Etiqueta: Política

  • Partido Socialista está em falência técnica desde 2013

    Partido Socialista está em falência técnica desde 2013

    Mesmo tendo recebido 52 milhões de euros de subvenção pública nos últimos 10 anos, o Partido Socialista está com os seus capitais próprios negativos há nove ininterruptos anos. Desde que António Costa assumiu a liderança do país, a situação financeira do seu partido tem melhorado – como sempre que o PS está no Governo –, mas mesmo assim vai precisar de mais seis anos no poder para o partido da rosa sair do vermelho.


    O Partido Socialista (PS) – que governa ininterruptamente Portugal desde Novembro de 2015 – apresenta capitais próprios negativos desde 2013, apesar de ter recebido mais de 52 milhões de euros na última década de subvenção pública do Estado, que constitui actualmente cerca de três quartos das suas receitas.

    Esta é a principal conclusão de uma análise financeira do PÁGINA UM às contas dos partidos políticos desde 2003, que se encontram arquivadas na Entidade das Contas e Financiamentos Políticos. Nas próximas semanas serão apresentadas análises similares sobre os principais partidos políticos.

    António Costa, secretário-geral do Partido Socialista e primeiro-ministro de Portugal.

    Em termos práticos, esta situação financeira do partido cujo secretário-geral é o primeiro-ministro português significa que se encontra em falência técnica há já nove anos, porquanto o valor do passivo é superior aos activos desde 2013.

    Numa acepção economico-financeira não significa que esteja em via de ficar insolvente, ou de falir, até porque desde 2016 os seus resultados positivos têm sido positivos, embora ainda muito insuficientes para tapar o “buraco” onde ainda se encontra. De facto, o PS só não abre falência por via dos contínuos financiamentos externos, de instituições bancárias, e do protelamento de pagamentos.

    Na verdade, pese embora os lucros dos últimos anos, desde 2013 o passivo do PS tem estado quase sempre a rondar os 20 milhões de euros. Esta é sobretudo ainda uma herança de 2013. Então na oposição ao Governo de Pedro Passos Coelho, o PS ficou endividado de forma repentina, tendo o seu passivo pulado de cerca de 8,6 milhões de euros para 29 milhões, sobretudo por causa da degradação da rubrica relativa às estruturas partidárias e campanhas eleitorais. Nunca mais recuperou a situação anterior, contrariando o que sucedera em 2009. Então em pleno mandato de José Sócrates, o PS subiu o seu passivo de 3,8 milhões de euros em 2008 para os 35,8 milhões em 2009, mas desceria depois, no ano seguinte para os 7,1 milhões.

    Capital próprio (em euros) do Partido Socialista desde 2003. Fonte: Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

    Com variações ao longo dos últimos nove anos, o seu passivo nunca baixou dos 18 milhões de euros, situando-se no final de 2021 em quase 22,9 milhões, quase mais 3 milhões do que em 2020.

    Uma parte considerável da degradação das contas, vem assim directamente do elevado passivo, devido ao pagamento de juros. Por exemplo, no ano de 2012 – antes do endividamento de 2013 – o PS gastou um pouco menos de 220 mil euros em juros e gastos similares. No ano passado chegou aos 410 mil euros.

    No entanto, a situação financeira até tem estado em recuperação desde que o PS retomou as rédeas do poder, estando agora com menores custos com pessoal do que quando estava na oposição, o que se compreende por ser habitual as estruturas partidárias se encaixarem no aparelho do Estado. Por exemplo, em 2013, na oposição, os gastos com pessoal foi de quase 2,5 milhões de euros, enquanto no ano passado (no poder) se cifraram apenas nos 1,8 milhões de euros.

    Estar no Governo tem sido, aliás, a tábua de salvação das contas do PS. Além da redução nos custos de pessoal, também os fornecimentos e serviços externos diminuíram. Em 2012 e 2013 – em pleno mandato de Passos Coelho –, o PS gastou, em cada um desses anos, cerca de 4,3 milhões de euros nessa rubrica. Nos dois mais recentes anos, no poder, as contas para essa rubrica situam-se em redor dos 3 milhões de euros.

