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  • Lei das subvenções: Marcelo vê “zona cinzenta”, mas entidade que fiscaliza contas partidárias diz ser “clara”

    Lei das subvenções: Marcelo vê “zona cinzenta”, mas entidade que fiscaliza contas partidárias diz ser “clara”

    A entidade responsável pela fiscalização e monitorização das contas dos partidos políticos defendeu, em respostas enviadas ao PÁGINA UM, que não fez nem vai fazer nenhuma recomendação sobre o uso de subvenções atribuídas aos grupos parlamentares porque considera que a lei é clara. A posição contraria a declaração do Presidente da República, que já foi presidente do Partido Social Democrata, sobre a existência de uma “zona cinzenta” na lei. A Entidade das Contas e Financiamentos Públicos, que opera no âmbito do Tribunal Constitucional e viu uma alteração legislativa em 2018 retirar-se alguns poderes de fiscalização, remete para a lei que estabelece que as subvenções atribuídas aos grupos parlamentares podem abranger tanto as despesas para representação política como de actividade partidária.


    A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), que fiscaliza as contas dos partidos e das campanhas eleitorais, defende que nunca fez uma recomendação aos partidos sobre o uso das subvenções atribuídas aos grupos parlamentares e deputados porque considera que a lei é clara, não existindo incompatibilidades no uso daquelas verbas para despesas dos seus funcionários ou assessores em actividades de âmbito partidário ou político.

    Em respostas enviadas ao PÁGINA UM, aquela entidade independente, que opera junto do Tribunal Constitucional, declarou que, nunca fez uma recomendação aos partidos sobre a questão da aplicação das verbas por entender que a clareza da lei não o justifica.

    Esta posição contraria as declarações do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, no sentido de que existe uma “zona cinzenta” na legislação e que a lei precisa de ser clarificada.

    white Canon cash register

    A ECFP chegou a ter poderes para “definir, através de regulamento, as regras necessárias à normalização de procedimentos no que se refere à apresentação de despesas pelos partidos políticos e campanhas eleitorais”, mas estas competências foram-lhe retiradas em 2018, com a revogação do artigo 10.º da Lei de organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

    O tema das subvenções, ou apoios estatais, dos grupos parlamentares tem estado debaixo de polémica devido às buscas mediáticas realizadas pelo Ministério Público à casa do ex-presidente do PSD, Rui Rio, e outras figuras do partido, bem como à sede do partido. A polémica operação terá partido de uma denúncia anónima e a investigação centra-se em suspeitas de que alegadamente o PSD pagou salários de funcionários do partido com verbas públicas (subvenções) atribuídas ao grupo parlamentar.

    A operação policial recebeu fortes críticas pela sua mediatização e envolvimento da imprensa na divulgação das ações de busca.

    O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou, citado pela imprensa, que existe uma zona cinzenta na lei, no que toca às subvenções, que é preciso clarificar.

    Maria de Fátima Mata-Mouros, presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos

    Mas, para a ECFP, que é liderada pela magistrada Maria de Fátima Mata-Mouros, a lei relativa ao “Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais” não deixa margem para dúvidas: os funcionários e assessores que trabalhem em grupos parlamentares podem usar as verbas públicas de apoio aos grupos parlamentares para cobrir despesas de foro político ou partidário.

    O PÁGINA UM questionou a ECFP sobre se alguma vez fez algum alerta ou recomendação aos partidos no sentido de não utilizarem fundos dos grupos parlamentares para o pagamento de despesas e salários nos partidos.

    Na sua resposta, aquela entidade começa por esclarecer que “a ECFP pode emitir recomendações genéricas” nos termos previstos na lei, “com o objetivo de clarificar ou recomendar alguma prática que a lei, por si só, não esclareça”.

    Ou seja, para a ECFP a lei é clara, pelo que “não foi emitida qualquer recomendação concernente à matéria regulada naquele preceito legal”.

    Para a ECFP, “a questão colocada encontra resposta no n.º 4 do artigo 5.º do Lei 19/2003 de 20 de junho, na sua atual redação”, referente ao “Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais”. O artigo 5.º diz respeito à “Subvenção pública para financiamento dos partidos políticos”.

    Rui Rio, ex-presidente do PSD

    No número 4.º deste artigo pode ler-se: “A cada grupo parlamentar, ao deputado único representante de um partido e ao deputado não inscrito em grupo parlamentar da Assembleia da República é atribuída, anualmente, uma subvenção para encargos de assessoria aos deputados, para a atividade política e partidária em que participem e para outras despesas de funcionamento, correspondente a quatro vezes o IAS [Indexante dos Apoios Sociais] anual, mais metade do valor do mesmo, por deputado, a ser paga mensalmente, nos termos do n.º 6”.

    Ao que o PÁGINA UM observou, da análise aprofundada que fez às contas dos grupos parlamentares e dos partidos, dos últimos cinco anos, curiosamente o grupo parlamentar social-democrata até é um dos dois únicos partidos que registam verbas para despesas com pessoal do seu grupo parlamentar. O outro partido é o Bloco de Esquerda.

    Os restantes grupos parlamentares, incluindo o do PS, não registam nenhuma despesa com pessoal mas contabilizam verbas avultadas referentes a pagamentos de “fornecimentos e serviços externos”. No caso do grupo parlamentar do PS, regista o “desvio” de 1,4 milhões de euros para pagamentos de “fornecimentos e serviços externos”, entre 2018 e 2022.

    A ECFP foi criada em Janeiro de 2005 sobretudo para apoiar tecnicamente o Tribunal Constitucional na fiscalização das contas anuais dos partidos políticos e das contas das campanhas eleitorais.

    Em 2018, aquela entidade passou a poder proferir decisões finais sobre as contas dos partidos e das campanhas, bem como a aplicação de coimas e decisões dos processos de contraordenação. Cabe ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso, as decisões da ECFP em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos, nelas incluindo as dos grupos parlamentares.

  • “Extrême gauche” = “extrema-direita”? Um puxão de orelhas à RTP 3 (que não pediu desculpa)

    “Extrême gauche” = “extrema-direita”? Um puxão de orelhas à RTP 3 (que não pediu desculpa)

    O regulador dos media recebeu 120 queixas de telespectadores por a RTP3 ter emitido no noticiário “3 às 19”, de 25 de Março deste ano, declarações do ministro do Interior francês com legendas erradas, em que traduziu “extrême gauche” por “extrema direita” e “utra gauche” por “ultradireita”. Apesar de o canal ter corrigido as legendas, o regulador condena que o facto de que a pivot não ter corrigido de imediato a óbvia tradução errada que induziu os telespectadores em erro e também o facto de o erro ter sido mantido na emissão da RTP3 e na plataforma online RTP Play. Além disso, a ERC critica a RTP3 por nunca ter pedido desculpas aos telespectadores pelo erro. Apesar de algumas das queixas acusarem a RTP3 de fazer a tradução errada de propósito, a ERC diz não ter provas de que o objectivo fosse induzir em erro a opinião pública para culpar a extrema direita de violência que afinal foi levada a cabo por grupos de extrema esquerda.


    O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) condenou a actuação da RTP3 por ter emitido uma notícia em que traduziu erradamente declarações do ministro do Interior francês, sem que tenha depois feito a devida correcção adequadamente nem admitido o erro, pedindo desculpas aos seus telespectadores.

    Numa deliberação de 27 de Junho, publicada no seu site, o regulador dos media também ordenou a RTP a corrigir a notícia que mantém a tradução errada na plataforma RTP Play. No entanto, o PÁGINA UM confirmou que a ligação original do programa de informação foi desactivada entretanto, apagando assim o erro.

    Em causa está uma notícia emitida no noticiário “3 às 19” na RTP3, no dia 25 de Março, com declarações do ministro do Interior francês sobre protestos nacionais contra o decreto presidencial que alterou a idade de reforma dos 62 para os 64 anos de idade. Na notícia, o ministro do Interior, Gerald Darmanin, condena os protestos e a violência, que causaram feridos, e nas suas declarações no original em francês, aponta responsabilidades a manifestantes da “extrême gauche“, por duas vezes, e “ultra gauche“. Nas legendas, a RTP3 traduziu as declarações por “extrema direita” e ultradireita”.

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    Nas legendas podia ler-se, recorda a ERC: “(…) milhares de pessoas deslocaram-se ao local, mais de 1 milhar das quais extremamente radicalizadas, extremamente violentas; entre as quais do movimento Black Bloc, membros da extrema-direita, da ultradireita, que atacam fisicamente os polícias”.

    Lia-se ainda: “E hoje, perante as imagens de extrema violência que sofrem os agentes policiais da república, quero, evidentemente, transmitir-lhes o meu apoio total e absoluto, dizer-lhes que estamos do seu lado e que esta demonstração de violência é absolutamente indesculpável, organizada claramente, como disse, por grupo de extrema direita”.

    No total, chegaram ao regulador 120 queixas de telespectadores pela tradução errada da RTP3, que se defendeu junto da ERC admitindo o erro e definindo-o como “um a[c]to falhado”.

    A ERC diz, na sua deliberação, que “Não existem elementos disponíveis que sustentem as alegações presentes em algumas das participações de que o erro terá sido intencional e com o propósito de manipular a opinião pública”.

    O regulador refere que, “ainda que padecendo de rigor, a ERC não dispõe de evidências que contrariem a justificação da RTP3”.

    O que é certo é que, apesar de o canal ter indicado à ERC que a sua direcção de informação “dete[c]tou de imediato o erro e solicitou, também de imediato, a sua correção nesse momento”, o regulador sustenta que “a RTP3 não logrou indicar de que forma corrigiu a informação em causa”.

    De facto, a ERC aponta que na plataforma RTP Play do serviço público de televisão, “e à semelhança do que aconteceu na emissão linear da RTP3, as legendas que traduzem as declarações do ministro permanecem incorretas, traduzindo “extrême gauche” por “extrema direita” e “ultra gauche” por “ultradireita””.

    O regulador destaca que “o serviço RTP Play não se constitui, nem assim deve ser visto, como um mero arquivo audiovisual”, estando registado na ERC “como um operador de serviço audiovisual a pedido, com o número de registo 800013”.

    O PÁGINA UM consultou hoje a plataforma RTP Play, e constatou que o vídeo referente à notícia em causa, emitida a 25 de Março, encontra-se visível no catálogo de vídeos disponíveis mas, quando se clica no mesmo, não é possível visualizá-lo.

    A ERC frisa que “por outro lado, até ao fim da emissão do noticiário “3 às 19″ daquele dia, não foi identificada a correção do erro, fosse pela pivô, fosse em peça editada”. “Tal atuação colide, sem margem para dúvidas, com o dever profissional constante da alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista (EJ)3, que dispõe ser dever dos jornalistas “proceder à retificação das incorreções ou imprecisões que lhes sejam imputáveis”, lembra a ERC.

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    O regulador salienta que “a retificação dos erros constitui um importante mecanismo de autorregulação à disposição dos órgãos de comunicação social e uma meritória prática jornalística em prol do dever de informar o público «com rigor e isenção» (alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do EJ”.

    Aponta também que foi “possível identificar no noticiário da RTP3 “24 Horas”, do mesmo dia, disponível na plataforma digital RTP Play, a mesma peça jornalística com as declarações do ministro francês já corrigidas, onde se traduz “extrême-gauche» por «extrema esquerda” e “ultragauche” por “ultraesquerda””.

