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  • 90 mil euros: custo de ‘retiro’ de 25 dirigentes de Isaltino daria para férias nas Maldivas

    90 mil euros: custo de ‘retiro’ de 25 dirigentes de Isaltino daria para férias nas Maldivas

    Cada vez mais as organizações apostam em acções de motivação dos seus líderes e funcionários. Na Câmara Municipal de Oeiras essa aposta é em grande, pelo menos no que toca a quadros dirigentes. É que o município contratou uma empresa unipessoal desconhecida no meio para efectuar um retiro de ‘team building‘ para 25 líderes na autarquia.

    Esta acção motivacional custou aos contribuintes quase 100 mil euros. Mais precisamente, o município pagou 89.175 euros para “motivar” 25 dos seus quadros dirigentes.

    Engaged adults playing tug of war, showcasing teamwork and fun outdoors.
    Foto: D.R.

    A empresa escolhida para levar a cabo esta acção para animar e fortalecer o espírito de equipa dos “25 líderes” do munícipio foi a Atmosférica Unipessoal, uma empresa detida por Maria Ermelinda Varela Carvalho. A empresa foi criada em 28 de Março do ano passado, não tem ainda contas apresentadas nem curriculum conhecido, designadamente no campo de acções de ‘team building‘. O PÁGINA UM pesquisou e não conseguiu encontrar um site da empresa na Internet ou sequer um contacto.

    A sociedade foi selecionada através de um processo de consulta prévia, mas o registo do procedimento que consta no Portal Base é omisso sobre se mais alguma empresa foi consultada pelo município no âmbito desta contratação.

    Uma pesquisa pelo nome da proprietária da Atmosférica Unipessoal também não detecta nenhum curriculum ou experiência profissional nesta ou outra área.

    O presidente da Câmara Municipal de Oeiras numa inauguração. / Foto: D.R. | CMO

    O que se sabe é que foi esta empresa a ser contratada no dia 17 de Junho para “a prestação de serviços de Teambuilding – Retiro para 25 Líderes”. O valor do contrato é de 89.175 euros, com IVA incluído.

    O contrato é omisso quanto aos contornos desta acção de ‘team building‘, designadamente se o preço inclui estadia em hotel ou transportes para levar os 25 líderes para algum local específico.

    O que é certo é que esta acção motivacional vai ficar em 3.567 euros por cada um dos participantes que vão beneficiar da experiência. Como termo de comparação, se o município de Oeiras decidisse antes enviar aqueles “25 líderes” numa viagem de 10 dias às Maldivas, com voo, hotel e refeições incluídas, iria gastar praticamente o mesmo valor.

    Silhouette of a group of friends jumping on a beach at sunset, expressing joy and freedom.
    Foto: D.R.

    Apesar de a proprietária da empresa Atmosférica não apresentar publicamente curriculum na área de ‘team building‘, o seu nome surge ligado a outro sector. É que já foi dona de uma empresa de construção, a DCHJ.

    Actualmente, esta empresa é detida pela World Templet – Gestão e Investimentos, que teve como sócia, até 2023, Maria Ermelinda Varela de Carvalho. A World Templet é agora detida por um seu familiar, Hermenegildo Varela de Carvalho – que já teve pelo menos duas outras empresas de construção insolventes -, e um outro sócio, Carlos Garcia Ribeiro.

    A DCHJ efectuou 26 contratos com entidades públicas num valor global de 454 mil euros. Desses, 20 foram contratados com o Município de Oeiras, todos por ajuste directo, sendo que o último data de Janeiro de 2022. No total, a DCHJ facturou 292 mil euros com a autarquia.

    Floating colorful plastic balls in a sunlit swimming pool, creating a vibrant and playful scene.
    Foto: D.R.

    A maioria dos contratos públicos foram obtidos em 2015, 2016 e 2017, sendo que a empresa também efectuou reparações e obras no Palácio das Necessidades, em contratos efectuados por ajuste directo pela secretaria-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

    Da construção de paredes para o ‘team building‘, certo é que a proprietária da empresa Atmosférica encontrou no município de Oeiras um cliente generoso que não poupa a esforços para motivar os 25 líderes que vão beneficiar de uma experiência rica. Nem que seja pelo preço.

  • Bilderberg discutiu despovoamento e migração

    Bilderberg discutiu despovoamento e migração

    Depois dos encontros peninsulares de Lisboa (2023) e Madrid (2024), o Grupo Bilderberg escolheu o norte da Europa para a reunião de 2025, tendo rumado até Estocolmo, capital do mais recente país da NATO – a Suécia tornou-se no 32º membro da Aliança Atlântica a 7 de Março de 2024. Os participantes estiveram reunidos entre os dias 12 e 15, no Grand Hotel, propriedade do banqueiro Marcus Wallenberg, representante sueco no Comité Director, para aquele que foi o 71ª encontro deste grupo internacional, criado em 1954, e que toma o nome do primeiro hotel, na Holanda, onde decorreu a cimeira inaugural.

    Os tópicos da agenda deste ano foram “Relações Transatlânticas”; “Ucrânia”; “Economia dos Estados Unidos”; “Europa”; “Médio Oriente”; “Eixo Autoritário”; “Inovação e Resiliência na Defesa”; “Inteligência Artificial”; “Dissuasão e Segurança Nacional”; “Proliferação”; “Geopolítica da Energia e dos Minerais Críticos” e, finalmente, “Despovoamento e Migração”.

    Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud, à porta do Grand Hotel, em Estocolmo, na manhã de 15 de Junho. / Foto Frederico Duarte Carvalho

    Este último item da lista, “despovoamento e migração”, é uma novidade em relação a agendas anteriores, sendo que o tópico do despovoamento e migração tem sido um tema de discussões políticas em vários países pelos partidos de extrema-direita para recolha de proveitos eleitorais. Questionado à saída do encontro sobre a discussão deste assunto em particular, o jornalista do Financial Times e participante habitual dos encontros do Grupo Bilderberg, o britânico Gideon Rachman, explicou aos jornalistas presentes à frente do Grand Hotel que os convidados se limitaram “a ver quais são os países que têm mais nascimentos e os que têm menos”.

    O jornalista britânico do Finantial Times, Gideon Rachman, falou com os jornalistas à porta do hotel.
    / Fotos: Frederico Duarte Carvalho

    Entre os participantes do 71º encontro do Grupo Bilderberg estavam dois portugueses, convidados pelo representante de Portugal na direção da organização, Durão Barroso, ex-primeiro-ministro de Portugal e ex-presidente da Comissão Europeia, actualmente dirigente da Goldman Sachs Internacional e ainda presidente da Gavi, a aliança mundial para as vacinas. Uma das convidadas de Barroso foi a vice-presidente do PSD e presidente da Fundação Champalimaud, Leonor Beleza, que assim marcou a sua segunda presença nestes encontros. A primeira vez de Leonor – que também é a presidente da comissão de honra da candidatura de Luís Marques Mendes à presidência da República – foi na Turquia, em 2007, então a convite de Francisco Pinto Balsemão, militante número 1 do PSD, ex-primeiro-ministro e dono da SIC e Expresso. Balsemão cedeu a Barroso o seu lugar na direcção de Bilderberg, que ocupava desde o início dos anos 80, em 2015, após o encontro que teve lugar na Áustria.

    Albert Bourla, presidente-executivo da farmacêutica Pfizer (primeiro à esquerda), ao lado de José Manuel Durão Barroso, presidente da Gavi, Aliança Global das Vacinas e presidente da Goldman Sachs International LLC. / Foto Frederico Duarte Carvalho

    O outro convidado português de Barroso para o encontro de Estocolmo foi Diogo Salvi, dono da empresa de tecnologia de telecomunicação, TIMWE. Um rosto pouco conhecido em Portugal, mas dono daquela que é tida como uma das empresas portuguesas com maior representação internacional, e que permite ao empresário, por exemplo, poder pagar do seu próprio bolso para competir no Rali de Portugal. Salvi é igualmente um repetente nestes encontros, tendo estado presente, pela primeira vez, na reunião de 2022, em Washington, também a convite de Durão Barroso.

    Michael O’Leary, dono da Ryanair em conversa animada com o convidado português, Diogo Salvi, fundador e presidente-executivo da TIMWE. /Foto: Frederico Duarte Carvalho

    Tido pelos amigos como um indivíduo “jovial”, isso confirmou-se quando, na noite de sábado, 14, no passeio de barco a caminho do jantar na residência privada da família Wallenberg, o português conversava animadamente com o irlandês Michael O’Leary, dono da Ryanair e membro permanente da organização, que se ria com as palavras do português. Do que falavam exactamente? Só eles saberão. Por perto, estavam Wes Streeting, secretário de Estado da Saúde do Reino Unido e Gabriel Attal, ex-primeiro-ministro da França.

