Etiqueta: Política

  • Jornalistas aconselhados a apagar dados e ‘apps’ antes de viajar para os Estados Unidos

    Jornalistas aconselhados a apagar dados e ‘apps’ antes de viajar para os Estados Unidos

    Todos os jornalistas que considerem viajar para os Estados Unidos devem adoptar medidas para proteger os contactos e informações que possam ter armazenados nos seus dispositivos electrónicos. Esta é uma das recomendações do Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) que emitiu ontem um alerta dirigido aos profissionais da comunicação social que planeiem visitar aquele país.

    Segundo o alerta do CPJ, divulgado ontem, a Administração Trump deverá restringir as condições exigidas aos que entram no país, ao abrigo de questões de segurança nacional e protecção da população, estando planeadas restrições a nacionais de mais de 40 países, o que pode afectar também jornalistas.

    De acordo com o comunicado, apesar de a introdução de restrições de viagem ter sido adiada, a medida poderá surgir repentinamente e “as notícias já indicam que funcionários da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos estão a examinar a documentação de viagem dos visitantes com maior vigilância”.

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    Foto: D.R.

    Para o CPJ, o reforço de “controlo fronteiriço, a aplicação inconsistente e a ampla autoridade discricionária entre os agentes fronteiriços sugerem um ambiente imprevisível que justifica uma preparação proactiva”, com adopção de medidas de segurança por parte dos jornalistas.

    Por precaução, antes de entrarem ou saírem dos Estados Unidos, os jornalistas são assim aconselhados a apagar ou a fazer ‘backup‘, para contas seguras em ‘nuvem’, de todos os seus dados, contactos e informações que não queiram que as autoridades norte-americanas possam querer ‘vasculhar’.

    Devem também terminar a sessão em todas as contas e navegadores e eliminar todas as aplicações a que não gostariam que um agente de fronteira acedesse. São ainda aconselhados a rever o seu histórico de navegação e a eliminar quaisquer contas ou sites que não gostariam que outras pessoas vissem.

    “Os jornalistas que correm um risco elevado de serem detidos na fronteira devem considerar deixar os seus dispositivos pessoais e/ou de trabalho em casa e, em vez disso, transportar dispositivos separados e um novo cartão SIM”, aconselha o CPJ. Indica que estes dispositivos devem ter apenas as informações necessárias para a viagem e não devem estar associados a contas pessoais ou profissionais. Além disso, avisa que o jornalista deve estar “preparado para responder às perguntas dos guardas de fronteira sobre o motivo pelo qual atravessa uma fronteira sem os seus dispositivos pessoais ou de trabalho”.

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    Foto: D.R.

    Devem ainda analisar “o conteúdo de quaisquer aplicações de mensagens ou redes sociais nos seus dispositivos para garantir que não haja dados que possam comprometer” o próprio jornalista ou outras pessoas.

    O CPJ aconselha os jornalistas a “antecipar o aumento dos questionários por parte dos agentes fronteiriços sobre filiações políticas, histórico de trabalho e cobertura de temas sensíveis”. Se o trabalho do jornalista abrange questões politicamente sensíveis “que a administração dos Estados Unidos pode considerar críticas ou hostis, os agentes de fronteira podem questioná-lo”.

    Se o jornalista viajar de ou para um país afectado pelas restrições, ou se tiver dupla nacionalidade, ascendência ou outros vínculos com esses países, “poderá enfrentar um escrutínio adicional”, segundo o CPJ.

    Foto: D.R.

    Entre as medidas de segurança aconselhadas, o CPJ recomenda que o jornalista “considere de que forma o seu estatuto de imigração, país de origem ou destino e histórico de viagens anteriores o coloca em risco de ser travado na fronteira”.

    Sugere que o jornalista deve “identificar e manter uma lista de contactos de emergência, tais como consultores jurídicos de confiança e grupos de defesa da liberdade de imprensa que podem prestar assistência em caso de problemas”.

    Deve também levar a cabo “procedimentos de ‘check-in‘ com os principais contactos acordados antes da viagem” e certificar-se de que “eles conhecem os seus planos de viagem e podem fornecer suporte, se necessário”. Também deve manter “as informações de contacto de emergência em papel para o caso dos seus dispositivos serem confiscados”.

    selective focus photography of people sitting on chairs while writing on notebooks

    Num outro comunicado, o CPJ anunciou que vai divulgar no próximo dia 30 de Abril um relatório especial que examinará o estado da liberdade de imprensa e da segurança dos jornalistas nos Estados Unidos após os primeiros 100 dias do governo Trump.

    O documento “cobrirá a incidência de ataques direccionados contra jornalistas e organizações de comunicação social, abuso regulatório e problemas de acesso para jornalistas em trabalho nos Estados Unidos. O relatório “também examinará se as acções da Casa Branca criaram um efeito assustador entre os jornalistas locais em todo o país”.

    Estes comunicados e iniciativas do CPJ surgem num contexto de crescente tensão e animosidade recíproca entre a Administração Trump e os media ‘mainstream‘, depois de a Casa Branca ter adoptado novas regras de acesso dos jornalistas, com as mais recentes a limitar o acesso das principais agências noticiosas.

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    Recorde-se que, em geral, os principais grupos de media no país têm adoptado uma posição mais favorável ao partido democrata face ao partido republicano e aos conservadores. Exemplos disso são as diversas notícias que desmentiam o evidente declínio da saúde mental do ex-presidente norte-americano Joe Biden e também o grande destaque que os grupos de media deram a informações que alegavam que teria havido uma ligação da Rússia com a campanha presidencial de Donald Trump em 2016, o que não se confirmou, mas serviu para ensombrar as campanhas de Trump.

    Por outro lado, um dos grandes aliados e apoiantes de Trump, Elon Musk, tem sido um dos maiores críticos da actuação dos media ‘mainstream‘, que o milionário acusa de serem tendenciosos. Mas o clima de ‘guerra’ entre Musk e os media ‘mainstream’ começou quando o líder da Tesla comprou a rede social Twitter, actual X, e restaurou a liberdade de imprensa naquela plataforma.

    Com o apoio de Musk a Trump, o clima de animosidade entre os media e o milionário escalou. Musk tem lançado fortes ataques aos media nas suas publicações na rede X e os principais meios de comunicação social têm dado destaque sobretudo a notícias críticas da Tesla e de Musk, chegando a emitir a informação falsa de que teria feito uma saudação nazi num comício da campanha presidencial de Trump.

  • Poluição hídrica agravou: 39 concelhos sem ‘água de jeito’

    Poluição hídrica agravou: 39 concelhos sem ‘água de jeito’

    Num país onde a palavra Ambiente passou apenas a representar preocupações com as alterações climáticas e investimentos na chamada transição energética, a poluição hídrica mostra estar para durar — e a piorar. E nem é preciso ser cientista, ambientalista ou ecologista: basta saber ler e comparar os indicadores revelados esta semana pelo Instituto Nacional de Estatística, com base em informação da Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

    Preto no branco — ou melhor, mais negro do que transparente —, a qualidade das águas superficiais — leia-se, rios e ribeiras — piorou globalmente na última década. De acordo com os dados agora divulgados — e que abrangem a totalidade dos 278 concelhos do Continente —, a proporção de massas de água com bom ou excelente estado ecológico baixou de 53,9% em 2015 para 46,6% em 2024. Um retrocesso de 7,3 pontos percentuais, com impactos particularmente devastadores nas zonas mais populosas e urbanizadas do país.

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    Com excepção da Área Metropolitana de Lisboa (AML) — que registou uma ligeira melhoria, passando de 12,3% em 2015 para 16,4% —, todas as regiões pioraram neste intervalo de tempo. Em todo o caso, a AML mantém-se como a região portuguesa com maior degradação ecológica, muito atrás das restantes. No Alentejo, em 2024, apenas 36% das massas de água estão em boas ou excelentes condições; no Centro, 50%; no Norte, 55%; e no Algarve, 63%.

    Os dados da APA — recolhidos com uma periodicidade trienal, e que começou em 2012 — abrangem cursos de água naturais, como rios, ribeiros e regatos, bem como canais de rega, uso industrial, navegação, sistemas de drenagem, aluviões (águas sub-superficiais) e reservatórios naturais e artificiais. Estão excluídas a água do mar, massas de águas estagnadas permanentes e as águas das zonas de transição, como pântanos salobros, lagoas e estuários.

    A análise concelhia revela em 2024 uma degradação transversal, com 39 concelhos sem qualquer massa de água classificada como de bom ou excelente estado. Esta falência ecológica absoluta estende-se por concelhos urbanos e industrializados — como Amadora, Barreiro, Estarreja, Lisboa, Loures, Maia, Odivelas, Oliveira do Bairro, Santarém, São João da Madeira, Santo Tirso, Seixal, Trofa, Valongo, Vila Nova de Famalicão e Vizela —, mas também por concelhos mais agrícolas, onde a poluição difusa, ainda que menos visível, é igualmente perniciosa. São os casos, entre outros, de Almeirim, Alpiarça, Bombarral, Cadaval, Carregal do Sal, Cuba, Golegã, Santa Comba Dão e Santa Marta de Penaguião. Zonas esquecidas e negligenciadas, que revelam uma governação ambientalmente falida e um alheamento político gritante.

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    Lisboa, um dos 39 concelhos do país sem qualquer massa de água em boas ou excelentes condições.

    Em 2015, a situação nacional já era má: 30 concelhos apresentavam 0% de massas de água em bom estado. Destes, 20 concelhos mantêm-se hoje na mesma condição, sem qualquer melhoria: Alenquer, Alpiarça, Amadora, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Barreiro, Bombarral, Cadaval, Cartaxo, Golegã, Moita, Odivelas, Rio Maior, Santa Comba Dão, Santarém, São João da Madeira, Seixal, Sobral de Monte Agraço, Trofa, Valongo, Vila Nova de Famalicão. Ou seja, se em 2015 já estavam muito mal, em 2024 continuam exactamente no mesmo estado — ou pior.

    A Área Metropolitana de Lisboa, com os seus 18 municípios, apresenta o pior cenário nacional. A capital do país, Lisboa, surge agora com 0% de massas de água em bom ou excelente estado ecológico, descendo face aos 20% registados em 2015. A esmagadora maioria dos concelhos da AML mantém-se abaixo dos 25%, com excepção de Setúbal (50%) e Cascais (40%). O caso de Setúbal, que regista melhorias, esconde a estagnação geral da região — ou até o agravamento. A indústria da narrativa ambiental, sempre generosa em relatórios, brochuras e eventos, omite sistematicamente este colapso ecológico urbano.

    A Área Metropolitana do Porto também não escapa à indigência hídrica. A média dos seus 17 concelhos é de 35,2%, ligeiramente acima dos 34,7% registados em 2015. O Porto permanece nos 25%, Vila Nova de Gaia nos 40%, e Espinho nos 20%. Municípios como Maia, Santo Tirso, São João da Madeira, Trofa e Valongo continuam com 0% de massas de água em boas ou excelentes condições. Os números globais da região são apenas sustentados pela boa qualidade hídrica em Arouca (77%) e Vale de Cambra (90%).

    No quadro nacional, apenas sete concelhos apresentam 100% das massas de água com boa ou excelente qualidade em 2024: Arcos de Valdevez, Castanheira de Pêra, Manteigas, Montalegre, Pedrógão Grande, Ponte da Barca e Vila de Rei. Desses, apenas dois — Castanheira de Pêra e Vila de Rei — já ostentavam essa classificação em 2015. Por outro lado, concelhos como Lousã, Vila Nova de Poiares e Miranda do Corvo, que em 2015 estavam no patamar máximo de qualidade, sofreram quedas abruptas.

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    Rios der boa qualidade: uma miragem em muitas regiões do país.

    No cômputo geral, a degradação superou as melhorias. Comparando os dados de 2015 e 2024, identificam-se 80 concelhos que melhoraram, 128 que pioraram e 70 que mantiveram o seu desempenho — entre os quais os 20 que se mantiveram a 0% e os dois que mantiveram os 100%. Em termos de progressos mais expressivos, Belmonte, Pedrógão Grande, Rio Maior, Vila Flor, Fronteira e Castelo de Paiva registaram aumentos superiores a 40 pontos percentuais. Já em sentido inverso, concelhos como Anadia, Entroncamento, Estarreja, Mealhada, Nelas, Oliveira do Bairro e Vizela sofreram quedas superiores a 50 pontos percentuais.

    As causas para esta regressão da qualidade das águas superficiais são múltiplas: descargas poluentes não tratadas, redes de saneamento degradadas, expansão descontrolada da agricultura intensiva, ausência de investimentos estruturais em despoluição e, sobretudo, inacção política e mediática. O país mergulhou num discurso ambiental dominado pelas alterações climáticas e pela energia verde, esquecendo o essencial para a saúde pública e ecológica: a qualidade da água. Porque, como se sabe, o que está longe da vista está também longe do coração — e da acção.

