022 e 2023, enquanto liderava INEM do Norte, empresas de Gandra d’Almeida facturaram 520 mil euros

    Em 2022 e 2023, enquanto liderava INEM do Norte, empresas de Gandra d’Almeida facturaram 520 mil euros


    As duas empresas do demissionário director executivo do Serviço Nacional de Saúde, Gandra d’Almeida, nas quais foi gerente até meados do ano passado, receberam mais de meio milhão de euros apenas em 2022 e 2023, quando este era em simultâneo director da Delegação Regional do Norte do INEM. Os salários como gerente na Raiz Binária e na Tarefas Métricas, ambas tendo a prestação de serviços de saúde no seu objecto social principal, totalizaram uma verba duas vezes superior ao que auferia no INEM.

    De acordo com uma análise às contas destas duas empresas nos dois exercícios completos em que Gandra d’Almeida liderava o INEM do Norte, a Raiz Binária – criada em 2014, com a então namorada, hoje sua mulher, com sede numa vivenda em Gulpilhares (Vila Nova de Gaia) – facturou 195.633 euros em 2022 e 198.533 euros no ano seguinte. Neste período, como gerente único – e acumulando com o salário de dirigente de direcção intermédia no INEM (cerca de 3.500 euros, incluindo despesas de representação) –, Gandra d’Almeida ‘sacou’ 126.612 euros nos dois anos.

    Gandra d’Almeida foi director da delegação do Norte do INEM entre Novembro de 2021 e Maio de 2024,tendo acumulado a gerência de duas empresas privadas no sector da saúde com um salário médio superior a 6.800 euros.

    Saliente-se, contudo, que nenhum desta facturação provém de contratos inseridos no Portal Base, que inclui todos os contratos públicos. Porém, por vezes existem incompreensíveis atrasos na introdução de registos de contratos. Com efeito, por agora, no Portal Base todos os 13 contratos públicos da Raiz Binária com centros hospitalares foram celebrados entre Julho de 2016 e Junho de 2020, sendo que o último vigorou até meio de 2021, ou seja, antes da entrada em funções de Gandra d’Almeida no INEM do Norte.

    Quanto à Tarefas Métricas, trata-se de uma empresa unipessoal, ou seja apenas detida por Gandra d’Almeida, criada em Junho de 2019, com similares objectos sociais da Raiz Binária: a prestação de serviços como categoria principal, seguindo-se uma actividade imobiliária. A Tarefas Métricas teve, em 2022 e 2023, uma facturação menor do que a da sua ‘irmã’ Raiz Binária: 60.413 euros e 66.214 euros, respectivamente. Mas, mesmo assim, Gandra d’Almeida recebeu, como gerente desta novel empresa, um total de 64.858 euros nesses dois anos.

    Tudo somado, apenas nos dois últimos anos ‘empresariais’ – as contas de 2024 não estão concluídas –, e enquanto liderava o INEM do Norte, Gandra d’Almeida recebeu a título de gerente da Raiz Binária e Tarefas Métricas, sem contabilizar outros recebimentos, um total de 191.470 euros, significando, assim, um salário médio mensal bruto (14 meses por ano) de 6.838 euros.

    Além deste montante ser quase o dobro do montante que Gandra d’Almeida auferia então no INEM do Porto, a gerência de empresas privadas, ainda mais no sector da saúde, mostra-se profundamente incompatível. De acordo com a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, não pode existir acumulação com actividades privadas que sejam concorrentes, similares ou conflituantes com as funções públicas, especialmente quando envolvem conteúdo idêntico ou o mesmo público-alvo de forma permanente ou habitual.

    A acumulação, segundo o diploma de 2014, somente é permitida se as actividades privadas não forem legalmente incompatíveis com as funções públicas, não coincidirem, mesmo que parcialmente, com o horário de trabalho, não comprometerem a isenção e a imparcialidade exigidas e não prejudicarem o interesse público ou os direitos dos cidadãos. Caso sejam praticados actos contrários ou conflituantes com os interesses do serviço público no âmbito das atividades privadas autorizadas, a autorização para acumulação será revogada, configurando ainda uma infracção disciplinar grave.

    Gandra d’Almeida só renunciou à gerência das duas empresas em Maio do ano passado, semanas antes de ser nomeado para o cargo de director executivo do SNS. Além disso, também cedeu as quotas à sua família, à mulher e três filhos menores de 12 anos. No caso da Tarefas Métricas, apesar da gerente ser a sua mulher, uma parte da quota (70%) é da Raiz Binárias e as restantes quotas foram distribuídas pelos três filhos menores de 12 anos, um dos quais terá cerca de três anos, pelo número de identificação fiscal.

    Destaque-se que ambas as empresas têm, como actividade secundária, o sector imobiliário e, no caso da Raiz Binária ainda o alojamento local e o comércio. Contudo, não é conhecida outra actividade efectivamente exercida nas duas empresas e a componente imobiliária servirá, ao que o PÁGINA UM apurou, para encaixar despesas gerais da família de Gandra d’Almeida, uma vez que a sede das duas empresas coincide com a vivenda onde o médico vive com a sua mulher e dois filhos menores.

    Aliás, a empresa Raiz Binária, apesar de um capital social de apenas 100 euros, possui um activo tangível da ordem dos 600 mil euros. Ou seja, ao que tudo indica, o ex-director executivo terá transferido o seu património para a empresa, tanto mais que surge no passivo um endividamento bancário de longo prazo de 316 mil euros, além de outros passivos correntes de 175 mil euros.

    O PÁGINA UM pediu esclarecimentos a Gandra d’Almeida, através do contacto disponível das empresas agora geridas pela mulher com sede na habitação comum, mas ainda não obteve qualquer reacção.


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  • Gouveia e Melo vai poder usar farda durante a (eventual) campanha para as presidenciais

    Gouveia e Melo vai poder usar farda durante a (eventual) campanha para as presidenciais

    Uma fotografia de Gouveia e Melo, envergando o uniforme branco naval, está a ser utilizada pela Universidade Nova de Lisboa para promover um curso de quatro dias, ao preço de 3.000 euros, onde o almirante na reserva será um dos formadores, ao lado de Paulo Portas e Alexandra Reis. O Estado-Maior da Armada afirma que a Lei das Ordens Honoríficas Portuguesas permite que Gouveia e Melo possa, quando assim o desejar, estar de farda, mesmo tendo passado à reserva. Está, assim, aberta a possibilidade de o antigo líder da Marinha poder usar, livremente, uniformes militares em marketing eleitoral ou mesmo durante a campanha eleitoral, caso venha a candidatar-se.


    Caso se candidate à Presidência da República, na sua campanha eleitoral, Gouveia e Melo pode surgir, se assim entender, fardado e com as insígnias militares. Essa é a posição do próprio Estado-Maior da Armada, agora sob a liderança do Almirante Nobre de Sousa, após ter sido confrontado com publicidade a um curso de formação da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa onde surge o agora almirante na reserva, e putativo candidato a Belém, fardado e ostentando as suas medalhas.

    A publicidade ao curso, que surge nas redes sociais da Nova SBE Executive Education, mas não se insere em qualquer grau de ensino. Trata-se de um curso de quatro dias, denominado ‘Leadership & Crisis Management’, com um custo de inscrição de 3.000 euros, em que Gouveia e Melo será um dos formadores.

    No denominado ‘corpo docente’, estão também, entre outros, Paulo Portas e Alexandra Reis – a ex-presidente da NAV que causou a a demissão de Pedro Nuno Santos de ministro do Equipamento no início de 2023 –, bem como António Cunha Vaz, um dos mais conhecidos e influentes donos de agências de comunicação e imagem. No anúncio, com uma fotografia em destaque do ex-Chefe do Estado-Maior da Armada, envergando o uniforme branco naval com a insígnia do posto de Almirante, surge a mensagem: “Junte-se a Henrique Gouveia e Melo na formação executiva de Leadership & Crisis Management e aprenda a transformar as crises em oportunidades”.

    Para justificar a legitimidade de Gouveia e Melo andar fardado e medalhado onde quer que esteja, e quando quiser, o Estado-Maior da Armada relembra a Lei das Ordens Honoríficas Portuguesas, que especifica que “os militares agraciados com qualquer grau das ordens Militares da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito e de Avis, têm direito ao uso do uniforme militar, seja qual for o seu quadro ou situação e mesmo depois de deixarem a efetividade de serviço”.

    E o gabinete de comunicação e relações-públicas da Marinha acrescenta mesmo que “Esta disposição aplica-se ao caso concreto do Sr. Almirante Gouveia e Melo que, ao longo da sua carreira, foi agraciado com diferentes graus da Ordem de Avis.“ Contudo, na verdade, deve acrescentar-se um pormenor relevante não mencionado na informação enviada pelo Estado-Maior da Armada ao PÁGINA UM: esse militar só poderá estar uniformizado se ostentar, em simultâneo, “as respectivas insígnias“.

    Saliente-se que, além da Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, recebida no final de Dezembro das mãos do Presidente da República, Gouveia e Melo já tinha sido condecorado outras duas vezes com a Ordem de Avis: primeiro, em Junho de 2004, com o grau de comendador, quando era capitão-de-fragata; e depois, em Maio de 2021, com o Grande-Colar, enquanto dirigia a task force da vacinação contra a covid-19 e era ainda adjunto do Planeamento do Estado-Maior-General das Forças Armadas.

    A interpretação do Estado-Maior da Armada sobre a legalidade do uso de uniforme por Gouveia e Melo, mesmo que esteja agora na reserva, recentra a ‘celeuma’ causada pela sua entrevista à RTP, em Setembro passado, onde também surgiu fardado a fazer abordagens que poderiam ser consideradas políticas.

    Apesar de a lei estar do seu lado, para poder ostentar a postura e disciplina militar, o PÁGINA UM quis saber se Gouveia e Melo autorizou a Universidade Nova de Lisboa a usar a sua imagem fardada para atrair pessoas para um curso de 3.000 euros. Porém, a mensagem enviada para o seu e-mail da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa não obteve resposta.


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  • Sem sequer subir ao palco, Tony Carreira ‘saca’ lucro milionário com Passagem de Ano em Lisboa

    Sem sequer subir ao palco, Tony Carreira ‘saca’ lucro milionário com Passagem de Ano em Lisboa

    Em finais de Junho, Carlos Moedas subiu a um palco do Terreiro do Paço para, de voz estridente, anunciar a entrega da medalha de mérito cultural a Tony Carreira. Pouco meses depois, sem chinfrim, de forma discreta, a empresa do cançonetista, a Regi-Concerto, teve uma oferta de ‘mão-beijada’ concedida pela Câmara Municipal de Lisboa: a co-organização das festas de Ano Novo no valor de 265 mil euros, incluindo IVA. Com um cartaz que não custará mais de 80 mil, constituído pelo ‘veterano’ José Cid e pelo seu próprio filho Mickael, e como a EGEAC assume ainda despesas, Tony Carreira terá um lucro, sem subir ao palco lisboeta, próximo dos 150 mil euros. Algo apenas possível quando se tem ‘mérito’… para sacar ajustes directos num mercado onde o ‘amiguismo’ prevalece.