    Fareed Zakaria, jornalista da CNN (ao centro), na companhia do presidente do World Economic Forum (WEF), Borge Brende (primeiro a contar da direita). / Foto: Frederico Duarte Carvalho

    Uma terceira convidada portuguesa presente em Estocolmo, mas a convite da organização devido ao cargo público que ocupa, foi Maria Luís Albuquerque, antiga ministra das Finanças de Portugal e actual Comissária Europeia dos Serviços Financeiros e União da Poupança e dos Investimentos. Esta foi a segunda vez que a portuguesa participou nestes encontros, tendo a sua estreia sido em 2016, na Alemanha, então a convite pessoal de Durão Barroso. De Bruxelas, veio também Sophie Wilmés, ex-primeira-ministra da Bélgica e actual vice-presidente do Parlamento Europeu.

    Este fórum internacional, de debate à porta fechada, com políticos, jornalistas e empresários de países membros da NATO, rege-se pelas regras de Chatham House, onde os participantes são livres, posteriormente, de prestarem as declarações que quiserem, mas não devem identificar os autores de ideias ou citações, permitindo assim manter um ambiente descontraído que promova uma maior e franca troca de ideias entre todos participantes onde, parte deles são pessoas com cargos públicos – e eleitos segundo regras ditas democráticas nos seus países de origem do espaço NATO –, enquanto outros são os principais donos de empresas privadas, que movimentam milhões de euros e dólares e que provocam impacto directo na vida dos cidadãos que não estão presentes nestes encontros. 

    Maria Luís Albuquerque, comissária europeia com a pasta de Serviços Financeiros e União da Poupança e dos Investimentos, a caminho do jantar privado organizado pelo banqueiro sueco, Marcus Wallenberg. / Foto: Frederico Duarte Carvalho

    Durante os três dias da conferência, os participantes assistem a palestras e sentam-se por ordem alfabética, como se fosse um banco da escola. Isso proporciona combinações interessantes onde, este ano, por exemplo, ao olhar para a lista dos convidados divulgada pela organização no início dos trabalhos, vemos que Leonor Beleza, sentou-se entre a francesa Valérie Baudson, CEO da empresa de gestão de activos, Amundi, e, do outro lado, Fatih Birol, directora executiva da International Energy Agency. Uma outra combinação de mais três nomes permitiu colocar Albert Bourla, CEO da farmacêutica Pfizer – uma pessoa que, recorde-se, está envolvido num processo judicial sobre as mensagens privadas que trocou com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen – fica sentado entre a dona do Banco Santander, a espanhola Ana Botín, e o norueguês Brende Borge, actual presidente do World Economic Forum – organizador da Conferência de Davos – que substituiu Klaus Schwab.

    Entre os jornalistas presentes no encontro, confirmou-se a presença do membro da direção do Grupo Bilderberg e colaborador regular da CNN norte-americana, o jornalista indiano, residente nos EUA, Fareed Zakaria, que chegou ao hotel de Estocolmo no mesmo momento em que Alex Karp e Peter Thiel – responsáveis da empresa de tecnologia e Inteligência Artificial Palantir, que tem, entre outros, a CIA e os ministérios da Defesa de Israel e Ucrânia entre os seus clientes – saíam para destino desconhecido. Alex Karp não seria mais visto ao longo da reunião, mas Peter Thiel manteve-se em Estocolmo até ao último dia, altura em que o Irão e Israel estavam envolvidos em ataques e contra-ataques de mísseis.

    Alex Karp e Peter Thiel, da Palantir Technologies, empresa de software fundada com financiamento da CIA. / Foto: Frederico Duarte Carvalho

    Igualmente presente, e vista a caminhar fora do hotel, longe das medidas de segurança, foi a jornalista norte-americana, Anne Applebaum, acompanhado pelo marido, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, Radoslaw Sikorski que, tal como a mulher, é já um participante habitual nestes encontros. Na lista dos membros permanentes da direção do grupo constam ainda o nome da jornalista britânica Zanny Minton Beddoes, editora-chefe da revista The Economist e do norte-americano John Micklethwait, editor-chefe da Bloomberg. O editor-chefe do jornal belga De Standaard, Karel Verhoeven, e o jornalista italiano Stefano Feltri também estavam entre os convidados.

    Radoslaw Sikorski, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, na companhia da sua mulher, a jornalista norte-americana, Anne Applebaum, da revista The Atlantic. / Foto: Frederico Duarte Carvalho

    O secretário-geral da NATO e ex-primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte, compareceu novamente nesta cimeira transatlântica, assim como seu antecessor, o dinamarquês Jens Stoltenberg, agora ministro da Finanças do seu país.

    O secretário-geral da NATO, Mark Rutte (ao centro), marcou presença. / Foto: Frederico Duarte Carvalho

    O encontro de 2026, segundo os normais e conhecidos procedimentos logísticas da organização, está já escolhido, mas ainda não foi tornado público, impedindo assim que os jornalistas possam planear, com tempo, a próxima cobertura. Sem o devido registo jornalístico, é como se nada tivesse acontecido em Estocolmo, entre os dias 12 e 15 de Junho de 2025. Mas, estivemos lá e vimos que aconteceu mesmo.    

  • Pé-de-meia: Ex-secretário de Estado da Saúde garante  5.535 euros por mês com entidade que já tutelou

    Pé-de-meia: Ex-secretário de Estado da Saúde garante 5.535 euros por mês com entidade que já tutelou

    Caiu em desgraça no início de 2021, quando liderava a task force do programa de vacinação contra a covid-19 — sendo então secundado por Gouveia e Melo, que lhe tomou o lugar —, mas Francisco Ventura Ramos nunca foi abandonado à sua sorte. Aos 69 anos, garantiu este mês a renovação por mais dois anos de uma choruda avença com o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH), uma entidade pública que tutelou directamente como governante

    Secretário de Estado na área da Saúde por cinco vezes, sendo que a última vez fora entre 2018 e 2019, como adjunto de Marta Temido, Francisco Ramos foi a escolha inicial do Governo em Novembro de 2020 para coordenador o processo de vacinação no auge da pandemia. No mês seguinte, acumulou com a presidência da comissão executiva do Hospital da Cruz Vermelha. E foi por causa de irregularidades na selecção de pessoal a ser vacinado nesse hospital, associado à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que Francisco Ramos foi afastado da task force, dando lugar a Gouveia e Melo.

    Francisco Ventura Ramos foi o primeiro coordenador da ‘task force’ criada em Novembro de 2020 para elaborar e gerir o plano de vacinação contra a covid-19. No início de Fevereiro de 2021, demitiu-se do cargo devido a irregularidades detectadas na administração de vacinas no Hospital da Cruz Vermelha, ao qual então presidia. Foi substituído na coordenação da ‘task force’ por Gouveia e Melo. /Foto: D.R.

    O administrador hospitalar acabaria por sair do Hospital da Cruz Vermelha em Junho de 2022, já em idade de reforma, mas mantendo as funções de professor convidado da Escola Nacional de Saúde Pública.

    Mas os seus rendimentos, e a sua ligação à Administração Pública, não se reduziram por muito tempo, porque menos de um ano depois foi-lhe oferecida de ‘mão-beijadas’ uma avença mensal de 5.535 euros com a Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH), uma entidade que tutelou directamente enquanto governante.

    Celebrado no dia 2 de Maio de 2023, o contrato entre o SUCH e Francisco Ramos engloba um valor de 132.840 euros, com IVA. Sem qualquer caderno de encargos publicado no Portal Base, o contrato de dois anos estabelece apenas que serão prestados serviços de “consultadoria de desenvolvimento de projectos”. Contactado o SUCH, não foram dados quaisquer esclarecimento sobre as funções e tarefas efectivamente concretizados por Francisco Ramos nos últimos dois anos.

    (Da esquerda para a direita) Joel Azevedo, administrador da SUCH, Paulo Sousa, presidente da SUCH, Marta temido, ex-ministra da Saúde, e Ana Maria Nunes, administradora da SUCH. A equipa executiva da SUCH foi reconduzida num despacho de Abril de 2022 pela então ministra da Saúde, Marta Temido (na foto, a segunda a contar da direita), e o ministro das Finanças, Fernando Medina. / Foto: D.R.