    Passivo (em euros) do Partido Socialista desde 2002. Fonte: Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

    Mesmo se os actos eleitorais – que coincidem sempre com um aumento significativo de donativos mas também de custos – não são necessariamente um bom negócio para os partidos, o day after tem sido importante no caso do PS: poder significa desafogo financeiro; oposição resulta em consequente aflição financeira nos anos seguintes. Até porque as subvenções estatais estão associadas a esta relevante variável.

    Com efeito, analisando os resultados líquidos desde 2003, observa-se que nos 15 anos em que o PS esteve no poder em grande parte ou na totalidade do ano económico (entre 2005 e 2010, e desde 2016), apenas em 2009 registou prejuízo (quase 2,2 milhões de euros). Nos outros, os lucros variaram entre os 264 mil euros (em 2018) e os 2,3 milhões (em 2006).

    Em todo o caso, os seis anos económicos completos de José Sócrates na liderança do PS foram em média melhores do que os seis anos de António Costa: 1,1 milhões de euros contra 468 mil euros. No entanto, Sócrates teve um ano económico completo de prejuízo (2006) e deixou uma herança pesada quando em Junho de 2011 “entregou” o poder ao PSD. Nesse ano, o PS registou um prejuízo de quase 3,2 milhões de euros – mesmo assim menor do que os de 2012 e 2014, quando António José Seguro foi líder.

    Resultados líquidos (em euros) do Partido Socialista desde 2002. Fonte: Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

    Em contraste, nos anos económicos (ou na maior parte dos meses) em que o PS se encontrava no estatuto de oposição, os resultados financeiros foram, geralmente um desastre: apenas em 2012 não ficaram no vermelho – com um lucro de quase 590 mil euros – mas depois do “desastre” de 3,1 milhões de euros de prejuízo no ano anterior, que obrigou, em consequência, a um corte para quase metade nas despesas com fornecimentos e serviços externos.

    Mesmo assim, ao ritmo em que os lucros dos últimos seis anos – uma média anual de 469 mil euros –, o PS vai precisar de mais seis anos para que os capitais próprios fiquem novamente positivos. Mas têm de ser sempre seis anos de poder, porque na oposição a situação tende a piorar, como mostra a sua História.

  • Iniciativa da Comissão Europeia causa maior polémica de sempre, mas em Portugal é ignorada pelos partidos e imprensa mainstream

    Iniciativa da Comissão Europeia causa maior polémica de sempre, mas em Portugal é ignorada pelos partidos e imprensa mainstream

    Consulta pública para renovar por mais um ano a vigência do certificado digital está a merecer uma contestação nunca vista. Em situações normais, regulamentos em dicussão recebem poucas dezenas ou centenas de comentários antes da sua aprovação, mas o prolongamento do documento que é a imagem da discriminação a quem recusa vacinar-se, em muitos casos por ter imunidade natural, já conta com mais de 136 mil comentários de cidadãos e entidades sobretudo da Itália, Holanda, Alemanha, Bélgica e Eslováquia. Em Portugal, porém, no pasa nada. A imprensa mainstream ignora o assunto. E de todos os partidos políticos, apenas o PCP quis falar ao PÁGINA UM.


    Manter ou não manter por mais um ano o certificado digital de vacinação como forma de discriminar os não-vacinados contra a covid-19 no controlo transfrointeiriço ou locais públicos e privados: eis a magna questão.

    Falta menos de uma semana para terminar a mais concorrida e polémica iniciativa legislativa da Comissão Europeia, e quase todos os principais partidos políticos portugueses ignoram este assunto. E nem se mostram interessados em o debater. A imprensa mainstream também nada noticia sobre a intenção da Comissão von der Leyen, que tomará uma decisão após a consulta pública que termina na próxima sexta-feira, dia 8.

    A fase de consulta pública do projecto de regulamentação da Comissão von der Leyen em prolongar a vigência do certificado digital até Junho de 2023 – declaradamente para incentivar a vacinação contra a covid-19 está a sofrer uma contestação nunca vista.

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    De acordo com os registos no site da Comissão Europeia foram contabilizadas, até às 19:30 horas de hoje, um total de 136.039 comentários e apreciações à proposta de uso do certificado digital, praticamente todas contra.