    Contudo, “apesar de o noticiário “24 Horas” apresentar já a legendagem correta das declarações do ministro – ao contrário do que foi feito no bloco informativo “3 às 19″ -, não existiu, em momento algum, uma admissão do erro por parte da RTP3 perante o seu público”.

    A ERC conclui que “a RTP3 não fez uso do mecanismo de autorregulação à sua disposição, no sentido de corrigir e, sobretudo, admitir perante o público, um erro evidente que, no caso em apreço, induzia a uma leitura desajustada e errónea pelos telespectadores”. Indica que, “assim, a RTP3 insistiu na manutenção do erro, não observando o dever de informar com rigor e isenção, nem o dever de retificação”.

    O regulador deliberou então “instar a RTP a proceder à correção da notícia, que ainda se encontra na plataforma digital RTP Play” e “instar a RTP3 ao escrupuloso respeito pelas exigências de rigor informativo e pelos deveres deontológicos da profissão, bem como à utilização dos mecanismos de autorregulação ao seu dispor, no sentido de corrigir e admitir os erros perante os telespectadores, promovendo a transparência junto dos seus públicos”.

  • ERC detecta quatro grandes empresas de media com 15 contratos públicos forjados

    ERC detecta quatro grandes empresas de media com 15 contratos públicos forjados

    O jornalismo costumava ser o watchdog da gestão pública, mas afinal, nos últimos anos, práticas ilegais e eticamente reprováveis foram cometidas pelas próprias empresas de media. A fiscalização da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – que até foi branda e deixou escapar demasiados responsáveis editoriais – não apenas detectou “jornalistas comerciais”. Também se apanhou 15 contratos públicos forjados, sobretudo com autarquias, entre as quais a de Lisboa, então presidida por Fernando Medina, e a de Viana do Castelo, então liderada pelo actual secretário de Estado do Mar. Mas a ERC também considera que padecem de nulidades um contrato do Ministério da Economia e até um assinado por uma associação empresarial que tem Marcelo Rebelo de Sousa como presidente honorário. Impresa, Global Media, Cofina e Trust in News deverão ser agora “condenadas” a devolver os montantes pagos em contratos forjados, e os gestores públicos multados.


    Nulos – e como se nunca tivessem existido. São 15 os contratos assinados por quatro empresas de comunicação social “apanhados” pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que estarão feridos de nulidade por a data da sua celebração ser posterior às datas em que foram executados os serviços prestados.

    As deliberações do regulador – que, neste caso em concreto, incidem sobre alguns dos contratos públicos assinados sobretudo nos últimos três anos pela Impresa, Global Media, Trust in News e Cofina – terão já sido enviadas para o Tribunal de Contas, a entidade com competência para declarar a nulidade do contrato. Por norma, nestas circunstâncias, o Tribunal pode mandar devolver as verbas às entidades públicas e aplicar sanções aos dirigentes públicos que assinaram os contratos.

    Domingos de Andrade, durante um evento pago à Global Media pela autarquia de Setúbal, corporiza o “novo jornalismo” português: escreve notícias, dirige órgãos de comunicação social e estabelece parcerias comerciais para promover entidades, não se importando com o cumprimento de normas de contratação pública.

    Pela leitura das sete deliberações da ERC, divulgadas na sua totalidade na semana passada, contabiliza-se um contrato ilegal assinado pela Impresa , dois pela Trust in News, cinco pela Cofina e sete pela Global Media.

    De entre as entidades públicas que se disponibilizaram a forjar contratos encontram-se sobretudo autarquias – oito, no total, incluindo a de Lisboa, então liderada pelo actual ministro das Finanças, Fernando Medina –, mas também duas empresas municipais (de Gaia e de Lisboa), o Instituto Politécnico de Portalegre, o Instituto Camões, a COTEC (uma entidade empresarial, que tem Marcelo Rebelo de Sousa como presidente honorário) e até o Ministério da Economia, através da sua Secretaria-Geral.

    De acordo com diversas deliberações públicas da ERC – que têm estado a ser analisadas pelo PÁGINA UM –, em relação à Impresa está em causa um contrato com a EMEL, assinado pelos seus administradores Luís Natal Marques e Francisco Ramalhosa. Assinado em 26 de Fevereiro de 2020, no valor de 13.500 euros, tem como objecto a “aquisição de serviços para publicação de editorial com conteúdos publicitários sobre os 25 anos” desta empresa municipal de Lisboa.

    Contrato entre EMEL e Impresa, para um suplemento do Expresso, considerado ilegal pela ERC. O Tribunal de Contas foi chamado a declarar nulidade.

    Porém, o dossier sobre mobilidade que o sustenta já tinha sido publicado no Expresso em 7 de Dezembro de 2019 – ou seja, 81 dias antes do contrato –, sob a coordenação do jornalista José Miguel Dentinho, que estará agora, se a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) decidir actuar, sujeito a um processo disciplinar por ter executado tarefas jornalistas em cumprimento a um contrato comercial.

    No caso da Trust in News – a empresa que tem como título principal a Visão –, o regulador detectou dois contratos ilegais para pagar publicações na revista Exame

    No primeiro caso, envolveu um pagamento de 50.000 euros por parte da COTEC Portugal à TIN Publicidade e Eventos. O contrato serviu para formalizar a “aquisição de serviços de elaboração, produção e impressão de duas revistas, em formato físico e digital, assim como de 6 (seis) newsletters a desenvolver para e com a COTEC Portugal, no âmbito do Programa Advantage 4.0.”

    Saliente-se que a COTEC Portugal é uma associação privada sem fins lucrativos constituída em Abril de 2003 na sequência de uma iniciativa do então Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, mas tem um estatuto que a obriga ao cumprimento das normas de contratação pública. Tem, actualmente, Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente Honorário.

    Marcelo Rebelo de Sousa é presidente honorário da COTEC Portugal, associação empresarial que assinou um contrato forjado com a Trust in News. Foto: Rui Ochoa/ Presidência da República

    O contrato em causa foi assinado pela então presidente da COTEC Portugal, Isabel Furtado, em 28 de Dezembro de 2020, mas um dos suplementos da revista Exame, enviado pela Trust in News à ERC, já tinha sido afinal publicado 10 meses antes, em Fevereiro daquele ano.

    Embora a ERC não se tenha mostrado interessada em escalpelizar as newsletters e a outra revista, nem o caderno de encargos do contrato – onde, geralmente, se especificam em concretos as obrigações –, “apanhou” o director da revista Exame, Tiago Freire, a escrever o editorial desse primeiro suplemento, razão pela qual integra a lista de 14 “jornalistas comerciais” enviados à CCPJ pela ERC.

    O segundo contrato ilegal da Trust in News foi assinado com o Instituto Camões em 15 de Dezembro de 2020 pelo seu actual presidente, o embaixador João Ribeiro de Almeida. Envolvendo o pagamento de 31.099,30 euros para a produção e publicação de um encarte editorial na edição quinzenal saída em 2 de Dezembro, ou seja, 13 dias antes da data do contrato. Apesar de a Trust in News até admitir que houve jornalistas envolvidos, não os identificou, e a ERC não se interessou em saber quem foram.

    No caso dos seis contratos da Global Media, todos envolveram autarquias: Barreiro, Valongo, Lisboa, Aveiro (dois contratos), Setúbal e Estarreja.

    Em relação a autarquia do Barreiro, o contrato está associado ao pagamento de 19.995 euros pela “aquisição de serviços de comunicação no âmbito dos 500 anos da autarquia do Barreiro”.

    Câmara do Barreiro pagou quase 20 mil euros por um debate e cobertura noticiosa no Diário de Notícias. O debate foi moderado pela então subdirectora do DN e directora do Dinheiro Vivo, Joana Petiz (primeira, à direita). ERC concluiu que o contrato é nulo.

    A ERC verificou que o contrato foi assinado em 30 de Agosto de 2021, mas afinal a cobertura noticiosa de um dos eventos contratualizados realizou-se em 25 de Junho. Saliente-se que a Global Media confessou que um desses eventos, uma conferência, teve a moderação da então directora-adjunta do Diário de Notícias, Joana Petiz, mas a ERC não considerou que estaria a executar um contrato comercial, ao contrário da jornalista que escreveu sobre o evento (Alexandra Costa), que integra a lista de 14 “jornalistas comerciais”.

    Por sua vez, o contrato com a Câmara Municipal de Valongo teve um pagamento associado de 7.500 euros para “aquisição de serviços de comunicação e divulgação do evento ‘Switch to Innovation Summit’”, tendo sido assinado em 22 de Junho de 2021. Neste caso, a ERC acreditou que foi apenas publicidade, com um problema: foram inseridos no Jornal de Notícias uma semana antes da celebração do contrato.

    Contudo, na verdade, o contrato envolveu a participação de jornalistas da Global Media no evento pago pela Câmara Municipal de Valongo, em tons encomiásticos. Foi o caso do jornalista Paulo Ferreira, também investigador no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, que participou activamente no evento, moderando um debate com o presidente da edilidade. Ferreira não poderia ser mais louvaminheiro de Valongo, agradecendo o facto de o Jornal de Notícias ter sido convidado a ser media partner “nesta excelente iniciativa”.

    Jornalista Paulo Ferreira (primeiro à esquerda), do Jornal de Notícias, não poupou elogios ao presidente da autarquia de Valongo, José Manuel Ribeiro (segundo, à esquerda), que pagou o evento à Global Media, mas num contrato nulo.

    “Temo-nos habituado a olhar para Valongo como um município provocador no sentido de elaborar um conjunto de iniciativas que, como se diz hoje, saem um bocadinho da caixa”, afirmou Paulo Ferreira na introdução ao debate, congratulando-se de o periódico da Global Media já ter feito outros eventos com esta autarquia. José Manuel Ribeiro, autarca que pagou o evento, foi classificado por este jornalista do Jornal de Notícias como um dos “convidados” de “alto gabarito” do debate, completado com mais elogios grandiloquentes.

    No final do debate de 50 minutos, Paulo Ferreira despediu-se de José Manuel Ribeiro, e em nome “da direcção do Jornal de Notícias” agradeceu o convite e o desafio para “sermos media partner”, sem referir que houve um pagamento pela função. A ERC ignorou estes factos que consubstanciam a promoção feita por jornalistas a uma entidade pública pagadora.

    Quanto ao contrato da autarquia de Lisboa com a Global Media, que nem sequer foi reduzido a escrito, envolveu o pagamento de 17.500 euros e foi assinado em 24 de Maio de 2021, para, segundo consta no Portal Base, a “aquisição de serviços de campanha de comunicação para divulgação e promoção do seminário ‘O investimento público no pós-pandemia’, a realizar nos Paços do Concelho”.

    ERC analisou pela “rama” parcerias polémicas entre entidades públicas e empresas de media, mas não se importou com a participação dos directores editoriais, culpando apenas jornalistas que escreveram artigos abrangidos por contratos.

    Neste caso, a ERC caiu no logro das justificações da Global Media, porque na sua deliberação diz que “trata-se de um anúncio publicitário a um evento organizado pelo Município de Lisboa, publicado numa edição eletrónica do Diário de Notícias”, e também na edição em papel de 19 de Maio, ou seja, cinco dias antes do contrato.