    E também não se sabe o que fará nos próximos dois anos, para além de receber mensalmente os 4.500 euros acrescidos de IVA. Nesta avença, integrada num contrato assinado na semana passada, está estabelecido que Francisco Ramos, que já deve ter desenvolvido todos os projectos do anterior contrato, mostrará a sua polivalência, passando agora a fazer “consultadoria no âmbito da comunicação institucional na área da saúde”.

    No global, nos dois ajustes directos, e durante quatro anos e sem funções específicas (e sem cumprimento de horário), o antigo governante encaixará 265.680 euros, com IVA incluído, a prestar serviços de consultadoria na entidade que agrega múltiplos serviços dos hospitais, desde a gestão dos resíduos até à manutenção. Aliás, foi no pólo logístico da SUCH que ficou sediada a recepção, armazenamento e distribuição das vacinas contra a covid-19.

    Recorde-se que enquanto secretário de Estado de Marta Temido, e mesmo antes, Francisco Ramos teve sob sua tutela directa diversos organismos públicos, incluindo o SUCH. Licenciado em Economia e diplomado em Administração Hospitalar, foi secretário de Estado em quatro anteriores governos, mesmo sem estar filiado no Partido Socialista. A partir de 2014, foi presidente do conselho diretivo do Grupo Hospitalar dos IPO. Voltou a integrar um governo quando, em 17 de Outubro de 2018, assumiu a secretaria de Estado da Saúde, cargo em que ficou até 26 de Outubro de 2019.

    Gouveia e Melo, actual candidato às presidenciais, e Paulo Sousa, presidente da SUCH, numa visita às instalações da SUCH em Setembro de 2021. Gouveia e Melo sucedeu a Francisco Ventura Ramos como coordenador da ‘task force’ da campanha de vacinação. Sob a liderança de Gouveia e Melo, foram administradas vacinas a médicos não prioritários do Hospital Militar e até a um político, numa operação envolvendo a Ordem dos Médicos e então bastonário Miguel Guimarães, actual deputado do PSD. / Foto: D.R.

    A sua queda em desgraça no processo de vacinação no Hospital da Cruz Vermelho, do qual viria a ser ‘ilibado’ ao fim de oito meses, marcou a ascensão do então discreto vice-almirante Gouveia e Melo que nunca teve problemas em cometer ‘pecadilhos’, como sucedeu na vacinação de cerca de quatro mil médicos não prioritários (e até a um político) à margem das normas então em vigor da Direcção-Geral da Saúde. Esta operação de desvio de vacinas, numa altura ainda em escassez, foi protagonizada por um acordo ‘ad hoc’ com o então bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, actual deputado do PSD.

    A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) abriria formalmente um “processo de esclarecimento” sobre o caso, que envolveu indirectamentea gestão de um fundo solidário do qual esteve também envolvida a então bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins, actual Ministra da Saúde. Mas a IGAS acabou por deixar ‘morrer’ a investigação, recorrendo a uma mentira sobre a data crucial de uma norma da DGS e recusando pedir testemunhos e analisar a lista dos supostos médicos vacinados.

  • Chega teve melhor desempenho onde houve mais imigração? A estatística mostra que nem por isso

    Chega teve melhor desempenho onde houve mais imigração? A estatística mostra que nem por isso

    Em Outubro do ano passado, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o PÁGINA UM assinalava uma viragem demográfica pouco discutida: em 17 concelhos portugueses, mais de um em cada 10 residentes em 2023 tinha chegado do estrangeiro nos seis anos anteriores.

    A partir de saldos migratórios acumulados, esse estudo revelou como a imigração, longe de estar confinada às grandes cidades, estava a moldar profundamente o tecido social de zonas rurais, sobretudo nos distritos de Lisboa, Santarém, Leiria e Faro.

    Perante esse contexto, a ascensão eleitoral do Chega e o seu discurso centrado na imigração colocam uma questão inevitável: a crescente presença de imigrantes nesses territórios alimentou directamente o voto no partido liderado por André Ventura no último domingo? Ou seja, terá tido o Chega melhores resultados nos concelhos com maior entrada de estrangeiros?

    Para dar resposta a esta interrogação, numa análise estatística robusta mas simplificada para efeitos de uma resposta célere, o PÁGINA UM cruzou os resultados eleitorais das Legislativas de 2025 com os 30 concelhos com maior peso relativo da imigração no período 2018-2023. O critério foi o saldo migratório acumulado nestes seis anos por concelho dividido pela população residente, conforme metodologia utilizada no artigo publicado em 3 de Outubro de 2024.

    O resultado, porém, contraria muitas narrativas simplistas: na verdade, não existe prova de qualquer relação estatisticamente significativa entre o peso da imigração e a votação no Chega nestes concelhos. Nem mesmo no sentido oposto — isto é, que maior presença de imigrantes leve a uma rejeição do discurso do partido.

    Municípios com maior peso do saldo migratório acumulado entre 2018 e 2023 em função da população residente em 2023 e desempenhos eleitorais do partido Chega Fonte: INE e resultados eleitorais das legislativas de 2025. Análise: PÁGINA UM.

    De facto, numa análise directa, até se constata que em 13 dos 30 concelhos com mais imigração o Chega foi o partido mais votado. Estão nesse lote municípios como Benavente (36,2%), Salvaterra de Magos (36,1%), Entroncamento (31,8%) e Azambuja (29,5%). O caso de Odemira, frequentemente apontado como epicentro da presença migrante sazonal no sector agrícola, regista também uma vitória do Chega com 29,6% dos votos. Contudo, o Chega ganhou em 60 municípios, e nos 17 concelhos restantes também com elevadas taxas de imigração — como Lagos, Lagoa, Ponta Delgada, Vila do Bispo, Pedrógão Grande ou Aljezur — o Chega não conseguiu vencer. Em alguns deles, ficou mesmo longe do topo pódio.

    Análises demasiado simplistas, de mera estatística descritiva podem dar indicações erróneas. Por isso, para verificar se existe uma tendência global, o PÁGINA UM comparou a média de imigração nos concelhos onde o Chega venceu e onde não venceu. Resultado: 11,15% versus 11,18%, respectivamente. Ou seja, uma diferença praticamente nula. E quando submetidas a teste estatístico formal [ por exemplo, t de Student], essas médias revelam, em linguagem técnica, que não se pode rejeitar a hipótese de que são iguais. Em suma, o voto no Chega, nos concelhos mais marcados pela imigração, não está correlacionado com o peso dessa imigração. Existirão assim outros factores.

    Mas o PÁGINA UM foi mais longe nesta análise, criando um Índice de Reacção ao Imigrante (IRI), calculado como a diferença entre a votação do Chega num concelho e a sua média distrital, dividida pelo peso da imigração nesse território. Este índice permite perceber se a votação no Chega esteve desproporcionalmente acima (ou abaixo) do que seria de esperar tendo em conta o contexto regional e migratório.

    Se o IRI for superior a 0, o concelho tem uma votação no Chega superior ao padrão distrital, considerando o seu nível de imigração, e interpreta-se como reacção acima do esperado ao fenómeno migratório. Se o IRI for inferior a 0, então é porque o concelho tem uma votação inferior ao padrão distrital, apesar do peso da imigração, devendo-se interpretar como resistência à narrativa anti-imigração ou ausência de capitalização eleitoral.

    Aqui, sim, surgem sinais de assimetrias interessantes. Municípios como Azambuja (IRI = 0,96), Benavente (0,83) e Lourinhã (0,78), mais próximos da capital portuguesa, destacam-se por apresentarem uma votação superior à média distrital do Chega apesar da elevada imigração — o que sugere uma potencial mobilização específica contra este fenómeno. Salvaterra de Magos, Alenquer, Vagos e Sabugal apresentam valores de IRI superior a 0,5.

    Pelo contrário, concelhos como Aljezur (−0,63), Vila do Bispo (−0,55), Pedrógão Grande (−0,34), Alpiarça (−0,33) e Vila de Rei (−0,30) mostram uma votação inferior ao esperado, mesmo com presença significativa de imigrantes.

    Equação do Índice de Reacção ao Imigrante aplicado à votação do Chega, criado pelo PÁGINA UM para aferir a eventual capitalização de votos para o partido de André Ventura em função dos fenómenos migratórios recentes.

    Para clarificar os perfis eleitorais, aplicou-se ainda uma análise de clusters (agrupamento de padrões), e assim os 29 concelhos (excluindo o Corvo, considerado um ‘outlier’, pela sua pequena dimensão) foram divididos em três grupos, cruzando percentagem de imigração com votação no Chega. O resultado foi revelador: alguns concelhos conjugam imigração alta com fraca adesão ao Chega, outros combinam imigração média com votação intensa, e há ainda concelhos onde a correlação é mais ténue ou inexistente.