    Não foi só uma Medalha de Mérito Cultura da Cidade que este ano Tony Carreira recebeu das mãos de Carlos Moedas; também recebeu de ‘mão-beijada’ o direito de co-organizar as festividades da Passagem de Ano no Terreiro do Paço, possibilitando-lhe meter no cartaz o filho Mickael, em queda de popularidade. E se a medalha pode pesar no coração do cançonetista; o ‘cheque’ pelo espectáculo na oficialmente chamada Praça do Comércio, com vista para o Tejo, vai pesar-lhe bem na carteira.

    Sem se conhecer, mais uma vez, os critérios de selecção de artistas e produtoras para a organização de espectáculos, a Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) escolheu este ano a produtora de Tony Carreira, a Regi-Concerto, para co-produzir as celebrações do Novo Ano na principal praça de Lisboa, que terá como ‘ponto alto’ as actuações de José Cid – e convidados não definidos – e de Mickael Carreira, para além do habitual fogo-de-artifício. O contrato foi assinado no passado dia 20, assinado por António Manuel Mateus Antunes – o nome real de Tony Carreira, como gerente da Regi-Concerto –, apesar da EGEAC ter anunciado o cartaz na semana anterior.

    Carlos Moedas entregou medalha de mérito cultural a Tony Carreira em Junho passado, Meio ano depois, a autarquia entregou, por ajuste directo, um contrato que lhedará um lucro de quase 150 mil euros. Foto: CML.

    O valor do contrato por ajuste directo, justificado para defender direitos de autor, uma alegação bastante questionável, atinge os 265.680 euros, incluindo IVA, mas os custos para a empresa municipal deverão alcançar os 300 mil. Com efeito, através do contrato, a EGEAC assume também responsabilidades bastante onerosas, como a obtenção de licenças, a promoção e publicidade, a disponibilização de camarins e equipamentos auxiliares, a contratação de serviços de segurança, a limpeza e logística, e a garantia de fornecimento eléctrico adequado.

    Por sua vez, a Regi-Concerto, a empresa de Tony Carreira obriga-se apenas a assegurar a representação dos artistas, incluindo contratação e gestão de despesas relacionadas, bem como a montagem e operação de equipamentos técnicos (som, iluminação e vídeo).

    O montante a pagar pela empresa municipal da autarquia liderada por Carlos Moedas será o mais elevado de sempre conseguido pela empresa de Tony Carreira em contratos públicos. Considerando valores sem IVA – que, neste caso, atinge os 216 mil euros –, a Regi-Concerto tinha, até agora, como contrato mais chorudo, um ajuste directo para as festas populares do Monte da Caparica em 2022. Por “serviços musicais e audiovisuais” não especificados no contrato, a União das Freguesas de Caparica e Trafaria pagou à Regi-Concerto um total de 74.260 euros. O segundo contrato público de montante mais elevado da Regi-Concerto referia-se, por sua vez, à contratação do próprio Tony Carreira para abrilhantar a Passagem do Ano de 2023 para 2024 em Coimbra. Há um ano, autarquia coimbrã despendeu 62.500 euros para ter o artista.

    E é, exactamente, por esse motivo que o valor agora pago pela EGEAC assume um montante exorbitante, até porque Tony Carreira – que é um dos artistas mais bem pagos em contratos públicos – decidiu rumar para outras paragens. Por valores desconhecidos, vai actuar no Hotel Tivoli de Vilamoura para um selecto público que se dispôs a pagar um mínimo de 490 euros por cadeira (e mesa).

    De facto, considerando os preços praticados tanto por José Cid como por Mickael Carreira, os cofres da Câmara Municipal de Lisboa foram generosos para a Regi-Concerto. No caso de José Cid – que se mantém, aos 82 anos, ainda bastante activo –, o seu ‘cachet’, quando actua sozinho, variou este ano entre os 12.500 e os 50.750 euros. O seu mais recente concerto foi para as comemorações do 20º aniversário da elevação a cidade de Anadia – a sede do concelho onde se radicou ainda na adolescência –, e cobrou apenas 15 mil euros. Mas há um ano, pela actuação na Passagem de Ano no Campo de Viriato, a autarquia de Viseu pagou à sua empresa (José Cid, Lda.) 30 mil euros. Aliás, esse foi o valor que a própria EGEAC lhe pagou em 2019 para actuar na Passagem de Ano, poucos meses depois de ter recebido o Grammy Latino de Excelência Musical.

    Quanto a Mickael Carreira, que tem tido uma carreira sobretudo à sombra do pai, o seu valor medido em termos de ‘cachet’ e procura é mais baixo ainda do que o do veterano José Cid. De facto, em actuações a solo, apenas se encontram três contratos públicos com a sua presença este ano: em Arronches, na Chamusca e no Marco de Canavezes, por valores entre os 18.500 e os 21.330 euros. Em 2023 registam-se apenas dois (Pampilhosa da Serra e Lamego), por valores próximos.

    Deste modo, atendendo as ‘cachets’ habituais de José Cid e Mickael Carreira, e mesmo tendo em conta os valores mais elevados praticados em festas de Passagem de Ano, jamais seria de esperar valores acima de 70 mil euros para o conjunto, a que se podem juntar mais entre 10 mil e 20 mil euros de fogo-de-artifício. Ou seja, o lucro imediato por uma noite para a Regi-Concerto deverá estar próximo dos 150 mil euros, um excelente negócio para Tony Carreira, por obra e graça do contínuo esbanjamento de dinheiros públicos sem se conhecerem critérios de escolha dos artistas e das produtoras nem de custos.


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  • Presidenciais: Maçons aceleram movimento de apoio a Gouveia e Melo

    Presidenciais: Maçons aceleram movimento de apoio a Gouveia e Melo

    Já tem nome a associação dinamizada por dois destacados maçons para ajudar Gouveia e Melo a chegar à Presidência da República. Chama-se Movimento de Apoio Almirante à Presidência, e o acrónimo MAAP faz lembrar o mítico MASP, uma peça fundamental de Mário Soares que o levou a Belém em 1986. Os dois principais dinamizadores desta ‘entourage’ do recém-exonerado Chefe do Estado-Maior da Armada são os maçons Paulo Noguês e José Manuel Anes, e já deram uma pequena e simbólica ajuda: na última edição da revista ‘Segurança e Defesa’, cujos conteúdos são por si decididos, Gouveia e Melo foi capa com direito a entrevista de 14 páginas sobre a sua vida, obra e pensamento. O MAAP, que desejava ser transversal na sociedade, será constituído formalmente dentro de duas semanas.


    O anúncio foi ontem feito na rede social profissional LinkedIn, mas já vem sendo preparado discretamente nos últimos meses: membros da Maçonaria estão a constituir uma plataforma formal de apoio ao Almirante Gouveia e Melo para preparar as condições logísticas, operacionais e financeiras da sua candidatura à Presidência da República em Janeiro do próximo ano.

    Em mensagem de ‘angariação’ de novos integrantes deste movimento, Paulo Noguês – um conhecido maçom, co-fundador da polémica loja maçónica Mozart (onde também esteve Luís Montenegro), da qual se viria a desvincular depois de escândalos de tráfico de influências – não apenas declarou o seu apoio pessoal à candidatura de Gouveia e Melo como anunciou que “juntamente com um grupo de amigas e amigos, onde pontifica o Prof. Doutor José Manuel Anes, decidimos constituir uma Associação com esse objetivo: MAAP – Movimento de Apoio Almirante à Presidência”. O acrónimo escolhido faz lembrar o MASP, o movimento de apoio a Mário Soares em 1985.

    Gouveia e Melo recebeu, na semana passada, a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo das mãos do actual Presidente da Repúlica. Foto: © Miguel Figueiredo Lopes / Presidência da República

    A referência deste movimento, que se diz “cívico”, dinamizado por Paulo Noguês, à figura de José Manuel Anes confere também um forte cunho associado à Maçonaria. Aos 80 anos, este criminalista e professor universitário continua a ser uma das referências mais relevantes da Maçonaria, tendo sido grão-mestre da Grande Loja Regular de Portugal no início do presente século.

    Tanto Paulo Noguês como José Manuel Anes – que colaboram na Diário de Bordo, uma editora, foram dando sinais deste apoio a Gouveia e Melo nos últimos meses, e não por acaso o agora ex-Chefe do Estado-Maior da Armada foi capa da revista quinquimestral (cinco em cinco meses) ‘Segurança e Defesa’ com uma longa entrevista de 14 páginas intitulada “Marinha olha para o mar como uma oportunidade e não um problema”, onde se abordam também aspectos da sua vida e pensamento político.

    Contactado pelo PÁGINA UM, Paulo Noguês admite que o MAAP será constituído formalmente, em notário, dentro de duas semanas, mas que não será constituído apenas por maçons, mas também por pessoas de outros quadrantes, incluindo homens e mulheres ligadas até à Igreja e Opus Dei, embora não sejam adiantados, por agora, outros nomes. “Serão conhecidos ao longo do tempo, alguns dos quais na data da constituição; será um movimento transversal da sociedade”, diz Paulo Noguês, para conceder apoio logístico e financeiro, “abrangendo todo o território nacional e a emigração”.

    Em Novembro passado, Gouveia e Melo foi capa da revista quinquimensal ‘Segurança e Defesa’, editada pela empresa de Paulo Noguês e que tem José Manuel Anes como coordenador.

    Além do PPM – o ‘mal-amado’ parceiro da Aliança Democrática que elegeu Luís Montenegro para a liderança do Governo -, não há ainda qualquer associação formal de partidos políticos com representação parlamentar ao recém exonerado Chefe do Estado-Maior da Armada, apesar do ‘namoro’ de figuras do CDS-PP, que até lhe concederam currículo académico na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

    No caso do MAAP, Paulo Noguês assume que, apesar de existirem contactos com Gouveia e Melo – como, aliás, ficou patente na recente entrevista na ‘Segurança e Defesa’ – “não há uma legitimação prévia, nem tinha de haver” por parte do putativo candidato a Belém para a constituição desta associação.

    Recorde-se que, no início de Dezembro passado, o semanário Tal & Qual revelava que Gouveia e Melo estaria a tentar aprofundar ligações à Maçonaria, aludindo aos seus contactos com a loja ‘Camelot’, integrante da Grande Loja Regular de Portugal, onde professam Paulo Noguês e José Manuel Anes em lugares de destaque. No mesmo dia, através de um comunicado da Marinha, Gouveia e Melo afirmou que “tais afirmações”, sobre a sua alegada integração numa loja maçónica, eram “absolutamente falsas”, lamentando a “reiterada ausência de [aplicação do] contraditório” por parte do Tal & Qual.

    Sobre se o apoio de pessoas ligadas à Maçonaria possa agora causar incómodo a Gouveia e Melo, Paulo Noguês nega essa possibilidade: “não implicámos nem vamos implicar o Almirante, até porque poderão existir muitos mais movimentos de apoio”.

    O PÁGINA UM tentou, através da Marinha e por outras vias, obter um comentário de Gouveia e Melo sobre a criação do MAAP, comprometendo-se a acrescentar a sua reacção se entretanto ocorrer.