  • Contrato de publicidade exige que jornal faça fretes a autarquia socialista

    Contrato de publicidade exige que jornal faça fretes a autarquia socialista

    Nem sequer foi um simbólico “puxão de orelhas”. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu deixar passar completamente incólume um caso gravíssimo de promiscuidade entre um órgão de comunicação social do Algarve e uma autarquia daquela região – Lagoa – que envolvia um contrato de publicidade com contrapartida de cobertura mediática das actividades da vereação. Para agravar, o gerente e sócio único da empresa de media – a Pressroma – é um jornalista, Rui Pires Santos, que acumula a direcçºao editorial de três publicações (Lagoa Informa, Algarve Vivo e Portimão Jornal), mas que tem assinado contratos comerciais, em violação do Estatuto do Jornalista. O contrato analisado pela ERC, no valor de quase 112 mil euros (com IVA), vigorou durante 2023 e 2024.

    Apesar de a Lei da Imprensa impedir a ingerência de entidades externas na linha editorial de órgãos de comunicação social, o regulador dos media, em deliberaçºao publicada este mês mas aprovada no passado dia 24 de Março, apenas recomendou (usando o verbo instar) que a Pressroma observasse “a necessidade de garantir a independência editorial das publicações de que é detentora, bem como a identificabilidade dos conteúdos de natureza comercial e a respectiva separação face aos conteúdos editoriais.” A recomendação caiu em saco roto: apenas 10 dias depois, Rui Pires Santos (com a sua Pressroma) marimbou-se para a ERC e assinou um novo contrato, após concurso público, que ainda agrava a promiscuidade. Neste caso, também se candidatou para fazer ‘fretes’ à autarquia algarvia uma outra empresa de media, a Minius Publicações, proprietárida do semanário AltoMinho.

    Luís Encarnação celebrou dois contratos de mais de 200 mil euros em quatro anos com o jornal Lagoa Informa, que não pára de lhe conceder destaque.

    Com efeito, tal como já sucedia com o contrato de 2023 alvo da análise da ERC – que demorou quase dois anos a tomar uma deliberação após uma queixa de pessoa não identificada –, a Câmara de Lagoa exige agora, na adjudicação celebrada no dia 4 do presente mês, no valor de 121 mil euros, que a Pressroma, através do Lagoa Informa, se comprometesse a uma tiragem mínima de 3.000 exemplares de distribuição gratuita, devendo “garantir que pelo menos 70% dos conteúdos” sejam dedicados à actualidade e às figuras do concelho de Lagoa, com um mínimo de 16 páginas por edição.

    Mas o pior surge nas cláusulas seguintes.. Segundo o contrato, por imposição da autarquia de Lagoa, o jornal da Pressroma está ainda obrigado a prestar informação de proximidade, que inclui acompanhar a actividade da autarquia com “presença no terreno”, através de “reportagens, entrevistas e cobertura de eventos, não só os de maior dimensão, como os de menor visibilidade, mas com importância informativa para a população e comunidade local, com qualidade e profissionalismo”. E para isso tem de dispor de pelo menos “dois jornalistas com carteira profissional”. Para aumentar o controlo, a Pressroma deve apresentar relatórios quinzenais de distribuição e reunir quinzenalmente com responsáveis da Câmara Municipal..

    Embora as ilegalidades serem mais do que evidentes – por ser proibida a ingerência de entidades externas, como autarquias, na direcção editorial de um órgão de comunicação social, e de estar vedado aos jornalistas exercerem funções de promoção –, a ERC não viu ou não quis ver qualquer ilegalidade neste contrato de 2023.

    Aliás, o regulador dos media foi bastante ‘benevolente’ na análise a esse contrato de 2023, agora repetido, até aceitando as desculpas da Pressroma, que quis fazer crer que a autarquia utilizara por lapso um modelo contratual usualmente empregue nas suas publicações internas. Ora, a ERC nem sequer reparou – ou quis reparar – que a Pressroma assinara um contrato após um concurso público, em que, para o vencer, teve de assumir que cumpriria as exigências detalhadas do caderno de encargos.

    Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social deixou impune um caso evidente de promiscuidade entre uma autarquia socialista e um jornal através de contratos de publicidade com contrapartidas de cobertura mediática.

    Na prática, a Lagoa Informa, através da Pressroma, aceitou ser um boletim municipal da autarquia de Lagoa travestido de jornal de informação registado na ERC e com jornalistas com título profissional. E a ERC acreditou na versão da empresa de media de que os únicos conteúdos pagos eram os espaços publicitários e editais municipais devidamente assinalados com a sigla “PUB”, e que os conteúdos informativos não eram encomendados.

    Certo é que, numa análise ao conteúdo do Lagoa Informa, com periodicidade quinzenal, o presidente socialista sai quase sempre na primeira página com direito a fotografia,. Nas quatro últimas edições aparece na primeira página em três, e é notícia em todas. A edição da primeira quinzena de Março integra, aliás, um autêntico encómio sobre o seu percurso de vida.

    Numa longa peça assinado por José Garrancho (com cartão de colaborador da CCPJ), Luís Encarnação é apresentado como “um trabalhador dedicado e eficiente, educado, de bom trato e muito preocupado com as necessidades da sua terra natal, o Parchal, local onde nasceu em 1968”. E faz um percurso sempre elogioso, desde o trabalho na hotelaria até à sua dedicação ao estudo e ascensão política. E coloca-o como um homem culto, desprendido do poder e com paixão pela leitura, “devorador de livros”, embora ‘traído’ pelo discurso directo. “Quando deixar de ser presidente de Câmara, vou abraçar a minha grande paixão, que é ler e não quero cargos nenhuns. Quando tinha nove ou dez anos já lia livros da maior complexidade. Toda a vida fui um devorador de livros. A 1 de novembro de 2013, quando iniciei funções como vereador, estava a ler um livro que ainda hoje está a meio. A primeira coisa que vou fazer é acabar de o ler e começar de novo, pois já perdi o fio à meada, ao fim de todos estes anos”, diz o autarca socialista ao jornal que ‘patrocina’.

    Prwesidente socialista é preseça constante no jornal Lagoa Informa.

    Mas estas ‘ligações intimas’, ou promíscuas, entre o edil e o jornal nem sequer mereceram uma linha de análise por parte da ERCl. No decurso da instrução, que demporou quase dois anos, a ERC apenas detectou incumprimentos da Lei da Transparência por parte da Pressroma, nomeadamente na omissão de informação sobre clientes relevantes e dados financeiros de vários anos, mas nada mais fez do que insistir para que fossem preenchidas, ficando-se a saber que, em alguns anos, mais de 40% dos rendimentos provêm do Município de Lagoa – que, aliás, nem se dignou responder aos pedidos de esclarecimento da ERC sobre o conteúdo do contrato nem forneceu os relatórios de acompanhamento solicitados. A ERC, na verdade, nem sequer se consegue impor para fazer uma regulação decente.

    Assim, mesmo com a Lei da Imprensa, o Estatuto do Jornalista, a Lei da Transparência e os Estatutos da ERC, o regulador mais não fez do que constatar o óbvio: a Pressroma aceitou cláusulas que põem em causa a autonomia editorial do Lagoa Informa; não salvaguardou devidamente a separação entre conteúdos editoriais e comerciais e colocou em risco a liberdade de imprensa.

    Consequência disto? Nenhuma. Nem um processo de contra-ordenação – que deveria abranger também a autarquia –, nem uma ameaça de suspensão do título, nem uma comunicação à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) por uso de “jornalismo comercial”.

    Quer dizer, há uma consequência que se extrapola. Com esta deliberação sobre a impunidade da promiscuidade – em que se mercantiliza o jornalismo num contrato de inserção publicitária – a ERC indica expressamente que qualquer órgão de comunicação social, desde os de maior dimensão até aos regionais, pode livremente celebrar contratos publicitários onde possam expressamente surgir como contrapartidas a elaboração de entrevistas e artigos promocionais feitos por jornalistas – e, quiçá, mesmo a garantia de que não serão publicadas notícias “desagradáveis”.

    Trecho do contrato de Abril deste ano, onde a autarquia exige à Pressroma que faça “cobertura “acompanhamento da actividade da autarquia com presença no terreno, com reportagens, entrevistas e cobertura de eventos”, independentemente da sua dimensão.

    Confrontada a ERC sobre este novo contrato, dias depois de uma deliberação ‘fofinha’, o regulador afirma que, perante este novo contrato, foi decidido “abrir um procedimento de averiguações para aferir da existência de eventuais irregularidades” já identificadas na deliberação de Março, mas que deram em nada.

    O PÁGINA UM também contactou a CCPJ, que adiou uma posição para a próxima semana. Também foram colocadas questões ao gerente da Pressroma e também director do Lagoa Informa, Rui Pires Santos, mas não houve qualquer resposta. De acordo com o Portal Base, desde 2019 sucedem-se os contratos envolvendo publicidade, e não só, entre a Pressroma e três municípios algarvios, onde Lagoa surge em destaque com 490.518 euros. Os montantes dos contratos com Albufeira e Portimão são mais ‘modestos’: 52.716 e 20.018 euros, respectivamente.

  • Comissão Nacional de Eleições compra 210.000 esferográficas ao triplo do preço de mercado

    Comissão Nacional de Eleições compra 210.000 esferográficas ao triplo do preço de mercado

    .Os eleitores já sabem que não precisam de levar caneta para escolher os seus partidos e candidatos quando se dirigirem às urnas no próximo dia 18 de Maio. E isto porque a Comissão Nacional de Eleições (CNE) trata de tudo. Ou melhor, já adjudicou a uma empresa de brindes a compra de 105 mil esferográficas a pensar nas eleições para a Assembleia da República. E, prevenida, aproveitou, no mesmo contrato, para comprar mais 105 mil canetas para as eleições autárquicas agendadas para Setembro ou Outubro – não vá as outras gastarem-se todas.

    Em eleições que custarão milhões, as esferográficas são apenas uma gota de água: os contribuintes pagarão, em princípio, 23.764 euros (com IVA) pela compra da CNE à empresa Enterprom II – Brindes Publicitários, com sede na Charneca da Caparica, em Almada. Mas até aqui se consegue ser despesista.

    De acordo com o contrato assinado no passado dia 27 de Março, mas só ontem publicado no Portal Base, a empresa de brindes tem a obrigação de entregar 105 mil esferográficas até ao dia 4 de Abril. As restantes 105 mil terão de ser fornecidas até ao dia 1 de Agosto, a tempo da realização das eleições autárquicas.

    Fazendo as contas, cada esferográfica custa ao contribuinte 9,2 cêntimos (sem IVA). Ora, comparando com os preços de outros fornecedores nacionais com contratos efectuados com entidades públicas, sem incluir um eventual desconto de quantidade, encontram-se esferográficas ao preço unitário de 3,0 cêntimos (sem IVA). Pesquisando online, com fornecedores no estrangeiro, ainda se consegue encontrar canetas por preços inferiores quando adquiridas em grandes quantidades..

    Não sendo conhecido o caderno de encargos, não se sabe se existe algum tipo de preocupação ambiental na aquisição das canetas para os actos eleitorais. Contudo, não consta nenhum ‘selo’ de sustentabilidade no contrato publicado no Portal Base.

    Também não se sabe a razão pela qual a CNE não comprou directamente as canetas. A justificação para a compra das esferográficas ter sido feita sem concurso é a disposição legal do Código dos Contratos Públicos que abre a porta ao ajuste direto “quando o valor do contrato for inferior a 20 000.euros”.

    O preço a pagar pela CNE inclui porém, segundo o contrato, todos os “encargos” que a empresa fornecedora tenha com “deslocações, transportes, alojamento, equipamentos” e custos “relativos “decorrentes da utilização de marcas, patentes ou licenças” Abrange ainda encargos com “obrigações de garantias dos serviços prestados”. Convém referir que, por norma, as entregas em quantidade já incluem o transporte, como se pode verificar no caso consultado pelo PÁGINA UM.

    Curiosamente, no contrato das esferográficas está prevista ainda a “divulgação da campanha de esclarecimento nos órgãos de comunicação social e nas redes sociais”, mas não se explicita que campanha de esclarecimento se trata nem o motivo para uma fornecedora de esferográficas estar envolvida neste tipo de acções.

    Saliente-se que esta não é a primeira vez que a CNE compra esferográficas para as eleições. Nas anteriores legislativas, em 10 de Março do ano passado, a CNE também escolheu à Enterprom II, mas não se sabe quantas canetas foram adquiridas porque não existe contrato escrito para essa compra no valor de 10.578 euros.

    Poucos meses depois, a CNE também fez novo contrato por ajuste directo, desta vez para as eleições para o Parlamento Europeu. gastou mais 8.911,35 euros. A transacção foi efectuada a 9 de Maio do ano passado, também sem contrato escrito, pelo que não consta no Portal Base a quantidade de canetas que foram compradas. Pelos valores presume que possa ter sido a mesma quantidade.