    Em pouco mais de um mês, os comentários mais do que duplicaram. Em 24 de Fevereiro, num levantamento do PÁGINA UM, estavam então registados 61.532 comentários.

    A Itália – país onde o uso do certificado digital para uso interno se aplicou de forma radical, condicionando mesmo o acesso ao emprego, transportes públicos e a bens essenciais – lidera as estatísticas, com 24.413 comentários de cidadãos e entidades.

    Segue-se a Holanda e a Alemanha a pouca distância uma da outra, com 22.631 e 22.592 comentários, respectivamente. A França conta já com 17.282, e Bélgica e Eslováquia contam, cada, com mais de cinco mil.

    Portugal é apenas o 13º país com mais comentários, com um total de 1.257,o que se deverá, em grande medida, à falta de eco sobre a consulta pública, quase um boicote, pela imprensa mainstream.

    Para obter uma reacção sobre a necessidade de prolongamento do certificado digital – que cientificamente não garante a não transmissibilidade da covid-19 nem tão-pouco de mecanismo de controlo da pandemia –, o PÁGINA UM contactou durante a passada semana todos os partidos políticos com assento na Assembleia da República e/ou no Parlamento Europeu sobre esta matéria, a saber: Partido Socialista, Partido Social Democrata, Chega, Iniciativa Liberal, CDS, PAN, Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português (PCP).

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    Apesar de terem sido feitos dois contactos, apenas o PCP reagiu. Referindo que “quando da discussão e aprovação do ‘certificado digital’ no Parlamento Europeu”, discordou e repudiou “um regulamento que permitia aos Estados Membros imporem restrições à circulação de pessoas”, incluindo o acesso ao emprego, os comunistas dizem “não ver nenhuma razão para alterar a nossa posição”.

    E relembram ainda que “a Organização Mundial de Saúde, não só desaconselhou que tal decisão fosse tomada, como chamou a atenção para o facto de se estar a fazer tábua rasa do Regulamento Sanitário Internacional, subscrito por 196 países, que aponta soluções mais eficazes.”

    Para o PCP, que defende ser a vacinação eficaz no combate à covid-19, não é com o certificado digital, “com este tipo de imposições”, que se consegue convencer os mais reticentes, mas sim “através de outras medidas mais eficazes”. No entanto, para este partido político “não se justifica a introdução da obrigatoriedade.”

    O Governo português, por seu turno, aparenta querer manter a sua vigência, tanto mais que tomou a decisão deixar cair o prazo de validade dos certificados dos menores. Significa assim que os maiores de 18 anos terão de tomar reforços da vacina contra a covid-19 de 9 em 9 meses, independentemente do seu grau de imunidade, caso pretendam renovar o seu “passe sanitário administrativo”.

    Recorde-se que o regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, ainda em vigor, que criou, em Junho do ano passado, “um regime para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperáveis de vacinação, teste e recuperação da COVID-19 (Certificado Digital COVID da UE)” pretendia “facilitar a livre circulação de pessoas durante a pandemia”. Mas era temporário, com o prazo de um ano e apenas para controlo transfronteiriço.

    Porém, estes certificados foram depois abusivamente aproveitados por diversos Estados-membros, incluindo Portugal, para discriminarem não-vacinados (mesmo se recuperados há mais de seis meses) no acesso a determinados espaços.

    Em todo o caso, de acordo com um levantamento ontem apresentado pelo jornal ECO, há 15 países que já decidiram terminar com as restrições nas viagens para os cidadãos da União Europeia ou do Espaço Schengen, a saber: Dinamarca, Eslovénia, Finlândia, Hungria, Irlanda, Islândia, Lituânia, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, República Checa, Roménia, Suécia, Suíça e Liechtenstein.

  • Desde a II Guerra Mundial já morreram em conflitos armados mais pessoas do que a população portuguesa. E como está a ser este ano?

    Desde a II Guerra Mundial já morreram em conflitos armados mais pessoas do que a população portuguesa. E como está a ser este ano?