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  • ‘Foge, cão, que te fazem barão’: Condecorações custam cinco milhões de euros desde 2021

    ‘Foge, cão, que te fazem barão’: Condecorações custam cinco milhões de euros desde 2021

    No século XIX, perante os exageros do reconhecimento desmesurado, surgiu o dichote: “Foge cão, que te fazem barão; para onde, se me fazem visconde”. Hoje, na Terceira República, já não há o perigo de se ‘apanharem’ títulos nobiliárquicos, mas há sempre uma grande chance de se levar uma alfinetada no peito ou um penduricalho no pescoço para a conveniente condecoração. O PÁGINA UM foi, por isso, pesquisar os contratos públicos para tentar perceber quanto se gastou, e quem gasta, na aquisição de medalhas e insígnias com que nos convencemos que somos os ‘melhores da Cantareira’. Além da tradição das condecorações sobretudo nas forças armadas e de segurança, bem como as concedidas pela Presidência da República, as autarquias também gastam que se fartam, e até o Fisco não se esquece da sua ‘medalhinha’. De entre as 104 entidades que, desde 2021, enaltecem feitos através deste ‘modus operandi’, a Marinha foi a mais gastadora: 675 mil euros.


    Portugal, país multisecular, pode não cometido feitos recentes dignos de louvor universal, mas a nível interno não nos podemos queixar da falta de brilho, pelo menos das insígnias e condecorações oferecidas amiúde. De facto, somos uma Nação que há muito deixou de conquistar mundos, mas que ainda exibe, com espantosa solenidade, a arte de premiar-se a si própria. Se não temos demasiadas invenções a propor ao mundo, nem pensamentos revolucionários nem epopeias para celebrar, nem guerras para combater ou pazes para estabelecer, inventam-se então glórias administrativas e até fiscais que colocam qualquer um na iminência de se tornar uma eminência no pódio da auto-celebração. Claro que, com custos, porque as medalhas e outros insígnias similares, mesmo que fossem de latão – e algumas são de ouro –, não caem do céu nem se fazem como a água-benta. Custam bom dinheiro e movimentam, além de muitas vaidades, um negócio apetecível.

    Num levantamento do PÁGINA UM aos contratos para a aquisição de medalhas e insígnias – que, em alguns poucos casos, incluem adereços ou outros ‘apetrechos’ similares (como taças) –, foram detectados 280 contratos no Portal Base, envolvendo mais de uma centena de entidades, para adquirir ‘lembranças’ para os ilustres agraciados, num período de apenas quatro anos. Estes contratos, celebrados entre Janeiro 2021 e final deste ano de 2024, somam um valor total de 4,05 milhões de euros, que se aproxima dos cinco milhões de euros, caso se inclua o IVA. E quase grande parte através de contratos de mão-beijada: 182 foram por ajuste directo ou similar (65%), 56 após consulta prévia (31%) e apenas 42 por concurso público (24%).

    Presidência da República é uma das ‘máquinas’ de condecorações do país. Foto: PR.

    Entre os organismos mais entusiastas nas medalhas estão os militares, as forças de segurança e a Presidência da República. No primeiro caso, em apenas quatro anos, os diversos ramos das Forças Armadas, incluindo o Estado-Maior-General, despenderam 1.227.199 euros (com IVA incluído) em medalhas e condecoração, estando a Marinha no topo. Desde 2021, o Estado-Maior da Armada gastou mais de 675 mil euros, dos quais 380 mil euros durante a liderança de Gouveia e Melo, que nas últimas semanas andou a distribuir comendas e medalhas, incluindo a Isaltino Morais, presidente da autarquia de Oeiras, que de imediato o apoiou na quase certa candidatura às Presidenciais de 2026.

    Por sua vez, o Exército gastou, em quatro anos, um total de 362.325 euros em condecorações, ficando-se as Força Aérea nos 237.204 euros. A cúpula – isto é, o Estado-Maior-General das Forças Armadas – teve um encargo, neste período, de 37.232 euros.

    No caso das forças de segurança, a militarizada – a Guarda Nacional República (GNR) – também adora medalhar-se: despachou, desde 2021, um total de 237.204 euros para sobretudo condecorar os seus elementos, que rondam os 23 mil. A Polícia de Segurança Pública (PSP) foi mais comedida, embora tenha um efectivo menor (um pouco menos de 21 mil agentes), e apenas gastou em medalhas 59.812 euros nos últimos quatro anos.

    A Presidência da República, através da sua Secretaria-Geral, é uma cliente habitual das empresas de medalhística. Ou melhor dizendo, de uma só: a Casa das Condecorações Helder Cunha, com quem, nos últimos quatro anos, celebrou 14 ajustes directos, sempre em valores baixos para, de forma muito conveniente mas pouco transparente, não ser obrigada a abrir concurso público. Certo é que, tudo a somar, só nestas insígnias para comendadores e outras insígnias de ordens honoríficas se gastaram 202.902 euros.

    Descontando a Ordem dos Contabilistas Certificados – que surge em destaque na lista (com gastos de 150.650 euros) por ser considerada uma entidade pública, mas o financiamento é sobretudo ‘privado’ –, são as autarquias que ocupam os restantes lugares no top 10 dos maiores apreciadores (e ‘consumidores’) de medalhas. Destacam-se Braga (148.415 euros), Cascais (126.014 euros), Loulé (113.332 euros) e Lagos (102.633 euros). O município de Castelo Branco (100.364 euros) fecha o lote de 12 entidades públicas que pagaram, desde 2021, mais de 100 mil euros para agraciamentos.

    Foto: Academia Militar.

    Em todo o caso, na lista compilada pelo PÁGINA UM encontram-se 67 Câmaras Municipais, além de duas juntas de freguesia (Santa Maria Maior, em Lisboa, e União de Charneca da Caparica e Sobreda, em Almada), que gastaram mais de 2,2 milhões de euros em medalhas. Além dos municípios já referidos, detectam-se mais 22 com gastos em medalhas acima dos 25 mil euros: Oeiras (86 360 euros), Guimarães (84 304 euros), Vila Nova de Famalicão (81 478 euros), Mortágua (74 703 euros), Faro (72 200 euros), Peso da Régua (60 202 euros), Almada (59 279 euros), Seixal (58 972 euros), Vila Nova de Gaia (55 350 euros), Barcelos (55 229 euros), Fafe (49 735 euros), Tavira (49 174 euros), Palmela (48 824 euros), Póvoa de Varzim (48 559 euros), Guarda (41 620 euros), Sintra (39 975 euros), Funchal (37 757 euros), Vila do Conde (35 117 euros), Oleiros (30 553 euros), Trofa (29 690 euros), São João da Pesqueira (28 876 euros), Ansião (25 483 euros).

    Também o Governo e a Administração Pública directa têm aberto os cordões à bolsa para conceder ‘graças’. Por exemplo, em Abril deste ano, a Presidência do Conselho de Ministros gastou 23.616 euros para adquirir medalhas comemorativas da participação nas ações militares da Revolução dos Cravos. Em Junho de 2021, o Ministério da Defesa fez um contrato, após consulta prévia, no valor de 22.075 euros para, durante três anos, serem fornecidas “medalhas de condecoração”. Também se encontraram três contratos da Assembleia da República, um por ano, para as medalhas do Prémio Direitos Humanos. Não são baratas: pelas seis medalhas, em ouro, atribuídas em três anos, o Parlamento gastou 47.847 euros. Em média, cada uma ficou em quase oito mil euros. Mas a Assembleia da República não foi a única entidade pública a conceder medalhas em ouro: no final de 2023, por exemplo a autarquia de Castelo Branco adquiriu 10, tendo cada uma custado, com IVA, cerca de 4.250 euros.

    Merecem também destaque os três contratos da Autoridade Tributária e Aduaneira, todos deste ano. O primeiro serviu para comprar “1.000 medalhas com símbolo” do Fisco, no valor total de 9.840 euros, o que se pode considerar um preço unitário comedido. Já os dois outros contratos, de Julho passado, serviram para comprar “medalhas comemorativas de 40 anos de serviço público”, sem um número determinado no contrato (e o caderno de encargos não consta no Portal Base), bem como as caixas. Cada um destes contratos rondou os 23 mil euros.

    Em muitos casos, condecorações servem para que os condecorados não esqueçam quem os condecorou. Foto: Marinha.

    De entre as outras entidades com montantes apreciáveis de gastos em medalhas destacam-se ainda a Fundação INATEL (79.450 euros), a Direcção-Geral da Educação (77.378 euros), a empresa municipal lisboeta EGEAC (70.528 euros), o Instituto do Emprego e da Formação Profissional (41.279 euros), o Banco de Portugal (28.855 euros) e a Imprensa Nacional – Casa da Moeda (28.608 euros), bem como diversas universidades, ordens profissionais e até hospitais. Convém, contudo, salientar que os valores apurados pelo PÁGINA UM podem pecar por defeito, uma vez que na pesquisa no Portal Base podem constar contratos não detectados pelo facto de a sua descrição não mencionar palavras como medalhas, condecorações ou insígnias. Além disso, em compras mais pequenas, muitas as entidades públicas podem não ter registado os contratos se o procedimento adoptado tiver sido o ajuste directo simplificado.

    Em todo o caso, assim se prova que, mesmo já sem caravelas nem fulgores inventivos, Portugal continua a navegar com mestria nos mares do auto-elogio, não sendo já sequer necessário erguer castelos ou cravar padrões em terras distantes. A glória das insígnias reluzentes surge agora sob a forma de medalhas e fita para pendurar entregues a torto e a direito. Os elogios ficam com quem recebe; a factura é paga pelos contribuintes.


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  • 29 meses após um arrogante ‘não’, presidente do IST vai ter de mostrar 51 ‘esboços embrionários que consubstanciam meros ensaios para eventuais relatórios’ sobre a pandemia

    29 meses após um arrogante ‘não’, presidente do IST vai ter de mostrar 51 ‘esboços embrionários que consubstanciam meros ensaios para eventuais relatórios’ sobre a pandemia

    Num país onde há cientistas que, por ocuparem uma cátedra, ‘falam de cátedra’ sem humildade científica, um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul veio dar este mês uma lição ao presidente do Instituto Superior Técnico (IST). Após Rogério Colaço ter recusado divulgar, de forma arrogante, relatórios sobre a situação epidemiológica da covid-19 no Verão de 2022, uma luta judicial do PÁGINA UM ao longo de quase 30 meses teve finalmente um desfecho: o IST vai ter o mesmo de revelar o conteúdo integral de 52 relatórios, elaborados em parceria com a Ordem dos Médicos, que ‘ajudaram’ a prolongar o estado de pânico durante a segunda metade da pandemia. O PÁGINA UM já conseguira em primeira instância que o IST cedesse o último relatório (nº 52) que, com base em estimativas enviesadas e especulações de escasso rigor e transparência, atribuíra centenas de mortes às festas populares e aos festivais de música no Verão de 2022. Com episódios caricatos e pouco edificantes para a academia, o IST chegou a dizer que não elaborara qualquer relatório mas sim “um esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório’. Agora, tem de mostrar mais 51, mesmo se mantiver a espúria tese dos “esboço embrionário”.


    Senhor Pedro Vieira,

    O sr André Pires [do gabinete de comunicação] respondeu exatamente de acordo com as instruções dadas por mim. O pedido formal ao presidente do IST está respondido e a resposta é negativa.