    O PÁGINA UM tentou colocar algumas dúvidas junto de um porta-voz da CNE, André Vale, nomeadamente sobre o uso a dar às canetas e o porquê da compra duplicada de esferográficas para dois actos eleitorais tão próximos no tempo. Mas até à hora da publicação desta notícia ainda não tinha sido possível obter esses dados.

    De resto, a Enterprom II não se pode queixar da falta de encomendas públicas, quase sempre por ajuste directo, como se fosse a única empresa de brindes de Portugal. No Portal Base contabilizam-se 58 contratos com entidades públicas que já geraram á empresa, desde 2012, receitas de 945.975 euros. Apenas um dos contratos foi obtido por concurso público, numa adjudicação da Águas de Portugal no valor de 115.912 euros, realizada em 2023.

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    Este tipo de contratos são a ‘ponta do icebergue’ em termos de custos com a organização de eleições em Portugal. Como noticiou, recentemente, o PÁGINA UM, a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna celebrou um contrato por ajuste directo com os CTT relativo ao envio e recepção de votos de eleitores residentes no estrangeiro que prevê um gasto de até 11,75 milhões de euros, ou seja, um agravamento do preço de quase 45% face às anteriores legislativas.

    A este valor, somam-se outros, como um de 305 mil euros relativo a um contrato para ‘aquisição de serviços de apoio ao funcionamento de recolha e contagem dos votos dos eleitores residentes no estrangeiro’ que foi assinado ontem com a empresa Bravantic Evolving Technology. Este contrato foi também adjudicado por ajuste directo por “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”.

  • ‘Qualquer coisa que Trump faça, em relação a segredos, será para o seu próprio interesse’

    ‘Qualquer coisa que Trump faça, em relação a segredos, será para o seu próprio interesse’

    Não se pode dizer que Craig Unger seja um jornalista norte-americano sem currículo. Nasceu a 25 de Março de 1949 e trabalhou, entre outras, em publicações como Vanity Fair, The New Yorker, Esquire, The Guardian, The New York Times, The Washington Post e The New Republic. Em 2004, escreveu o livro “House of Bush, House of Saud”, onde investigou as relações entre a família Bush e a dinastia Saud, da Arábia Saudita.

    Anos mais tarde, seguindo o sucesso da primeira obra, assinou, em 2018, o livro “House of Trump, House of Putin”, onde relatou as relações entre Donald Trump  e a Mafia russa, tendo ainda escrito, em 2021, “American Kompromat”, onde o agora reeleito presidente Donald Trump era acusado de ter colaborado com os serviços de informação russos e de ter estabelecido uma aliança com pessoas próximas do Kremlin desde os anos 80.

    Todos esses livros, de uma forma ou outra, tiveram ampla aceitação e divulgação pública. Entretanto, Craig Unger, lançou recentemente, em Outubro de 2024, a obra “Den of Spies”, que se pode traduzir para algo como “Covil de Espiões”, e tem ainda como subtítulo: “Reagan, Carter e a História Secreta da Traição que Roubou a Casa Branca”. Mas a receção junto da Imprensa, ao contrário dos outros livros, não suscitou grandes linhas de divulgação e análise sobre o seu conteúdo, demonstrando que o tema continua a ser incómodo para a generalidade dos jornalistas.

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    A Casa Branca. / Foto: D.R.

    O jornalista norte-americano, que seguiu ainda as pistas de um falecido jornalista que também dedicou parte da sua vida profissional à investigação do caso, Bob Parry, demonstra como a reeleição falhada do recém-falecido presidente dos EUA, Jimmy Carter, a 4 de Novembro de 1980, foi o resultado de uma traição da parte da candidatura republicana, encabeçada por Ronald Reagan, com o antigo chefe da CIA, George Bush como vice-presidente e o futuro chefe da CIA, Bill Casey, como diretor de campanha.

    Craig Unger comprova nesta obra como a crise dos reféns de Teerão, que começou com o assalto à embaixada dos EUA no Irão, a 4 de Novembro de 1980, e deu origem à crise dos reféns, levou a várias negociações secretas entre republicanos e iranianos, no sentido de manter os reféns em cativeiro até às eleições presidenciais de 4 de Novembro de 1980.

    O principal responsável, aponta o jornalista, foi o chefe de campanha da candidatura republicana, antigo agente secreto da II Guerra Mundial e futuro chefe da CIA, Bill Casey, que teve reuniões secretas com iranianos em Madrid, em Junho e Agosto de 1980, mais ainda um encontro em Paris, em Outubro, dias antes das eleições de 4 de Novembro de 1980.

    O tráfico de armas para o Irão, resultante dessas negociações, era então ilegal quando, a 4 de Dezembro, faleceram em Camarate o primeiro-ministro de Portugal, Francisco Sá Carneiro e o ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, na queda de um avião através da explosão de uma bomba, como ficou demonstrado nas investigações levadas a cabo pelas várias comissões de inquérito da Assembleia da República.

    Jornalistas a escutar, em directo, o discurso de Jimmy Carter acerca do salvamento falhado dos reféns no Irão (1980). / Foto: Marion S. Trikosko

    Os reféns norte-americanos foram libertados minutos depois da tomada de posse de Ronald Reagan, a 20 de Janeiro de 1981. Segue-se a entrevista com o autor de Den of Spies, feita via telefone, entre Lisboa e Brooklyn, onde Craig Unger reside.      

    Este livro chama-se Den of Spies [Covil de Espiões], que era o nome dado pelos iranianos à embaixada dos EUA em Teerão, mas era para ter um título diferente: Original Sin [Pecado Original]. Porquê esse outro título e por que não o usou?

    Para mim, as palavras mais bonitas da fundação dos Estados Unidos foram escritas por Thomas Jefferson na Declaração da Independência, em 1776: “Todos os Homens são criados de forma idêntica”. É bonita, mas era uma mentira, pois naquele tempo havia escravatura e as mulheres não podiam votar. Jefferson nem sequer deu direitos de igualdade aos seis filhos que teve com uma das suas escravas, Sally Hemings.

    Do meu ponto de vista, foi sempre uma mentira. Mesmo depois do fim da Guerra Civil [1861-65], reconstruímos o Sul e tudo iria estar bem com os afro-americanos, e também isso foi uma mentira.

    Portanto, no fim, decido não usar o título de Pecado Original por estar demasiado próximo da raça e o meu livro não é sobre isso. Mas acho que o meu país foi fundado em mentiras e sempre as negamos.

    Neste livro, como sabe, concentro-me na História Contemporânea, onde os Republicanos, repetidamente — em 1968, em 1972, em 1980, em 2000 e 2016 —, uma e outra vez, levaram a cabo uma espécie de traição.

    O antigo presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter com o então primeiro-ministro de Israel Yitzhak Rabin (1977). / Foto: Marion S. Trikosko

    Esta entrevista acontece poucos dias após a morte do presidente Jimmy Carter, a pessoa que foi mais prejudicada por esta traição. Pensa que ele conhecia toda a verdade quando morreu?

    Penso que ele soube o que aconteceu. Mandei-lhe o meu livro e não sei se teve a oportunidade de o ler enquanto estava no hospital. Mas, mesmo em 1981, ele encorajou o Congresso a investigar e foi bastante vocal em relação a isso, e não creio que não o teria feito se não soubesse a resposta.

    Vamos então à origem do caso de 1980. No fim de Outubro de 1979, o Xá do Irão, que estava exilado na América Latina desde Janeiro, deu entrada num hospital de Nova Iorque para tratamentos oncológicos. Tanto David Rockfeller como Henry Kissinger foram os principais promotores desse internamento, alegando razões humanitárias. Jimmy Carter opunha-se, pois temia um ataque à embaixada em Teerão. Ora, foi precisamente isso que aconteceu dias depois, a 4 de Novembro, quando os estudantes atacaram a embaixada e derem início à crise dos reféns. O facto de o ataque ter sido a 4 de Novembro, um ano exacto antes das eleições presidenciais de 1980 — data já conhecida no dia do ataque, pois as eleições ocorrem sempre de quatro em quatro anos, na primeira terça-feira de Novembro, entre os dias 2 e 8 — podemos falar de uma coincidência ou de um acto premeditado?

    Bem, se estamos a falar do que aconteceu da parte dos iranianos, ao tomarem de assalto a embaixada a 4 de Novembro, isso não sei. Simplesmente não sei. Agora, não há dúvidas de que a vinda do Xá para os Estados Unidos foi o que os levou a atacar a embaixada.

    Jimmy Carter estava contra a ideia de admitir a entrada do Xá nos Estados Unidos, mas enfrentou uma poderosa oposição de David Rockfeller, Henry Kissinger, uma grande parte do sistema de serviços de informação e até do seu secretário de Estado, Zbigbnew Brzezinsky.

    Pode ter sido uma coincidência que o ataque tenha acontecido a 4 de Novembro. Realmente, não sei dizer, mas foi a partir do momento em que o Xá foi admitido nos Estados Unidos que decidiram tomar a embaixada. E esse é um facto que temos de assumir como verdadeiro. Coincidência ou não, quem sabe?

    No livro, diz que não foi a gestão da crise que preocupou os serviços secretos, mas sim o facto de haver uma crise. Pensa que aconteceu porque o presidente dos Estados Unidos era fraco e, se fosse outro presidente, com outro domínio dos serviços secretos, a crise teria sido resolvida de forma diferente?

    Jimmy Carter tinha alienado de forma irrevogável a comunidade dos serviços de informação. Parte do problema foi ter nomeado Stansfield Turner chefe da CIA.

    Após ter despedido George Bush…

    É normal um novo presidente substituir o director da CIA quando assume o cargo. Bush demitiu-se poucos dias antes da tomada de posse de Carter — que aconteceu a 20 de Janeiro de 1977.

    Mas o nome de Carter está ainda associado, depois da demissão de Bush, com uma série de despedimentos dentro da CIA, certo?

    Certo. Quando Turner era chefe da CIA, mais de 800 pessoas foram demitidas. Foi um ‘massacre’ e alienou completamente a CIA contra Carter. E esse era o verdadeiro problema que o enfraqueceu enormemente.

    Foi também com Carter, no início de 1978, que foi nomeado para número dois da CIA, como director-adjunto, uma pessoa chamada Frank Carlucci e que era, desde 1975, embaixador norte-americano em Lisboa. E, durante a sua estadia em Portugal, sempre se suspeitou que ele estava intimamente relacionado com a CIA. Este nome diz-lhe algo?

    Escrevi um pouco sobre Carlucci num dos meus primeiros livros, House of Bush, House of Saud, e foi sobre a sua ligação ao grupo Carlyle. Neste livro não.

    As circunstâncias em que ocorreu a morte do primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro, numa explosão do avião em que seguia com o seu ministro da Defesa, suscitam ainda hoje muitas interrogações. / Foto: D.R.

    Carlucci não surge neste seu recente livro e a investigação centra-se no papel de Bill Casey, o homem que era o chefe de campanha da candidatura Republicana de Ronald Reagan e George Bush e que, depois das eleições, tornou-se no chefe da CIA. Ele dizia que o mais difícil de provar era o óbvio. É esse o problema deste caso? Ser óbvio?

    É uma daquelas coisas inteligentes que se dizem. No prólogo do meu livro menciono a revista satírica The Onion, que no seu número de resumo do século XX, quando se refere ao dia da tomada de posse de Reagan, apresenta uma capa falsa do The New York Times com o título: “Reféns libertados; Reagan apela ao povo americano a não somar dois mais dois”. Claro que toda a gente viu os reféns regressarem aos Estados Unidos, literalmente, cinco minutos após Reagan ter prestado juramento. E, claro, ele não poderia ter negociado a libertação nesses cinco minutos porque estava a fazer o discurso no pódio. E tinha de haver contactos. É difícil acreditar que os iranianos iriam devolver os reféns sem falarem com a administração Reagan. Portanto, a negociação tinha de ter começado mais cedo.

    Provavelmente, um jornal satírico como o The Onion estava a dizer mais do que a imprensa de referência. Menciona no livro que, no caso Watergate, Bob Woodward e Carl Bernstein tinham o princípio de escreverem algo que tivesse sido confirmado por duas fontes diferentes. Neste caso, por vezes, havia cinco fontes e nem assim se escrevia a informação. Como explicar o silêncio dos jornalistas em relação a este caso? 

    Usei esse número quando mencionei a possibilidade de George Bush ter estado na reunião de Paris, entre os dias 18 e 19 de Outubro de 1980. Havia cinco pessoas que me diziam que tinha estado, mas nenhuma como fonte directa. Por exemplo, o espião israelita Ari Ben-Menashe disse-me que ouvira dizer que Bush esteve lá, mas não tinha a certeza. Era um tipo de informação que não era conclusiva e, na altura em que estávamos a fazer essa investigação, Bush era candidato à reeleição e, na época, era necessário ter mais fontes, dependendo do quão sério aquilo era. Continuo a ser agnóstico sobre Bush em Paris.