    O PÁGINA UM foi ver como anda o Mundo em mavorcismos desde 1946, um ano após o fim da II Guerra Mundial. O saldo não é nada favorável: 10.477.718 vítimas mortais. Em 2020, segundo as Nações Unidas e o site Our World in Data, ficaram acima de 49 mil. Mas há mais base de dados relevantes que mostram que nem só com guerras formais e televisionadas se mata e morre. O PÁGINA UM foi à procura de informação, e apresenta uma análise, não para relativizar a tragédia da Ucrânia, mas sim para relembrar que o Mundo não pode esquecer outros mundos em contínua, trágica e flagelante sangria de vidas.


    Trinta e um são os dias daquela que é conhecida por Guerra da Ucrânia. Foram percorridos, todos estes dias, por incessantes notícias de bombardeamentos, baixas, refugiados, que já são mais de 3,5 milhões, manifestações, sanções sem fim.

    Estão a ser feitas recolhas de alimentos, campanhas de ajuda financeira e de acolhimento temporário um pouco por todo o Ocidente, incluindo também, massivamente, em Portugal.

    Se a perspectivarmos através dos relatos da imprensa, esta Guerra parece só agora se ter iniciado naquela região, e que em redor, no Mundo, nada mais existe do que paz, uma serena paz.

    Infelizmente, nada estará mais longe da verdade. Os “deuses” da Guerra não pararam, nem foram todos agora a caminho da Ucrânia.

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    Andam por aí, como sempre andaram por todo o lado. Quem acha que nunca se viu coisa assim, tem andado distraído. Nunca pararam desde a denominada II Guerra dita Mundial. E isso de ter havido uma I e uma II é convenção: conflitos envolvendo vários países, nos diversos continentes, ocorreram antes do século XX, por vezes durante décadas.

    E mundiais foram, certamente, apesar de usarem tecnologia que não matava tanto em massa como os conflitos em tempos modernos. Outras histórias.

    Enfim, certo sim é que, desde 1946 até 2020, segundo dados compilados pelo Our World in Data e validados pelas Nações Unidas, foram mortas 10.477.717 pessoas em conflitos armados, mais do que toda a actual população portuguesa, que contou, nos Censos do ano passado, 10.344.802 vidas.

    Embora a mortandade causada pelos diversos conflitos regionais tenham apresentado uma tendência decrescente na década de 50 do século passado – entre 1946 e 1950 ainda morreram mais de 2,2 milhões de pessoas em cenário de guerra –, os anos de 60, 70 e 80 registaram um crescimento no número de vítimas, muito por via das guerras no continente asiático e no Médio Oriente, com particular destaque para a Guerra Irão-Iraque.

    Evolução das mortes em guerras no Mundo desde 1946. Fonte: Our World in Data.

    A década de 90 foi a mais pacífica a nível mundial na segunda metade do século XX – “apenas” 483.845 vítimas mortais –, embora tenha sido a mais sangrenta na Europa, com 55.422 mortes, quase todas no decurso do desmembramento da antiga Jugoslávia. Só em 1991 caíram às mãos da guerra 20.337 europeus, o valor anual mais elevado desde 1950.

    No entanto, se se descontar (e nem se devia) os conflitos nos países formados pelas antigas repúblicas soviéticas, sobretudo a Ucrânia, a Europa tem estado imune a guerras no presente milénio. E se consideramos a Europa Ocidental, e não havendo aí disputas bélicas desde a II Guerra Mundial, pode-se dizer, com segurança, que se está a viver o período mais longo de paz contínua da sua longa História.

    Evolução das mortes em guerras na Europa desde 1946. Fonte: Our World in Data.

    A primeira década do século XXI parecia ser de esperança para uma Humanidade finalmente mais fraterna, pois mostrou-se a menos mortífera em cenários de guerras a nível mundial desde 1949. Mesmo assim foram assassinadas 218.831 pessoas em conflitos armados.

    Foi sol de pouca dura. Quem julgasse que o novo milénio seria de clarividência e de harmonia entre povos, desenganou-se com a segunda década. Entre 2011 e 2020 retomaram as guerras, sobretudo no Médio Oriente, e em especial na Síria e Iémen, que mataram mais de 483 mil pessoas.