    Rogerio Colaço

    Presidente do IST

    Foi desta forma, seca e arrogante, enviado pelo Galaxy pessoal às 12 horas e 19 minutos do dia 30 de Julho de 2022, que o catedrático Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico (IST), recusou ceder ao PÁGINA UM a cópia de um relatório de investigadores desta (suposta) prestigiada instituição universitária pública de Portugal sobre a situação epidemiológica da pandemia. Em pleno Verão do terceiro ano da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, estando um curso um alívio significativo das medidas restritivas, incluindo a ‘retoma’ de festividades, mas havendo muitos ‘especialistas’ a desejarem manter níveis de pânico elevado, o IST fizera divulgar, através da agência Lusa, um relatório ‘bombástico’ que concluíra que as festas populares e festivais de música em Lisboa tinham estado “na origem de 340 mil casos de covid-19” que teriam causado “a morte de 790 pessoas”.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes na sede do Ordem dos Médicos, em Julho de 2021, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico recusou divulgar os relatórios em 2022. Vai ter de ceder por ordem do tribunal.

    Mas quando o PÁGINA UM pediu a um dos autores desse estudo, Henrique Oliveira, que mostrasse o relatório escrito e o ficheiro de dados que o suportava, as portas fecharam-se. Este relatório inseria-se num parceria entre o IST e a Ordem dos Médicos que se terá iniciado em Julho de 2021, com pompa e circunstância: Rogério Colaço e Henrique Oliveira, por parte da instituição universitária, e Miguel Guimarães e Filipe Froes, por parte da associação profissional de clínicos, tinham até promovido uma conferência de imprensa, apresentando um novo indicador de avaliação do estado da pandemia, supostamente melhor do que as da Direcção-Geral da Saúde, por ser “uma ferramenta que resulta de um trabalho colaborativo”, desenvolvida através da “agregação de competências”. Nesse momento, Filipe Froes orgulhava-se por ter participado numa “equipa coordenada pelo Dr. Miguel Guimarães”, então bastonário da Ordem dos Médicos, cuja associação com o IST “abrir[a] as portas do futuro para parcerias e sinergias (…) em que todos somos vencedores”.

    Porém, na hora da verdade, “as portas do futuro”, e do suposto conhecimento científico – que deve ser confrontado – fecharam-se. E começaram a surgir as mais estapafúrdias desculpas numa triste novela pouco edificante para uma universidade pública.

    Quando o PÁGINA UM apresentou uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar o IST a fazer aquilo que deveria ter sido feito de forma natural, a instituição liderada por Rogério Colaço ‘inovou’ pelo absurdo: considerou, em finais de Setembro de 2022, que aquilo que fora divulgado seria “um esboço embrionário, que consubstancia[va] um mero ensaio para um eventual relatório”. A intenção era clara: querer convencer o tribunal a não se aplicar a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos. Pouco mais tarde, ainda em sede de processo de intimação, o IST diria que nunca negara “ter elaborado um ensaio, apenas afirm[ara] que não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso que era um esboço”. E acrescentava que o seu “esboço” que associou mortes às festividades de Junho “pode não conter informações exactas e precisas.”

    A Lusa noticiou, em 28 de Julho de 2022, as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o suposto impacte das festividades em Junho desse ano na transmissão e mortes por covid-19. A instituição universitária, que faz Ciência, quis convencer o Tribunal Administrativo de que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”.

    Em resposta, neste jogo do gato e do rato, a juíza de primeira instância exigiu, em Novembro desse ano, que o IST lhe enviasse o documento em envelope lacrado que considerava “um esboço embrionário” para apurar se era um “esboço” ou uma desculpa esfarrapada. Mesmo perante esta suprema humilhação – uma instituição universitária a ver-se forçada a mostrar se andava a mentir ao tribunal –, o IST continuou perseverou: em vez de enviar o original, remeteu uma cópia com “anotações manuscritas a lápis”, em mais uma vã tentativa de ver o relatório considerado um “esboço”. Somente com uma nova entrega revelou então que se estava perante 52 relatórios, com o último a ser aquele que se referia às festividades.  

    Finalmente, em Janeiro de 2023, o Tribunal Administrativo de Lisboa tomou uma decisão, mas para grande surpresa, apesar de ter concedido o direito de o PÁGINA UM ter acesso ao Relatório 52, a sentença não se pronunciou sobre os outros 51 relatórios nem sobre os ficheiros de dados. O IST acabou por enviar o Relatório 52, que seria ‘esmiuçado’ pelo PÁGINA UM em Fevereiro do ano passado. Esta semana, aproveitando as evoluções tecnológicas, o PÁGINA UM usou o ChatGPT para uma análise ao Relatório 52 com base em critérios de “rigor académico, transparência, clareza e impacte científico”, elaborada “de forma isenta e detalhada”.

    Numa análise de três páginas, o ChatGPT atribuiu uma avaliação de 12 (em 20) à equipa de investigadores do IST, coordenada pelo catedrático Rogério Colaço, e salienta que “o Relatório Rápido nº 52 […] é um documento tecnicamente competente, mas apresenta falhas significativas que comprometem a sua utilidade como ferramenta de apoio à decisão”, acrescentando que “a falta de transparência nos dados e metodologias, combinada com mensagens contraditórias, reduz a sua credibilidade e impacto académico”. E sugere recomendações como seja “detalhar as metodologias utilizadas, especialmente para estimativas contrafactuais; publicar os dados brutos e aumentar a transparência das fontes; incluir variáveis adicionais e explorar contextos sociais e económicos mais amplos; [e] garantir maior consistência na comunicação para evitar mensagens ambíguas”.

    Rogério Colaço, cidadão português nascido em Soure em Junho de 1968, conjunturalmente presidente do Instituto Superior Técnico, vai ter de entregar 51 relatórios elaborados por uma instituição universitária pública, ao cidadão Pedro Almeida Vieira, nascido em Coimbra em Novembro de 1969, conjunturalmente director do jornal PÁGINA UM.

    Tanto o PÁGINA UM como o IST – que ainda tentou ‘sacar’ do tribunal a cópia que enviara em envelope selada – recorreram da sentença, por razões diferentes. Apesar de ter entregado o último relatório, o IST argumentou junto do Tribunal Central Administrativo do Sul que a sentença estava errada, enquanto o PÁGINA UM alegava que a juíza Telma Nogueira erradamente não se pronunciara sobre os outros 51 relatórios – que também deveriam ser disponibilizados – nem sobre os ficheiros com os dados.

    E é sobre este recurso que o Tribunal Central Administrativo do Sul veio agora pronunciar-se, mais de dois anos e cinco meses depois do pedido inicial do PÁGINA UM, através de um histórico acórdão.

    Apesar de o IST, em sede de contra-alegação, ter chegado a defender que ficara “apenas provada [na primeira sentença] a existência do relatório intitulado Relatório Rápido n.º 52, não se provando a existência de outros elementos”, e que “cabia ao recorrido [PÁGINA UM] fazer prova da existência dos restantes relatórios, assim como, dos alegados ficheiros informáticos com dados numéricos”, os desembargadores Marcelo Mendonça, Ilda Côco e Ana Lameira consideraram o óbvio. “Não é difícil perceber que, tendo sido elaborado pelo Recorrido público [IST] o relatório n.º 52 sobre a avaliação epidemiológica da covid-19, a ordem numérica, cronológica e lógica das coisas impele-nos a concluir que terão de existir 51 relatórios antecedentes vindos da safra do Recorrido público”, salientam.

    Os desembargadores consideraram também que “um relatório sobre a avaliação epidemiológica da covid-19 que surge depois de um trabalho prévio de análise, estudo ou tratamento de dados coligidos segundo uma determinada metodologia, a partir de um sítio da internet de acesso público (da Direcção Geral da Saúde), em que se utilizou um determinado programa de análise matemática, nada tem de esboço ou de rudimentar, pois que, atentas tais características, o conteúdo ou a informação escrita que daí emerja já não pode ser encarada como um mero rascunho”.

    O Relatório Rápido nº 52 do IST assegurava que que houvera um aumento das infecções com as festividades populares no Verão de 2022, mas tal não sucedeu. O relatório divulgado pela Lusa em finais de Julho pretendia convencer o público que afinal as previsões estavam quase certas. Mas, na hora de mostrar a base científica dessas conclusões, o IST recusou essa validação externa. As festas populares em Lisboa no Verão de 2022 tiveram grande fluxo, sem máscaras, mas os casos positivos de SARs-CoV-2 regrediram face a Maio.

    E acrescentam ainda os desembargadores que mesmo que esses documentos contenham “ainda estimativas, cujas respectivas conclusões e resultados extraídos ainda carecem de análise e confirmação”, são sempre documentos administrativo, pois “se de um relatório se trata, algum conteúdo útil há de abordar e relatar, ainda que preliminarmente, não se admitindo que essa eventual provisoriedade seja motivo para negar o acesso ao conteúdo ou informação escrita já existente”. E concluem ainda que, mesmo se se estivesse perante direitos de propriedade intelectual ou segredo relativo à propriedade intelectual, “o princípio vigente é o da acessibilidade”.

    Em todo o caso, o acórdão considerou que o IST não está obrigado a facultar os ficheiros informáticos usados para a elaboração dos relatórios – e necessários para efeitos de replicação dos resultados, como se mostra necessário em Ciência –, uma vez que os desembargadores consideraram que o PÁGINA UM fez um pedido “vago, genérico e indeterminável, porque desprovido de informação concreta que melhor especifique, por exemplo, a origem, a índole, o hiato temporal, a autoria ou o local específico de arquivo electrónico donde possam ser extraídos tais elementos”.

    Saliente-se que, sem desprimor da decisão do Tribunal Central Administrativo do Sul, o pedido sobre os ficheiros era não apenas exacto como óbvio em ciências exactas: um relatório com resultados de modelos quantitativos avançados tem sempre subjacente um ficheiro de dados numéricos. Ou seja, para cada relatório existirá necessariamente um ficheiro de dados numéricos. Mas o óbvio em ciências exactas não é, aparentemente, o óbvio em ciências jurídicas.

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    Agora, o IST está intimado a facultar, no prazo de 10 dias, que terminará nos primeiros dias de 2025, os 51 relatórios em falta. Se assim desejar pode fazê-los acompanhar, voluntariamente, dos ficheiros numéricos para eventual replicação dos relatórios. Se não incluir esses ficheiros numéricos, então reforçam-se as ‘críticas’ da análise crítica do ChatGPT que sustenta a “falta de transparência” do Relatório nº 52, uma vez que, entre outros aspectos, “Não são apresentados os dados brutos utilizados para calcular os indicadores e fazer previsões, dificultando a replicação dos resultados”.

    Note-se que esta luta judicial do PÁGINA UM implicou, além de desmesurado tempo, o pagamento de taxas de justiça próximo de mil euros, tendo contado com o apoio dos leitores através do FUNDO JURÍDICO. Quando os relatórios do IST forem finalmente entregues, o PÁGINA UM vai divulgá-los na íntegra e pedirá uma análise do seu rigor por parte do Conselho Científico daquela instituição que integra a Universidade de Lisboa.