    Mas, no caso de Casey, ele estava em Madrid no Verão de 1980, a negociar com iranianos?

    Sim, absolutamente.

    E a prova disso, a tal “arma fumegante”, é um telegrama diplomático onde a embaixada norte-americana em Madrid informava o Departamento de Estado sobre a presença de Casey na capital espanhola, numa altura em que, oficialmente, deveria estar a dar uma palestra em Londres, certo?

    Certo. E também entrevistei um antigo agente, chamado Robert Sensei, que me confirmou que viajou até Madrid, em Agosto de 1980, com Bill Casey. E Casey tinha três álibis que foram caindo, um por um. Quando isso acontece, aproximamo-nos cada vez mais da verdade. Se eu tivesse de ser presente a um júri diria que, sim, Casey estava no meio do caso e era culpado. Mas, quanto a Bush ter estado na reunião de Paris, isso ainda está por confirmar. Sim, gostaria de ter mais provas.

    Talvez os telegramas diplomáticos do embaixador norte-americano em Paris pudessem ajudar a esclarecer isso. Pediu ao Departamento de Estado para os consultar?

    Tanto quanto sei, não havia telegramas diplomáticos relacionados com Bush em Paris.

    Este livro, ao contrário de outros que já escreveu, não parece estar a ter a mesma divulgação junto da imprensa norte-americana. Porquê?

    Penso que este caso é um dos episódios mais escandalosos da história da imprensa norte-americana, mas não é apenas ignorarem a história, mas terem-na  tratado da forma errada. Investigaram a história de forma agressiva, como se não quisessem que fosse publicada. E penso que houve duas forças que contribuíram para isso. Uma é aquilo que chamo de “jornalismo de acesso”. Explico no livro que os jornalistas têm um acesso diário a estas pessoas e, por isso, não vão querer dizer nada crítico em relação às pessoas às quais precisam de aceder. Não sei se em Portugal acontece o mesmo…

    Sim, em Portugal também temos disso, sim, temos e muito…

    Pois (risos)… A segunda força, e uma das conclusões do livro que, para muitas pessoas é difícil de aceitar — e, a propósito, sou judeu e já fui acusado de antissemita por reportar isto — mas não se pode ler o meu livro sem concluir que Israel desempenhou um papel central numa operação secreta de sabotagem nas eleições norte-americanas e isso é uma violação da nossa soberania.

    O actual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. / Foto: D.R.

    Isso leva-me, então, a uma outra questão: quando juntamos aquilo que escreveu sobre Trump poder estar comprometido com os russos — sobretudo desde o seu casamento, nos anos 80, com uma pessoa oriunda de um País de Leste —, e o facto de Putin, antigo agente do KGB, conhecer como os republicanos conquistaram o poder em 1980 e como, desde então, têm gerido a traição a Carter, então Putin sabe bem como é frágil a democracia norte-americana. Fiz uma leitura correcta da situação actual, não?

    Oh, sim! Absolutamente! (Riso nervoso. Isso é o foco do livro. Aquilo que funcionava com o compromisso era o que não se usava, que ficava nos bastidores. Mas Trump é um sem-vergonha e não há nada que lhe faça dano, se percebe o que quero dizer.

    Falo agora em relação a Portugal. O meu país investigou um negócio de tráfico de armas para o Irão durante o tempo em que se deu a traição a Jimmy Carter, como parte do móbil do assassinato do primeiro-ministro de Portugal e do ministro da Defesa. E sabemos aqui que houve movimentações nesse sentido. Agora, encontrou algo sobre Portugal na sua investigação?

    Não há dúvida de que há um episódio interessante que parece ser mais do que uma coincidência. Henry Kissinger era, claramente, um jogador central ao conseguir que o Xá do Irão fosse admitido nos Estados Unidos. Ele, os Rockfeller com o seu Chase Manhattan Bank e o antigo sistema de informação, pressionaram Carter a admitir o Xá. E, depois, claro, isso desencadeou a crise dos reféns. Então, logo após a vitória de Reagan, em Novembro de 1980, quando é preciso mandar armas para o Irão e Jimmy Carter ainda é presidente, temos Kissinger a fazer uma viagem até Portugal. O que foi ele fazer? Haverá carregamentos de armas para o Irão a chegar através de Portugal e esperamos que os deixem passar? Quem sabe?

    Pensa que, com Donald Trump — e vendo as promessas de trazer à luz determinados documentos secretos, como aqueles envolvendo a morte de J.F. Kennedy —, ele poderá revelar algo sobre o que aconteceu em 1980?

    Penso que qualquer coisa que ele faça em relação a segredos será para o seu próprio interesse. E penso que não vai abrir a porta para que a nossa democracia fique mais saudável.

  • ‘Há pais endividados e outros terão de retirar os filhos da escola’

    ‘Há pais endividados e outros terão de retirar os filhos da escola’

    “Do nada, disseram-nos que temos de arranjar 380 euros para pagar ao colégio na próxima semana ou temos de retirar a nossa filha da escola”. O relato é de Ana, mãe de uma criança com três anos, que, como outros pais foi informada pela escola, situada em Mafra, de que a filha deixa de beneficiar do apoio estatal para frequentar a creche a partir de Março. “Não esperávamos nada disto. Ficou toda a gente em pânico. A situação é dramática. Há pais endividados, outros terão de retirar os filhos da escola”, disse esta mãe ao PÁGINA UM.

    Também João foi informado pela escola que a filha de três anos frequenta, nos arredores de Lisboa, de que a menina não tem apoio estatal. A mensalidade em Março passa a ser de quase 300 euros. Além disso, João e outros pais foram informados de que terão também de pagar, retroactivamente, as mensalidades relativas aos meses entre Setembro e Fevereiro. Ou seja, João tem agora uma dívida de 1800 euros junto da escola da filha. “Não sabemos como vamos fazer. Estamos a analisar. Mas não podemos tirar a nossa filha da escola porque precisamos de trabalhar”, disse.

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    Os casos repetem-se por todo o país: famílias com crianças de três anos de idade em creches do ensino privado são informadas que o apoio anunciado pelo Governo, em Junho, afinal ainda não se concretizou e terão de pagar as mensalidades na íntegra para manter os filhos na escola, no ensino pré-escolar.

    O PÁGINA UM encontrou casos similares a afectar dezenas de pais com crianças em escolas privadas em diferentes zonas do país, mas sabe que há mais colégios a viver a mesma situação e o número de famílias que está a viver este dilema será muito superior.

    Na origem desta situação está a forte expectativa criada pelo anúncio do Governo, em Junho de 2024, de que iria garantir o acesso universal de crianças ao ensino pré-escolar e apoiar a sua transição gratuita após a creche, que tem sido apoiada pelo programa denominado ‘Creche Feliz’. Em comunicado, o Governo revelou quer iria criar um grupo de trabalho para realizar, até ao final de desse mês, um diagnóstico detalhado da rede existente de estabelecimentos de creche e de jardim de infância, com vista à
    apresentação de um plano de ação que garanta a gratuidade na educação pré-escolar em 2024/2025. E prometia também, até ao final de Novembro do ano passado, uma estratégia para dar continuidade na transição da creche para a educação pré-escolar e a qualidade pedagógica em crianças entre os 0 e os
    6 anos.

    Dois meses depois, em Agosto, o Executivo emitiu novo comunicado com o título: “Governo garante resposta para crianças a partir dos três anos”. Neste comunicado, o Executivo de Luís Montenegro indicava que “respondeu à necessidade das crianças beneficiárias da ‘Creche Feliz’ que fazem três anos em 2024, na sequência do levantamento da rede de estabelecimentos de creche e de jardim de infância, feito pelo Grupo de Trabalho nomeado pelo Executivo”.

    Segundo o Governo, mais de 12.000 crianças continuavam sem acesso à educação pré-escolar. Na sua maioria, são crianças com três anos, mas também com quatro e cinco anos que não têm vaga, sobretudo nos grandes centros urbanos.

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    As crianças mais afectadas são as chamadas de ‘condicionais’, nascidas entre 16 de Setembro e 31 de Dezembro de 2021. Nas escolas, a escassez de vagas, leva a que transitem para o ensino pré-escolar, o qual não tem apoio estatal e a promessa do Governo tarda em chegar. O problema é que, neste ano lectivo, tanto pais como escolas ficaram a contar com a concretização da promessas. Agora, a factura ‘rebentou’ nas mãos dos pais’.

    “Disseram-nos que esta medida ia ser válida. Mas nada aconteceu. Agora, a escola fez-nos um preço ‘especial’ e em vez de 380 euros teremos de pagar 350 euros se quisermos manter as crianças na escola”, disse Ana.

    Segundo Susana Batista, presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP), o cenário é aflitivo e urgente tanto para as muitas famílias que estão a ser afectadas pelo problema, como para as escolas. “Após o anúncio do Governo, ficou criada a expectativa de que iria haver apoio ao pré-escolar. Entretanto, muitas crianças saíram das escolas porque os pais não podiam suportar pagar mais tempo as mensalidades”, afirmou.

    A ACPEEP já tinha denunciado que o facto de o Governo não ter ainda concretizado as promessas feitas às famílias está a causar muitos constrangimentos, deixando crianças em situação vulnerável, sem acesso ao pré-escolar. Já os pais, procuram, em desespero, quem cuide dos filhos enquanto vão trabalhar. “As famílias estão desiludidas com as promessas que foram feitas antes do início do ano letivo 2024/2025, em como o Governo iria garantir a continuidade pedagógica às crianças que completaram 3 anos e saíram do programa ‘Creche Feliz’. Muitas voltaram para casa”, lê-se num comunicado que a associação emitiu no final de Janeiro.

    Segundo a ACPEEP, actualmente, os colégios privados conseguem assegurar quase metade das vagas em falta, podendo garantir o acesso ao ensino pré-escolar a 5.800 crianças.

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    Avisou que, “no desespero, para poderem ir trabalhar, há pais a deixar os filhos com amas ilegais, sem formação”.

    Já começam a chegar à ACPEEP mais casos de pais em situação de desespero. A associação pediu uma reunião urgente ao Governo, até porque daqui a poucas semanas começa a época de matrículas para o próximo ano lectivo. Mas, até ao momento, a associação não obteve qualquer resposta do Executivo.

    Para as escolas, o problema está mesmo na falta de cumprimento da promessa pelo Governo. “O maior problema é para os pais, porque são eles que têm de decidir se conseguem pagar”, disse Elsa Rodrigues, directora do infantário ‘Planeta dos Traquinas’, na Póvoa de Santa Iria. “Os pais ficaram esperançosos, visto que o Estado deu garantias de que iria apoiar, mas o apoio não chegou”, disse.

    Neste caso, como em outros colégios, as escolas alegam não poder manter as crianças de três anos nas salas de creche por falta de vagas.

    Fernando Alexandre, ministro da Educação, Ciência e Inovação. /Foto: D.R.

    Paulo Cardoso, da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), afirmou ao PÁGINA UM que a organização vai contactar o Governo e aguardar uma resposta sobre a actual situação que afecta famílias em todo o país. “Vamos fazer chegar aos Ministérios e esperar uma resposta”, disse. Lamentou que parte do problema seja também o da falta de informação por parte dos pais, que nem sempre compreendem bem os procedimentos para ter acesso aos apoios, como por exemplo, terem de matricular os filhos no ensino público, mesmo que não existam vagas.

    Adiantou que a situação mais premente, em termos de escassez de apoios e vagas, envolve as famílias migrantes. “Há migrantes sempre a chegar e a situação com a falta de vagas já é complicada, ainda fica mais difícil”, afirmou.

    Wagner é brasileiro e reside em Portugal com a esposa e a filha há mais de três anos. Foi uma das famílias afectadas pelo não cumprimento da expectativa de garantir a transição gratuita das crianças que perdem o direito ao apoio para frequentar a creche. “Foi um choque. De repente, em Novembro, disseram-nos na escola que a mensalidade passava a ser de 330 euros. Não podemos pagar. Tirámos a menina da escola”, contou. A mãe da criança tinha acabado de ficar desempregada e procurava novo emprego, mas teve de ficar em casa com a filha. A menina não reagiu bem ao afastamento da sua rotina e dos amigos do colégio que frequentava em Vila Nova de Gaia. “Foi muito difícil. Teve de ficar em casa com a minha esposa. Ela colocava a mochila às costas e pedia para a levarmos para a escola, tinha saudades das educadoras e dos coleguinhas”. No caso de Wagner, houve um desfecho feliz. Após dois meses de angústia, teve resposta positiva de uma IPSS-Instituições Particulares de Solidariedade Social e conseguiu vaga na creche para a filha.

    Maria do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. / Foto: D.R.

    Mas muitas crianças não estão a ter a mesma sorte e os pais sentem que estão num beco sem saída. “Vamos organizar uma petição para pedir ao Governo que resolva este problema que foi criado pela promessa que fez e que ainda não cumpriu”, garantiu Ana, que já contactou também a ACPEEP e assegura que vai mobilizar mais pais. “Num outro colégio, na Amadora, que é do mesmo grupo do que é frequentado pela minha filha, há ainda mais crianças na mesma situação”, apontou.