    No entanto, bastaria a ERC fazer uma simples pesquisa na Internet para confirmar que a participação do Diário de Notícias num contrato de 17.500 euros foi mais do que publicar anúncios.

    Na verdade, o evento foi transmitido pelo site do Diário de Notícias, “com abertura garantida pelo [então] líder do executivo municipal, Fernando Medina”, tendo marcado “presença o vereador João Paulo Saraiva e o economista Alfredo Marvão Pereira como keynote speakers”. Na segunda parte, houve um debate com António Saraiva, então presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), e Augusto Mateus, professor e antigo ministro da Economia, “numa conversa moderada por Rosália Amorim, diretora do DN”. O então ministro do Planeamento, Nelson de Souza, ministro do Planeamento, encerrou a iniciativa.

    Assim, apesar da evidente participação activa da directora do Diário de Notícias numa prestação de serviços para a Câmara Municipal de Lisboa, envolvendo autarcas que pagaram o serviço à sua entidade empregadora, Rosália Amorim não foi identificada para a lista de “jornalistas comerciais” agora a contas, se assim o Plenário da CCPJ, com processos disciplinares por violação do Estatuto do Jornalista.

    Seminário pago pela Câmara Municipal de Lisboa à Global Media foi moderado pela directora do Diário de Notícias, que depois publicaria uma notícia sobre o evento. Este artigo noticioso é da autoria do jornalista Francisco de Almeida Fernandes, que embora detectado como “jornalista comercial” em conteúdos comerciais para o Expresso, não foi, neste caso, “fiscalizado” pela ERC.

    Curiosamente, o Diário de Notícias até publicou uma notícia sobre o seminário, na data do contrato (24 de Maio), destacando sobretudo a intervenção de Fernando Medina, que pagou, através dos cofres autárquicos, a operação de promoção. O artigo noticioso foi escrito pelo jornalista Francisco de Almeida Fernandes, que não foi alvo de análise neste caso, pese embora tenha sido identificado pela ERC como “jornalista comercial”, mas por conteúdos escritos para o Expresso.

    Em relação à autarquia de Aveiro, o primeiro contrato ilegal com a Global Media refere-se à “aquisição de serviços de organização da conferência “Aveiro no Centro da Resposta à Pandemia”, no âmbito do “JN Praça da Liberdade – Ciclo de Conferências”, contra o pagamento de 65.000 euros. O contrato foi assinado em 3 de Novembro de 2020.

    Também aqui a ERC fez uma análise pela rama, acreditando que se tratou apenas de “um anúncio publicitário a um evento organizado pelo Município de Aveiro, publicado na edição impressa de 16 de outubro de 2020 do Jornal de Notícias”, em data anterior à da celebração do contrato. Mais uma vez, além do contrato assinado fora do prazo, houve mais factos irregulares não analisados pelo regulador.

    Fernando Medina, então presidente da autarquia de Lisboa, pagou, em Maio de 2021, um total de 17.500 euros à Global de Notícias para promoção pública da sua acção política. O Diário de Notícias cobriu o evento, mas ERC diz que contrato é nulo por violação das regras de contratação pública. Foto: Luís Filipe Catarino/CML

    Com efeito, a ERC nem sequer procurou saber o que era a “JN Praça da Liberdade” por pesquisa na Internet, não verificando assim que o contrato englobava a organização de uma conferência no dia 23 de Outubro de 2020 – ou seja, duas semanas antes da sua celebração por ajuste directo, também sem redução a escrito.

    Na página do YouTube da Câmara Municipal de Aveiro até se pode visualizar a entusiástica abertura de Ribau Esteves, presidente da edilidade que pagou à Global Media, agradecendo ao jornalista Domingos de Andrade, também administrador da Global Media e director da TSF, por ser o “desafiador desta Praça da Liberdade”.

    Embora a conferência tenha sido apagada entretanto do site do Jornal de Notícias, ainda se encontra no portal do YouTube da autarquia de Aveiro uma intervenção de 21 minutos e 4 segundos de Ribau Esteves a promover a recuperação e a saúde financeira da sua edilidade. A promoção do autarca, numa conferência apresentada como conteúdo editorial, foi feita afinal sob o pagamento de uma factura de 65.000 euros saídos dos cofres públicos.

    A intervenção de Ribau Esteves tem, aliás um aspecto agora algo irónico. O autarca social-democrata aproveitou para lançar um forte ataque à intervenção do Tribunal de Contas, no controlo da corrupção, e está agora sujeito à acção do Tribunal de Contas que, com elevadíssima probabilidade, considerará nulo o contrato entre a Câmara Municipal de Aveiro e a Global Media.

    Câmara Municipal de Aveiro fez dois contratos forjados com a Global Media. Num dos eventos, Ribau Esteves até chegou a criticar a acção do Tribunal de Contas, que agora deverá considerar nulos aqueles contratos.

    Além deste, um outro contrato da autarquia de Aveiro, assinado em 19 de Dezembro de 2019 com a Global Media, estará também ferido de nulidade. A ERC diz que a Global Notícias lhe enviou um “anúncio publicitário” impresso na edição de 6 de Dezembro, ou seja, duas semanas antes da formalização do contrato.  Mas, estranhamente, o regulador não foi mais longe para desvendar os contornos de um contrato com um valor significativo (110.000 euros) que não se poderia esvair num mero anúncio publicitário.

    O contrato no Portal Base – no valor de 110.000 euros, repita-se – é completamente omisso sobre o âmbito do “evento ‘Sai pra Rua’ no âmbito do projecto ‘Boas Festas em Aveiro’”, porque tudo é remetido para um caderno de encargos não divulgado. Mas a ERC poderia exigir a sua entrega por via das suas funções fiscalizadoras. Não o fez.

    Em todo o caso, o PÁGINA UM detectou um programa da Câmara Municipal de Aveiro sobre essa iniciativa, que decorreu entre 1 de Dezembro de 2018 e 14 de Janeiro de 2019.

    Quanto ao contrato com a autarquia de Setúbal, foi assinado em 3 de Março de 2020 para uma conferência do Jornal de Notícias sobre regionalização, que também já desapareceu do site deste periódico, mas que ainda se encontra no site do município. Para promover a campanha a favor da regionalização, a conferência contou também com os então presidentes das autarquias dos Porto, Rui Moreira, de Oeiras, Isaltino Morais, e de Loures, Bernardino Soares, ficando estabelecido o pagamento de 19.997 euros.

    O problema é que o contrato, não reduzido a escrito, estipulava um prazo de execução de 12 dias, mas o evento apenas se realizou em 25 de Novembro. Ou seja, está em incumprimento das normas de contratação pública, sendo nulo.

    Maria das Dores Meira, então presidente da autarquia de Setúbal, pagou quase 20 mil euros por um evento organizado em 2021. Mas o contrato, assinado em Março, estipulava um prazo de execução de 12 dias. O evento só se realizou em Novembro. ERC defende nulidade do contrato.

    Curiosamente, Domingos de Andrade, o jornalista e administrador da Gobal Media, teve um papel particularmente interventivo no evento, sendo até citado no site da Câmara Municipal de Setúbal. Segundo um artigo camarário, Domingos de Andrade “realçou o facto de a regionalização ser um processo ‘assombrado por contradições, avanços e recuos, cavando o aumento do fosso entre as regiões’”, e que defendeu que, “embora para os opositores da regionalização a situação económica e social em que a pandemia de covid-19 deixou o país ‘sirva de pretexto para novos adiamentos’, esta ‘mostrou a falta que faz um nível intermédio de legitimidade política’”.

    Por fim, o sexto contrato ilegal entre autarquias e a Global Media ocorreu com a Câmara Municipal de Estarreja para a organização de eventos, no valor de 6.000 euros, de acordo com o Portal Base.

    Segundo a ERC, tratou-se de anúncios numa edição electrónica do Jornal de Notícias e na edição impressa de 16 e 22 de Fevereiro de 2020 sobre o Carnaval, ou seja, antes da data do contrato, que ocorreu em 28 de Fevereiro. No entanto, no Portal Base, onde surge a referência ao facto de o contrato não ter sido reduzido a escrito, foi acrescentada a informação de uma redução do pagamento para apenas 4.000 euros, uma vez que “não foi realizado um dos eventos contratualizado – GARCICUP 2020 (COVID-19)”. A ERC não aprofundou estas incongruências.

    Rosália Amorim, directora do Diário de Notícias, é uma recordista na participação de eventos pagos à Global Media por entidades públicas e privadas. Passou “pelos pingos da chuva” na análise feita aos contratos públicos por parte da ERC.

    Em relação aos cinco contratos da Cofina, estão em causa relações comerciais com o Instituto Politécnico de Portalegre, com a empresa municipal Gaiurb, as autarquias municipais de Viana do Castelo e Albufeira e ainda a Secretaria-Geral do Ministério da Economia.

    De acordo com a deliberação da ERC, o Instituto Politécnico de Portalegre assinou um contrato de prestação de serviços com a Cofina, em 25 de Maio de 2022, no valor de 74.950 euros, para “prestação de serviços de informação e publicidade no âmbito do Projeto Guardiões”.

    A ERC considerou aceitável que a Cofina justificasse um montante tão elevado (74.500 euros) através da inserção de apenas três comunicados de imprensa, devidamente identificados como tal, na Sábado e Jornal de Negócios. E apenas apontou como grave terem sido publicados antes da celebração do contrato, pelo que sinalizou o facto junto do Tribunal de Contas.

    No caso da Gaiurb – a empresa municipal de urbanismo de Vila Nova de Gaia –, a ERC comprovou que se tratava exclusivamente de um contrato comercial, com conteúdos inseridos na secção C-Studio, mas com data de contrato posterior à execução dos serviços. Com efeito, o contrato foi celebrado em 10 de Novembro de 2021, mas a ERC confirmou que os vídeos feitos estiveram disponíveis a partir de Junho desse ano, ou seja, mais de quatro meses antes. Por quatro vídeos, a Cofina recebeu 53.000 euros da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, que nos últimos anos tem sido pródiga a distribuir dinheiro pelos principais grupos de media.

    A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, presidida pelo Eduardo Vítor Rodrigues, é uma das autarquias que mais dinheiro distribui pelos diversos grupos de media.

    Quanto ao contrato com a autarquia de Viana do Castelo, em causa está a “prestação de serviços para organização de seminário e divulgação – Economia Azul”, assinado em 17 de Setembro de 2021, num valor de 13.500 euros. A ERC detectou, ou quis apenas detectar, que o contrato integrava a realização de um webinar (seminário) sobre Economia Azul (relacionada com os recursos económicos do mar), noticiado no Jornal de Negócios, que decorreu em 9 de Setembro daquele ano, ou seja, cerca de uma semana antes da celebração do contrato.

    Mas, na verdade, houve mais do que isto no decurso do webinar propriamente dito. Por causa da pandemia, teve presenças físicas e online, durante cerca de duas horas, e que se encontra ainda disponível no portal do YouTube da autarquia de Viana do Castelo. E embora a ERC não se tenha debruçado sobre esta questão, o webinar teve a introdução da directora do Jornal de Negócios, Diana Ramos, que falou que o ciclo de conferência contava com “o apoio da Câmara Municipal de Viana do Castelo”, agradecendo o “acolhimento”, e omitindo completamente a existência de um contrato de prestação de serviços e de pagamentos.