    Ou seja, a ligação directa entre presença de imigrantes e crescimento do Chega, tantas vezes invocada em debates mediáticos e políticos, não encontra confirmação em dados concretos, embora se recomende uma análise em que sejam testados todos os municípios. Na verdade, aquilo que se observa é um fenómeno mais complexo e multifactorial, onde o contexto económico, a oferta de serviços públicos, a tradição política local e até a visibilidade de episódios pontuais de conflito ou exploração laboral pesarão, porventura, mais do que a mera estatística demográfica.

    No fundo, a realidade aponta para a desmistificação de que o crescimento do Chega é um reflexo directo e imediata da chegada de imigrantes. E mais uma vez, os números mostram aquilo que os discursos não revelam: a política, mesmo quando populista, é mais complexa do que parece.

  • Guerra na TV: ‘Cartel dos debates’ contestado pela CMTV e Now

    Guerra na TV: ‘Cartel dos debates’ contestado pela CMTV e Now

    A campanha para as legislativas deste domingo de 2025 não tem sido apenas palco de confronto entre partidos – e não há apenas queixas dos partidos sem assento parlamentar. Nos bastidores das televisões, fora do ecrã, travou-se também, nas últimas semanas, uma acesa mas mais discreta guerra, envolvendo audiências, monopólios e acusações de práticas anticoncorrenciais.

    A protagonista deste conflito foi a Medialivre — proprietária da CMTV e do canal informativo News Now — que, apesar das crescentes subidas nas audiências, foi liminarmente afastada da organização dos debates eleitorais transmitidos pelas empresas de media com canais generalistas (RTP, SIC e TVI), que também usaram os seus canais por subscrição.

    Debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro transmitido no dia 30 de Abril pela RTP1, SIC e TVI.

    A decisão de exclusão, segundo apurou o PÁGINA UM, partiu da ‘aliança informal’, ao melhor estilo do oligopólio, formada pela RTP, SIC e TVI, que, à semelhança do modelo de 2024, celebrou um acordo com os partidos com assento parlamentar para realizar os tradicionais 28 debates a dois entre os principais candidatos, entre os dias 7 e 30 de Abril. Dos 28 confrontos, 13 foram emitidos nos canais generalistas RTP1, SIC e TVI (incluindo um debate em simultâneo, o mais apetecível, entre Luís Montenegro e Pedro Numo Santos), e os restantes 15 distribuídos pelos seus canais temáticos — RTP3, SIC Notícias e CNN Portugal. Em paralelo, a RTP programou ainda um debate com todas as candidaturas com assento parlamentar (4 de Maio) e outro com as restantes forças políticas (6 de Maio).

    Canais da Medialivre ‘afastados’ dos debates pelas concorrentes.

    Perante este afastamento, a Medialivre recorreu inicialmente à Comissão Nacional de Eleições (CNE), tendo depois apresentado uma queixa formal à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), no passado dia 8 de Abril, exigindo uma análise urgente por considerar estar em causa uma “grave violação do pluralismo, da igualdade de tratamento entre operadores e do direito à informação”. Apesar de a Medialivre não deter canais generalistas, a quota de audiência da CMTV este mês está nos 6,3%, superando largamente a SIC Notícias (2,4%) e a CNN Portugal (2,6%). Mesmo o novo canal Now está já com 1,4% em Maio, ultrapassando a RTP3 (1,0%). A Medialivre argumenta que os seus canais possuem “relevância nacional” e capacidade técnica “suficiente para realizar e cobrir debates eleitorais”.

    Na sua queixa, a Medialivre acusou os operadores concorrentes – que, embora estejam há muito mais tempo no mercado, não têm tido a mesma capacidade de investimento – de promoverem uma “mercantilização do espaço informativo eleitoral”, trocando o interesse público por lógicas de exclusividade comercial, o que “limita injustificadamente a diversidade de fontes de informação” e marginaliza o papel de outros operadores fora da troika televisiva. E acrescentou ainda que o acordo das televisões generalistas com os partidos configurava uma prática anticoncorrencial, afastando canais que poderiam alargar o alcance e o pluralismo do discurso democrático.

    No âmbito do processo aberto pela ERC, as empresas dos canais generalistas (RTP, SIC e TVI) argumentaram que o modelo acordado com os partidos satisfaz “plenamente o interesse público, o pluralismo e a liberdade de expressão”, e que são os únicos canais com sinal aberto, acrescentando ser uma prática “consensual entre os partidos” e repetida em eleições anteriores, mas que não impedia que outros operadores, como a Medialivre, realizassem iniciativas próprias. Em suma, RTP, SIC e TVI claramente não querem um novo ‘menino’ no seu ‘restrito clube’.

    Helena Sousa, presidente da ERC: regulador considera que a inclusão dos canais da Medialivre seria positiva, mas acrescenta que o ‘cartel dos debates’ não contraria a lei.

    A deliberação da ERC, aprovada na semana passada mas apenas divulgada hoje, considerou a queixa da Medialivre “improcedente” – declarando que “não se verificou violação do dever de pluralismo” e que o acordo das televisões generalistas cumpria a lei –, mas reconheceu que a inclusão da CMTV e da Now nos debates “teria contribuído para ampliar o esclarecimento dos cidadãos”, tanto mais que os seus públicos não se sobrepõem inteiramente aos dos canais que organizaram os debates.

    No essencial, a ERC não afasta a percepção de que a lógica do ‘clube fechado’ entre os três canais principais continua a moldar o acesso mediático aos grandes momentos da democracia. A exclusão da Medialivre levanta, pois, uma questão maior do que a disputa entre grupos mediáticos: a de saber se, em plena era digital e com novos actores informativos a ganharem expressão e audiência, faz sentido manter os debates eleitorais reféns de acordos restritivos entre partidos e um ‘cartel televisivo’.

    Ainda por cima quando, neste oligopólio de comunicação, estão os canais da SIC e da TVI, cujas empresas privadas, embora mais antigas, estão em situações financeiras pouco saudáveis em comparação com a Medialivre, onde Cristiano Ronaldo é o principal accionista individual.

  • Lentidão do tribunal torna inútil polémica sobre participação em debates televisivos

    Lentidão do tribunal torna inútil polémica sobre participação em debates televisivos

    Eleição após eleição, o caso repete-se: num país que se orgulha pelo mais de meio século de regime democrático, os partidos sem representação parlamentar são ‘enxotados’ para uma ‘segunda divisão’ pelas televisões para uma espécie de ‘debate individual em simultâneo’ com direito a uns meros ‘minutos de glória’, respondendo sobretudo ao jornalista. E ficam assim arredados dos debates com os oito partidos com deputados, mesmo se o PAN tenha apenas um.

    No ínicio de Abril, o partido Alternativa Democrática Nacional (ADN), liderado por Bruno Fialho e que terá Joana Amaral Dias como cabeça-de-lista em Lisboa, decidiu apresentar uma a providência cautelar com o objectivo de ainda conseguir, através de uma decisão urgente do Tribunal Cível de Lisboa, ser integrado nos debates com os ‘grandes’. O partido, que sucedeu ao PDR, fundado em 2014 por Marinho e Pinto, ex-bastonário da Ordem dos Advogados, não tem assento parlamentar, mas conseguiu 1,58% dos votos nas eleições de Março do ano passado, com 102.132 votos, obtendo a partir daí subvenção pública.

    Porém, apesar do carácter urgente, sucedeu o que sistematicamente sucede em Portugal com a Justiça: a urgência é um termo teórico, e a acção em ‘banho-maria’, impedindo assim que houvesse uma decisão judicial a tempo das eleições do próximo domingo.

    Agora, o ADN decidiu processar o Estado por denegação de Justiça, mas não pretende ficar-se por aqui. O partido promete também processar as principais estações de televisão pelos “prejuízos” causados, alegando ter ficado em desvantagem face aos partidos que puderam participar nos debates, que lhes aumentou a capacidcade de transmitir mensagens a mais eleitores.

    Joana Amaral Dias, cabeça-de-lista do ADN por Lisboa às eleições legislativas de 18 de Maio, e Bruno Fialho, presidente do partido e cabeça-de-lista pelo Porto. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo do ADN

    Recorde-se que a providência cautelar do ADN, que deu entrada no Tribunal Cível de Lisboa no dia 4 de Abril, tinha caráter urgente, exigindio-se a inclusão do partido “nos debates televisivos promovidos pela RTP, SIC e TVI, no âmbito da campanha para as eleições legislativas de 2025”.