    A Ásia (excluindo o Médio Oriente e incluindo a Oceânia) tem sido, contudo, o continente mais massacrado por conflitos armados desde o final da II Guerra Mundial: cerca de 6,4 milhões de vítimas mortais. Grande parte foram provenientes de sangrentas guerras entre as décadas de 40 e 80 do século passado, com destaque para as ocorridas na região da Indochina (Camboja e Vietname).

    Evolução das mortes em guerras na Ásia e Oceânia desde 1946. Fonte: Our World in Data.

    Se se acrescentar ao continente asiático o Médio Oriente, são mais 1,65 milhões de vítimas após a II Guerra Mundial.

    A denominada Guerra da Independência de Israel, que levou a um conflito com diversos países árabes em 1948, e a um êxodo de palestinianos, causou mais de 20 mil mortes.

    Este conflito manteve-se omnipresente nesta região a partir daquele ano, mas juntaram-se nos anos 6o as guerras curdo-iraquianas e mais conflitos na região do Iémen do Norte.

    Na década de 70, o conflito entre a Turquia e rebeldes curdos, que pretendiam a autonomia da região do Curdistão em 1977, foi um dos mais sangrentos nesta região.

    Mesmo assim nada parecido, em dimensão com a longa e fratricida guerra entre Irão e Iraque, iniciada em 1980 e apenas terminada oito anos mais tarde, com um saldo superior a um milhão de mortos. Por fim, já no presente milénio, a Primavera Árabe descambaria, a partir de 2010, em sangrentas guerras civis sobretudo no Síria, Iémen e Iraque.

    Evolução das mortes em guerras no Médio Oriente desde 1946. Fonte: Our World in Data.

    A África, um continente tradicionalmente sangrento, muito por via das guerras tribais e da influência por vezes nefasta das potências ocidentais. Algumas fizeram correr sangue antes de perderem as suas antigas colónias. Foi o caso de Portugal. A Guerra Colonial, iniciada em 1961 e terminada apenas em 1975, causou a morte a cerca de 10.500 soldados portugueses e ainda de mais de 45 mil civis e agentes de movimentos independentistas africanos.

    Na segunda metade do século XX, poucos foram os anos em que morreram menos de 20 mil pessoas em África por causa de conflitos armados, havendo dois anos (1960 e 1961) em que se superou a fasquia das 130 mil vítimas. E mais 13 anos a ultrapassarem os 40 mil mortos.

    Evolução das mortes em guerras em África desde 1946. Fonte: Our World in Data.

    A segunda década do presente século foi mais “amena” – se considerarmos o passado –, com valores anuais de vítimas mortais a rondarem as 10 mil.

    Neste continente, e desde 1946, poucos foram os países sem derramamento de sangue por causa de guerras, mas as mais mortíferas ocorreram na Eritreia, Nigéria, Ruanda, Sudão (e, mais tarde, no Sudão do Sul) e Uganda, e mesmo também em Angola e Moçambique.

    Inúmeros são os conflitos ainda activos nos quatros cantos do Mundo, mesmo se nos últimos dois anos, também por força da omnipresença da pandemia nos media, pouco deles se fala.

    Todos os dias morrem pessoas, outras se estropiam, destroem-se infraestruturas, ferem-se povos com marcas que não saram.

    E não é uma opinião subjectiva; é factual. É um relatório das Nações Unidas que o diz, e é de Dezembro passado.

    Evolução das mortes em guerras nas Américas desde 1946. Fonte: Our World in Data.

    Vejamo-las, uma a uma, essas zonas de Guerra, segundo o organismo que tem António Guterres como secretário-geral.

    Na Síria, um conflito armado que dura, há mais de 11 anos, já morreram pelo menos 350 mil pessoas, e não tem um fim à vista, tantos são já os grupos beligerantes.

    Este país do Médio Oriente enfrenta também um colapso económico, por má gestão e práticas corruptas. E os efeitos da pandemia desde 2020 não ajudaram.

    No Médio Oriente, a guerra do Iémen constitui também um dos maiores dramas humanitários numa região pobre onde mais de 14 milhões de habitantes necessitam de ajuda alimentar.

    Com as suas raízes na denominada Primavera árabe, a aparição da Al-Qaeda na região e de movimentos separatistas no sul, além de conflitos entre hutis e sunitas, levaram ao recrudescimento da guerra, com a envolvência da Arábia Saudita.