    Através de uma mensagem transmitida em vídeo, a directora do Jornal de Negócios não foi, aliás, nada parca em elogios ao município, de “uma cidade ligada ao mar e aos princípios da sustentabilidade”, que pagou o evento à Cofina.

    Em 9 de Setembro de 2021, Diana Ramos, directora do Jornal de Negócios, participou por vídeo num webinar pago pela autarquia de Viana do Castelo, tecendo um vasto rol de elogios. O contrato foi assinado uma semana depois. A ERC diz estar ferido de nulidade.

    Diana Ramos opinou até que “Viana do Castelo está, aliás, a construir um percurso de centralidade na área da inovação e da nova Economia Azul, e que já tem reflexos cá dentro e lá fora”, e que “para esse caminho tem sido essencial a atracção de investimentos e de projectos de empresas estrangeiras na área das energias renováveis marinhas, a criação de uma plataforma multiusos de testes e ensaios com a participação de um conjunto de centros de investigação e desenvolvimento, e a presença de uma fileira industrial relevante na área da construção das embarcações e das plataformas off shore.

    Ao concluir, Diana Ramos acrescentou que “este webinar pretende, por isso, destacar o conjunto de activos e dinâmicas que esta cidade [Viana do Castelo] apresenta no domínio da Economia Azul”. O discurso oral de Diana Ramos, um autêntico panegírico ao município que pagou o evento, evidenciava ter sido previamente escrito.

    O Estatuto do Jornalista considera incompatível “a apresentação, através de texto, voz ou imagem, de mensagens publicitárias”, algo que se mostra patente no discurso da directora do Jornal de Negócios, ademais sabendo-se da existência do contrato com a entidade que Diana Ramos elogiou. Aliás, o Estatuto de Jornalista também proíbe funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem.

    Contudo, a ERC não se debruçou sobre esta matéria, e a directora do Jornal de Negócios não foi listada nos “jornalistas comerciais” identificados pelo regulador dos media para envio à CCPJ para eventuais processos disciplinares.

    Filipe Fernandes, jornalista do Jornal de Negócios, foi “pau para toda a obra” em contratos da Cofina. Moderou um seminário em Viana do Castelo e escreveu conteúdos comerciais em cumprimento de, pelo menos, quatro contratos analisados pela ERC.

    Menos sorte, em comparação com a sua directora, teve o jornalista Filipe Fernandes. Além de ter sido mestre-de-cerimónias do webinar – que contou, entre outros, com a presença de António Nogueira Leite, presidente do Forum Oceano, que co-organizou o evento, e do presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, António Cunha –, este jornalista ainda assinou textos de um suplemento impresso no Jornal de Negócios em 23 de Setembro. Daí constar como um dos 14 “jornalistas comerciais” identificados pela ERC.

    Mas o maior absurdo deste webinar – ou melhor, a falácia junto dos leitores sobre um evento pago à Cofina pela Câmara Municipal de Viana do Castelo – observou-se, porém, na intervenção do então presidente da edilidade. Apesar de José Maria Costa, que agora ocupa a Secretaria de Estado do Mar, saber bem aquilo que se combinara – o pagamento de 13.500 euros à Cofina para a realização do evento –, não teve pejo de dizer o seguinte: “A minha primeira palavra é, naturalmente, de agradecimento ao Forum Oceano e ao Jornal de Negócios por nos darem a oportunidade de participar neste evento”.

    Por seu turno, o contrato da Cofina com a autarquia da Albufeira envolveu uma verba bem superior (70.000 euros), mas com contornos que evidenciam uma clara aquisição de serviços de promoção de imagem sob a forma de notícias e utilização de jornalistas. O caderno de encargos não consta no Portal Base nem a ERC o solicitou à Cofina, pelo que apenas se sabe que o contrato serviu para aquisição de um “plano de comunicação, valorização e divulgação da marca Albufeira a nível nacional”, estando com data de 27 de Abril de 2021.

    José Maria Costa, actual secretário de Estado do Mar, presidia à autarquia de Viana do Castelo em 2021, quando pagou 13.500 euros à Cofina. Chegou a agradecer publicamente ter sido convidado para o evento (que pagou). ERC diz que contrato é nulo.

    Além de detectar que houve notícias escritas pelo jornalista Filipe Fernandes – que, aliás, foi um “pau para toda a obra” da Cofina, porquanto na deliberação da ERC é referenciado como autor de textos comerciais em quatro contratos (Viana do Castelo, Melgaço, Comunidade Intermunicipal do Cávado e Albufeira) –, o regulador verificou que houve notícias sobre Albufeira publicadas, no âmbito deste contrato, entre os dias 8 e 10 de Abril. Ou seja, mais de duas semanas antes da celebração do contrato, daí que o Tribunal de Contas irá agir.

    Mas aquilo que mais surpreende, neste caso, acaba por ser o teor das notícias associadas ao contrato, que aparentam ser “normais”, isto é, não há vestígios aparentes (para os leitores) de se tratar de artigos comprados. Com efeito, uma dessas notícias, assinadas por Filipe Fernandes, aborda “a aplicação Albufeira Safe” que pretenderia ser “um instrumento de turismo responsável com todos os cuidados sanitários para visitantes e residentes”. A fonte da notícia era Délio Pescada, chefe de gabinete do presidente da autarquia de Albufeira, a adjudicante do contrato de 70.000 euros pagos à Cofina.

    Outra notícia, também assinada por Filipe Fernandes, tratou de “vender o peixe” de uma empresa de venda de peixe de Albufeira, a Nutrifresco, mas num tom perfeitamente jornalístico. Ou melhor dizendo, sendo um produto comercial apresentada como publicidade redigida (por jornalista).

    ERC demorou quase um ano a analisar contratos públicos com grupos de media, mas nem sequer analisou os cadernos de encargos.

    Estas duas notícias tinham, contudo, ligação íntima a um seminário de três dias, que decorreu em Albufeira, nos dias 8, 9 e 10 de Abril daquele ano, no âmbito do denominado Albufeira 21 Summit. O evento foi transmitido ininterruptamente em directo pelas plataformas da revista Sábado e do Jornal de Negócios. Mas aqui a ERC nada quis ver sobre promiscuidades entre a autarquia de Albufeira e os órgãos de comunicação social da Cofina.

    E houve muita. Muita cobertura supostamente noticiosa, sobretudo pela estação de televisão CMTV, como se pode confirmar numa síntese dos serviços noticiosos que consta no site da Cofina Boost Solution. Aí encontra-se referência da parceria com a revista Sábado, então dirigida pelo jornalista Eduardo Dâmaso, mas sem ser feita qualquer menção a pagamento por prestação de serviços.

    Aliás, Eduardo Dâmaso, que esteve muito activo na conferência de promoção de Albufeira durante os três dias, nesse vídeo de síntese da cobertura do evento pela CMTV diz mesmo que “qualquer empresa de media tem, obviamente, a obrigação de acompanhar este tipo de discussões que são decisivas para um concelho como Albufeira mas também para o país”. A Cofina tinha então, na verdade, dupla obrigação, uma vez que estava mesmo obrigada contratualmente a honrar os compromissos para receber os 70.000 euros da autarquia algarvia.

    CMTV fez cobertura noticiosa de evento pago à Cofina (70.000 euros) pela autarquia de Albufeira. ERC só decretou contrato nulo por violação de normas da contratação pública. O regulador não analisou promiscuidades que envolveram jornalistas da CMTV e até o antigo e actual director da revista Sábado.

    Nas sessões do evento, que ainda constam na plataforma do Youtube da Câmara Municipal de Albufeira, visualizadas pelo PÁGINA UM, surge sempre como mestre-de-cerimónias uma jornalista e pivot da CMTV, Daniela Polónia, que esteve intensamente ao serviço da conferência. Mas detectou-se também a participação activa de mais jornalistas da Cofina, e com responsabilidades editoriais. Foram os casos de Eduardo Dâmaso – que, no último dia, numa intervenção de cerca de 15 minutos, teceu variados elogios à autarquia – e de Nuno Tiago Pinto, então chefe de redacção da revista Sábado e seu actual director, que moderou um debate no dia 9.

    Nenhum destes três jornalistas foram listados pela ERC como “jornalistas comerciais”, uma vez que não terão escrito nada – como Filipe Fernandes –; só deram corpo e voz na execução de contratos comerciais.

    Por fim, o contrato de prestação de serviço entre a Secretaria-Geral do Ministério da Economia com a Cofina tratou-se, na verdade, de uma encomenda para “produção de conteúdos e respectiva publicação no Jornal de Negócios”, através de diversos suplementos denominados “Negócios Iniciativas – A Indústria em Tempos de Pandemia”, tendo o IAPMEI como alegado parceiro.

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    Pelo menos uma parte dos textos de execução dos contratos foram assinados pelo director-adjunto do Jornal de Negócios, Celso Filipe, e pelo jornalista António Larguesa, de acordo com a deliberação da ERC.

    Embora o regulador não tenha procurado pelo caderno de encargos, não disponível no Portal Base, o contrato no valor de 18.000 euros foi assinado em 1 de Julho de 2020, sendo que os suplementos foram publicados entre 30 de Abril e 21 de Maio, razão pela qual também o Tribunal de Contas terá sido também já chamado a intervir.

    Contas feitas, os 15 contratos que correm forte risco de serem considerados nulos pelo Tribunal de Contas atingem um montante global de 568.041 euros.


    N. D. Apesar de nesta nossa notícia já se apresentar o acesso a algumas das sete deliberações da ERC sobre contratos públicos com grupos de media  (Global Media, Trust in News, Impresa, SIC, TVI, Cofina e Público) – que, aliás, são públicos no site da ERC –, optou-se por aguardar a publicação de um terceiro artigo de investigação no PÁGINA UM, para então as listar no nosso servidor.

  • Acórdão demolidor do Tribunal Central Administrativo dá (terceira) vitória do PÁGINA UM contra o Conselho Superior da Magistratura

    Acórdão demolidor do Tribunal Central Administrativo dá (terceira) vitória do PÁGINA UM contra o Conselho Superior da Magistratura

    Em causa está o acesso ao inquérito sobre a distribuição da Operação Marquês, e o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação de Portugal que não aceitou um NÃO do todo-poderoso Conselho Superior da Magistratura. E foi à luta pelos direitos de acesso à informação. Primeiro, na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Venceu, mas o CSM recusou. Segundo, no Tribunal Administrativo de Lisboa. Venceu, mas o CSM recorreu. E o PÁGINA UM viu agora três desembargadores darem-lhe razão. Terceira vitória. Haverá novo despique, agora no Supremo Tribunal Administrativo, para um provável 4-0, ou o CSM vai aceitar que se vive numa democracia?


    A sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, anunciada em Junho do ano passado era já claríssima: “Em face do que antecede, julgo a presente acção intentada por Pedro Almeida Vieira [director do PÁGINA UM] procedente e, em consequência, intimo o Conselho Superior da Magistratura [CSM] a, no prazo de 10 dias, facultar-lhe o acesso aos documentos por aquele solicitados através do seu requerimento de 2 de Dezembro de 2021”.