    Para já, do Governo, há apenas o silêncio em torno deste problema que a sua promessa de Junho criou. Nem o gabinete do ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, nem o gabinete da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho estiveram disponíveis para responder às questões do PÁGINA UM. Também a coordenadora nacional do programa Garantia para a Infância, Sónia Almeida, não se mostrou disponível para falar sobre este tema.

    Para muitos pais, a aflição vai continuar este ano lectivo, mas ameaça prolongar-se para o próximo, já que não se vislumbra um calendário de implementação do apoio prometido pelo Governo de Luís Montenegro para as crianças em transição para o pré-escolar.

  • Correio da Manhã: sondagem absurda tem nota 7 (em 20)

    Correio da Manhã: sondagem absurda tem nota 7 (em 20)

    Relatório de avaliação da notícia sobre a Sondagem para as Autárquicas de Lisboa e Porto – Correio da Manhã (3 de Fevereiro de 2025)


    1. Introdução

    Este relatório apresenta uma avaliação de uma notícia publicada pelo jornal Correio da Manhã no dia 3 de Janeiro de 2025, relativas à sondagem conduzida pela Intercampus para o Correio da Manhã e a CMTV. A peça analisada é a seguinte: :

    1. Moedas ganha a Alexandre e Pizarro bate Pedro Duarte.

    A sondagem teve como objectivo avaliar as intenções de voto para as Câmaras Municipais de Lisboa e do Porto, utilizando uma amostra nacional. No entanto, as eleições autárquicas são decididas exclusivamente pelos eleitores de cada concelho, pelo que a ausência de dados desagregados por concelho compromete drasticamente a validade dos resultados apresentados. Além disso, as margens de erro específicas para Lisboa e Porto não são mencionadas, agravando a fragilidade metodológica da análise.

    A avaliação foi conduzida com base na metodologia Rigor Jornalístico sobre Sondagens (RJS), previamente definida em articulação com o jornal PÁGINA UM e ajustada para dar maior peso à precisão dos dados (35%) e à transparência na apresentação da informação (30%). A análise de conteúdo e a quantificação dos critérios foram da exclusiva responsabilidade do ChatGPT. A avaliação foi realizada com exigência rigorosa, considerando os princípios do jornalismo transparente e informativo numa sociedade democrática.


    2. Metodologia de Avaliação

    A avaliação segue a estrutura RJS (Rigor Jornalístico sobre Sondagens) e abrange seis critérios essenciais, aplicados a cada uma das três notícias.

    A nota final de cada notícia resulta da aplicação destas ponderações às notas atribuídas a cada critério.


    2.1. Processo de Avaliação da Inteligência Artificial

    A avaliação das notícias foi realizada utilizando técnicas avançadas de processamento de linguagem natural (PLN) e avaliação contextual.

    O Processamento de Linguagem Natural (PLN) refere-se a um conjunto de técnicas que permitem a um modelo de inteligência artificial compreender, interpretar e analisar textos escritos de forma semelhante a um leitor humano. O PLN envolve análise sintáctica, semântica e pragmática, permitindo identificar factos, opiniões, dados estatísticos e omissões. No contexto desta avaliação, o modelo extrai e processa automaticamente as informações presentes na notícia, identificando padrões e verificando a completude dos dados.

    A avaliação contextual complementa o PLN ao interpretar o significado e a relevância das informações no contexto específico da cobertura noticiosa. Esta abordagem analisa a estrutura argumentativa do texto, a escolha de palavras e a ênfase dada a determinados aspectos da notícia, permitindo detectar enviesamentos subtis ou omissões estratégicas. O modelo compara o conteúdo da peça com boas práticas jornalísticas e identifica se a apresentação dos dados pode influenciar indevidamente a percepção pública sobre os resultados da sondagem.


    2.2. Etapas do Processo de Avaliação

    A avaliação das notícias seguiu três níveis estruturados:

    1. Segmentação e Extração de Informação
      • Identificação das percentagens apresentadas e verificação da sua completude.
      • Análise da manchete e do lead para detectar formulações enviesadas.
      • Verificação da presença e clareza da ficha técnica da sondagem.
    2. Comparação com os Padrões de Rigor Informativo
      • Análise de omissões relevantes e apresentação de dados.
      • Identificação de linguagem potencialmente influenciadora da percepção do leitor.
      • Comparação entre as três notícias para detectar diferenças qualitativas.
    3. Atribuição de Pontuações
      • Aplicação da escala de 0 a 20 pontos a cada critério, ponderando os resultados de acordo com a sua relevância.

    3. Avaliação das Notícias

    3. Avaliação da Notícia

    A seguir apresenta-se o quadro consolidado com as avaliações de cada critério para cada notícia:

    A análise dos resultados evidencia que a notícia analisada falha em critérios fundamentais de rigor jornalístico, com nota negativa nos domínios da precisão dos dados, da transparência e acesso à informaçºao, na qualidade da análise e contextualização e ainda no rigor metodológico e credibilidade..

    A notícia “Sondagem presidenciais” obteve a pior avaliação global (7,85/20), com resultados particularmente críticos nos critérios de precisão (5/20) e transparência (4/20). A peça não apresenta a totalidade dos votos, omite valores essenciais como brancos e nulos e utiliza uma manchete que pode induzir uma percepção enganadora sobre a posição de Gouveia e Melo. A falta de contextualização dos números e a ausência de qualquer explicação sobre a margem de erro agravam ainda mais a falta de rigor informativo.

    A notícia “Mendes à direita” teve a melhor nota (13,2/20), mas ainda assim insuficiente para ser considerada uma peça jornalística de qualidade. Embora tenha atingido o mínimo aceitável no critério de imparcialidade (15/20), continua a falhar nos critérios essenciais de precisão (12/20) e transparência (10/20), comprometendo a integridade da informação veiculada. O artigo não apresenta a relação entre a percepção ideológica e as intenções de voto, omitindo dados essenciais para uma análise completa.


    4. Justificação das Avaliações

    A seguir apresenta-se a justificação detalhada para cada critério de avaliação aplicado a cada uma das três notícias.


    4.1 Precisão dos Dados Apresentados (35%)

    Avaliação – 6/20

    A notícia apresenta percentagens das intenções de voto, mas a base da sondagem é nacional, o que não reflecte o universo relevante (eleitores de Lisboa e Porto). Sem saber quantos inquiridos pertencem a cada concelho, não é possível calcular a margem de erro específica para cada cidade, o que compromete gravemente a validade dos resultados apresentados. A ausência de dados desagregados impede a compreensão real da vantagem de Carlos Moedas e Manuel Pizarro nos respectivos concelhos.


    4.2 Transparência e Acesso à Informação Completa (30%)

    Avaliação – 6/20

    A Embora a ficha técnica mencione a amostra total e a margem de erro geral (+/- 3,9%), não informa a distribuição dos inquiridos por concelho. Dada a natureza local das eleições autárquicas, esta omissão é extremamente grave, pois torna impossível avaliar a representatividade dos dados. Além disso, não há explicação detalhada sobre a ponderação dos resultados.

    4.3 Imparcialidade e Isenção (15%)

    Avaliação – 10/20

    A notícia utiliza uma linguagem relativamente neutra, mas a manchete e os gráficos destacam os candidatos Carlos Moedas e Manuel Pizarro sem abordar adequadamente as limitações metodológicas da sondagem. A ausência de referências às fragilidades da amostra e das margens de erro específicas sugere um enviesamento implícito.

    4.4 Qualidade da Análise e Contextualização (10%)

    Avaliação – 7/20

    Apesar de mencionar temas relevantes como segurança e imigração, a análise não explora cenários alternativos ou impactos das margens de erro específicas para cada concelho. A ausência de qualquer contextualização histórica das intenções de voto ou comparação com sondagens anteriores enfraquece ainda mais a análise.

    4.5 Linguagem e Clareza (5%)

    Avaliação – 16/20

    A linguagem da notícia é clara e acessível, com gráficos que ajudam a sintetizar os resultados. Contudo, a falta de explicações metodológicas adequadas e a simplificação excessiva comprometem a compreensão do público sobre as limitações da sondagem.


    4.6 Rigor Metodológico e Credibilidade (5%)

    A ausência de dados desagregados por concelho e a falta de uma explicação clara sobre como a amostra nacional foi ajustada para refletir os universos eleitorais de Lisboa e Porto comprometem a credibilidade da sondagem. Este rigor metodológico insuficiente impacta directamente a validade da notícia.



    5. Conclusão detalhada

    A análise da notícia do Correio da Manhã sobre a sondagem autárquica para Lisboa e Porto, conduzida pela Intercampus, revelou falhas estruturais graves que comprometem a validade e o rigor informativo da peça. As principais fragilidades detectadas enquadram-se em três domínios fundamentais: precisão dos dados, transparência na apresentação da metodologia e impacto da falta de desagregação da amostra no resultado da sondagem.

    O problema da precisão dos dados

    A notícia apresenta percentagens de intenções de voto para Carlos Moedas e Alexandra Leitão, em Lisboa, e para Manuel Pizarro e Pedro Duarte, no Porto, sem clarificar a representatividade estatística desses números. Como a sondagem é baseada numa amostra nacional e não numa amostra específica de eleitores de Lisboa e Porto, os valores apresentados são profundamente enganadores para o leitor, pois transmitem uma falsa noção de competitividade entre os candidatos.

    Em termos estatísticos, para que uma sondagem autárquica seja precisa, seria necessário garantir um número adequado de inquiridos exclusivamente residentes em Lisboa e no Porto, garantindo que a margem de erro fosse controlada para cada concelho. Como a ficha técnica da sondagem não apresenta essa desagregação, a margem de erro real pode ser muito superior à margem de erro global de +/- 3,9% indicada na notícia.

    Por exemplo, se no universo de 638 inquiridos da sondagem apenas 80 a 100 forem de Lisboa e 60 a 80 do Porto (números meramente indicativos, mas realistas, porque a sondagem ainda não se econtra disponível), a margem de erro para cada cidade poderia facilmente ultrapassar os 10% ou 12%, tornando os resultados estatisticamente irrelevantes para prever cenários eleitorais nestes concelhos. Esta falha é crítica e deveria ter sido explicitada no artigo.

    Conclusão: A notícia omite o problema da representatividade da amostra e não esclarece que a sondagem não é fiável para prever o comportamento eleitoral nos dois municípios.

    Transparência e Omissões na Apresentação da Metodologia

    A ficha técnica da sondagem, incluída na notícia, é insuficiente para garantir a transparência necessária para uma interpretação rigorosa dos resultados. Os problemas principais incluem:
    • Não há qualquer referência ao número de inquiridos por concelho, impedindo que se avalie a validade dos dados apresentados.
    • A margem de erro global (+/- 3,9%) não se aplica a Lisboa nem ao Porto, já que essa margem só seria válida para a totalidade da amostra nacional.
    • A forma de ponderação da amostra não é explicada, o que pode distorcer a comparação entre candidatos.

    O princípio básico de qualquer sondagem é que os leitores possam compreender o quão fiáveis são os dados apresentados. Como estas informações são omitidas, o artigo induz o público em erro ao sugerir que Moedas e Pizarro lideram as corridas autárquicas com base numa amostra que não representa eleitoralmente esses municípios.

    Conclusão: A falta de desagregação e a omissão da margem de erro para cada concelho comprometem a transparência da notícia, tornando os resultados praticamente inutilizáveis como previsão eleitoral.

    O Impacto da Interpretação Jornalística e a Construção da Narrativa

    O modo como os dados são apresentados na notícia reforça percepções políticas específicas, sem que existam bases metodológicas sólidas para tal. O artigo dá como certo que Moedas e Pizarro estão à frente nas intenções de voto, sem mencionar que os dados não permitem essa conclusão.

    Além disso, a escolha de frases como “Moedas ganha a Alexandra” e “Pizarro bate Pedro Duarte” induz o leitor a acreditar que há uma vantagem estatística clara, quando, na realidade, os dados apresentados podem estar dentro de uma margem de erro muito elevada, o que inviabiliza qualquer certeza sobre liderança.

    O artigo ainda explora a narrativa temática das campanhas, destacando temas como segurança e imigração, o que pode reforçar um enquadramento favorável para determinados candidatos. Contudo, a relação entre esses temas e as intenções de voto não é demonstrada com dados concretos, tornando-se apenas um exercício de especulação editorial.

    ➡ Conclusão: A narrativa da notícia é construída de forma a sugerir certezas eleitorais que os dados não permitem sustentar, o que representa uma falha grave do ponto de vista jornalístico.