    O partido só poderia avançar para a Justiça, “após a comunicação por parte das estações televisivas de que o ADN não será incluído em nenhum dos debates agendado”, apesar de “apresentar candidaturas válidas em todos os círculos eleitorais do território nacional e reunir os mesmos requisitos formais de outros partidos incluídos, como o Livre, PAN ou Iniciativa Liberal”.

    Mas o Tribunal, que tem poderes para decidir em prazos muito curtos, mesmo sem ouvir as televisões, somente esta semana cntactou o ADN, questionando sobre se pretendia prosseguir com a providência cautelar. “Respondemos que não, porque já não faz sentido, dado que as eleições são no domingo e o Tribunal só poderia agendar uma audiência, na melhor das hipóteses, para a próxima semana”, disse Bruno Fialho, presidente do ADN, ao PÁGINA UM.

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    Foto: D.R.

    O também cabeça-de-lista do ADN pelo Porto, adiantou que caso o ADN prosseguisse com a acção, além dos custos envolvidos, incorria no risco de ser condenado, eventualmente por má-fé, por estar a ocupar Tribunal com uma matéria que sabia que já não teria efeito prático, dado que a decisão judicial só seria tomada após a realização das eleições.

    De facto, um dos pressupostos da caducidade da providência cautelar é a extinção do “direito ou interesse a cuja tutela a providência se destina”: Ou seja, se aquilo que estava em causa era a participação de debates eleitorais na campanha para as eleições legislativas de 18 de Maio, nenhum efeito produziria uma sentença nas próximas semanas.

    Mas dada a ausência de uma decisão judicial atempada, o ADN diz que não ficará de braços cruzados. “Vamos processar o Estado por não ter havido uma decisão atempada em relação a esta providência cautelar. Vamos também, em paralelo, processar as estações de televisão pelos prejuízos”, afirma Bruno Fialho, que se mostra, mesmo assim, confiante de eleger um deputado. “, mas “Até podíamos eleger mais se tivéssemos podido participar nos debates, como os partidos que participaram”, admite.

    Joana Amaral Dias, cabeça-de-lista do ADN por Lisboa, diz também não ter dúvida de que aa ausência de uma decisão atempada por parte da Justiça prejudicou o partido. “Não há Justiça”, disse ao PÁGINA UM.

    Debates a dois nas televisões só entre partidos com deputados.

    Esta questão da participação dos debates televisivos continua a ser, de forma inexplicável, um dos problemas mais candentes do regime democrático português, que colide com o princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento entre candidaturas, consegrada na Lei Eleitoral da Assembleia da República. A lei determina que “as televisões estão obrigadas a garantir tratamento equitativo durante o período eleitoral, o que inclui o acesso aos debates”, mas tal nunca se verifica, quer para o ADN quer para outros partidos pequenos, o que configura uma discriminação.

    Em Portugal, a única chance dos pequenos partidos elegerem deputados tem sido, geralmente, nos distritos de Lisboa e Porto, cque elegem 48 e 40 deputados, respectivamente. Exceptuando os partidos históricos(PS, PSD, PCP e CDS), todos os partidos com assento parlamentar (Chega, IL, Livre, Bloco de Esquerda e PAN) estrearam-se na Assembleia da República com um único deputado, em Lisboa. Nestas eleições existe a forte possibilidade de surgir uma excepção a esta regra: o partido regionalista Juntos Pelo Povo (JPP) garantirá um representante, podendo chegar mesmo aos dois deputados, se conseguir uma votação próxima dos números obtidos nas recentes eleições regionais da Madeira.

  • Lisboa e Porto: os únicos distritos onde a democracia funciona para os pequenos partidos

    Lisboa e Porto: os únicos distritos onde a democracia funciona para os pequenos partidos

    Perante a aproximação das eleições do próximo domingo, o PÁGINA UM decidiu avançar com uma análise — ou, para sermos mais precisos, uma prospectiva — que permitirá compreender a real eficácia da representação parlamentar no sistema eleitoral português, com base nos resultados das legislativas de Março de 2024. O estudo assenta numa metodologia rigorosa que visa escrutinar a proporcionalidade do método de Hondt nos diversos círculos eleitorais, avaliando se os votos dos cidadãos têm, de facto, o mesmo peso em todo o território nacional.

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    Este trabalho incide assim sobre oito parâmetros fundamentais:

    1. Quociente Limiar: corresponde ao número de votos que, na prática, foi necessário para eleger o último deputado num círculo. A fórmula usada é simples — divide-se o total de votos válidos pelo número de mandatos mais um —, mas o seu valor revela muito sobre o grau de exigência eleitoral em cada distrito.
    2. Votos em falta para partidos sem representação: calcula-se a diferença entre os seus votos e o quociente limiar. Este indicador revela quão próximo (ou quão distante) um partido esteve de eleger, o que permite afinar estratégias políticas.
    3. Votos desperdiçados: somam-se todos os votos dados a partidos que não elegeram nenhum deputado, revelando a ineficácia prática desses votos no actual modelo. A percentagem destes votos face ao total permite aferir a frustração potencial do eleitorado.
    4. Limiar real de entrada: é a percentagem mínima de votos que permitiu, efectivamente, eleger um deputado em cada círculo. Em alguns distritos, bastam pouco mais de 3%; noutros, exige-se o dobro.
    5. Análise da distorção da representação: através do cálculo do Índice de Gallagher, mede-se o desvio entre a percentagem de votos e a percentagem de mandatos obtida por cada partido. Quanto mais elevado este índice, maior a distorção democrática.
    6. Comparação de círculos para partidos pequenos: identifica-se onde estiveram mais próximos de eleger, e onde os votos tiveram menor eficácia. Esta análise interessa, sobretudo, a formações políticas emergentes ou com implantação territorial desigual.
    7. Estimativa de votos necessários para eleger: calcula-se, por partido, o número adicional de votos que teriam sido necessários para garantir representação em cada círculo, aferindo cenários realistas de crescimento.
    8. Simulações de métodos alternativos: são realizadas simulações com o método Sainte-Laguë, mais favorável à proporcionalidade, para permitir comparações com o actual sistema de Hondt.

    O objectivo desta iniciativa é clarificar, com base em dados concretos e fórmulas matemáticas simples, a arquitectura real da representação política em Portugal, questionando se o sistema eleitoral serve, de facto, os princípios da proporcionalidade e da igualdade do voto. Esta análise será publicada em várias partes até ao dia das eleições, acompanhando os círculos eleitorais com especial destaque para os chamados votos “desperdiçados” e as barreiras invisíveis à entrada de novos partidos na Assembleia da República.

    Começar por Lisboa e Porto é, mais do que uma escolha editorial, uma imposição da aritmética eleitoral. Estes dois círculos reúnem quase um terço dos mandatos da Assembleia da República (88 em 230), sendo determinantes tanto para a formação de maiorias como para a diversidade política do Parlamento.

    Com base nos resultados das eleições legislativas de Março de 2024 e aplicando a Metodologia Eleições, é possível traçar um retrato nítido das oportunidades, barreiras e distorções presentes no sistema eleitoral português. E, como sempre, é nos números que a democracia revela as suas virtudes e as suas imperfeições.

    Sala das Sessões da Assembleia da República. Foto: Carlos Pombo / AR.

    O distrito de Lisboa, com 1.289.608 votos válidos nas legislativas de 2024 e 48 mandatos atribuídos, apresentou um quociente limiar de 26.319 votos, com o último deputado eleito pelo PAN, que reuniu 32.829 votos (2,55%). O desperdício de votos foi reduzido (2,8%), sinal de um voto eficaz, concentrado em partidos viáveis.

    O distrito do Porto, com 1.089.429 votos válidos no ano passado e 40 mandatos, teve um quociente limiar semelhante (26.571 votos), com o último eleito a ser o PCP-PEV, com 26.343 votos (2,42%). No entanto, o desperdício foi ligeiramente superior: 5,67% dos votos válidos foram atribuídos a partidos sem qualquer representação.

    Olhando para os partidos sem representação parlamentar, constata-se que, tanto em Lisboa como no Porto, há forças políticas muito próximas de entrar. O PAN no Porto ficou a apenas 3.156 votos do limiar, e o ADN, quer em Lisboa (7.245 votos de distância) quer no Porto (6.986), mostra viabilidade aritmética.