    Este deveria ter sido o corolário de sete meses de legítima pressão do PÁGINA UM – consubstanciada na Lei de Acesso aos Documentos Administrativos e da Lei da Imprensa – sobre o CSM para a obtenção do célebre inquérito à distribuição do processo da Operação Marquês em 2014 – então entregue sem sorteio ao juiz Carlos Alexandre, e que culminaria então com a detenção do ex-primeiro-ministro, José Sócrates.

    Conselho Superior da Magistratura quis sempre manter secretismo sobre os meandros da Operação Marquês.

    Mas não foi, Na verdade, foi preciso mais um ano, muito mais papel, mais um parecer do Ministério Público, e um acórdão de três juízes desembargadores de 23 páginas para fazer cumprir um direito óbvio de acesso a documentos administrativos e ao exercício da liberdade de imprensa.

    O “caso” foi espoletado pelo PÁGINA UM em finais de 2021, mas era uma história antiga. Sistematicamente, o CSM recusava a divulgação do famoso inquérito à entrega ao juiz Carlos Alexandre do mais famoso processo judicial em tempos de democracia, a Operação Marquês. Este inquérito tinha feito já correr muita tinta, incluindo um processo judicial de José Sócrates contra o Carlos Alexandre, que acabou arquivado pelo Tribunal da Relação em Maio do ano passado.

    Porém, nunca este inquérito viu a “luz do dia”, como se fosse um segredo de Estado, e não um episódio fundamental para percebermos os bastidores da Justiça em Portugal.

    O PÁGINA UM não aceitou e foi dar luta ao CSM onde se deve fazer num Estado de Direito: nos palcos da lei e a ordem, enfrentando uma das cúpulas da Justiça – ou seja, exercendo a nobre função do Jornalismo

    Primeira página do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul concedendo o direito de acesso ao PÁGINA UM.

    Primeiro, pedindo formalmente os documentos, corria o mês de Dezembro de 2021. Em 21 desses mês, a juíza Ana Sofia Wengorovius, adjunta do CSM, recusou liminarmente, emitindo um parecer alegando que o acesso por um jornalista àqueles documentos violaria ou afectaria “os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”, salientando que, para alguém poder consultar o inquérito, teria obrigatoriamente de invocar um “interesse atendível ou legítimo”.

    O PÁGINA UM recorreu então à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), presidida pelo juiz conselheiro Alberto Oliveira, que viria a dar razão ao PÁGINA UM em 17 de Fevereiro de 2022.

    Mas nem assim o CSM se disponibilizou a ceder os documentos do inquérito, advogando que o parecer da CADA não era vinculativo, acabando mesmo por “convidar” o PÁGINA UM a recorrer para o Tribunal Administrativo de Lisboa.

    O órgão superior de gestão e disciplina dos juízes dos tribunais judiciais portugueses considerou então, através da também juíza Ana Cristina Chambel Matias que “o Requerente [director do PÁGINA UM] não invocou, nem demonstrou que o acesso aos documentos constantes do processo de averiguações em causa são necessários para a tutela de um qualquer seu direito ou interesse legalmente protegido para que lhe seja conferido o direito a esse acesso”, acrescentando que “apesar de notificado por mais de uma vez pelo CSM, não concretizou cabalmente os elementos pretendidos dentro das condicionantes próprias do procedimento e não esclareceu qual a finalidade do acesso e da recolha de tais documentos”.

    Na verdade, o PÁGINA UM sempre alegou que o estatuto de jornalista era suficiente, tendo sim recusado justificar se a consulta se consubstanciaria em notícia ou não.

    O PÁGINA UM decidiu então seguir para a verdadeira luta judicial: o Tribunal Administrativo, naquele que viria a ser o primeiro processo de intimação financiado pelos seus leitores, através do FUNDO JURÍDICO,

    Em sede de contestação, o CSM insistiu na tese da existência de “dados nominativos” nos documentos do inquérito. Porém, em vez de acreditar piamente no CSM, o juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa, Pedro Almeida Moreira, exigiu que lhe fosse enviado “em envelope selado, cópia dos documentos a que o Requerente [director do PÁGINA UM] pretende aceder, de molde a permitir a este Tribunal aquilatar se os mesmos contêm ou não ‘múltiplos dados pessoais’ e, ‘se a isso se chegar, tecer um juízo de proporcionalidade concernente aos interesses que aqui se encontram concretamente em jogo’”.

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    A sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, em 30 de Junho do ano passado, foi o primeiro revés para o CSM, uma vez que o juiz Pedro Almeida Moreira considerou, consultando o inquérito à distribuição da Operação Marquês, que este “não configura um documento nominativo, em sentido próprio”, uma vez que “em causa estão unicamente dados atinentes aos intervenientes no procedimento de distribuição processual, atuando no exercício das funções públicas que lhes estão por lei cometidas, não abrangendo qualquer informação relativa à dimensão da vida privada”.

    O juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa tecia mesmo duras críticas às alegações do CSM, considerando que “a vingar a interpretação que aqui é propugnada pelo Requerido [CSM], isso significaria que o mero nome de um funcionário público que tenha intervindo num qualquer procedimento administrativo apenas poderia ser tornado acessível aos interessados após a ponderação dos interesses em jogo no âmbito de um juízo de proporcionalidade, o que não se mostra aceitável em face das exigências de transparência que impendem sobre a Administração, nos termos constitucional e infraconstitucionalmente consagrados.”

    Mas o CSM não se deu por vencido com a opinião da CADA e do Tribunal Administrativo de Lisboa, recorrendo – e obrigando o PÁGINA Um a suportar mais encargos judiciais – para o Tribunal Central Administrativo Sul. E o acórdão demorou, mas saiu no final da passada semana. E é um acórdão demolidor.

    Más notícias, portanto, para os conselheiros do CSM.

    Mas óptimas notícias para a transparência pública e para a liberdade de imprensa num sistema democrático.

    Sentença do juiz Pedro Almeida Moreira foi “validada” por três desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul, que lançam críticas à atitude do Conselho Superior da Magistratura.

    O acórdão, votado por unanimidade pelos desembargadores Lina Costa (que foi a relatora), Catarina Vasconcelos e Rui Pereira em 29 de Junho passado, arrasa em toda a linha a argumentação que o CSM usou para evitar o acesso ao inquérito.

    E até aborda em detalhe o argumento do CSM de que o director do PÁGINA UM não tinha justificado – porque se recusou a justificar, por ser óbvio aquilo que um jornalista faz – a finalidade dos documentos requeridos.

    Para os desembargadores, a sentença inicial do juiz Pedro Almeida Moreira é para manter em toda a linha, concluindo que não houve qualquer “erro de julgamento da não pronúncia sobre a não indicação da finalidade do acesso solicitado, nem sobre a natureza pré-disciplinar da informação, além de não ter havido qualquer “erro de julgamento de falta de fundamentação do juízo de proporcionalidade efectuado”.

    O acórdão mostra-se, aliás, particularmente importante por clarificar a questão da suposta protecção de dados nominativos, que tem estado a ser levado ao extremo, através da recusa de acesso ou à eliminação até do nome de funcionários públicos em documentos administrativos, como se tem observado no Portal Base com os contratos públicos.

    Nessa linha, os desembargadores salientam que “essa presunção devia ter sido efectuada, nos termos da lei [o referido nº 9 do artigo 6º da LADA], pelo Recorrente, “enquanto entidade administrativa que recebeu o pedido (…) e conhece o teor dos documentos em referência, sabendo ou podendo verificar que não respeitam a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa, titular/es dos dados pessoais neles constantes”, o CSM deveria ter permitido logo o acesso.

    Porém, “não o fez”, como escrevem os desembargadores, “recusando o acesso requerido com fundamento de que os documentos eram nominativos e, sustentando no recurso, que têm de ser cumpridos os princípios plasmados no RGPD (Regulamento Geral da Protecção de Dados], como sejam a demonstração e concretização da finalidade do acesso aos dados pessoais contidos em tais documentos e do interesse pessoal e directo no mesmo.”

    Os desembargadores concluem que o CSM não poderia ter decido assim, uma vez que o PÁGINA UM, “ao abrigo do direito de acesso a informação não procedimental, pretend[ia] saber o que consta dos documentos e não apenas os dados pessoais, não tendo aquele que observar o que consta do RGPD, mas sim na LADA [Lei do Acesso aos Documentos Administrativos], até em decorrência do disposto no artigo 26º da Lei da Protecção de Dados Pessoais.”

    O CSM foi ainda condenado a pagar as custas do processo, mas pode ainda recorrer para a última instância para o Supremo Tribunal Administrativo. Essa opção implicaria novo atraso num processo que é considerado urgente – mas que já vem de 2021 – e mais custos para o PÁGINA UM.

    Mas, se tal suceder, o CSM arrisca também perder uma quarta vez, depois de uma deliberação da CADA, de uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa e deste recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul.


    N.D. Os processos de intimação do PÁGINA UM só são possíveis com o apoio dos leitores. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • ERC poupa directores e decide (só) identificar 14 “jornalistas comerciais”

    ERC poupa directores e decide (só) identificar 14 “jornalistas comerciais”

    Demorou mais de um ano, mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) analisou várias dezenas de contratos comerciais entre entidades públicas, incluindo Governo e autarquias, e as principais empresas de media. Para já, destacam-se, em sete deliberações, a identificação de 14 jornalistas que cumpriram tarefas para a execução dos contratos, algo incompatível com a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalista. Nunca antes houve tantos casos suspeitos de “jornalismo comercial”, que agora ficam nas mãos da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, com funções disciplinares. Mas a ERC deixou na maior das impunidades os directores editoriais, mesmo se muitos são mestres-de-cerimónia em eventos pagos. Só o director da Exame e o director-adjunto do Jornal de Negócios foram “apanhados”.

    ESTA NOTÍCIA MERECEU UM DIREITO DE RESPOSTA SOLICITADO POR CELSO FILIPE, DIRECTOR-ADJUNTO DO JORNAL DE NEGÓCIOS, PUBLICADO VOLUNTARIAMENTE PELO PÁGINA UM, QUE PODE SER LIDO AQUI.


    Numa acção sem precedentes, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) identificou 14 jornalistas por escreveram conteúdos pagos em resultado de contratos assinados por grupos de media.

    Em sete processos abertos em reacção a questões colocadas pelo PÁGINA UM em Junho do ano passado, no âmbito exclusivo da sua função jornalística, após uma notícia sobre o financiamento dos media, o regulador decidiu analisar mais de meia centena de contratos com entidades públicas assinados por sete grupos de media (Global Media, Trust in News, Impresa, SIC, TVI, Cofina e Público), a análise do regulador foi feita de forma a inocentar as direcções editoriais dos órgãos de comunicação social.

    ERC demorou quase um ano a analisar contratos públicos com grupos de media, mas nem sequer analisou os cadernos de encargos.

    Com excepção de Celso Filipe, director-adjunto do Jornal de Negócios (Cofina) e do director da Exame (Trust in News), nenhum outro director dos media analisados – entre os quais o Diário de Notícias, Jornal de Notícias, TSF, Expresso, Visão, Público, SIC e TVI – foram identificados pela ERC como tendo participado activamente na execução de contratos comerciais, mesmo se, por exemplo, uma parte substancial deles participa regularmente como moderador de eventos pagos.