    Considerações Finais

    A análise global da notícia revela um conjunto de problemas que a tornam estatisticamente inválida e editorialmente enviesada. As falhas metodológicas são particularmente graves, pois transmitem ao leitor informações que não podem ser sustentadas pela sondagem realizada. As principais conclusões são:

    Omissão de dados fundamentais: A falta de desagregação por concelho e a não divulgação da margem de erro específica para Lisboa e Porto tornam a sondagem estatisticamente inútil para prever eleições autárquicas.

    Apresentação enganadora dos resultados: A forma como os dados são relatados sugere que existem líderes claros na corrida eleitoral, quando, na realidade, as intenções de voto podem estar dentro da margem de erro ou sequer serem representativas da realidade local.

    Narrativa editorial sem suporte estatístico: A tentativa de associar determinados candidatos a temas específicos, como segurança ou imigração, não é sustentada por dados concretos, reforçando um enquadramento tendencioso.

    🔴 Conclusão Final: A notícia do Correio da Manhã sobre a sondagem autárquica não cumpre os requisitos mínimos de rigor estatístico e jornalístico. Deveria, no mínimo, alertar para as limitações da sondagem e fornecer transparência sobre os riscos de extrapolação de dados de uma amostra nacional para eleições locais. Sem estas correções, o artigo induz os leitores em erro e compromete a fiabilidade da informação.

  • Notícias do Expresso sobre sondagens das Presidenciais com notas medíocres

    Notícias do Expresso sobre sondagens das Presidenciais com notas medíocres

    Relatório de avaliação do conjunto de notícias sobre a Sondagem Presidencial – Expresso (30 de Janeiro de 2025)


    1. Introdução

    Este relatório apresenta uma avaliação conjunta das três notícias publicadas pelo jornal Expresso no dia 30 de Janeiro de 2025, relativas à sondagem presidencial conduzida pelo ICS/ISCTE para o Expresso e a SIC. As peças analisadas são:

    1. Sondagem presidenciais: Gouveia e Melo destacado, Ventura pode ir à segunda volta.
    2. Mendes é considerado mais ‘à direita’ do que almirante.
    3. PS só tem lugar para um: Vitorino e Seguro seguem empatados, Centeno faria melhor.

    Estas três notícias fazem parte de uma única análise noticiosa sobre a sondagem, abordando diferentes aspectos do estudo. Assim, a avaliação conjunta permite identificar tendências, padrões e eventuais discrepâncias qualitativas entre os artigos.

    A avaliação foi conduzida com base na metodologia Rigor Jornalístico sobre Sondagens (RJS), previamente definida em articulação com o jornal PÁGINA UM e ajustada para dar maior peso à precisão dos dados (35%) e à transparência na apresentação da informação (30%). A análise de conteúdo e a quantificação dos critérios foram da exclusiva responsabilidade do ChatGPT. A avaliação foi realizada com exigência rigorosa, considerando os princípios do jornalismo transparente e informativo numa sociedade democrática.


    2. Metodologia de Avaliação

    A avaliação segue a estrutura RJS (Rigor Jornalístico sobre Sondagens) e abrange seis critérios essenciais, aplicados a cada uma das três notícias.

    A nota final de cada notícia resulta da aplicação destas ponderações às notas atribuídas a cada critério.


    2.1. Processo de Avaliação da Inteligência Artificial

    A avaliação das notícias foi realizada utilizando técnicas avançadas de processamento de linguagem natural (PLN) e avaliação contextual.

    O Processamento de Linguagem Natural (PLN) refere-se a um conjunto de técnicas que permitem a um modelo de inteligência artificial compreender, interpretar e analisar textos escritos de forma semelhante a um leitor humano. O PLN envolve análise sintáctica, semântica e pragmática, permitindo identificar factos, opiniões, dados estatísticos e omissões. No contexto desta avaliação, o modelo extrai e processa automaticamente as informações presentes na notícia, identificando padrões e verificando a completude dos dados.

    A avaliação contextual complementa o PLN ao interpretar o significado e a relevância das informações no contexto específico da cobertura noticiosa. Esta abordagem analisa a estrutura argumentativa do texto, a escolha de palavras e a ênfase dada a determinados aspectos da notícia, permitindo detectar enviesamentos subtis ou omissões estratégicas. O modelo compara o conteúdo da peça com boas práticas jornalísticas e identifica se a apresentação dos dados pode influenciar indevidamente a percepção pública sobre os resultados da sondagem.


    2.2. Etapas do Processo de Avaliação

    A avaliação das notícias seguiu três níveis estruturados:

    1. Segmentação e Extração de Informação
      • Identificação das percentagens apresentadas e verificação da sua completude.
      • Análise da manchete e do lead para detectar formulações enviesadas.
      • Verificação da presença e clareza da ficha técnica da sondagem.
    2. Comparação com os Padrões de Rigor Informativo
      • Análise de omissões relevantes e apresentação de dados.
      • Identificação de linguagem potencialmente influenciadora da percepção do leitor.
      • Comparação entre as três notícias para detectar diferenças qualitativas.
    3. Atribuição de Pontuações
      • Aplicação da escala de 0 a 20 pontos a cada critério, ponderando os resultados de acordo com a sua relevância.

    3. Avaliação das Notícias

    3. Avaliação das Notícias

    A seguir apresenta-se o quadro consolidado com as avaliações de cada critério para cada notícia:

    A análise dos resultados evidencia que todas as notícias analisadas falham em critérios fundamentais de rigor jornalístico, com nenhuma das três peças a alcançar uma avaliação satisfatória nos domínios da precisão e da transparência.

    A notícia “Sondagem presidenciais” obteve a pior avaliação global (7,85/20), com resultados particularmente críticos nos critérios de precisão (5/20) e transparência (4/20). A peça não apresenta a totalidade dos votos, omite valores essenciais como brancos e nulos e utiliza uma manchete que pode induzir uma percepção enganadora sobre a posição de Gouveia e Melo. A falta de contextualização dos números e a ausência de qualquer explicação sobre a margem de erro agravam ainda mais a falta de rigor informativo.

    A notícia “Mendes à direita” teve a melhor nota (13,2/20), mas ainda assim insuficiente para ser considerada uma peça jornalística de qualidade. Embora tenha atingido o mínimo aceitável no critério de imparcialidade (15/20), continua a falhar nos critérios essenciais de precisão (12/20) e transparência (10/20), comprometendo a integridade da informação veiculada. O artigo não apresenta a relação entre a percepção ideológica e as intenções de voto, omitindo dados essenciais para uma análise completa.

    A notícia “PS só tem lugar para um” obteve um resultado intermédio (11,6/20), demonstrando fragilidades tanto na precisão (10/20) quanto na transparência (8/20). A peça explora a divisão no PS, mas sem fornecer uma visão completa do impacto eleitoral desse factor. A ausência de um quadro comparativo e a omissão de cenários de segunda volta tornam a análise incompleta e pouco rigorosa.

    O critério de qualidade da análise e contextualização apresentou notas insuficientes em todas as peças (abaixo de 15/20), o que reforça a fragilidade interpretativa das notícias. Nenhuma das análises explorou de forma rigorosa os impactos dos cenários eleitorais alternativos, nem relacionou as tendências de intenção de voto com a evolução histórica do eleitorado.

    A linguagem e clareza obtiveram 18/20, demonstrando que a apresentação dos textos é acessível. Contudo, uma escrita clara não significa rigor informativo. O problema reside na seleção e estruturação das informações, que distorcem a percepção eleitoral ao omitir elementos fundamentais.

    O rigor metodológico e credibilidade recebeu 16/20, um valor relativamente elevado, mas ainda assim insuficiente para um padrão de excelência. A apresentação da ficha técnica da sondagem poderia ser mais clara e acessível, incluindo detalhes sobre a distribuição da amostra e ponderação dos resultados.


    4. Justificação das Avaliações

    A seguir apresenta-se a justificação detalhada para cada critério de avaliação aplicado a cada uma das três notícias.


    4.1 Precisão dos Dados Apresentados (35%)

    “Sondagem presidenciais” – 5/20

    A notícia apresenta dados incompletos e omite elementos fundamentais para a interpretação da sondagem. A ausência da distribuição total dos votos impede que o leitor compreenda a real dimensão dos indecisos, dos brancos e nulos e dos candidatos com menos expressão. Além disso, a manchete usa o termo “destacado” para descrever Gouveia e Melo, o que pode levar a uma percepção exagerada da sua vantagem eleitoral, quando, na realidade, tem apenas 25% dos votos num cenário altamente fragmentado. A falta de qualquer análise sobre a margem de erro e variações possíveis dos resultados torna a peça extremamente deficiente em precisão.

    “Mendes à direita” – 12/20

    Embora esta peça não apresente uma análise directa das intenções de voto, os dados que fornece sobre a percepção ideológica dos candidatos são apresentados de forma relativamente correcta. No entanto, falta-lhe uma relação entre essa percepção e a intenção de voto, o que compromete a interpretação dos números. O leitor não consegue inferir se a percepção de um candidato como “mais à direita” ou “mais ao centro” afecta a sua elegibilidade e competitividade eleitoral. A ausência de comparação com outras sondagens também limita a precisão dos dados ao não oferecer um quadro evolutivo das tendências eleitorais.

    “PS só tem lugar para um” – 10/20

    A notícia fornece percentagens sobre a disputa interna do PS, mas não contextualiza como essas percentagens se integram no panorama geral da corrida presidencial. O texto refere que Centeno teria melhor desempenho do que Vitorino e Seguro, mas não explica a base comparativa desse cenário, nem especifica como a amostra foi segmentada. Além disso, não são apresentados dados sobre a margem de erro, o que impede que o leitor compreenda se a diferença entre os candidatos socialistas é estatisticamente significativa ou apenas uma variação normal dentro da margem de erro.


    4.2 Transparência e Acesso à Informação Completa (30%)

    “Sondagem presidenciais” – 4/20

    A notícia omite a distribuição completa dos votos, dificultando a compreensão do peso real de cada candidato. Não há qualquer menção aos votos brancos, nulos e aos inquiridos que se declararam indecisos, o que impede uma leitura correcta da sondagem. Além disso, a ficha técnica da sondagem não é apresentada de forma clara e acessível ao leitor, e a ausência de referências detalhadas à metodologia usada no estudo compromete ainda mais a transparência da peça.

    “Mendes à direita” – 10/20

    A transparência desta peça é ligeiramente melhor, mas ainda deficitária. A notícia expõe algumas informações úteis sobre a percepção ideológica dos candidatos, mas não fornece um quadro claro sobre a distribuição total das respostas. Além disso, não há qualquer referência à margem de erro, à metodologia da recolha de dados ou à amostra utilizada para essa avaliação da percepção ideológica, o que prejudica a sua credibilidade.

    “PS só tem lugar para um” – 8/20

    A transparência desta notícia é insuficiente, embora um pouco superior à da peça sobre Gouveia e Melo. A peça fornece alguns números relevantes, mas não detalha a amostra utilizada para avaliar o impacto de cada candidato socialista nas eleições. A ausência de dados sobre o número total de inquiridos e a margem de erro torna a leitura dos números parcial e incompleta.


    4.3 Imparcialidade e Isenção (15%)

    “Sondagem presidenciais” – 10/20

    Embora a notícia não contenha ataques directos a qualquer candidato, a forma como apresenta os dados reforça uma percepção enviesada da corrida presidencial. A manchete e o lead enfatizam a “liderança” de Gouveia e Melo de maneira desproporcionada, sem destacar que 25% das intenções de voto num cenário de grande dispersão não significa uma vantagem decisiva. A falta de referências a outros candidatos menos expressivos também contribui para um enquadramento desequilibrado da informação.

    “Mendes à direita” – 15/20

    A notícia apresenta um enquadramento mais neutro, relatando apenas a percepção ideológica dos candidatos sem sugerir favoritismos. No entanto, a peça não faz qualquer esforço para contextualizar o impacto da percepção ideológica nas intenções de voto, o que pode limitar a compreensão do leitor sobre a relevância desses dados no cenário eleitoral.

    “PS só tem lugar para um” – 12/20

    A peça acentua a divisão interna do PS e pode sugerir uma crise no partido, ainda que não contenha ataques directos aos candidatos mencionados. A forma como apresenta Centeno como uma alternativa eleitoralmente mais viável pode influenciar a percepção do leitor, principalmente porque não são fornecidos dados suficientes para fundamentar essa conclusão.


    4.4 Qualidade da Análise e Contextualização (10%)

    “Sondagem presidenciais” – 12/20

    A análise centra-se exclusivamente na possibilidade de Ventura chegar à segunda volta, mas não explora outras hipóteses ou cenários alternativos, como o impacto de um crescimento de outro candidato de direita. A ausência de um enquadramento histórico ou de comparações com sondagens anteriores reduz a profundidade da análise.

    “Mendes à direita” – 14/20

    A peça apresenta um contexto interessante sobre a percepção ideológica dos candidatos, permitindo uma leitura mais aprofundada sobre o espectro político da eleição. No entanto, a análise não estabelece qualquer ligação entre essa percepção e as intenções de voto, o que a torna menos útil para o entendimento do impacto eleitoral dessa dinâmica.