    Esta informação, invisível para o eleitor comum, pode ser decisiva na estratégia de campanha, sobretudo para partidos que tentam consolidar ou alcançar representação parlamentar. Todos os outros partidos não eleitos — como R.I.R, Volt, PCTP/MRPP, JPP, MPT.A, entre outros — estão em situação díficil, com mais de 20 mil votos de distância face ao limiar.

    Quanto aos partidos com representação, a análise do PÁGINA UM permite identificar quem está em risco e quem pode crescer com reforços marginais. No caso de Lisboa, o PS poderá perder um deputado com uma quebra de apenas 2.600 votos, enquanto o Livre pode conquistar um terceiro com mais 6.800 votos, e a IL um quarto com cerca de 18.400 votos adicionais. No Porto, a IL precisaria de 13.000 votos para um terceiro mandato, e o Livre, com um deputado, está muito longe de um segundo (mais de 26 mil votos em falta).

    Esta análise demonstra que a matemática da eleição não se esgota na contagem directa de votos, mas joga-se também nos restos, nos limiares e nas sobras de distribuição. É aí que o método de Hondt se revela: proporcional, sim, mas com inclinação clara para favorecer os partidos grandes.

    Para aferir o grau de distorção deste favorecimento, o PÁGINA UM recorreu também ao Índice de Gallagher, um indicador reconhecido internacionalmente que mede a diferença entre a percentagem de votos e a percentagem de mandatos obtida por cada partido. O resultado foi relativamente baixo — 2,23 em Lisboa e 1,97 no Porto — o que atesta uma proporcionalidade aceitável nestes grandes círculos.

    Mas quando se simula a distribuição de mandatos pelo método Sainte-Laguë, mais justo para forças médias, as mudanças são reveladoras. Em Lisboa, o Livre elegeria três deputados em vez de dois, enquanto o PS perderia um mandato. No Porto, o IL conquistaria um terceiro deputado à custa de um mandato retirado ao PSD/CDS. Estas simulações mostram que o sistema português, mesmo em círculos grandes, penaliza os partidos médios mais do que seria desejável num modelo de democracia proporcional.

    A conjugação destes indicadores permite traçar um mapa das oportunidades e fragilidades de cada força política. Partidos como o PAN e o ADN têm hipóteses reais de representação se ultrapassarem o limiar dos 27 mil votos em Lisboa e Porto. Partidos já eleitos, como o Livre ou o IL, têm margens curtas e podem crescer (ou cair) com variações mínimas na votação. O PS e o PSD/CDS continuam a beneficiar da estrutura do sistema, mas mesmo eles enfrentam zonas de risco em mandatos marginais.

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    Em suma, os dados de Lisboa e do Porto mostram que a representação em Portugal é proporcional, mas não equitativa, e que as sobras do método de Hondt não são neutras. A democracia parlamentar portuguesa continua dependente de quocientes, restos e limiares — e é por isso que uma análise técnica é indispensável para interpretar correctamente os resultados.

    O PÁGINA UM continuará, até à véspera das eleições, a publicar relatórios detalhados de todos os círculos do continente e das regiões autónomas. Porque só compreendendo a mecânica do sistema é possível avaliar se este representa, de facto, a vontade plural dos cidadãos — ou apenas a sua tradução estatística.


    📘 Relatório técnico – Círculo Eleitoral de Lisboa


    🔎 Dados gerais

    • Votos totais válidos: 1.289.608
    • Mandatos totais no círculo: 48
    • Quociente limiar (QL): 26.319 votos
    • Votos do último eleito: 32.829 (PAN)
    • Limiar real de entrada (LRE): 2,55 %
    • Votos desperdiçados (VD): 36.073
    • Percentagem de votos desperdiçados: 2,8 %

    📈 Observações analíticas

    O círculo de Lisboa é, a par do Porto, o mais inclusivo do sistema proporcional português, com 48 mandatos atribuídos. Este volume permite uma distribuição alargada e representativa. Elegeram deputados sete partidos: PS, PPD/PSD.CDS-PP.PPM (AD), CH, IL, Livre, BE, PCP-PEV e PAN.

    O limiar real de entrada situa-se nos 2,55%, permitindo a eleição de forças políticas com menos de 33 mil votos, como foi o caso do PAN. Ainda assim, partidos com votações entre os 15 e os 25 mil votos, como o ADN, ficaram de fora, o que mostra que Lisboa, embora generoso, continua a exigir concentração de voto e ultrapassagem da barreira prática do quociente.


    📉 Votos em falta para partidos sem representação e viabilidade de eleição

    O ADN é o único partido com alguma competitividade, mas ainda está a mais de 7 mil votos do limiar — um valor considerável mesmo em Lisboa. Todos os outros estão numa zona politicamente irrelevante em termos aritméticos.


    🧮 Eficiência de representação

    A eficiência por mandato oscilou entre 24.389 (PS) e 36.051 (Livre). PS, PSD, CH e PCP-PEV apresentam alta eficiência proporcional. IL, Livre, BE e PAN têm custos mais elevados por deputado, mas dentro dos limites da proporcionalidade do círculo.


    🌊 Desperdício eleitoral

    Com apenas 2,8% dos votos desperdiçados, o círculo de Lisboa garante uma representatividade quase plena. A esmagadora maioria dos eleitores votou em listas que elegeram deputados, o que revela forte eficácia do voto útil e uma oferta política bem estruturada.


    ⚖️ Conclusões técnicas

    • Lisboa mantém-se como um círculo de entrada possível para partidos médios, mas já não acolhe partidos com menos de 25 mil votos.
    • O limiar de entrada real (2,55%) está dentro da média histórica do distrito.
    • Apesar da grande dimensão, Lisboa não é um círculo “fácil” para forças pequenas ou de recente fundação — é necessária estrutura, voto urbano e mobilização digital.
    • A dispersão à esquerda permitiu manter IL, BE, Livre, PCP-PEV e PAN em representação, mas com custos elevados de entrada.

    📎 Recomendações estratégicas

    • O ADN é o único partido que pode aspirar à entrada se reforçar a sua base urbana em Lisboa, com pelo menos mais 7.500 votos.
    • Coligações entre partidos ambientalistas, liberais e moderados (PAN, ADN, R.I.R, Volt, etc.) seriam necessárias para alcançar representação.
    • Campanhas com voto concentrado e mobilização dirigida a jovens urbanos poderão fazer diferença nos limiares abaixo dos 30 mil votos.
    • Partidos com menos de 10 mil votos devem reavaliar a sua presença em Lisboa enquanto estratégia isolada.

    📘 Relatório técnico – Círculo Eleitoral do Porto


    🔎 Dados gerais

    • Votos totais válidos: 1.089.429
    • Mandatos totais no círculo: 40
    • Quociente limiar (QL): 26.571 votos
    • Votos do último eleito: 26.343 (PCP-PEV)
    • Limiar real de entrada (LRE): 2,42 %
    • Votos desperdiçados (VD): 61.718
    • Percentagem de votos desperdiçados: 5,67 %

    📈 Observações analíticas

    O círculo do Porto, com 40 mandatos, garante uma elevada proporcionalidade e abre espaço à entrada de sete partidos com representação parlamentar: PPD/PSD.CDS-PP.PPM, PS, CH, IL, BE, Livre e PCP-PEV. No entanto, partidos com votação próxima dos 20 mil votos, como PAN e ADN, não conseguiram ultrapassar o limiar, ficando a poucos milhares de votos da representação.

    O limiar real de entrada ficou nos 2,42%, valor que continua abaixo da média nacional e que confirma o Porto como um círculo viável para forças médias, mas que não perdoa dispersão ou falta de concentração eleitoral.


    📉 Votos em falta para partidos sem representação e viabilidade de eleição

    O PAN foi o mais próximo de eleger, a apenas 3.156 votos do QL. O ADN ainda se manteve dentro da zona da competitividade. Todos os restantes estão fora de alcance num cenário normal de evolução eleitoral.


    🧮 Eficiência de representação

    A IL teve o custo mais elevado por deputado (mais de 32 mil votos), enquanto PSD/CDS e CH mostraram maior eficiência proporcional, elegendo com menos de 25 mil votos por mandato.


    🌊 Desperdício eleitoral

    O Porto apresenta um nível de desperdício relativamente baixo (5,67%), sobretudo tendo em conta a quantidade de partidos concorrentes. Isto indica que quase todos os votos se concentraram em forças elegíveis, revelando voto útil bem mobilizado.