    Desde 2015, segundo as Nações Unidas, morreram mais de 6.800 civis e ficaram feridos pelo menos 10.700 pessoas. Estes conflitos criaram já mais de três milhões de deslocados e refugiados.

    No Afeganistão, após a retomada do poder pelos talibans e a saída das tropas internacionais no ano passado, os conflitos persistem. Na primeira metade de 2021 morreram 1.659 civis e ficaram feridas cerca de 3.200, um aumento de quase 50% face ao ano anterior.

    As principais vítimas foram as mulheres e as crianças. No entanto, os “rios de sangue” nesta região asiática marcam um trágico quotidiano. Desde 2009, todos os anos o número de vítimas mortais nunca desceu abaixo do milhar, e em vários anos se registam mais de cinco mil feridos.

    three men and one woman soldiers standing on rock during daytime

    Na Etiópia, a região de Tigray, na parte norte deste país africano, tem sido o centro de confrontos entre as tropas governamentais e as forças regionais da Frente de Libertação do Povo (TPLF) daquela área a norte do país africano.

    De acordo com as Nações Unidas, mais de 350 mil pessoas encontram-se em risco extremo de fome, os valores mais elevados registados na última década num só país. Além disto, ainda há mais 5,5 milhões de pessoas nas regiões vizinhas de Amhara e Afar que enfrentam sérios riscos de insegurança alimentar.

    Em Myanmar, antiga Birmânia, no seguimento de novo golpe de Estado em Fevereiro do ano passado, a perseguição aos dissidentes resultou numa onda de violência que, em conjunto com o impacto da pandemia, aumentou os níveis de pobreza, que já atinge mais de 25 milhões de pessoas. Ou seja, quase metade da população daquele país.

    No Mali, um outro golpe de Estado, este em 2020, tem tido consequências mesmo para os Capacetes Azuis. Segundo as Nações Unidas, no espaço de um ano morreram já mais de duas centenas dos seus “pacificadores”.

    Os conflitos mataram quase 1.500 pessoas só em 2020, e causou já a fuga de mais de 400 mil civis, além da dependência de ajuda humanitária de pelo menos 4,7 milhões de habitantes.

    No presente ano, os conflitos continuam bem activos neste país africano. Mais de uma centena de civis foram mortos nos últimos meses em ataques do exército maliano e de grupos ligados à Al-Qaeda e ao Daesh, de acordo com um relatório da Human Rights Watch da passada semana.

    Esta organização de direitos humanos acusou mesmo soldados governamentais de terem matado pelo menos 71 pessoas desde Dezembro passado.

    Além destes conflitos, as Nações Unidas alertam ainda para a existência de zonas de conflito latente, que pode redundar em sangue derramado a qualquer momento.

    São os casos do Burkina Faso – onde, entre Junho e Agosto do ano passado, morreram 212 pessoas –, dos Camarões – um país com tensão constante entre separatistas e as forças armadas do Estado –, da República Central Africana – que nunca se pacificou desde as eleições em 2020 –, a República Democrata do Congo, o Haiti, o Iraque, o Níger, a Nigéria, a Somália e o Sudão. E, claro, o sempre presente, mas simultaneamente esquecido, conflito entre Israel e Palestina.

    Mas não são apenas os conflitos bélicos “formais” que causam vítimas. De acordo com o Armed Conflict Location & Event Data Project (ACLED), um organismo internacional de investigadores liderado por Clionadh Raleigh, professora da Universidade de Sussex, a Ucrânia está longe de ser o único país pouco seguro na actualidade.

    Desde o início do ano, até 18 de Março, este projecto de recolha de dados sobre diversos géneros de violência (conflitos armados, violência contra civis, explosões e outra violência remota, revoltas e protestos, etc.) reportou 3.281 eventos neste país europeu invadido pela Rússia. E já contabilizou um total de 2.318 vítimas mortais.

    Estes dados serão ainda provisórios e, certamente, sujeitos a actualizações. A Guerra da Ucrânia tem sido também uma “batalha” de informação (e contra-informação) não havendo sequer um balanço suficientemente independente, quer da parte ucraniana quer russa, que garanta fiabilidade das vítimas militares e civis.