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  • Covid-19: DGS quer despachar ‘sobras’ de uma vacina sem farmacovigilância adequada nem compensações por danos

    Covid-19: DGS quer despachar ‘sobras’ de uma vacina sem farmacovigilância adequada nem compensações por danos

    Num país que viveu a pandemia da covid-19 à cata de supostos ‘negacionistas anti-vacinas’ – que incluía quem se opunha à inclusão de jovens e adultos saudáveis nos planos de vacinação, ou considerasse que a imunidade natural era suficiente –, não deixa de ser lamentavelmente irónico que, no final de 2024, Portugal seja um dos poucos da Europa Ocidental que recusa falar das reacções adversas, não tendo montado qualquer plano de compensação das vítimas. E pior: num estranho tabu, o Infarmed nem sequer acompanha a evolução dos casos notificados. A desconfiança e o desamparo têm tido consequências: mesmo na população mais vulnerável, assiste-se a uma crescente recusa da vacina contra a covid-19. Este ano, em comparação com 2023, a ‘procura’ de reforço desceu quase 14%. Foram mais 204 mil portugueses que não quiseram saber da vacina contra a covid-19. E a Direcção-Geral da Saúde, em vez de promover uma melhoria da informação e pugnar pelo apoio às pessoas afectadas, decidiu-se por uma estranha solução: as vacinas que sobraram serão agora administradas no grupo etário dos 50 aos 59 anos. A saúde das pessoas pode ser ‘lixada’; as vacinas é que não podem ir parar ao lixo…


    Não existe qualquer motivo epidemiológico ou de Saúde Pública para a decisão da Direcção-Geral da Saúde (DGS) de alargar o plano de reforço da vacinação contra a covid-19 para a faixa etária dos 50 aos 59 anos, hoje iniciado. O motivo para este alargamento é simples: estão em stock centenas de milhares de doses, que arriscam ir para o lixo, porque cada vez há menos pessoas do grupo dos maiores de 60 anos interessadas em apanhar mais uma dose desta vacina. Isto, num cenário em que são reveladas falhas gravíssimas na farmacovigilância pelo Infarmed num país que insiste em não assumir quaisquer indemnizações e apoios médicos às pessoas que foram afectadas por reacções adversas.

    Conforme o PÁGINA UM mostrou na passada semana, através de dados do Centre for Socio-Legal Studies, Portugal integra o lote de 14 países da União Europeia que optou por nunca implementar qualquer plano de indemnização às vítimas das vacinas contra a covid-19, que integra também a Bélgica, Bulgária, Chipre, Croácia, Espanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Lituânia, Malta, Países Baixos, Roménia e Eslováquia.

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    Ao invés, países como a Áustria, República Checa, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Letónia, Luxemburgo, Polónia, Eslovénia e Suécia – que integram também a União Europeia – implementaram sistemas, ou aproveitaram os modelos existentes pré-pandemia – para suportar compensações em casos de dados graves resultantes da administração das vacinas contra a covid-19. Recorde-se que a Comissão von der Leyen isentou de responsabilidades as farmacêuticas. Além dos membros da União Europeia, outros países do Velho Continente têm sistemas desta natureza, designadamente Noruega, Islândia, Noruega, Reino Unido e até Rússia.

    O desinteresse dos portugueses mais idosos pela vacina contra a covid-19 – agravada pela ausência de informação fiável sobre as suas vantagens, num cenário de endemismo do SARS-CoV-2, agora com muito menor virulência numa população com imunidade natural – fica patente não apenas na comparação entre o número de doses administradas no Outono deste ano e o de 2023, como sobretudo no número elevado de pessoas que optaram por aceitar apenas a vacina contra a gripe, cujas vantagens são inequívocas sem efeitos adversos relevantes.

    Com efeito, na época de vacinação outonal do ano passado, segundo um relatório da DGS com informação referente a 10 de Dezembro de 2023, tinham sido administradas 1.516.613 doses contra a covid-19 a maiores de 60 anos, menos 240.186 doses do que as administradas contra a gripe. Deste modo, e considerando uma população de cerca de três milhões de indivíduos nesta faixa etária, em média, por cada 100 pessoas, houve 40 que optaram por não querer nenhuma das vacinas, 50 vacinaram-se contra a gripe e a covid-19, enquanto 10 só quiseram a vacina contra a gripe.

    Comparação entre as doses administradas no Outono de 2023 (até 10 de Dezembro) e no Outono de 2024 (até 8 de Dezembro) de vacinas contra a covid-19 e contra a gripe. Fonte: DGS.

    Ora, este ano, com informação recolhida pela DGS até 8 de Dezembro, o ‘abandono’ da vacina contra a covid-19 aumentou significativamente, não ocorrendo o mesmo para a vacina contra a gripe. De facto, os dados oficiais mostram que, para uma população com idade superior a 60 anos que se manteve estável, houve 1.828.767 pessoas que se vacinaram contra a gripe (mais 26.968 do que em 2023), mas apenas 1.312.295 que quiseram tomar a vacina contra a covid-19, ou seja, foram administradas menos 204.318 doses, o que representa uma queda de quase 14% face a 2023.

    Significa assim que neste Outono, em média, por cada 100 pessoas com mais de 60 anos, houve 39 que optaram por não se vacinarem contra nenhuma daquelas duas doenças, 44 que se vacinaram contra a gripe e a covid-19, e ainda 17 que se vacinaram apenas contra a gripe.

    Assim, em termos concretos, praticamente sete pessoas em cada 100 que se vacinaram no ano passado contra a covid-19 no grupo etário dos maiores de 60 anos disseram ‘não’ este ano, razão pela qual ‘sobraram’ mais de 200 mil doses. Recorde-se que o PÁGINA UM ainda aguarda, ao fim de quase dois anos de uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, uma decisão para acesso aos contratos das vacinas contra a covid-19.

    Sobre os efeitos adversos das administrações dos reforços do Outono de 2024 não existem dados públicos, mas o PÁGINA UM teve acesso à base de dados do Portal RAM, gerida pelo Infarmed, até início de Agosto deste ano. Apesar de a base de dados estar manipulada, com eliminação de variáveis, contrariando um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, um dos aspectos mais relevantes é a falta de acompanhamento das pessoas afectadas po reacções adversas. Num total de 45.337 registos individuais notificados no Portal RAM entre finais de Dezembro de 2020 e Agosto de 2024, contabilizam-se 19.224 pessoas sobre as quais o Infarmed desconhece a evolução dos sintomas ou estado de saúde. Ou seja, em mais de quatro em cada 10 registos (42,4%), o Infarmed não apurou sequer como evoluíram os sintomas e afecções detectadas.

    Países (a azul) com planos de compensação para os efeitos adversos de vacinas contra a covid-19. Fonte: Centre for Socio-Legal Studies.

    Numa análise detalhada à variável da evolução das reacções adversas – um processo moroso, porque o ficheiro do Infarmed lista o conjunto de afecções e sintomas numa mesma célula com indicações de progresso por vezes distintas –, observa-se que uma grande parte se refere a problemas que, em princípio, são ligeiros e corriqueiros, como dores no local de vacinação (quase quatro mil casos), dores de cabeça, febre ou dores (centenas de casos). Mas, de entre a lista, constam afecções gravíssimas potencialmente mortais ou com causadores de sequelas profundas. E isto altera de forma radical uma avaliação correcta da segurança das vacinas e impede, desse modo, acções judiciais com pedidos de indemnização.

    Numa averiguação preliminar, o PÁGINA UM detectou, no Portal RAM, 45 casos de miocardites ou pericardites após vacinação cuja evolução permanece desconhecida pelo Infarmed. Há ainda 22 casos de choques anafiláticos, uma reação alérgica grave e potencialmente fatal que pode levar à morte sem tratamento imediato, cuja evolução também se ignora. Foram registados 40 casos de tromboembolismo pulmonar, bloqueio de uma artéria dos pulmões por um coágulo, sem acompanhamento adequado, e 13 casos de acidentes vasculares cerebrais (AVC), suspeitos de estarem fortemente associados às vacinas, cuja evolução permanece incógnita.

    Entre as reações adversas encontram-se ainda 18 casos de síndrome de Guillain-Barré, uma doença autoimune rara que afecta os nervos periféricos e pode levar à paralisia, e 27 casos de paralisia de Bell, uma condição que afeta o nervo facial, sendo por vezes temporária, mas cuja evolução também se desconhece. Foram ainda reportados oito casos de enfarte agudo do miocárdio, 17 casos de trombose venosa profunda, 16 casos de trombocitopenia imune, cinco casos de mielite e 13 casos de vasculite, todos com desfecho desconhecido.

    Extracto da base de dados (em Excel) revelados pelo Infarmed (com mutilação de variáveis), após intervenção do Tribunal Administrativo, e analisados pelo PÁGINA UM para detectar registos com evolução desconhecida de sintomas.

    Na análise das notificações, o PÁGINA UM identificou ainda 63 casos de alterações menstruais e 22 casos de herpes zoster, decorrentes da reactivação do vírus da varicela, todos sem acompanhamento da sua evolução.

    Nenhuma destas pessoas, além das 141 mortes reportadas, beneficiaram de qualquer apoio do Estado nem tão-pouco se conhece se foi analisada, do ponto de vista clínico, a associação factual entre a administração da vacina e os efeitos adversos. E isto também por uma razão simples: o Infarmed, liderado por Rui Santos Ivo, recusa divulgar a variável da casualidade – perante a passividade do Governo e partidos da oposição.


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  • ‘Segurança Marítima na UNL’: Gouveia e Melo violou Estatuto dos Militares das Forças Armadas

    ‘Segurança Marítima na UNL’: Gouveia e Melo violou Estatuto dos Militares das Forças Armadas

    O caso começou por ser uma situação grave, revelada pelo PÁGINA UM na semana passada, em torno da duvidosa ligação do Almirante Gouveia e Melo à Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Mas complicou-se e há novas informações que põem em xeque o Chefe do Estado-Maior da Armada. Para ser regente e professor convidado, Gouveia e Melo teria de requerer, ao abrigo do Estatuto Militar, uma acumulação de funções ao Chefe do Estado-Maior da Armada, ou seja, a ele próprio, um impedimento legal. A alternativa – uma autorização informal – também seria ilegal. Mas de ilegalidades está este processo cheio, porque entretanto a Faculdade de Direito da Universidade Nova admitiu que afinal não há qualquer parceria assinada, apesar da regência de Gouveia e Melo a uma cadeira, onde dá uma palestra anual, durar há mais de dois anos, a convite da ex-líder do CDS Assunção Cristas. Eis mais um episódio de um esquema de ‘melhoria artificial’ do currículo do homem que lidera as sondagens para as Presidenciais de 2026.


    O Almirante Gouveia e Melo terá violado o Estatuto dos Militares das Forças Armadas ao acumular a regência da cadeira de Segurança Marítima na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (UNL) com o seu cargo de Chefe do Estado-Maior da Armada.