    São, por exemplo, os casos já detectados pelo PÁGINA UM de Mafalda Anjos (directora da Visão), Rosália Amorim (directora do Diário de Notícias), David Pontes (antigo director-adjunto e actual director do Público), Manuel de Carvalho (director do Público até Maio deste ano), Inês Cardoso (directora do Jornal de Notícias) e Joana Petiz (antiga directora do Dinheiro Vivo, que foi agora dirigir O Novo).

    Na esmagadora maioria das situações, estes directores editoriais participam como mestres-de-cerimónias de eventos patrocinados, ou seja, como moderadores. E, em última análise, são responsáveis pela cobertura noticiosa desses eventos, que em muitos casos estão previstos nos cadernos de encargos. Isto é, os directores são obrigados contratualmente a dar cobertura noticiosa, o que significa uma ingerência externa considerada ilegal pela Lei da Imprensa.

    Celso Filipe, director-adjunto do Jornal de Negócios, é o único jornalista a integrar equipas editoriais que foi apanhado na “teia” larga da ERC.

    Além de processos de contra-ordenação que a ERC decidiu levantar às empresas gestoras dos órgãos de comunicação social por violação da Lei de Imprensa e de ainda outras consequências legais – matérias sobre as quais o PÁGINA UM se debruçará em detalhe ainda esta semana –, no conjunto das sete deliberações, agora disponíveis no site do regulador, destaca-se sobretudo o inusitado número de jornalistas com carteira profissional “apanhados” em funções incompatíveis com o Estatuto do Jornalista.

    Note-se, porém, que a ERC não aprofundou muitos dos contratos, prescindindo de solicitar aos diversos grupos de media os cadernos de encargos dos contratos (uma vez que nem todos se encontram no Portal Base), onde constam cláusulas mais detalhadas, designadamente número de notícias e/ ou entrevistas a executar. O regulador também seleccionou contratos, cingindo-se quase só aos contratos que constavam num artigo do PÁGINA UM publicado em 6 de Maio do ano passado.

    Recorde-se que o Estatuto do Jornalista considera incompatíveis as “funções de angariação, concepção ou apresentação, através de texto, voz ou imagem, de mensagens publicitárias” e também as “funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”.

    David Pontes foi mestre-de-cerimónias na execução de contratos comerciais pagos pelas autarquias de Vila Nova de Gaia e de Penafiel, onde participaram autarcas que estabeleceram estas parcerias comerciais. A ERC, porém, nem sequer se debruçou sobre eventuais incompatibilidades do actual director do Público.

    E a ERC considera, como na generalidade das sete deliberações sustenta, que “a produção e publicação de conteúdos mediante o pagamento de contrapartidas por entidades externas, quando não devidamente identificadas, ameaçam seriamente a independência do órgão de comunicação social, bem como o livre exercício do direito à informação, contendendo com o princípio da transparência exigível” perante os leitores, ouvintes ou telespectadores.

    No lote dos jornalistas considerados “comerciais” – termo que não surge na deliberação, mas que o PÁGINA UM considera adequado para tipificar as acções –, destacam-se três nomes relevantes.

    O primeiro é, como já referido, Celso Filipe (CP 852), director-adjunto do Jornal de Negócios desde 2018, e que já se integra na equipa editorial deste periódico da Cofina desde 2006. A ERC aponta-lhe a produção de textos para a execução de um contrato assinado com a Secretaria-Geral do Ministério da Economia.

    O segundo jornalista conhecido é Miguel Midões (CP 4707), que, além de uma das vozes da TSF desde 2014 é ainda professor de Comunicação Social na Universidade de Coimbra e do Instituto Politécnico de Viseu, além de vogal do Sindicato dos Jornalistas. A ERC analisou, entre outros contratos, o pagamento de 75.000 euros para a realização, por Miguel Midões, de 15 programas radiofónicos “Desafios do Urbanismo”, entre 1 de Julho e 7 de Outubro de 2021.

    Miguel Midões, professor de Comunicação Social e vogal do Sindicato dos Jornalistas. Como jornalista da TSF está a executar um contrato comercial com uma empresa municipal de Vila Nova de Gaia sobretudo sobre… Vila Nova de Gaia. Já vai na segunda temporada, depois do “sucesso” de 27 episódios da primeira temporada.

    O formato acabou por abranger, numa primeira fase, 27 episódios, e decorre agora uma “segunda temporada”, iniciada em Março, contando já com nove episódios, mas já não conduzidos por Miguel Midões. O PÁGINA UM não conseguiu ainda encontrar o contrato para estes programas no Portal Base, o que pode configurar, como em outras situações detectadas pela ERC, a execução dos contratos antes da sua celebração.

    O terceiro jornalista com maior visibilidade é Luís Ribeiro (CP 3188), que trabalha desde 1999 na revista Visão, coordenador da secção de Ambiente, além de ser habitual comentador na SIC Notícias.

    Neste caso, a ERC aponta-lhe a autoria de cinco textos jornalísticos (incluindo entrevistas) assinados para cumprimento de um contrato com a Águas de Portugal para apoio aos Prémios Verdes, mas que estabelecia a obrigatoriedade de cobertura noticiosa e a publicação de artigos de opinião de dirigentes daquela empresa pública tutelada pelo Ministério do Ambiente.

    Luís Ribeiro (à esquerda), comentador da SIC Notícias sobre a Guerra da Ucrânia, e jornalista da Visão desde 1999. Coordena a Visão Verde, que é acusada pela ERC de ter conteúdos comerciais escritos por jornalistas, incluindo pelo próprio.

    Curiosamente, este contrato – que teve repetição já este ano, com um caderno de encargos que até prevê penalidade à Visão se não publicar o número acordado de reportagens, entrevistas e artigos de opinião, além da possibilidade de a Águas de Portugal solicitar “a substituição dos elementos da equipa” da revista responsável pelos conteúdos – previa a realização de entrevistas. Uma dessas foi feita por Mafalda Anjos, directora da Visão, que entrevistou uma administradora de uma subsidiária do Grupo Águas de Portugal.

    Também o director da Exame, Tiago Freire (CP 3053), foi “apanhado” a escrever um editorial de um suplemento em cumprimento de um contrato coma COTEC. Apesar da própria Trust in News ter até admitido que ” o tratamento destes conteúdos foi realizado por colaboradores com carteira profissional e por jornalistas da EXAME, sempre, em qualquer um dos casos, com total autonomia editorial”, o director foi o único identificado pela ERC.

    Além destes quatro, a ERC ainda identificou – para efeitos de averiguação, para eventuais processos disciplinares, por parte da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) – mais 11 jornalistas: Rute Coelho (CP 1893), Carla Aguiar (CP 739), Adriana Castro (CP 7692), Alexandra Costa (CP 2208) – por textos publicados em periódicos da Global Media –, Filipe S. Fernandes (CP 1175) e António Larguesa (CP 5493) – por textos publicados no Jornal de Negócios –, Mário Barros (CP 7963) – por um texto publicado no Público – e ainda José Miguel Dentinho (CP 882), Fátima Ferrão (CP 6197) e Francisco de Almeida Fernandes (CP 7706) – por textos publicados no Expresso.

    Mafalda Anjos, directora da Visão, entrevistou para o podcast da Visão Verde, uma administradora de uma subsidiária do Grupo Águas de Portugal, que patrocina os Prémios Verdes, com cláusulas ilegais à luz da Lei da Imprensa. ERC não se debruçou sobre o seu caso.

    Destaque-se que estes dois últimos jornalistas são um dos casos mais paradigmáticos das promiscuidades entre jornalismo e produção de conteúdos pagos sem qualquer fonteira, porquanto tanto publicam notícias em diversos órgãos de comunicação social como elaboram textos publicitários e até revistas institucionais, através da sua empresa Mad Brain, apresentando-se sempre como jornalistas. E nem escondem essa promiscuidade.

    A ERC também encontrou casos de textos assinados por estagiários de curta duração, como foi o caso da cobertura de um debate sobre a pandemia patrocinado pela Câmara Municipal de Penafiel em Novembro de 2020. Ana Rita Teles esteve a fazer um estágio no Público entre Setembro e Novembro daquele ano – como parte do seu mestrado em Ciência da Comunicação da Universidade de Braga – e teve logo como tarefa de fazer a cobertura desse evento pago.

    Só não tem agora um eventual processo na CCPJ porque não tem carteira profissional activa. Curiosamente, o moderador deste debate foi David Pontes, actual director do Público, jornal que recebeu 7.000 euros por uma conversa nocturna de uma hora e meia por parte da edilidade de Penafiel, cujo presidente (Antonino de Sousa, que Pontes até chamou, inicialmente, de António) teve oportunidade de fazer a abertura.  A ERC não identificou David Pontes como jornalista a executar uma tarefa comercial, livrando-o também de qualquer processo.

    Apresentada ora como jornalista do Diário de Notícias (ou de outros periódicos da Global Media) ora como do Expresso, Fátima Ferrão é também gerente de uma empresa de conteúdos. Foi agora identificada pela ERC, por um texto comercial no Expresso, mas a sua participação em conteúdos comerciais de elevada promiscuidade com a actividade jornalística são incontáveis.

    Contactado pelo PÁGINA UM, o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Simões, considera que esta situação é preocupante, sobretudo quando abrange jornalistas em situação de precariedade, como são os freelancers. “Os jornalistas têm mecanismos legais, nomeadamente a cláusula de consciência, para evitar colaborar em tarefas que ponham em causa a sua independência”, salienta Simões, também jornalista de A Bola, mas admite que “os colaboradores externos se sintam pressionados a aceitar trabalhos desta natureza, o que não é admissível.”

    Para o sindicalista, “é aceitável que haja formas distintas de financiamentos, mas tem de se garantir a independência do jornalismo”, pelo que deve haver uma maior intervenção dos conselhos de redacção, onde têm assento por inerência os directores editoriais. “Tenho a convicção que esse debate está a ser já feito”, acrescenta.


    N. D. A pretexto das deliberações e da forma como a Entidade Reguladora para a Comunicação Social enquadra os processos intentados contra os sete grupos de media, foi publicado o editorial intitulado “Ao pântano, a ERC adiciona a pulhice“. Foi feita uma rectificação deste artigo pelas 19:40 horas do dia 6 de Julho por se ter constatado que o jornalista Tiago Freire é o director da Exame, e não jornalista da Visão, ambas as publicações da Trust in News. No dia 23 de Julho foi introduzida uma outra pequena rectificação: a segunda temporada do podcast na TSF “Desafios Urbanos“, iniciada a 8 de Março deste ano, já não está a ser conduzida por Miguel Midões. Este jornalista, também dirigente sindical, foi responsável “apenas” por 26 episódios, emitidos entre 15 de Abril e 7 de Outubro de 2021, pelo qual a autarquia pagou 75.000 euros.

  • 20 euros de Durão Barroso e José Luís Arnaut dão 216 mil euros de receitas

    20 euros de Durão Barroso e José Luís Arnaut dão 216 mil euros de receitas

    Para ajudar a organizar em Portugal a reunião do Clube de Bilderberg em Maio passado, Durão Barroso e José Luís Arnaut juntaram 20 euros e criaram uma empresa. No primeiro ano, em 2022, não se saíram mal: através de prestação de serviços (não conhecidos) amealharam quase 216 mil euros para suportar gastos do encontro de verdadeiros influencers de um mundo globalizado. E ainda pagaram impostos. O PÁGINA UM revela, em primeira mão, as contas de 2022 da Bild, a novel empresa de organização de eventos dos dois antigos governantes.