    Contudo, seguindo os dados da ACLED, apesar de liderar o número de eventos, a Ucrânia não é o país que que apresenta mais mortes desde o início do ano. Ocupa “apenas” a terceira posição.

    O primeiro lugar, o topo de um lamentável pódio, é de Myanmar, com 4.777 mortes causadas em 3.801 eventos. Segue-se o Iémen com 4.218 mortes em 1.929 eventos contabilizados.

    Com mais de um milhar estão mais cinco países, dois dos quais não se encontram oficialmente em guerra, mas em estado de violência extrema endémica: Brasil e México. No primeiro caso, o ACLED já contabilizou 1.169 mortes resultantes de 2.086 eventos, enquanto no segundo foram reportadas 1.635 vítimas mortais em 3.055 eventos.

    Os outros países acima daquela tenebrosa fasquia são países em guerra: República Democrática do Congo (1.267 mortes em 723 eventos), Síria (1.199 mortes em 1.994 eventos) e Somália (1.047 mortes em 574 eventos).

    woman in white crew neck t-shirt wearing black sunglasses

    Isto apenas em pouco mais de dois meses e meio.

    Mas que sucedeu durante os dois anos da pandemia, em 2020 e 2021? Pois bem, em 24 completos meses, o ACLEAD contabiliza 262 mortos na Ucrânia, resultantes de 15.904 eventos registados sobretudo na região de Donbass.

    E depois regista também oito países com mais de 10 mil mortes de pessoas vitimadas por violência em conflitos, a saber: Afeganistão (73.199), Iémen (38.146), Nigéria (17.671), México (16.704), Síria (14.083), República Democrática do Congo (11.723), Myanmar (11.365) e Brasil (10.528). Em dois anos apenas.

    Um segundo de silêncio por todas estas vidas perdidas.

    A emissão em directo da Ucrânia, 24 horas non stop, segue nos outros 86.399 segundos que ainda restam num dia. E nos seguintes. Segundos, horas e dias.

  • Espanha já ‘fechou a torneira’ no Tejo, e Guadiana está à míngua

    Espanha já ‘fechou a torneira’ no Tejo, e Guadiana está à míngua

    Este ano, a seca na Península Ibérica anuncia-se ainda no Inverno. E Espanha já está a segurar toda a água que pode. Esta semana, o Tejo português esteve já sem caudal, e o Guadiana com quase nenhuma vinda do outro. O acordo ibérico em vigor só vai piorar a situação, porque tem um peculiar regime: Espanha só está obrigada a mandar água para Portugal quando não há seca.


    A Espanha está a fechar o acesso de água a Portugal através dos rios internacionais. E, paradoxalmente, se a situação de seca piorar, mais poderá estancar o fluxo de água ao nosso país, porque deixa de estar em vigor o convénio ibérico dos rios internacionais, assinado em 1998 em Albufeira, e revisto uma década depois.

    Com a perspectiva de um Inverno pouco chuvoso – Janeiro de 2022 foi o segundo mais seco do século –, e num clima mediterrânico que concentra menos de um terço da precipitação entre Março e Setembro –, os rios espanhóis, incluindo os internacionais (Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana), estão já à míngua.

    As perspectivas para o futuro não são, para já, nada animadoras, sabendo-se que, por regra, nos meses entre Março e Setembro chove relativamente pouco: menos de um terço do total anual, o que significa que mesmo que a precipitação da Primavera e Verão deste ano esteja dentro dos valores médios, a seca será um cenário incontornável.

    A situação actual já é francamente má, e nem sequer tem a ver com a estratégia portuguesa de abandonar a produção de carvão e turbinar mais água. Está sim relacionada com a escassez de água vinda de Espanha.

    white sail boat on sea during foggy weather

    O último boletim hidrológico espanhol, realizado na passada terça-feira pelo Ministério para a Transição Ecológica e Recuperação Demográfica, revela que a estação hidrológica do rio Tejo, na barragem de Cedillo, à entrada de Portugal, estava a zeros, ou seja, 0,00 metros cúbicos por segundo (m3/s). No ano passado, no mesmo dia, o caudal situava-se em 374,70 m3/s.