    O diploma de 2015 explicita que “as funções militares são, em regra, em regime de exclusividade”, embora possa haver situações excepcionais, se forem compatíveis “com o seu grau hierárquico ou o decoro militar”. Sendo certo que a regência de uma cadeira de mestrado é uma função digna, Gouveia e Melo tinha um problema legal: o desempenho de funções em regime de acumulação, independentemente de serem exercidas graciosamente – como alegou a Marinha na semana passada –, “depende da autorização prévia do Chefe do Estado-Maior respectivo”.

    Ora, para a situação específica de Gouveia e Melo existe “um impedimento legal por interesse próprio”, como confirmaram ao PÁGINA UM dois professores universitários de Direito. Conforme estipula o Código do Procedimento Administrativo – que rege também actos desta natureza das Forças Armadas –, os titulares de um órgão no exercício de poderes públicos não podem intervir em qualquer processo “quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa”. Isto aplica-se mesmo se as funções forem exercidas a título gracioso, subentendendo-se sempre que Gouveia e Melo obteria, para si, o estatuto de professor universitário, melhorando o currículo público.

    Foto: D.R.

    Pela interpretação desta obrigação, Gouveia e Melo poderia conceder autorização a militares que leccionam em acumulação de funções, mas jamais poderia ‘auto-autorizar-se’. Também jamais poderia delegar essa competência para autorizações num subordinado, uma vez que esse expediente, para contornar a norma de impedimento, violaria o princípio da imparcialidade. O impedimento visa precisamente garantir que o acto não seja praticado por quem tenha um interesse no seu resultado, directa ou indirectamente.

    E assim, não havendo qualquer autorização superior – por exemplo, de uma comissão independente ou do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armada, ou do Ministro da Defesa ou mesmo da Presidência da República –, a ilegalidade e gravidade do procedimento mantêm-se numa outra perspectiva: Gouveia e Melo fez tábua rasa do próprio Estatuto dos Militares das Forças Armadas. Até por o conhecer bem: em 2020, como adjunto do Planeamento no Estado-Maior das Forças Armadas teve delegação de competências para conceder ou não autorizações requeridas por militares ao Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas para acumularem funções.

    O PÁGINA UM pediu esclarecimentos a Gouveia e Melo sobre esta situação, e também sobre as autorizações que terá supostamente concedido a um número indeterminado de militares que leccionaram a cadeira de Segurança Marítima no mestrado da UNL, por si regida, mas não houve qualquer resposta. Por lei, mesmo que houvesse uma autorização a esses militares, seria obrigatório um requerimento formal prévio de cada um. Ora, na passada semana, a Marinha não quis indicar quais os militares que deram a cadeira regida por Gouveia e Melo, tanto mais que os seus nomes são omissos no site da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. O Ministério da Defesa também não respondeu sobre se houve alguma autorização governamental, que, se existisse, teria ocorrido na vigência do Governo Costa, quando a titular da pasta da Defesa era Helena Carreiras.

    Campus de Campolide, onde ainda funciona a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. / Foto: D.R.

    Certo é que, além desta nova questão, a revelação feita pelo PÁGINA UM na semana passada sobre a existência de influências políticas, da ala do CDS, na ‘contratação’ de Gouveia e Melo para reger uma cadeira de Segurança Marítima num mestrado na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa está a causar um indisfarçável incómodo, bem patente no manto de silêncio. Com efeito, a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa não enviou ainda ao PÁGINA UM qualquer acta onde a admissão de Gouveia e Melo tenha sido decidida, antecedida de pareceres de dois professores. Esse acto de transparência e de rigor jurídico não é nenhuma excentricidade ou extravagância – é um acto de normal democraticidade.

    Por exemplo, na sua congénere lisboeta – ou seja, na Faculdade de Direito da Universidade (Clássica) de Lisboa -, todos as actas dos órgãos de gestão e governo, incluindo as referentes às diversas reuniões do Conselho Científico, estão minuciosamente expostas. Algumas destas actas têm mais de 170 páginas, uma vez que são ali expostas questões de relevância académica numa ‘casa’ que forma juristas há mais de um século, bem mais vetusta do que a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa apenas fundada em 1996, onde aparentemente o rigor e a transparência ainda não fizeram ‘escola’. Aqui, nada de actas nem outros documentos de gestão.

    A reitoria da Universidade Nova de Lisboa, liderada por João Sàágua, mantém-se à margem de uma situação que revela a permeabilidade desta instituição universitária às influências políticas e ao ‘tráfico de currículos’. Gouveia e Melo foi colocado na regência de uma cadeira de mestrado por empenhos de Assunção Cristas, coordenadora do mestrado em Direito e Economia do Mar, com a conivência de Mariana França Gouveia, antiga directora da Faculdade e actual presidente do seu Conselho Científico. Ambas, além das ligações ao CDS, são advogadas na sociedade Vieira de Almeida.

    Assunção Cristas (esquerda) e Margarida Lima Rego, actual directora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. / Foto: D.R.

    De facto, o reitor da Universidade Nova de Lisboa não respondeu a qualquer das questões formuladas pelo PÁGINA UM sobre o modus operandi da ‘contratação’ de Gouveia e Melo, designadamente ao nível do rigor administrativo e da conduta ética. Apesar desse silêncio, fica patente que o ainda Chefe do Estado-Maior da Armada, para além de todos os outros problemas legais, jamais poderia assumir a regência de uma cadeira de mestrado sem sequer dar qualquer aula digna desse nome.

    Um professor com obrigações de regência não está desobrigado a dar aulas, pelo contrário. E o Código de Ética da Universidade Nova de Lisboa, publicado em Diário da República há uma década, é bastante claro sobre os deveres específicos dos docentes, incluindo o de serem “assíduos e pontuais no exercício das suas funções”. Ora, no caso de Gouveia e Melo, a questão da pontualidade nem se coloca porque é critério inaplicável face a uma assiduidade nula. A legalidade de uma regência sem dar qualquer aula é assim muito duvidosa, tanto mais que Gouveia e Melo não era um simples ‘visitante’. Além da regência ser publicitada, no site da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa surge com um endereço oficial da instituição universitária pública: henrique.melo@novalaw.unl.pt.

    Entretanto, esta tarde, a RTP revelou que a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa assumiu que, afinal, ainda nem sequer existe qualquer parceria, sendo que, nesse aspecto, toda a legalidade está em causa, por não existir aplicação retroactiva. Em nota enviada à televisão pública – depois de recusar responder a perguntas do PÁGINA UM –, a instituição universitária diz que “o documento [parceria] está ainda em processo de formalização [ou seja, não existe], pois o acordo entre as duas instituições é mais amplo, abrangendo outras situações além da regência desta disciplina [Segurança Marítima]”, tendo acrescentado que “a assinatura terá lugar muito em breve”.

    Gouveia e Melo. Foto: EMA.

    Na mesma nota, a Faculdade argumenta que o convite a Gouveia e Melo se fundamentou num relatório subscrito por Assunção Cristas e por Vera Eiró para os anos lectivos de 2022/2023 e 2023/2024. Nenhum desses relatórios terá sido apresentado em Conselho Científico nem sequer foram enviados quando solicitados pelo PÁGINA UM. Existe, obviamente, a possibilidade de serem agora forjados, tanto mais que o convite só pode ser formalizado após aprovação pela “maioria absoluta dos membros do Conselho Científico em exercício de funções, aos quais é previamente facultado o currículo da individualidade a contratar”, algo que nunca sucedeu. E aí já será mais complicado forjar uma acta de uma antiga reunião. Na nota à RTP, a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa acaba também por assumir que Gouveia e Melo concede apenas uma palestra anual, o que lhe ‘pareceu’ ser bastante para ser considerado professor convidado com direito a e-mail institucional.

    O PÁGINA UM também colocou questões à Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), que ‘supervisiona’ o mestrado onde Gouveia e Melo é regente, questionando se no processo de acreditação, concluído em 2022, ficou prevista a possibilidade de uma parceria com a Marinha e a docência por militares. Não houve ainda resposta.

    Na verdade, a única pessoa que, nesta semana, respondeu às questões do PÁGINA UM foi o eminente cardiologista e professor jubilado José Fragata, que surge ainda no site da Universidade Nova de Lisboa como presidente da Comissão de Ética, um órgão consultivo da reitoria. José Fragata diz que deixou o cargo em 2022, desconhecendo se a comissão ainda existe “e naturalmente quem a preside”, sugerindo que contactasse a Reitoria. E o PÁGINA UM contactou, mas João Sàágua deverá ter tido mais que fazer para dar uma resposta.


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  • AD contra AD: Governo Montenegro quer destruir regime de protecção de solos do Governo Balsemão

    AD contra AD: Governo Montenegro quer destruir regime de protecção de solos do Governo Balsemão

    De boas intenções, está o inferno cheio. Mas há medidas que nem sequer se mostram boas na intenção, até porque os resultados serão previsivelmente catastróficos. Para aumentar os terrenos urbanizáveis, alegando ser necessário para fazer face à crise de habitação, o Governo Montenegro prepara-se para dar uma ‘machadada’ ao mais importante legado da política de ordenamento e planeamento do território do século XX, flexibilizando administrativamente, através das autarquias, a passagem de terrenos da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional para fins urbanísticos. Além de ser uma medida com efeitos indesejáveis e promotor esquemas de corrupção – por exemplo, facilitará a passagem de terrenos rurais não edificáveis para áreas urbanas em redor do futuro aeroporto de Lisboa -, há uma ironia política:o Governo Montenegro, eleito sob a sigla de Aliança Democrática, ‘assassina’ assim dois instrumentos de planeamento (leis da Reservas Agrícola e Ecológica Nacional (RAN e REN) aprovados em 1982 e 1983 pelo Governo da Aliança Democrática original, então liderado por Pinto Balsemão, tendo como principal dinamizador dos diplomas o arquitecto Ribeiro Telles. O actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa integrou também esse Governo, podendo suscitar a legalidade de uma alteração do regime da REN e da RAN por simples decreto-lei, porque estão em causa áreas da competência da Assembleia da República.


    À boleia de uma alegada crise da habitação e de suposta escassez de terrenos para construção, o Governo Montenegro quer destruir todos os alicerces da política de ordenamento e planeamento urbanístico, através de uma alteração da Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, mas a iniciativa pode esbarrar na Assembleia da República por estarem em causa modificações profundas na Lei dos Solos, uma vez que esta é uma matéria da estrita competência dos deputados.  

    Na semana passada, o Governo anunciou que o Conselho de Ministro aprovou um decreto-lei para “permitir às autarquias disponibilizar mais terrenos para a construção de habitação destinada à classe média em todo país”, com a condição de que“pelo menos 70% das casas construídas deverão ser vendidas a preços moderados, um novo conceito criado para abranger o acesso pela classe média, ponderando valores medianos dos mercados local e nacional, e definindo valores máximos para assegurar justiça social”. De acordo com as indicações transmitidas publicamente, a ideia será conceder às autarquias o poder, de forma arbitrária, para alterar usos de solo, passando-o de rústico para urbano.

    people working on building during daytime

    Mas para isso, o Governo Montenegro precisa de flexibilizar os regimes de protecção e condicionamento das áreas de Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional que, como são terrenos rústicos – e actualmente sem capacidade construtiva –, acabam por apresentar um custo mais barato e apetecível para a especulação imobiliária.