    “PS só tem lugar para um” – 13/20

    A análise sobre a disputa interna do PS é relevante, mas falta-lhe uma exploração mais profunda das consequências desse cenário no contexto eleitoral mais amplo. O artigo não avalia cenários de segunda volta ou a redistribuição de votos caso o PS apresente um candidato diferente.


    4.5 Linguagem e Clareza (5%)

    Todas as três notícias obtiveram 18/20 neste critério, indicando que a linguagem utilizada é clara, directa e acessível ao público. No entanto, uma escrita clara não significa rigor informativo. A escolha de termos nas manchetes, sobretudo na peça sobre Gouveia e Melo, tem impacto na percepção pública e pode distorcer a interpretação dos leitores sobre a corrida eleitoral.


    4.6 Rigor Metodológico e Credibilidade (5%)

    As três notícias receberam 16/20 neste critério. Embora a ficha técnica da sondagem seja referida, falta uma explicitação detalhada sobre a metodologia utilizada, incluindo a ponderação dos votos e a forma como foram tratados os indecisos. A inclusão desses elementos teria aumentado a credibilidade da informação apresentada.



    5. Conclusão detalhada

    A avaliação detalhada das três notícias do Expresso sobre a sondagem presidencial de 30 de Janeiro de 2025 revela falhas estruturais graves na apresentação e interpretação dos dados eleitorais, comprometendo a sua transparência e o rigor informativo esperado num jornalismo de qualidade. Nenhuma das peças analisadas atingiu um nível aceitável nos critérios essenciais de precisão dos dados e transparência na exposição das intenções de voto, e todas apresentaram deficiências na imparcialidade e na contextualização das informações.

    A principal crítica global é a omissão da distribuição total dos votos, um elemento fundamental para uma análise rigorosa da sondagem. Sem essa informação, os leitores não conseguem interpretar correctamente a posição relativa de cada candidato, nem compreender o impacto real dos indecisos, dos votos brancos e nulos e das oscilações entre os diferentes cenários eleitorais. Esta ausência de dados configura uma grave falha jornalística, pois limita o acesso do público a uma leitura completa e isenta dos resultados da sondagem.

    As notas finais atribuídas a cada notícia demonstram que todas apresentam problemas sérios na forma como estruturam a informação e comunicam os resultados eleitorais:

    Com base nestes resultados, destaca-se que:

    • A notícia “Sondagem presidenciais” obteve a avaliação mais baixa (7,85/20), com falhas graves nos critérios de precisão (5/20) e transparência (4/20). A omissão de informações essenciais sobre a distribuição total dos votos e a construção de uma narrativa que enfatiza a “liderança” de Gouveia e Melo sem o devido enquadramento quantitativo configuram erros inaceitáveis para uma cobertura informativa deste tipo.
    • A notícia “Mendes à direita” teve a melhor avaliação (13,2/20), mas não atinge um patamar aceitável de rigor jornalístico. Embora seja menos enviesada na sua estrutura, a falta de uma relação entre a percepção ideológica e as intenções de voto compromete a sua utilidade informativa. A ausência de contextualização histórica e de cenários alternativos impede que a peça seja considerada um exemplo de jornalismo rigoroso.
    • A notícia “PS só tem lugar para um” ficou com uma nota intermédia (11,6/20), sendo penalizada por falhas na transparência (8/20) e na precisão dos dados (10/20). A peça apresenta números relativos à disputa interna do PS, mas não explica o impacto dessa divisão no contexto eleitoral geral, nem fornece elementos que permitam uma interpretação objectiva dos dados.

    Em termos de linguagem e clareza, todas as notícias obtiveram avaliações elevadas (18/20), o que demonstra que os textos são acessíveis ao público. No entanto, uma escrita clara não é sinónimo de rigor informativo, e a forma como a informação é estruturada e selecionada pode influenciar percepções eleitorais de maneira subtil, mas relevante.

    O rigor metodológico e credibilidade das peças foi insuficiente (16/20 em todas as notícias), pois a ficha técnica da sondagem não foi devidamente destacada nem explicada em profundidade. A ausência de informações sobre a ponderação dos dados e sobre a forma como foram tratados os indecisos limita a credibilidade das notícias.


    5.1 Considerações Finais

    A avaliação global da cobertura do Expresso sobre a sondagem presidencial indica uma abordagem deficiente no que diz respeito à transparência e ao rigor da apresentação dos dados eleitorais. As três peças analisadas falham em apresentar um panorama completo e objectivo da corrida presidencial, deixando lacunas significativas que podem afectar a percepção dos leitores sobre a realidade eleitoral.

    A falta de um quadro comparativo completo das intenções de voto compromete a análise global da sondagem, e a escolha de manchetes e leads sem a devida sustentação quantitativa introduz um viés na percepção pública, ainda que de forma implícita.

    Se estas deficiências fossem corrigidas, as notícias poderiam atingir notas entre 16 e 18 em 20, garantindo um padrão informativo adequado ao jornalismo de qualidade e ao dever de transparência perante os leitores.

    A presente avaliação sublinha a importância do rigor na apresentação de sondagens eleitorais, um elemento central para garantir que os cidadãos tenham acesso a informação completa, fiável e imparcial.

  • Administração Biden fez mais do dobro dos repatriamentos de Trump

    Administração Biden fez mais do dobro dos repatriamentos de Trump

    A Administração Biden, cujo mandato decorreu entre 2021 e 2024, mais do que duplicou o número de repatriamentos de estrangeiros face aos anos do primeiro mandato de Donald Trump (2017-2020), embora usando um expediente especial – uma lei sanitária de 1944, o Título 42 – que fez baixar artificialmente as deportações formais. Estes dados foram recolhidos e analisados pelo PÁGINA UM nos relatórios do Serviço de Imigração e Alfândega (Immigration and Customs Enforcement) e de uma unidade de estatística do Departamento de Segurança Interna (DHS) dos Estados Unidos, com informação detalhada desde 1996 até finais de 2024.

    Apesar de a recém-formada Administração Trump ter elegido o controlo intensivo da imigração ilegal como uma das suas bandeiras – provocando já celeuma com deportações para o Brasil e a Colômbia –, certo é que, nos últimos quatro anos, os Estados Unidos até impediram um maior número de permanências face aos anos anteriores.

    Criança numa caravana de migrantes a caminho dos Estados Unidos. Foto: AFP

    Considerando todas as tipologias de repatriamento – retornos administrativos e forçados, deportações coercivas e expulsões sob regimes específicos, como o Título 42 –, foram contabilizados 777.590 processos ao longo de 2024. De entre estes, os retornos administrativos – aplicados quando um estrangeiro é intercetado na fronteira ou detetada a sua ilegalidade em inspeções regulares e sai voluntariamente do território norte-americano sem ser sujeito a um processo formal de deportação – totalizaram 92.310 casos, ou seja, 12% do total. No caso dos retornos forçados (‘enforcement returns’) – que não envolvem processo judicial completo, sendo uma forma simplificada de repatriamento –, no ano passado contabilizaram-se 355.290 casos, ou seja, 46% do total.

    Já as deportações coercivas, também denominadas formalmente como remoções (‘removals’) – que implicam um processo legal mais rigoroso, com a expulsão e outras penalidades, baseando-se em violações das leis de imigração –, atingiram os 329.990 casos, representando 42% do total.

    O total de repatriamentos a partir dos Estados Unidos no último ano civil do mandato de Joe Biden supera qualquer dos quatro anos do primeiro mandato de Donald Trump. Mas a contabilidade ainda se torna mais tenebrosa, e altera a perceção, se se contabilizar o período em que se aplicou o regime especial do Título 42, durante a pandemia. Aí, chega-se à conclusão de que, no mandato de Joe Biden, entre 2021 e 2024, foram repatriadas 4.779.640 pessoas – contra 2.001.220 pessoas no primeiro mandato de Trump (2017-2020) –, o que torna este o terceiro presidente que mais repatriou desde o mandato de Eisenhower (1953-1960).

    Expulsões sumárias durante a pandemia, ao abrigo do Título 42, fundada numa lei sanitária de 1944, permitiu ‘mascarar’ ondas de deportações da Administração Trump..Foto: AP.

    Com efeito, tendo a Administração Biden repatriado, por ano, uma média de quase 1,2 milhões de pessoas, só foi superado por Bill Clinton (1,5 milhões por ano) e George W. Bush (1,3 milhões por ano). Na lista dos últimos 13 presidentes, Donald Trump surge, porventura surpreendentemente, apenas na nona posição em termos de repatriamentos totais – e é aquele que menos repatriou nos últimos 50 anos.

    A aplicação do Título 42 foi inicialmente usada pela Administração Trump, em Março de 2020, ‘ressuscitando’ uma lei sanitária de 1944, que permitia assim ao Governo adotar restrições à entrada de pessoas ou bens no país para prevenir a disseminação de doenças transmissíveis. Transposta para desburocratizar expulsões de forma sumária, Trump usou-a bastante para controlo da imigração a partir do México, alegando que a sobrelotação em centros de detenção promoveria surtos incontroláveis. Sem acesso ao sistema tradicional de imigração, incluindo o direito de solicitar asilo – e contrariando assim o direito internacional –, no final do primeiro mandato de Trump, entre março e setembro de 2020, foram expulsas quase 207 mil pessoas, cerca de 34% dos 608 mil repatriamentos daquele ano.

    Este número anual (608.380) foi o mais elevado do primeiro mandato de Trump. Antes da pandemia, sem Título 42, os repatriamentos da primeira Administração Trump tinham atingido 387 mil em 2017, um pouco mais de 487 mil no ano seguinte e cerca de 518 mil em 2019.

    Número médio de repatriamentos por ano de cada Administração norte-americana desde 1953. Barras a azul referem-se a presidente democratas; barras a vermelho a republicanos. Fonte: DHS.

    Se parece evidente que Trump usou, em 2020, a ‘desculpa’ da pandemia para expulsar mais imigrantes sem burocracias nem pingo de humanidade, então a Administração Biden abusou nos anos seguintes. De facto, se, no primeiro ano da pandemia, Trump usou o Título 42 para expulsar uma média mensal de quase 61 mil (em 10 meses), a Administração Biden tomou-lhe o ‘gosto’. Ao longo do primeiro ano de mandato, Joe Biden tinha, na sua conta, 1.071.080 repatriamentos apenas pelo Título 42, sem incluir as restantes ‘modalidades tradicionais’.

    Por esse motivo, só contabilisticamente, as deportações (‘removals’) nos Estados Unidos desceram de 234.340, em 2020 (era Trump), para apenas 85.100, em 2021 (primeiro ano da era Biden). Assim, juntando um pouco mais de 128 mil de retornos administrativos e quase 50 mil de retornos forçados, a Administração Biden acabou, no primeiro ano de mandato, por ‘mandar embora’ um total de 1.334.200 pessoas, um crescimento de 119% face ao ano anterior, ainda sob governo federal do seu opositor republicano.

    No ano seguinte, em 2022, o democrata repetiu a dose: os repatriamentos surgiram à boleia do famigerado Título 42, com base em supostos motivos de saúde pública. Nessa ‘modalidade’, foram expulsos, sem apelo nem agravo, mais de 1,1 milhões de pessoas, uma média próxima das 100 mil por mês. Além destes, foram ainda repatriados mais 154 mil por retornos administrativos, quase 81 mil por retornos forçados e cerca de 123 mil deportações coercivas. No total, em 2022, a Administração Biden repatriou quase 1,47 milhões de pessoas, de longe o número mais elevado desde 2010.

    Distribuição dos repatriamentos entre 2010 e 2024 por tipologia. Fonte: Office of Homeland Security Statisticas / DHS.

    Por via da maior facilidade de expulsar imigrantes através do Título 42, a Administração Biden teve um efeito talvez esperado: quem era sumariamente ‘atirado’ fora da fronteira tentava de novo. O relatório de 2022do Office of Homeland Statistics salienta que as expulsões ao abrigo do Título 42 contribuíram para “encontros” repetidos das autoridades com os mesmos indivíduos. “Em 2022, 26% dos encontros de aplicação da lei pela CBP [Agência de Proteção de Fronteiras e Alfândega] envolveram pessoas anteriormente encontradas nos 12 meses anteriores, em comparação com 45% dos encontros entre março e setembro de 2020, 35% em 2021 e uma média de 15% entre 2014 e 2019.”

    Somente em Maio de 2023 o Título 42 foi descontinuado, e o sistema de imigração norte-americano retornou às regras tradicionais, que exigem processos legais mais estruturados para avaliar os pedidos de asilo, impondo penalidades severas para reentradas não autorizadas. Nesse ano, ainda foram expulsos sumariamente, por essa via, um total de 579 mil pessoas, registando-se uma descida do total dos repatriamentos para valores próximos de 1,2 milhões de pessoas. Neste ano, já se observou uma subida das deportações ‘clássicas’, com recurso a meios judiciais, que se cifraram em 117.540 pessoas, enquanto os retornos forçados aumentaram para quase 289 mil e os retornos administrativos se quedaram nos 154 mil.