    Para norte, na bacia do Douro, a situação também era dramática, mas ainda não de seca absoluta. Por exemplo, na barragem espanhola de Saucelle – em pleno troço transfronteiriço, perto de Freixo-de-Espada à Cinta –, os caudais no dia 15 de Fevereiro situaram-se nos 87,85 m3/s, apenas cerca de 9% dos valores registados em 2021.

    No Guadiana, apesar de Espanha ter inactiva a sua estação de Badajoz, já dentro de Portugal, em Monte da Vinha, a estação gerida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) registava ontem um caudal médio de apenas 2,12 metros cúbicos por segundo, quando no início do ano era cerca de sete vezes superior (15,57 m3/s). No ano passado estava, nesta altura, com um caudal próximo dos 100 m3/s.

    Segundo os termos da denominada Convenção de Albufeira – assim conhecida por ter sido assinada a primeira versão naquela cidade algarvia em 1998 por António Guterres, ladeada pela então ministra do Ambiente, Elisa Ferreira, e José Maria Aznar –, as situações de seca, que remetem para a suspensão dos termos acordados, são determinadas em função das precipitações anuais ou trimestrais para as diferentes bacias hidrográficas.

    Nestas circunstâncias, se Espanha assim desejar, não tem sequer de enviar um pingo de água, porque não está obrigada a cumprir quaisquer caudais mínimos nem volumes. No caso do rio Guadiana, o regime é algo diferente, a excepção ocorre sempre que a precipitação esteja abaixo de um determinado nível e/ou o volume total armazenado em determinadas albufeiras seja inferior a um determinado volume.

    Basicamente a Convenção de Albufeira tem uma regra: quando Portugal está mesmo necessitado de água, Espanha não está obrigado a conceder-lhe. Ou, noutra perspectiva, só quando Espanha tem muita água é que tem o compromisso de enviar alguma para Portugal.

    O Ministério do Ambiente reconhece ao PÁGINA UM que “os regimes de caudais estabelecidos na Convenção não são, nos termos da própria Convenção, exigidos nos períodos de excepção, correspondentes a situações de escassez de água em que a precipitação de referência acumulada na bacia seja inferior à precipitação média acumulada no mesmo período.” E adianta que, mesmo assim, Espanha “tem demonstrado empenho em manter os regimes de caudais das situações da normalidade”, mesmo nas “nas situações em que se verifica o estado de excepção”.

    people walking on brown field near sea during daytime

    Nem sempre tem sido assim, em abono da verdade muito recentemente, no ano hidrológico de 2018-2019, um Inverno também muito seco deixou o país em seca logo em Março, com 40% do território em seca severa ou extrema. E a estação de Monte da Vinha esteve então com caudal nulo, graças aos “represamentos” em Espanha, durante 118 longos dias, entre 14 de Março e 9 de Julho de 2019. E também não incumpriu o convénio, porque estava suspenso por causa da seca.

    Em todo o caso, o Ministério do Ambiente afiança que “os caudais do primeiro trimestre do ano hidrológico em curso [Outubro a Dezembro de 2021], tanto diários, semanais e trimestral foram cumpridos”, acrescentando que “nos meses do segundo trimestre os volumes diários (só definidos para o Guadiana) e semanais (só definidos para o Douro e Tejo) estão a ser cumpridos”. No entanto, quanto ao valor trimestral, “só pode ser apurado no final de Março”, adianta fonte do gabinete de Matos Fernandes.

    O Ministério do Ambiente reitera ainda que a situação é agora “incomparavelmente mais favorável”, porque antes de 1998 “nenhuma obrigação de caudais existia”, o que é efectivamente verdade. Antes da assinatura da Convenção de Albufeira, sobretudo o Guadiana estava sujeito a frequentes cortes de caudal. Em 1995 esteve 212 dias sem caudal vindo de Espanha, e no seguinte mais 122 dias.

    Recorde-se que, na segunda metade dos anos 90 do século passado, Espanha tentou desenvolver um plano hidrológico que previa transvases de água das bacias do Norte para o Sul, através de canais, causando grande polémica tanto naquele país como em Portugal.