    Já foram mais secretas – e também selectas –, mas nunca deixaram de arrastar uma aura de mistério e conspiração. As reuniões anuais do Clube de Bilderberg, um grupo de elite de políticos e empresários – ou de ex-políticos que se tornaram empresários, e também de empresários que rondam a política – servem, oficialmente, apenas para debater assuntos de interesse global.

    No site do Bilderberg Meetings afiança-se que as reuniões constituem apenas “um fórum para discussões informais para promover o diálogo entre a Europa e a América do Norte”, congregando “aproximadamente 130 líderes políticos e especialistas da indústria, finanças, trabalho, academia e media”, segundo regras específicas: os participantes são livres de usar as informações recebidas, mas nem as identidades nem as afiliações dos palestrantes ou de qualquer outro participante podem ser reveladas.

    José Manuel Durão Barroso

    Como os encontros são privados, no site diz-se ainda que “as participações são individuais e não em representação de qualquer função oficial”, não havendo assim agenda detalhada, nem nenhuma resolução e muito menos votação ou declaração política.

    Mas a tradição já não é o que era, e sobretudo nos últimos anos começaram a ser divulgadas as presenças mais sonantes – e sobretudo os convites a portugueses, primeiro sob a “égide” de Francisco Pinto Balsemão, e mais recentemente de Durão Barroso – e mesmo a lista de temas em discussão.

    Por exemplo, além de personalidades estrangeiras, a mais recente reunião em solo nacional – a anterior tinha ocorrido em 1999 – contou com um vasto contingente lusitano: além dos habitués Balsemão, Durão Barroso e Arnaut, foram convidados os directores executivos da EDP (Miguel Stilwell de Andrade), da Galp (Filipe Silva), da Feedzai (Nuno Sebastião) e da Zeno Partners (Duarte Moreira).

    E até os gastos são revelados?

    Hotel Pestana, em Lisboa, local apontado da reunião do Clube de Bilderberg em Maio passado.

    Neste último caso, convém não exagerar. Os financiamentos dos chamados Bilderberg Meetings não são propriamente públicos. De acordo com o Clube de Bilderberg, “as contribuições anuais dos membros do Steering Committee [actualmente com 32 membros, entre os quais o português Durão Barroso] cobrem os custos anuais de um pequeno secretariado”, para suportar despesas administrativas e de pessoal.

    Já em relação à reunião anual, as responsabilidades cabem ao denominado Comité Director do país anfitrião, não havendo taxa de participação, embora os convidados custeiem, segundo o site do Bilderberg Meetings, os “seus próprios custos de viagem e acomodação”.

    Assim, para a reunião deste ano em Lisboa, entre 18 e 21 de Maio, ao que tudo indica no Hotel Pestana, a reunião anual do Clube de Bilderberg contou com uma novel empresa de organização de eventos na rectaguarda: a Bild – Encontro Internacional 2023, Lda..

    Criada em 11 de Março do ano passado, esta empresa tem uma génese curiosa, pois conta como sócios duas figuras portuguesas de destaque: José Manuel Durão Barroso – actual presidente (Board Chair) da Gavi – The Vaccine Alliance, ex-presidente da Goldman Sachs, ex-presidente da Comissão Europeia e ex-primeiro-ministro português – e o “seu” ministro adjunto José Luís Arnaut.

    person holding clear glass ball

    Tendo como objecto social a “organização, produção e promoção de eventos”, a Bild, Lda. constituiu-se com um capital social de uma refeição de tasca: Barroso deu 10 euros; Arnaut outros 10. Na verdade, Arnaut deu mais: a Bild está sedeada na selecta Rua Castilho, no número 50, ou seja, nas instalações da conhecida sociedade de advogados CSM Rui Pena & Arnaut, da qual o ex-ministro de Durão é managing partner.  

    Recorde-se que Arnaut é, além de consultor da Goldman Sachs, o presidente da ANA – Aeroportos de Portugal e ainda preside à Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol.

    Embora se desconheça em concreto as actividades da Bild até à realização da reunião do Clube de Bilderberg em Maio deste ano, uma vez que José Luís Arnaut não respondeu ainda às questões colocadas pelo PÁGINA UM, pode-se em todo o caso garantir que Portugal bem melhor estaria se só tivesse empresários tão produtivos como os sócios desta empresa.

    Com efeito, apenas com os saberes de Arnaut e Barroso, e sem empregados oficiais, a Bild conseguiu, a partir de 20 euros de capital social, trazer um rendimento de 215.813 euros por prestação de serviços ao longo de nove meses de 2022. Quais foram os clientes, ou o serviço prestado, não se sabe, mas uma coisa é certa: não foi por donativos, conforme se observa nas demonstrações financeiras da empresa a que o PÁGINA UM teve acesso.

    José Luis Arnaut

    Sendo expectável que a Bild tenha tido mais rendimentos este ano, e também gastos, o ano passado trouxe também já muitas despesas, mas nem sequer foi em salários. Quase todas as despesas resultaram de pagamentos a fornecedores e serviços externos. A demonstração de resultados de 2022 aponta para gastos de cerca de 153.520 euros. Curiosamente, nos gastos não se vislumbram despesas para reforçar activos. Na verdade, a empresa não tem um cêntimo em activos tangíveis ou outros activos não correntes.

    No meio disto, o Estado não se pode queixar destes investidores de 20 euros: a empresa de Durão Barroso e José Luís Arnaut teve um resultado operacional positivo superior a 62 mil euros, o que implicou, para já, o pagamento de 13.081 euros em impostos. Mas faltam ainda as contas de 2023, e saber se a empresa se dissolverá logo a seguir.

    Nas contas consultadas pelo PÁGINA UM diz-se, contudo, que, apesar de “a economia revela[r] atualmente um enorme estado de incerteza, cuja duração e consequências são ainda imprevisíveis”, os gerentes da Bild (Durão Barroso e Arnaut) defendem que “com os elementos disponíveis, consideramos que estão criadas as condições operacionais para a manutenção da atividade da Empresa, estando assegurados os compromissos financeiros assumidos.” Promessas, contudo, são promessas…

  • Subdirector-geral da Saúde quer tribunais nacionais incompetentes para julgar contratos de vacinas

    Subdirector-geral da Saúde quer tribunais nacionais incompetentes para julgar contratos de vacinas

    Esteve um ano a liderar a informação da Direcção-Geral da Saúde, abandonou o serviço em meados de 2021 para concluir o doutoramento e regressou este mês, como subdirector em regime de substituição, para ganhar currículo e tentar apanhar o lugar de Graça Freitas, cujo concurso decorre. André Peralta-Santos amealhou, entretanto, uns trocos com a Pfizer, enquanto concluía um doutoramento num centro da Universidade de Washington que tem a Organização Mundial de Saúde e a Fundação Bill Gates como clientes. E já está a mostrar serviço: num ofício de anteontem, a pretexto da intimação do PÁGINA UM para acesso aos contratos das vacinas contra a covid-19, que Manuel Pizarro quer manter secretos, Peralta-Santos defendeu que se deve convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa a considerar-se incompetente para analisar o processo, por haver cláusulas de confidencialidade nos acordos globais estabelecidos pela Comissão von der Leyen e as farmacêuticas. Se a tese pegar, o acesso a documentos de interesse nacional podem deixar de ser conhecidos se tudo for tratado nas sombras dos gabinetes da Comissão Europeia.


    O novo subdirector-geral da Saúde, André Peralta-Santos – um dos principais candidatos a substituir Graça Freitas como Autoridade de Saúde Nacional –, que colaborou no ano passado por quatro vezes com a farmacêutica Pfizer, defendeu ontem que o Ministério da Saúde deveria, “para efeitos de contestação” à intimação do PÁGINA UM para acesso aos contratos de compras de vacinas e outros documentos associado às aquisições, “questionar, mesmo nesta fase do processo, se os Tribunais nacionais serão os competentes para julgar esta matéria”. A Pfizer foi a empresa farmacêutica que mais vendas terá efectuado a Portugal.

    A posição de Peralta-Santos – que substituiu este mês Rui Portugal, que se demitiu repentinamente em final de Maio – consta de um ofício entregue ao Tribunal Administrativo de Lisboa, onde a Direcção-Geral da Saúde (DGS) tenta justificar a razão de quatro contratos de aquisição de vacinas contra a covid-19 terem estado durante meses no Portal Base e depois terem sido retirados aquando da intimação do PÁGINA UM para conhecer a totalidade dos contratos, bem como as guias de remessa e a correspondência entre entidades do Ministério da Saúde e as farmacêuticas.

    André Peralta-Santos, actual subdirector-geral da Saúde.

    O Ministério da Saúde insiste em não facultar os contratos de aquisição de vacinas com as farmacêuticas, solicitados pelo PÁGINA UM em Novembro do ano passado, desconhecendo-se assim as quantidades adquiridas, os compromissos de compras futuras, os montantes pagos e a pagar, os preços unitários dos diversos lotes ao longo do tempo ou mesmo eventuais comissões.

    No ofício assinado por André Peralta-Santos – que esteve afastado da DGS durante alguns meses, aproveitando para, entre outras actividades (incluindo a conclusão do doutoramento), desenvolver actividades pagas pela Pfizer –, advoga que os acordos assinados entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas “contêm cláusulas de confidencialidade que obrigam todos os intervenientes, donde, os contratos nacionais subordinados a elementos legalmente considerados essenciais do contrato, como quantidades e preços, estipulados nos Acordos/Protocolos/Contratos-Quadro, ficam sujeitos às mesmas regras de confidencialidade, porquanto, devem ser considerados como contratos (parciais) integrantes dos Acordos assinados pela Comissão Europeia em representação dos Estados-Membros, que foram interesados [sic], como foi o caso de Portugal”.

    Nesta sua temerária interpretação – que advoga que os Estados democráticos perdem o exercício de Justiça independente interna em caso de acordos comerciais por entidades externas e supranacionais não-eleitas (Comissão Europeia) –, o subdirector-geral da Saúde defende ainda que o Vaccine Order Form – cujos primeiros quatro documentos estiveram no Portal Base, para serem depois sonegados pelo Ministério da Saúde – “não se trata, assim, de um qualquer contrato celebrado pelo Estado português, através da Direcção-Geral da Saúde”, mas “apenas da formalização necessária para operacionalização do APA/PA [acordos entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas] em território nacional com o pedido de entrega das vacinas respetivas”.

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    Curiosamente, apesar de o Ministério da Saúde continuar a insistir junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, que não tinha autonomia para a aquisição de vacinas contra a covid-19, e que tudo foi tratado pela Comissão Europeia, os factos públicos desmentem-no. Por exemplo, em 21 de Janeiro de 2021, o Governo fez um comunicado em que esclarecia o processo de compra das vacinas contra a covid-19, numa altura de escassez de doses. Nesse comunicado, referia-se que, “para além dos contratos iniciais, Portugal adquiriu ainda quantidades adicionais de outras vacinas, nomeadamente da BioNTech-Pfizer e da Moderna, prevendo também adquirir doses adicionais ao contrato inicial com a AstraZeneca.”

    E denunciava o Governo também a sua autonomia de escolha, acrescentando que “relativamente à compra de doses adicionais, a opção de Portugal foi a de escolher as doses adicionais em função dos prazos de entrega, ou seja, escolhendo aquelas que chegariam mais cedo.”