    ⚖️ Conclusões técnicas

    • Limiar real de entrada abaixo de 2,5%, o que favorece a diversidade democrática.
    • PAN e ADN estiveram muito perto de entrar, mas não o conseguiram.
    • O Porto mantém-se como um dos círculos mais abertos do país, mas a barreira de 26.571 votos para o QL impõe-se com clareza.
    • A eficiência dos partidos grandes e médios foi elevada, com distribuição equilibrada dos mandatos.

    📎 Recomendações estratégicas

    • O PAN deve manter investimento forte neste círculo, com alta viabilidade de eleição em 2025.
    • ADN encontra-se no limiar de entrada e poderá entrar com ligeiro reforço.
    • O Porto deve ser estratégico para partidos médios, desde que concentrem o voto e evitem dispersão ideológica.
    • Coligações entre pequenos partidos ambientalistas ou populistas poderão tornar-se competitivas neste círculo.

  • Comissão da Carteira de Jornalista admite que esteve a funcionar sem actas

    Comissão da Carteira de Jornalista admite que esteve a funcionar sem actas

    A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) reconheceu, num recurso entregue ao Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), a contestar uma sentença favorável ao PÁGINA UM, que o seu Secretariado — o órgão colegial executivo e decisório composto, entre 2022 e o início deste ano, por Licínia Girão, Jacinto Godinho e Paulo Pinheiro — nunca produziu actas durante o mandato anterior, limitando-se a elaborar “ordens de trabalho”.

    Esta confissão, de enorme gravidade jurídica e institucional, demonstra que a CCPJ operou à margem da legalidade, violando de forma continuada o Código do Procedimento Administrativo (CPA) e os princípios estruturantes da Administração Pública.

    Foto: PÁGINA UM

    Com efeito, o Secretariado da CCPJ, enquanto órgão colegial de um organismo público, está sujeito à elaboração de actas em todas as reuniões com deliberações, as quais devem identificar os membros presentes, os assuntos discutidos, os votos emitidos e as decisões tomadas. Ora, nos órgãos colegiais, a única forma de exteriorizar validamente uma deliberação é a acta, pelo que a sua inexistência implica automaticamente a nulidade dos actos praticados, porque “care[ce]m em absoluto de forma legal

    A admissão pública da CCPJ de que o Secretariado deliberava sem quórum, sem registos formais e sem qualquer mecanismo transparente de controlo interno lança a suspeita sobre a validade de todos os actos administrativos por ele produzidos entre 2022 e 2025, incluindo emissões, renovações, suspensões e recusas de títulos profissionais de jornalista, bem como instauração de processos disciplinares e de contra-ordenação. O PÁGINA UM vai comunicar esta ilegalidade ao Ministério Público.

    Mas o escândalo institucional não termina aqui. A CCPJ — que aguarda a nomeação do seu novo presidente — não quer aceitar a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que determinou o acesso integral também às actas do Plenário da Comissão, composto por nove elementos, bem como aos processos disciplinares abrangidos pela Lei da Amninistia aquando da visita do Papa Francisco a Portugal em Agosto de 2023. Contesta essa decisão com o argumento inusitado de que deve poder apagar nomes constantes dessas actas, alegando pretensas questões de privacidade ou protecção pessoal.

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    Na prática, a CCPJ — que se apresenta como garante do rigor e da ética jornalística — defende em tribunal o direito a manipular documentos administrativos e a reescrever documentos oficiais, apagando rastos de decisões tomadas e anulando o princípio da responsabilidade individual em actos administrativos que podem ter produzido danos concretos a jornalistas. A intenção de expurgar nomes das actas é justificada com o receio de que os membros da CCPJ fiquem sujeitos a críticas ou escrutínio público.

    Este argumento é particularmente preocupante vindo de uma entidade composta exclusivamente por jornalistas, cuja profissão exige, em princípio, compromisso com a transparência, a prestação de contas e o interesse público. Porém, a CCPJ chega a tentar convencer os desembargadores do TCAS de que, nos pedidos de acesso às actas e também a processos disciplinares amnistiados, o director do PÁGINA UM não demonstrou sequer deter qualquer interesse concreto, jornalístico ou noticioso, nem em nome próprio nem da comunidade, e que não justificou a relevância da questão para efeitos de escrutínio público ou jornalístico.

    Ou seja, jornalistas eleitos por jornalistas e por empresas de comunicação, cuja acção pode e deve ser fiscalizada por outros jornalistas, defendem agora o obscurantismo para sua própria defesa.

  • 19 hastes curvas encimadas por um ‘anel de rubi’ custam 406 mil euros

    19 hastes curvas encimadas por um ‘anel de rubi’ custam 406 mil euros

    Escultores da casa podem não fazer milagres, mas podem fazer ‘desaparecer’ cerca de 406 mil euros do erário público para celebrar os 51 anos de um acontecimento histórico português que, ironicamente, para além da liberdade, concedeu igualdade de oportunidades.

    Na pequena cidade de Cantanhede, no distrito de Coimbra, a autarquia local decidiu escolher, sem qualquer pré-selecção, por ajuste directo, um escultor da terra, Celestino Alves André, para executar um ‘monumento de celebração’ ao 25 de Abril, que passou a estar exposto no parque urbano local.

    Nascido em 1959, Alves André destaca-se sobretudo como medalhista e como ‘criador’ de bustos e estátuas em tamanho natural ou monumental, frequentemente fundidas em bronze. No entanto, esta encomenda da autarquia de Cantanhede, liderada pela social-democrata Helena Teodósio, foge completamente ao estilo do artista: trata-se de uma estrutura ascensional de metal composta por 19 hastes curvas e verticais, encimada por um ‘anel de rubi’ representando o brasão de Cantanhede, simbolizando as freguesias do concelho à data da Revolução dos Cravos. Para os mais incautos, parecerá uma estrutura para um ninho de cegonhas.

    Mas o mais surpreendente nesta obra colocada no Parque Urbano de São Mateus é o custo e também o seu faseamento. De acordo com o contrato publicado no Portal Base, que nem sequer contém o caderno de encargos – impossibilitando perceber se o ‘anel de rubi’ é de vidro ou de resina –, a obra teve um custo total de 405.900 euros, ou seja, 330 mil euros acrescidos de IVA. Este é um valor extraordinariamente elevado para obras de arte desta natureza, sobretudo quando se está perante um município de menos de 35 mil habitantes com escassos recursos finaceiros. A título de exemplo, os dois conjuntos escultórios de autoria de Francisco Tropa no terminal intermodal da Campanhã – “Penélope”, composta por quatro figuras em bronze, e “Dánae”, duas fontes em bronze –, também por ajuste directo, tiveram este custo total, pago pela empresa municipal Gestão e Obras do Porto.

    A escolha por ajuste directo, por um valor tão elevado, mesmo que seja invocado o carácter artístico, levanta questões sobre a transparência e os critérios de atribuição deste tipo de contratos, sobretudo tendo em conta o envolvimento de um artista com ligação ao município.

    Com efeito, Alves André tem estabelecido diversas parcerias com a edilidade de Cantanhede, realizando mesmo visitas guiadas promovidas pela autarquia ao seu ateliê na aldeia de Portunhos. Naquele município encontram-se também já várias esculturas da sua autoria, designadamente o Monumento ao Ourives Ambulante, inaugurado em 1990, em Febres; o Monumento ao bandeirante Pedro Teixeira, inaugurado em 1993, no centro da cidade; e a imponente estátua equestre do Marquês de Marialva, inaugurada em 1999, na praça que lhe é dedicada.

    No restante distrito de Coimbra, Alves André também tem ‘muita saída’. Na cidade do Mondego, o escultor assinou diversas obras de relevo, com destaque para o busto do pintor José Maria Cabral Antunes, inaugurado em 1987; a Tricana de Coimbra, estátua em bronze, colocada na Rua de Quebra Costas em 2008; a Guitarra de Coimbra, no Largo da Almedina, e a estátua da Irmã Lúcia, ambas inauguradas em 2013. No concelho de Mira estão mais duas: uma evocando o Infante D. Pedro, primeiro duque de Coimbra, erguida em 1996 na sede do município; e outra dedicada aos pescadores da Praia de Mira, inaugurada em 1998. Fora do ‘seu’ distrito, Alves André tem o busto de Francisco Stromp, junto ao Estádio de Alvalade, uma estátua em memória do Papa João Paulo II em Cascais e outra ao mesmo pontífice em Timor-Leste.

    Além do processo por ajuste directo, o contrato – que previa a “concepção, execução e instalação de obra de arte para espaço público evocativa do 50.º aniversário do 25 de Abril” – foi assinado apenas no passado dia 17 de Março, o que, considerando a complexidade do seu fabrico, mostra que, antes da adjudicação, já o escultor estava a trabalhar na peça.