    Observando as expulsões de território norte-americano ao abrigo da aplicação do Título 42, os valores impressionam em quatro anos: 2.960.910 casos, representando 64% do total dos repatriamentos. Neste período, em cada 100 expulsos por esta via, 97 foram durante o mandato de Biden. Por causa disso, as deportações tiveram apenas um peso de 13% no total dos repatriamentos, quando, no quinquénio anterior à pandemia, representavam 71% do total dos repatriamentos.

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    Joe Biden usou e abusou de uma lei sanitária de 1944 para expulsar de forma imediata, sem apelo nem agravo, mais de 2,7 milhões de pessoas de imigrantes ilegais entre 2021 e 2023. Fonte: DR.

    Por esse motivo, mostra-se enganador analisar somente a evolução dos números de deportações considerando o período, uma vez que a descida entre 2021 e 2023 é fictícia. Sem pandemia, muitos casos de expulsão sumária seguiriam a via judicial. Também é certo que a expulsão sumária promoveu, indirectamente, uma ‘inflação’ de casos, já que quem fosse mandado sair ao abrigo do Título 42 não incorria nas penalizações (por regra, pena de prisão de dois anos) caso fosse novamente apanhado ilegalmente – e daí os novos ‘reencontros’ com as autoridades fronteiriças.

    Seja como for, o padrão do imigrante ilegal nos Estados Unidos não se modificou substancialmente nos últimos anos, embora se tenha intensificado em função do crescimento generalizado dos repatriamentos entre os períodos da primeira Administração Trump (2017-2020) e da Administração Biden (2021-2024). Com efeito, somando todas as modalidades de repatriamento, México (a grande distância), Guatemala e Honduras mantêm-se no topo, representando em conjunto 69% das ‘saídas’, mas com crescimentos acentuados.

    O vizinho do sudoeste dos Estados Unidos, onde maiores tensões fronteiriças existem, registou 1.061.890 repatriamentos no quadriénio 2017-2020 e subiu para 2.363.640 no mandato de Biden. Já a Guatemala teve um crescimento de 167%, passando de 187.220 repatriamentos no primeiro mandato de Trump para 500.260 no mandato de Biden. Quanto às Honduras, a subida relativa foi de 228% entre as administrações republicana e democrata, passando de 134.630 repatriamentos para 442.040.

    Top 20 dos países de origem dos imigrantes repatriados na Administração Trump (2017-2020) e na Administração Biden (2021-2024).

    Um dos sinais do recrudescimento dos repatriamentos na Administração Biden mostra-se pelo número de países com mais de 100 mil casos em quatro anos. No período do primeiro mandato de Trump, além da tríade habitual (México, Guatemala e Honduras), só as Filipinas ultrapassaram aquela fasquia, havendo apenas mais três países (El Salvador, Canadá e China) com repatriamentos acima de 50 mil. Já durante o mandato democrata, que agora terminou, contabilizam-se sete países acima de 100 mil repatriamentos em quatro anos: a tríade México, Guatemala e Honduras, e ainda El Salvador (que passou para a quarta posição), Filipinas, Índia e Canadá. Com mais de 50 mil deportações entre 2021 e 2024 contam-se também o Equador, China, Colômbia e Venezuela.

    De destacar que esta evolução mostra, de igual modo, que a pressão sobre as fronteiras norte-americanas está a recrudescer a partir da América Latina, sendo particularmente relevantes os crescimentos relativos dos repatriamentos do Equador, Colômbia, Venezuela, Haiti e mesmo Brasil.

    Apesar destes factos mostrarem que o partido democrata no poder foi mais ‘repressivo’ sobre estrangeiros ilegais, Donald Trump tem sido visto como um impiedoso adversário da imigração desde que tomou posse para o seu segundo mandato não consecutivo na Casa Branca. O 47.º presidente norte-americano prometeu a deportação de “milhões e milhões” de imigrantes.

    E, na última semana, já estalaram várias polémicas em torno do tema das deportações. O caso do avião com 88 brasileiros deportados gerou uma onda de indignação internacional, que os media tradicionais se encarregaram de reforçar, aproveitando para culpar Trump. Os cidadãos brasileiros estavam algemados e relataram ter sido alvo de maus-tratos durante o voo, onde seguiam 16 agentes de segurança dos Estados Unidos, além da tripulação composta por oito membros. O avião, com destino a Belo Horizonte, no sudeste do Estado de Minas Gerais, aterrou em Manaus devido a problemas técnicos, segundo informações do Ministério da Justiça brasileiro, citadas pela agência de notícias Reuters.

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    Zona fronteiriça. Foto: Greg Bulla.

    O Ministério das Relações Exteriores brasileiro anunciou na rede X que pedirá explicações aos Estados Unidos sobre o que classificou como o “tratamento degradante” a que foram sujeitos os brasileiros deportados. Saliente-se, contudo, que este foi já o segundo voo de imigrantes brasileiros ilegais indocumentados que chegou ao Brasil este ano, sendo que um ocorreu durante os últimos dias do mandato de Joe Biden.

    Outra polémica surgiu com a Colômbia, que é o terceiro maior parceiro comercial dos Estados Unidos na América Latina. O presidente colombiano, Gustavo Petro, começou por anunciar que o país iria recusar a aterragem de aviões militares norte-americanos com imigrantes deportados. Mas a ameaça de Trump de impor tarifas a produtos colombianos e outras sanções, nomeadamente a suspensão de vistos, surtiu efeito. Petro voltou atrás com a sua decisão, e a Casa Branca colocou a guerra comercial e as sanções em standby.

    O plano de ‘castigo’ dos Estados Unidos previa a imposição de tarifas de 25% sobre todos os produtos colombianos e ainda a proibição de viajar e a revogação de vistos atribuídos aos funcionários do governo colombiano. Também incluía sanções financeiras e bancárias, entre outras ameaças.

    Nos media, o tom geral tem sido de crítica à postura de Trump, sobretudo pelo recurso à táctica de ‘chantagem’ para pressionar o presidente colombiano. Numa outra polémica, foi noticiado também que a ‘polícia de imigração’ (ICE) recebeu autoridade sem precedentes para agilizar deportações, numa altura em que há relatos de ‘raides’ em diferentes locais nos Estados Unidos e as tropas norte-americanas estão a ser colocadas na fronteira com o México.

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    Foto: TheDigitalArtist

    Em todo o caso, convém referir que, quando tomou posse em 2017, Trump manifestou a sua intenção de criar um muro contínuo na longa fronteira de 3.142 quilómetros com o México para controlar a imigração. Queria mesmo obrigar aquele país a pagar pela obra, fazendo ameaças de sanções, cobranças de dívidas e cortes de acordos comerciais. Também prometeu ainda expulsar todos os imigrantes ilegais e previa aumentar os custos de taxas de entrada no país e de vistos temporários.

    Na campanha que então venceu contra Hillary Clinton, Trump queria obrigar as empresas a empregar primeiro cidadãos norte-americanos, sem exceção, e ainda pretendia vedar a entrada a sírios, iraquianos e outros cidadãos de países de maioria muçulmana.

    A realidade foi menos ‘brutal’, a tal ponto que a Administração Biden até acabou por repatriar muitos mais estrangeiros do que ele no seu primeiro mandato.

  • Bloco de Esquerda de cofres recheados quando despediu mães lactantes

    Bloco de Esquerda de cofres recheados quando despediu mães lactantes

    Apesar da diminuição da subvenção pública pela perda de deputados nas eleições de 2022 ter sido a principal justificação alegada pelo Bloco de Esquerda para uma redução de pessoal – que implicou o despedimento de duas mulheres lactantes –, o partido agora liderado por Mariana Mortágua tem tido uma generosa folga financeira, mesmo se o período entre 2019 e 2022 tenha mostrado algumas fragilidades, mas longe de serem dramáticas.

    Com efeito, de acordo com a análise do PÁGINA UM às demonstrações financeiras depositadas na Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, o Bloco de Esquerda, bem antes das eleições legislativas de 2022 – que levaram à queda de 19 para apenas cinco deputados –, já andava com as contas no ‘vermelho’ por um longo período. Desde 2019, para ser mais preciso, registou um longo período de prejuízos, pouco normal na história deste partido de esquerda.

    No final de 2012, culminando com a saída de Francisco Louçã da coordenação bloquista, o partido apresentava uma situação financeira já bastante desafogada, com um capital próprio de quase 2,3 milhões de euros. Não são montantes exorbitantes – comparando com PS, PSD e mesmo PCP –, mas aquilo que mais impressionava era o excelente controlo da dívida e a elevada liquidez. Nesse ano, o passivo  era apenas de 71 mil euros, todo de curto prazo, e havia 680 mil euros em contas bancárias.

    Nos anos seguintes, apesar de variações entre exercícios melhores e menos bons, o Bloco de Esquerda atingiu em 2018 a melhor situação financeira de sempre, com fundos patrimoniais de 2,96 milhões de euros, um passivo perfeitamente controlável (171 mil euros), sem dívidas de longo prazo. Com uma subvenção pública nacional e regional de quase 1,7 milhões de euros, o Bloco de Esquerda terminou esse ano com mais de 1,5 milhões de euros em contas bancárias. Em todo o caso, embora 2018 tivesse sido ainda de lucro, verificou-se uma redução significativa: no ano anterior tinha sido de 445 mil euros, baixando para 130 mil. Uma das razões terá sido o aumento de gastos com pessoal – que subiram, entre 2017 e 2018, de 365 mil para 672 mil euros – e de fornecimentos e serviços externos, que pularam de 616 mil euros para 1,06 milhões de euros.

    A partir de 2019, as contas começam a mostrar alguns sinais de degradação. Embora o Bloco de Esquerda tenha mantido, nas legislativas desse ano, os 19 deputados que alcançara em 2015, os custos com as campanhas eleitorais, que incluiu também as europeias, atiraram as contas para o ‘vermelho’. Deste modo, em 2019, o Bloco de Esquerda teve um prejuízo de quase 378 mil euros. Em todo o caso, a liquidez manteve-se elevada: quase 1,1 milhões de euros em depósitos bancários.

    A situação financeira do partido não melhorou, pelo contrário no triénio da pandemia (2020-2022), período em que o Bloco de Esquerda praticamente não fez oposição ao Governo socialista, acabando com uma ‘derrocada’ na representação parlamentar nas eleições de 2022, recuando para cinco deputados. Com inéditos custos de pessoal em 2020 da ordem dos 850 mil euros, o Bloco de Esquerda teve então o segundo ano consecutivo de prejuízos (-143 mil euros). E não parou por aí. Os gastos com pessoal reduziram-se em 2021 e 2022 (584 mil e 630 mil euros, respectivamente), mas a redução da subvenção pública neste último ano agravou as contas. Em 2021 o prejuízo foi de 58 mil euros e em 2022 foi de quase 303 mil euros.

    Embora os prejuízos acumulados nesse quadriénio (2019-2022), rondando 882 mil euros, tenham ‘limpado’ parte dos fundos patrimoniais, o Bloco de Esquerda estava, até em comparação com os restantes partidos políticos, em situação de desafogo financeiro quando procedeu aos despedimentos das suas funcionárias lactantes.

    Com efeito, o ano de 2022 terminou com fundos patrimoniais de 2,2 milhões de euros, um passivo de apenas 103 mil euros e com as contas bancárias a contabilizarem 792 mil euros. Ou seja, o Bloco de Esquerda não estava numa situação aflitiva que justificasse um despedimento de mulheres em situação delicada, sobretudo se se considerar ser essa uma das ‘bandeiras’ do partido. Em todo o caso, na análise das contas de 2023, as últimas apresentadas, nota-se que o ‘sacrifício das lactantes’ contribuiu para o bem económico do partido: as contas regressaram ao ‘verde’ (+ 35 mil euros).

    Nota-se, aliás, que Mariana Mortágua impôs uma austeridade draconiana, tendo apenas gastos de pessoal de 456 mil euros, menos 44% do que no ano anterior. Porém, o dinheiro em contas bancária teve uma ligeira redução, para os 717 mil euros, mas com o passivo total a recuar para apenas 79 mil euros.

    Se se excluir o Livre – por ter fundos patrimoniais ainda muito reduzidos (172 mil euros em 2023, não tendo praticamente passivo) – e o Chega – que em 2023 ainda tinha fundos patrimoniais de apenas 217 mil euros –, o Bloco de Esquerda é o partido que apresenta melhor situação económica relativa, com um rácio de autonomia financeira de 96%, bem à frente do PSD (86%) e do PCP e PAN, ambos com 85%. O PS apresenta um rácio de apenas 8%, mesmo assim uma melhoria face ao ano anterior, quando estava em falência técnica. Pior ainda só o CDS, que em 2023 estava com capitais próprios negativos de 302 mil euros, e encontra-se em falência técnica desde 2016, pelo que não tem qualquer autonomia financeira.