    Não deixa de ser irónico que esta tentativa de dar uma ‘machadada’ na política de urbanismo seja uma iniciativa de um Governo que se anunciou sob a sigla AD – Aliança Democrática, ressuscitando a versão de finais dos anos 70 e início dos anos 80, dinamizada inicialmente por Sá Carneiro (PSD), Freitas do Amaral (CDS) e Ribeiro Telles (PPM), e que depois da morte do primeiro continuou com Francisco Pinto Balsemão até 1983.

    Com efeito, foi já no fim desse mandato que o Governo de Pinto Balsemão, que tinha uma forte ‘costela ambientalista’ (Ribeiro Telles, então ministro da Qualidade de Vida), que foram aprovados dois mais importantes instrumentos de protecção ambiental e de urbanismo – a lei da RAN, em Setembro de 1982, e a lei da REN, em Junho de 1983 – sobre as quais se erigiram os planos directores municipais e outros planos de ordenamento. Curiosamente, o actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, integrava este Governo da AD como ministro dos Assuntos Parlamentares.

    Pinto Balsemão, Ribeiro Telles e Marcelo Rebelo de Sousa integraram o Governo AD que aprovou a lei da RAN e da REN, que protegeu solos da construção. O novo Governo AD, de Luís Montenegro, quer transformar em ‘três tempos’ solos rústicos em áreas para o imobiliário. Foto: Museu da Presidência.

    As restrições impostas para os solos da RAN e da REN nunca radicaram em qualquer extremismo ambientalista, sustentando-se numa visão estratégia inter-geracional e mesmo de protecção contra catástrofes naturais. Além de protecção de solos agrícolas, a delimitação de áreas sensíveis no âmbito serve sobretudo para preservar linhas de água e leitos de cheia – para evitar desastres humanos como se observou recentemente na região de Valência –, aquíferos de águas subterrâneos, proteger zonas declivosas e sobretudo evitar um crescimento desenfreado e caótico das zonas urbanas.

    “Esta medida do Governo é inaceitável do ponto de vista da sustentabilidade económica e ambiental, porque, em vez de promover uma aposta na consolidação e reabilitação dos centros urbanos, vai disponibilizar mais terrenos, promovendo o crescimento em ‘mancha de óleo’ para zonas sensíveis com a necessidade de novos e maiores investimentos de infraestruturação”, salienta Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero.

    Aliás, ao invés de promover mais uma maior quantidade de terrenos disponíveis, o efeito expectável será contrário. As construtoras terão tendência a abandonar projectos imobiliárias em zonas consolidadas, preferindo adquirir terrenos rústicos muito mais baratos para depois conseguirem uma viabilização junto das autarquias. Este expediente escancara, além disso, as portas para a especulação e mesmo para a corrupção e outros esquemas ínvios, recordando procedimentos dos anos 90 do século passado, quando se desenvolveu a primeira geração de planos directores municipais. Nessa altura, muitos empresários, em conluio com autarcas, compravam terrenos rústicos, vendo depois essas zonas serem integradas em áreas edificáveis, multiplicando assim o seu valor. Aliás, este tipo de esquemas pode já ocorrido antes deste anúncio do Governo, mas tornar-se-à corriqueiro a nível local, concedendo poderes arbitrários aos políticos.

    Governo prepara-se para destruir um dos maiores legados de político de ordenamento e de urbanismo do século XX, abrindo as portas a esquemas de tráfico de influências e de corrupção no imobiliário.

    Esta alteração no regime dos terrenos rústicos aparenta, aliás, encaixar-se na perfeição para a existêncoa de transações especulativas em torno do futuro aeroporto de Lisboa. A esmagadora maioria dos terrenos envolventes à zona do Campo de Tiro de Alcochete integram a RAN e a REN. Com esta medida do Governo Montenegro, esses terrenos multiplicam de valor ‘da noite para o dia’.

    A ideia de ser a falta de terrenos – e os seus custos elevados – uma das principais causas da crise da habitação em Portugal tem sido uma ideia estafada que não encontra reflexo na realidade dos números, porque o ritmo de construção depende sobretudo das condições económicas e dos ciclos financeiros, bem como da oferta e da procura. Embora se observe agora um recente crescimento populacional nos anos recentes, a uma taxa de 1%, não existe propriamente uma escassez de casas, mas sim uma dificuldade de adaptação dos rendimentos dos portugueses a um mercado que se globalizou, tanto nas zonas urbanas como rurais, neste caso pela procura de segundas residências.

    Por esse motivo, observando a evolução dos licenciamentos de fogos (casas) pelas autarquias desde 2007, com base nos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), conclui-se que o mercado imobiliário está já bastante dinâmico, tendo mesmo registado este ano o valor mais elevado desde 2009, se considerarmos os primeiros 10 meses (Janeiro a Outubro). A nível nacional, os 28.004 fogos licenciados este ano são praticamente cinco vezes mais do que os licenciados em 2014, em plena crise financeira.

    Evolução do número de fogos licenciados em Portugal e nas diversas regiões (NUT II) entre 2007 e 2024 para os primeiros 10 meses de cada ano. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Comparando as licenças de construção concedidas nos últimos 24 meses (Novembro de 2022 a Outubro de 2024) com as do período homólogo anterior (Novembro de 2020 a Outubro de 2022), confirma-se esse dinamismo: um crescimento de 9,3%, passando de 59.558 para 65.092 fogos licenciados. Esse crescimento está sobretudo concentrado na região Norte, que impulsionou nesse período em 12,8%, e particularmente no Grande Porto.

    Nessa sub-região, o crescimento foi de 21%, passando de pouco mais de 14 mil fogos licenciados para mais de 11.700. Na região de Lisboa – que engloba os municípios da Grande Lisbia e da Península de Setúbal –, apesar de se registar um crescimento (3,7%), está a níveis mais modestos. Enquanto nos últimos dois anos se licenciaram 13.033 fogos, no período de Novembro de 2020 a Outubro de 2022 as autarquias tinham concedido licenças para a construção de 12.567 fogos.

    Em todo o caso, existe uma tendência de mudança na tipologia dos fogos licenciados. De acordo com os dados do INE, nos últimos dois anos, as licenças destinam-se para uma tipologia mais pequenas, indo ao encontro da prevalência de uma procura num mercado imobiliário destinado a pessoas sozinhas, casais ou famílias de poucos filhos.

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    O regime da REN serviu sobretudo para suster a construção desenfreada em zonas sensíveis, entre as quais áreas em leitos de cheia.

    Nos últimos dois anos, 44,4% dos fogos licenciados serão T2 ou menores. Os T0 e T1 são representam 17,2%. No período homólogo anterior as tipologias T2 ou menores atingiam os 36,9% e no período entre Novembro de 2018 e Outubro de 2020 foi de 36,5%. Já as tipologias de maiores dimensões (T4 e mais) estão a descer em peso. Nos últimos dois anos são 12,7% do total, quando nos dois períodos homólogos anteriores foram de 15% e 14,9%, respectivamente.

    Se recuarmos aos últimos dois anos do boom imobiliário do início do século – em 2007 e 2008 licenciaram-se mais de 111 mil fogos –, as casas de grandes dimensões (T4 ou mais) representaram 17,8% do total, enquanto T0 e T1 tiveram um peso de apenas 10%. Se juntarmos os T2, a percentagem sobe para os 36,6%, confirmando-se assim que se está a construir mais apartamentos de menores dimensões.


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  • Vacinas contra a covid-19: vigilância farmacológica desprezou 19.224 portugueses com reacções adversas

    Vacinas contra a covid-19: vigilância farmacológica desprezou 19.224 portugueses com reacções adversas

    Portugal é um dos poucos países europeus sem qualquer esquema expedito de compensação de lesados pelas vacinas contra a covid-19. Na verdade, Portugal está agora na minoria dos países mundiais sem qualquer plano desta natureza, porque desde 2021 houve uma proliferação de decisões governamentais e de outras instituições para, de uma forma solidária, apoiar quem sofreu efeitos adversos das vacinas. Mas em países como o Reino Unido, esses apoios estão a ser contestados por as indemnizações serem pequenas e pouco adequadas. Pior está Portugal, porque nem tem plano de indemnização nem uma farmacovigilância decentes. Os dados do Portal RAM obtidos pelo PÁGINA UM por via de uma intimação no Tribunal Administrativo – mas muitilados pelo Infarmed – revelam uma absurda falta de acompanhamento da evolução dos casos de reacções adversas. Em mais de quatro em cada 10 registos de reacções adversas, o Infarmed não sabe como evoluíram. A esmagadora maioria são sintomas leves, mas há centenas de afecções gravíssimas, entre as quais choques anafiláticos, miocardites, enfartes do miocárdio, AVC e tromboses diversas. A culpa, em Portugal, e com a postura do Infarmed, morre mesmo solteira, mas na companhia de muitas infelizes vítimas.


    Em Outubro passado, o editor da área da saúde da BBC, Fergus Walsh, fazia um balanço da administração das vacinas contra a covid-19. Apesar de defende que o programa de vacinação evitara “mais de um quarto de milhão de internações hospitalares e mais de 120.000 mortes no Reino Unido até Setembro de 2021” dava um enfoque específico sobre os efeitos colaterais, ou seja, sobre as vítimas das reacções adversas, raras em termos relativas, mas já bastante numerosas em termos absolutos pela elevada quantidade de doses administradas.

    E o jornalista destacava os impressionantes números de processos de pedidos de indemnização entrados no âmbito do Plano de Pagamento por Danos Causados por Vacinas (VDPS), criado em 1979, como uma espécie de contrato social entre os indivíduos e o Estado, após um problema de segurança da vacina contra a tosse convulsa em uso na época. A imposição desse plano governamental surgiu depois de uma crescente hesitação vacinal ao longo da década de 70, passando depois a vigorar em relação às demais vacinas, designadamente contra a varíola, difteria, tétano, poliomielite, sarampo, rubéola, tuberculose, meningites, infecção pneumocócica, vírus do papiloma humano (HPV), gripe e, finalmente, covid-19.

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    Em termos gerais, com recurso a relatórios médicos e de farmacovigilância, provando-se uma associação directa e ocorrendo pelo menos uma incapacidade de 60%, este plano de apoio do Reino Unido é automaticamente accionada e concedida uma compensação de 120 mil libras (cerca de 145 mil euros). Neste país, entre o final da década de 1970 e 2020, houve para todas as vacinas pouco menos de 6.500 pedidos entrados por danos causados por reacções adversas, e concedidas 944 indemnizações.

    Mas estes valores subiram vertiginosamente no Reino Unidos com as vacinas da covid-19, sobretudo pelo elevado número de doses administradas da AstraZeneca. Em Outubro passado, no âmbito de um sistema de acesso obrigatório à informação – lamentavelmente inexistente em Portugal –, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS) revelou que já tinha sido recebidas pelo VPDS um total de 15.805 reivindicações sobre reacções adversas graves da vacina contra a covid-19, ou seja, mais do dobro de todas as solicitações de quatro décadas envolvendo outras vacinas. Mas, até agora, somente 181 reivindicações foram consideradas passíveis de recebimento de indemnizações, tendo sido rejeitadas 7.357 solicitações porque o avaliador médico independente considerou não existir causalidade, havendo ainda mais 391 reivindicações que não tiveram sucesso por a vacina, embora causando dano, não provocou incapacidade grave. Isto pode incluir, por exemplo, a cegueira de olho, porque não se atinge os 60% de incapacidade.