    Helena Teodósio, presidente da autarquia de Cantanhede, cortou a fita na inauguração. Foto: CMC.

    Antes da escultura ao 25 de Abril com um custo de 405 mil euros, segundo dados consultados no Portal Base – que compila informação desde 2008 –, o artista tinha apenas dois contratos: o busto em bronze do Visconde da Corujeira, encomendado em 2021 pelo Município de Mira por ajuste directo, no valor de 17.500 euros, e uma obra escultórica de homenagem a Idalécio Cação, também por ajuste directo, pelo Município da Figueira da Foz, pelo montante de 8.500 euros.

    Apesar de a presidente da autarquia de Cantanhede não ter respondido às questões colocadas pelo PÁGINA UM, durante a cerimónia de inauguração, Helena Teodósio destacou que a obra “teve o envolvimento de todas as forças políticas com assento na Assembleia Municipal” e que visa “perpetuar o carácter emblemático da efeméride”, reforçando os valores do 25 de Abril junto das novas gerações. Na mesma cerimónia, de acordo com o transmitido pelo site do município, Alves André afirmou que a escultura “celebra os valores de Abril” e também “o desenvolvimento das freguesias do concelho”, destacando que se trata de “uma peça agradável, elegante e concebida a partir de elementos identitários locais”.

    Pese embora o contexto comemorativo e a intenção simbólica da obra, o investimento elevado e a forma desta contratação directa motivam interrogações quanto à gestão dos dinheiros públicos, sobretudo num momento em que muitas autarquias enfrentam constrangimentos orçamentais.

    Escultura de Alves André na Praia de Mira. A obra de arte sobre o 25 de Abril ‘foge’ ao seu estilo, mas permitiu-lhe facturar mais de 400 mil euros.

    O Código dos Contratos Públicos impõe os princípios da concorrência e da igualdade de tratamento, não existindo qualquer norma no articulado legal que permita beneficiar expressamente os artistas locais em procedimentos de contratação. A legislação portuguesa, alinhada com o direito europeu, proíbe qualquer discriminação com base na origem geográfica do concorrente, mesmo que essa preferência pudesse traduzir-se numa valorização do património cultural de uma comunidade.

    Ainda assim, os responsáveis políticos ou autárquicos dispõem de algumas margens de manobra. Nos contratos de menor valor, adjudicados por ajuste directo ou por consulta prévia, a escolha de artistas locais torna-se mais viável, desde que fundamentada com critérios objectivos e devidamente publicitada. Mas tal não se aplica a uma das obras de arte de valor mais elevado dos últimos anos encomendada por um município português.

    Em todo o caso, nos concursos públicos convencionais, a introdução de critérios de adjudicação que valorizem a ligação da obra à identidade local — desde que expressos com clareza e aplicados a todos os concorrentes — pode permitir a selecção de propostas oriundas da comunidade artística da região sem violar a lei. Mas a opção da autarquia de Cantanhede foi pelo contrato de ‘mão-beijada’.

  • Comunicação social: instabilidade política vale 5 milhões de euros em ‘receita extraordinária’ paga pelo Estado

    Comunicação social: instabilidade política vale 5 milhões de euros em ‘receita extraordinária’ paga pelo Estado

    Há bens que surgem de males. No caso da instabilidade política, há quem lucre e bem. Que o digam alguns órgão de comunicação social generalista que, em pouco mais de três anos, receberam nos seus cofres cerca de 5,7 milhões de euros dos contribuintes como compensação pela alegada perda de receita devido aos tempos de antena dos partidos políticos na corrida às eleições legislativas.

    De facto, se a ‘normalidade’ democrática prevalecesse, as eleições seguintes à vitória de António Costa em 2019 teriam ocorrido em 2023, às quais sucederiam novas apenas em 2027. Mas não, menos de seis anos após as eleições de 2019, já se realizaram três em vez de uma. As eleições previstas para 2023 foram antecipadas pela queda do Governo minoritário em finais de 2021, com Costa a garantir para o Partido Socialista uma maioria absoluta em Janeiro de 2022. Mesmo com esse ‘poder’, o Governo socialista não aguentou um escândalo político, e Luís Montenegro venceria por uma ‘unha negra’ novas eleições antecipadas em Março de 2024. Aguentou apenas um ano, estando agora marcadas novas eleições, novas campanhas e novos direitos de antena para todos os partidos.

    O primeiro-ministro, Luís Montenegro, em campanha para as eleições legislativas de 18 de Maio de 2025. / Foto: D.R./PSD

    Quem ganha sempre com o antigo modelo de tempos de antena, e o famoso relógio ‘countdown’, têm sido os órgãos de comunicação social com características de serviço público, nomeadamente televisões generalistas e determinadas rádios. A SIC, do grupo Imprensa, foi o canal que mais tem esfregado as mãos de contente: contabilizando as três eleições legislativas (2022, 2024 e 2025) recebeu mais de 2,2 milhões de euros para passar as campanhas partidárias no seu canal. Só em compensação pelo tempo de antena no âmbito das eleições de 18 de Maio deste ano, a estação recebe 793.492 euros dos contribuintes, segundo o despacho que autorizou a despesa. Sem a instabilidade política a marcar o panorama nacional desde 2022, receberia apenas cerca de um terço dos 2,2 milhões.

    Na lista dos beneficiados segue-se a TVI, do grupo Media Capital, que auferiu de 2,1 milhões de euros graças à realização de três eleições à Assembleia da República. Pelo tempo de antena do acto eleitoral que está a decorrer agora, a estação recebe 779,392 euros. O mesmo raciocínio (e montante recebido) se aplica se não houvesse instabilidade política.

    No caso da estação pública, a RTP, coube-lhe receber 1,3 milhões de euros de compensação em três períodos eleitorais das legislativas, sendo que 470.618 euros lhe foram atribuídos pelas eleições que agora decorrem. Saliente-se que pagamento das compensações surge na sequência do leilão de atribuição de tempos de antena que, no caso das actuais eleições legislativas, decorrer no dia 30 de Abril.

    Compensação paga pelo Estado aos canais generalistas de televisão e estações de rádios pelos tempos de antena nas eleições legislativas de 2022, 2024 e 2025. / Fonte: Diário da República / PÁGINA UM

    Mas não são só as televisões que beneficiam da instabilidade política. As principais rádios generalistas também lucram com a realização de eleições e respectivos tempos de antena. Segundo o despacho publicado em Diário da República, e feito pelo ministro dos Assuntos Parlamentares no dia do ‘apagão’, a Rádio Renascença é a que mais beneficiada, cabendo-se agora quase 320 mil euros. Somando os três actos eleitorais encaixa 913.740 euros de compensação do Estado.

    Segue-se a Rádio Comercial, que recebe 697.701 euros em três legislaticas, sendo que a verba que lhe cabe nestas eleições é de 255.133 euros. Por fim, coube à RDP a verba de 212.387 euros de compensação pelos tempos de antena dos partidos, no conjunto dos três últimos actos eleitorais para a Assembleia da República.

    A estas despesas juntam-se valores mais pequenos (95.486 euros) pagos às rádios TSF, M80 e Posto Emissor de Radiodifusão do Funchal pelo tempo de antena nas eleições legislativas deste ano. Saliente-se que, no âmbito das eleições na Madeira, do passado dia 23 de Março, os contribuintes pagaram 77.972,11 euros ao Centro Regional da Madeira da Radiotelevisão Portuguesa, Antena 1 e Posto Emissor de Radiodifusão do Funchal.

    Tempo de antena do PS nas eleições para a AR de 18 de Maio de 2025. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo do tempo de antena do PS

    Contas feitas, no total, as três estações de TV e as três rádios generalistas encaixaram mais de 7,5 milhões de euros de compensação dos tempos de antena referentes a eleições para a Assembleia da República desde 2022, rondando assim um custo de 2,5 milhões de euros por cada acto eleitoral. Se considerarmos que desde 2019 somente deveria ocorrer um acto eleitoral, estes órgãos de comunicação social tiveram ‘receitas extraordinárias’ de cerca de 5 milhões de euros.

    É caso assim para dizer que, para estas televisões e rádios, a crise política é mesmo uma oportunidade de negócio, porque, além de a instabilidade gerar mais notícias para preencher noticiários e ‘encher chouriços’ na programação, acumulando comentadores, também serve para encher os cofres com uma receita fácil. É só receber a ‘fita’ gratuita e mandar a factura.