    De acordo com a NHS, as reacções adversas agudas mais graves detectadas após as vacinas contra covid-19 incluem anafilaxia, pneumonia bacteriana, paralisia de Bell, neuropatia óptica sequencial bilateral, síndrome de vazamento capilar, síndrome de Guillain-Barré, trombocitopenia imune, resposta imune à vacina, inflamação dos pulmões, enfarte do miocárdio, miocardite/pericardite, embolia pulmonar, acidente vascular cerebral (AVC), mielite transversa, trombose do seio venoso cerebral e vasculite induzida por vacina.

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    Mas as críticas ao sistema do Reino Unido, pelo seu carácter desactualizado e meramente burocrático, tem aumentado, como salienta Fergus Walsh, citando uma advogada de vítimas que critica o VDPS por “oferecer muito pouco, muito tarde e para muito poucas pessoas”, além de que a análise dos casos é feita apenas com base em documentos clínicos, de forma burocrática, sem qualquer exame físico. As críticas têm sido tão grandes que o Governo do Reino Unido aumentou os funcionários que tratam dos processos no VDPS para 80. Antes do programa de vacinação contra a covid-19 eram quatro.

    Este esquema de compensações apoiada pelos Estados, de forma extra-judicial (sem assumpção de culpa pelas farmacêuticas), para apoiar vítimas de reacções adversas causadas pelas vacinas existia em 29 países antes da pandemia, sobretudo na Europa, mas que incluía também os Estados Unidos, a China, a África do Sul e a Nova Zelândia. Portugal não possuía qualquer sistema.

    E os portugueses continuaram assim completamente desprevenidos com o surgimento das campanhas maciças de vacinação, nunca sendo assumido pelo Estado e pelas diversas autoridades de saúde a existência de efeitos adversos relevantes, independentemente da sua prevalência. Assim, de acordo com uma compilação do Centre for Socio-Legal Studies, desde 2021 proliferaram os planos de compensação especificamente para as vacinas contra a covid-19, quer por iniciativa dos próprios Estados, nos países mais ricos, quer por iniciativas de entidades ou corporações, como a African Vaccine Acquisition Trust (AVAT), da União Africana, a COVAX – uma parceria da Coalition for Epidemic Preparedness Innovations (CEPI), a Gavi – The Vaccine Alliance e a Organização Mundial da Saúde (OMS) – e a UNICEF. São 98 o número de países abrangidos, sendo 21 europeus. Portugal não está nem nunca manifestou interesse em estar. Na verdade, Portugal encontra-se no lote muito restrito que aparentemente nega que as vacinas contra a covid-19 possam causar danos colaterais. Ou que despreza ou abandona quem respondeu afirmativamente aos apelos, e pressões, para se vacinar, mesmo quando não se encontrava em grupos de risco.

    Países (a vermelho) com planos de compensação para os efeitos adversos de vacinas antes da pandemia da covid-19. Fonte: Centre for Socio-Legal Studies.

    E uma das causas tem sido a postura do Infarmed, o regulador do medicamento em Portugal, que ostensivamente menoriza, manipula e oculta os efeitos adversos das vacinas em território nacional, sempre com o mesmo protagonista: Rui Santos Ivo.

    Único dirigente da Administração Pública no sector da Saúde que se mantém em funções desde o início da pandemia, este farmacêutico com passagens entre cargos públicos e ligações à indústria farmacêutica –, Rui Santos Ivo foi director executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA) entre 2008 e 2011 –, tendo sido recentemente ‘promovido’ à vice-presidência da Agência Europeia do Medicamento (EMA), cada vez mais uma instituição comunitária que visa defender mais os interesses da indústria do que proteger os cidadãos. Discreto e completamente avesso à transparência, Rui Santos Ivo acabou por fazer aquilo que eram as instruções políticas e as linhas orientadoras da Comissão Europeia. Não levantar ondas, em suma.

    Durante os primeiros dois anos do programa vacinal contra covid-19, o Infarmed ficou conhecido por revelar relatórios de farmacovigilância onde, logo nas primeiras frases, garantia que “a vacinação contra a COVID-19 é a intervenção de saúde pública mais efetiva para reduzir o número de casos de doença grave e morte originados pela infeção pelo SARS-CoV-2”, acrescentando que “diversos estudos comprovam que as vacinas contra a COVID-19 são seguras e efetivas.” Enquanto isso, o presidente do Infarmed obstaculizada, como podia, recorrendo por vezes à mentira, o acesso do PÁGINA UM aos dados brutos das notificações registadas no Portal RAM, ou seja, as reacções adversas identificadas como suspeitas de associação às vacinas.

    Países (a azul) com planos de compensação para os efeitos adversos de vacinas contra a covid-19. Fonte: Centre for Socio-Legal Studies.

    Em Julho passado, através de um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul – que reverteu uma absurda sentença de primeira instância, com a juíza a considerar que descarregar ficheiros de uma base de dados era criar um documento novo –, a presidência do Infarmed viu-se na obrigação de revelar os dados em bruto. Porém, mais uma vez, Rui Santos Ivo quis manipular a informação, ‘mutilando’ a base de dados, retirando variáveis relevantes como as idades das vítimas e sobretudo o grau de casualidade apurada, ou seja, a conclusão clínica sobre se associação da reacções adversa à vacina era definitiva, provável, possível ou improvável. Essa é, aliás, a função primordial da farmacovigilância: uma vigilância activa e dinâmica, que acompanha os casos desde o início dos sintomas até ao desfecho, que pode ser uma (infeliz) morte, uma recuperação completa (cura) ou uma recuperação com sequelas, sendo que existirá uma situação intermédia (‘em recuperação’).

    Extracto da base de dados (em Excel) revelados pelo Infarmed (com mutilação de variáveis), após intervenção do Tribunal Administrativo, e analisados pelo PÁGINA UM para detectar registos com evolução desconhecida de sintomas.

    Porém, apesar de Rui Santos Ivo nunca ter manifestado qualquer interesse em disponibilizar os dados completos – e nem sequer ter reagido ao PÁGINA UM sobre uma eventual prevaricação por si cometida por estar a proteger ilegitimamente interesses das farmacêuticas e do Governo –, um dos aspectos mais salientes nos dados em brutos disponibilizados era a quantidade avassaladora à referência “Desconhecido” sobre a evolução de sintomas ou afecções inicialmente detectados. Ou seja, ao fim de meses, e até anos, da primeira detecção das suspeitas de reacções adversas às vacinas, o Infarmed não sabia como evoluíra o estado de saúde dos pacientes. E não estamos a falar de meia dúzia de casos, nem de umas centenas, mas sim de 19.224 pessoas de um total de 45.337 registos individuais introduzidos no Portal RAM entre 27 de Dezembro de 2020 e 28 de Agosto de 2024. Ou seja, em mais de quatro em cada 10 registos (42,4%), o Infarmed não apurou sequer como evoluíram os sintomas e afecções detectadas.

    Numa análise detalhada à variável da evolução das reacções adversas – um processo moroso, porque o ficheiro do Infarmed lista o conjunto de afecções e sintomas numa mesma célula com indicações de progresso por vezes distintas –, observa-se que uma grande parte se refere a problemas que, em princípio, são ligeiros e corriqueiros, como dores no local de vacinação (quase quatro mil casos), dores de cabeça, febre ou dores (centenas de casos). Mas, de entre a lista, constam afecções gravíssimas potencialmente mortais ou com causadores de sequelas profundas. E isto altera de forma radical uma avaliação correcta da segurança das vacinas e impede, desse modo, acções judiciais com pedidos de indemnização.

    Por exemplo, numa averiguação preliminar, o PÁGINA UM detectou 45 registos de pessoas com miocardites ou pericardites após vacinação cuja evolução se mantém irresponsavelmente desconhecida pelo Infarmed. Mas isso é apenas a ponta do icebergue. A evolução de 22 casos de choques anafiláticos – uma reação alérgica grave e potencialmente fatal, que causa dificuldade em respirar e que, sem tratamento imediato (com adrenalina), pode levar à morte – é desconhecida pelo Infarmed. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, foi agora promovido a vice-presidente da Agência Europeia do Medicamento.

    Há também 40 casos de tromboembolismo pulmonar – o bloqueio de uma artéria dos pulmões por um coágulo – para os quais é uma incógnita a sua evolução. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Houve ainda 13 acidentes vasculares cerebrais suspeitos de estarem fortemente associados às vacinas, mas cuja evolução também se desconhece. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Casos de síndrome de Guillain-Barré – uma doença autoimune rara que afeta os nervos periféricos, causando fraqueza muscular progressiva, podendo levar à paralisia – surgem ainda 18 casos no Portal RAM com um desfecho incógnito. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Situações de paralisia de Bell – uma paralisia por vezes apenas temporária devido á inflamação ou compressão do nervo facial – contabilizam-se 27 sem se conhecer a evolução. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Até enfartes agudos do miocárdio se contam com evolução desconhecida. São oito, a que se juntam 13 casos de acidentes vasculares cerebrais (AVC) de evolução desconhecida, mais 17 casos de trombose venosa profunda de evolução desconhecida, mais 16 casos de trombocitopenia imune de evolução desconhecida, mais cinco casos de mielite e 13 de vasculite de evolução desconhecida. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Considerando a gravidade de muitos destes casos, e também a subnotificação e falta de acompanhamento, é pura especulação o Infarmed apontar ‘apenas’ a ocorrência de 141 mortes em Portugal suspeitas de estarem associadas às vacinas. Tanto mais que se desconhece o grau de causalidade apurada.

    Sede do Infarmed, onde (não) se faz farmacovigilância dos medicamentos.

    Na quantidade absurda de casos sem vigilância digna – e ignora-se a realização de estudos sérios para acompanhar inicialmente menos sérios –, o PÁGINA UM encontrou ainda 63 alterações menstruais sem conhecimento da evolução e mais 22 casos de herpes zoster – ou seja, por reactivação do vírus da varicela – também sem conhecimento da evolução. E muitos mais há nas 19.224 registos analisados. E qual a razão? – pergunta-se de novo. Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber. Agora está este responsável acumulando a liderança de um regulador que esconde informação pública relevante – porque o poder político lhe permite – com a cadeira da vice-presidência da Agência Europeia do Medicamento. Terá, por certo, mais do que fazer agora do que preocupar-se com uns milhares de portugueses que foram vítimas indirectas de um programa vacinal onde seria suposto, à moda lusitana, que tudo ficar bem, porque o que corresse mal se esconderia.

    Assim, sem qualquer plano de indemnizações, com falhas escandalosas de vigilância farmacológica e escondendo-se até a casualidade eventualmente apurada, Portugal apresta-se para enterrar a culpa solteira. Salvar-se-á a honra de política e do realpolitik – continuando a vender a ideia de um sucesso de vidas salvas –, mas, metendo a cabeça na areia, não se dignofica, por certo, nem a democracia nem a solidariedade de uma sociedade que se esperaria civilizada e responsável.


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