    Também no mês passado, o Ministério da Saúde adiantava ao jornal Público, de forma surpreendente, que “Portugal celebrou 14 contratos com seis fornecedores de vacinas e que foram entregues cerca de 40 milhões de um total de 61,7 milhões de doses encomendadas e adquiridas para o período até 2023.”

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde, tudo tem feito para se furtar a mostrar os documentos relacionados com as compras de vacinas contra a covid-19.

    O PÁGINA UM revelou já que, calculando a despesa autorizada por Resoluções do Conselho de Ministros, Portugal gastou 877 milhões de euros em vacinas e consumíveis associados até ao final do ano passado, mas a conta nem sequer terá chegado a metade. Calculando as compras globais estabelecidas pela Comissão estima-se que, no total, Portugal terá de comprar cerca de 106 milhões de doses, o que pode vir a resultar em centenas de milhões de euros pagos às farmacêuticas sem qualquer utilidade, face ao forte decréscimo da adesão aos boosters.

    Saliente-se também que a legislação nacional, mormente a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, não condiciona o acesso a documentos na posse de entidades públicas do Estado português por conterem eventualmente cláusulas de confidencialidade.

    Além disso, o PÁGINA UM requereu ao Tribunal Administrativo de Lisboa, em 31 de Dezembro do ano passado, que obrigasse o Ministério da Saúde a facultar não apenas os “contratos integrais (incluindo anexos e cadernos de encargos) assinados entre a Direcção-Geral da Saúde (ou outras entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde] e as farmacêuticas que comercializam as vacinas contra a covid-19, desde 2020 até à data”, mas também os “documentos de entrega (guias de transporte), bem como toda a documentação (troca de correspondências) entre as entidades adjudicantes e adjudicatárias ao longo deste período”.

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    André Peralta-Santos é, aos 38 anos, médico especialista em Saúde Pública desde 2015, ocupou o cargo de director de serviços de Informação e Análise da DGS durante um ano da pandemia, entre Setembro de 2020 e Setembro de 2021. De acordo com o despacho do ministro da Saúde publicado na semana passada em Diário da República, terá concluído o doutoramento este ano em Saúde Global na Universidade de Washington. O centro onde Peralta-Santos estudou tem como clientes diversas farmacêuticas, a Organização Mundial de Saúde e a Fundação Bill & Melinda Gates.

    De acordo com a descrição constante na base de dados da Transparência e Publicidade do Infarmed – que há vários anos não faz qualquer fiscalização nos procedimentos de transparência entre farmacêuticas e profissionais de saúde –, André Peralta foi, ao longo de 2022, consultor da Pfizer numa reunião sobre abordagem terapêutica da covid-19, e participou ainda em três palestras financiadas por aquela farmacêutica norte-americana. Sempre, invariavelmente, sobre a pandemia da covid-19.

    Por exemplo, num seminário sobre sepsis e infecções, organizado no Porto no início de Junho do ano passado, André Peralta ganhou 1.200 euros por compartilhar as suas opiniões sobre objectivos terapêuticos associados à covid-19 durante 40 minutos acompanhado de um médico espanhol (Alex Soriano). Depois, houve um almoço. No total, terá recebido 4.800 euros, mas a Plataforma da Transparência e Publicidade é, objectivamente, uma base de dados que não está sujeita à verificação regular da veracidade por parte do Infarmed. O PÁGINA UM tem detactado sistemáticas falhas na introdução de registos.

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    Em Janeiro deste ano, aquando de uma notícia sobre as relações de antigos dirigentes da DGS com o sector farmacêutico, o PÁGINA UM contactou André Peralta-Santos por e-mail, mas não obteve quaisquer comentários sobre se, atendíveis as suas anteriores funções, considerava éticas estas relações com uma das farmacêuticas que mais facturou durante a pandemia, sobretudo com a venda de vacinas.

    Na semana passada, a candidatura de Peralta-Santos ao cargo de director-geral da Saúde – num concurso-relâmpago em curso, com as candidaturas já encerradas, que nem admite audiência de interessados nem efeito suspensivo em caso de recurso administrativo – foi anunciada largamente na comunicação social (Público, TVI, O Novo, Sábado, ECO, Observador, TSF e Expresso). No jornal do Grupo Impresa, a jornalista Vera Lúcia Arreigoso escreveu mesmo, sem citar ninguém (ou seja, com fontes anónimas, de existência questionável), que “médicos do setor afirmam que André Peralta Santos é o candidato melhor posicionado para a nomeação para liderar a Direcção-Geral da Saúde”.

  • Governo ameaça retirar utilidade pública à Associação Sara Carreira

    Governo ameaça retirar utilidade pública à Associação Sara Carreira

    A Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros confirma que a Associação Sara Carreira não tem as contas e relatórios de actividades no seu site, mas garante que analisou os documentos de 2021 (que, a ser verdade, terão então entretanto desaparecido) e coloca agora como hipótese a revogação do estatuto de utilidade pública, que lhe foi atribuído, em tempo recorde, em Dezembro do ano passado. Benefícios fiscais obtidos podem ser avultados e abrem portas a transferências de património e activos da esfera da família de Tony Carreira, uma vez que a associação tem estatutos blindados e a manutenção do secretismo nas contas eliminará questões éticas publicamente delicadas.


    A Presidência do Conselho de Ministros ameaça retirar o estatuto de utilidade pública à Associação Sara Carreira, criada em Março de 2021 pela família do cantor Tony Carreira, por esta não revelar publicamente as contas e os relatórios de actividades no seu site.

    A hipótese foi esta tarde confirmada ao PÁGINA UM pelo gabinete do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas, que em Dezembro do ano passado concedeu o estatuto de utilidade pública, em tempo recorde, à associação fundada em memória da malograda filha de um dos mais populares cantores portugueses. Apesar da lei-quadro determinar ser necessário uma actividade efectiva de três anos para requerer aquele estatuto, Moz Caldas aceitou dispensar esse prazo mínimo por a Associação Sara Carreira “desenvolver actividades de âmbito nacional, e evidenciar, face às razões da sua existência e aos fins que visa prosseguir, manifesta relevância social”.

    Moz Caldas, secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, coloca hipótese de revogar estatuto de utilidade pública à Associação Sara Carreira.

    Mas, além desse requisito, havia outros – e ainda mais relevantes, até para evitar aproveitamentos ilegítimos face às enormes vantagens fiscais de que beneficiam as associações de utilidade, nomeadamente isenções de IRC, IMI e IMT, de pagamento de taxas para espectáculos e possibilidade de receberem donativos através da consignação de 0,5% do IRS.

    Com efeito, a lei é bastante clara sobre a exigência de transparência, salientando que as associações que solicitem o estatuto devem ter “uma página pública na Internet, acessível de forma irrestrita, onde sejam disponibilizados os relatórios de atividades e de contas dos últimos cinco anos, a lista atualizada dos titulares dos órgãos sociais e os textos atualizados dos estatutos e dos regulamentos internos”.

    Na verdade, quando foi analisado o processo da Associação Sara Carreira, ao longo de 2022, visto que obteve o estatuto em Dezembro passado, apenas existiria um ano de exercício (2021), e mesmo assim incompleto (10 meses) – e não os cinco anos explicitados pela lei-quadro.

    Tony Carreira fundou com a família a associação para homenagear a memória da sua malograda filha. Conseguiu estatuto de utilidade pública que exige transparência, que não existe.

    O gabinete de Moz Caldas garante, sem divulgar ao PÁGINA UM os documentos do processo que o atestam, que a Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros (SGPCM) “analisou as contas da Associação e concluiu que a mesma tinha contabilidade organizada e parecia ‘dispor de pessoal, infraestruturas, instalações e equipamentos, necessários para assegurar a prossecução dos seus fins e para as atividades que se propõe realizar, como revela a análise dos elementos instrutórios’.”

    Certo é que o gabinete de Moz Caldas acaba por admitir aquilo que o PÁGINA UM revelou na passada semana: as contas de 2021 (e agora também de 2022) e os respectivos relatórios de actividades não estão no site da Associação Sara Carreira. E nem foram enviados ao PÁGINA UM, conforme pedido por duas vezes à direcção da Associação Sara Carreira – que integra, além da mãe da malograda cantora, o próprio Tony Carreira e os filhos Mickael e David Carreira.

    Aliás, a ser verdade aquilo que garante agora o Governo – em tempos, o relatório de contas e de actividades do ano de 2021 esteve no site –, mais se adensa a falta de transparência de uma associação com estatuto de utilidade pública, pois assim significa que esses documentos teriam sido retirados.

    Associação Sara Carreira já começou, este ano, a capitalizar o estatuto de utilidade pública, através da possibilidade de se consignar 0,5% do IRS como donativo. Ignora-se outros benefícios já obtidos por as contas serem escondidas.

    O gabinete do secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros diz, sobre esta matéria, que, “atenta a situação reportada, de falta de publicitação, atualmente, dos elementos de atividades e contas no sítio na Internet da Associação, bem como as dúvidas relativas à autonomia financeira da Associação”, a SGPCM está a analisar a situação “para aferir se são necessárias diligências adicionais”.

    E colocam-se duas hipóteses: “em última instância, o incumprimento de deveres legais pode fundamentar a revogação do estatuto de utilidade pública (…) ou a sua não renovação”, salienta o gabinete de Moz Caldas.

    Saliente-se que, conforme o PÁGINA UM já revelou, existem ligações demasiado íntimas entre a Associação Sara Carreira e a empresa Regibusiness, a sociedade anónima da família de Tony Carreira, e que, perante as benesses de um estatuto de utilidade pública para a associação, abrem a hipótese a esquemas fiscais menos ortodoxos.

    Tony Carreira e os seus filhos David e Mickael durante um concerto de homenagem a Sara Carreira.

    Apesar da Associação Sara Carreira ter mantido silêncio às perguntas do PÁGINA UM sobre eventuais transferências de verbas ou património da Regibusiness para a Associação Sara Carreira, mostra-se evidente que os benefícios fiscais são tentadores.

    A Regibusiness – que tem uma saúde financeira robusta (com mais de 9 milhões de lucros acumulados) e opta por fazer empréstimos aos seus associados (família de Tony Carreira), em vez de fazer distribuição de dividendos (que pagaria taxa liberatória de 28%) – poderá sempre fazer doações ou donativos milionários para a associação de utilidade pública, obtendo até majorações em despesas, diminuindo assim a tributação de lucros.

    Como a família de Tony Carreira controla de forma absoluta a associação, por causa de estatutos blindados, poderia assim despender livremente desses donativos e doações, sobretudo se conseguir manter as contas e relatórios de actividades afastados de olhares indiscretos.

    right human hand

    No limite, a Associação Sara Carreira que pode evoluir facilmente para fundação, sobretudo se passar a deter património relevante, através de passagem de activos da Regibusiness, o que tornaria tudo ainda mais apetecível fiscalmente. Aquisições ou vendas de património beneficiariam de isenções, e os lucros não seriam taxados. O único óbice seria a impossibilidade de distribuir os lucros pelos sócios, mas nada impede que a associação suporte despesas dos seus dirigentes e/ ou lhe pague salários e outros benefícios.

    Obviamente, se as contas forem públicas – como exige a lei-quadro do estatuto de utilidade pública –, uma parte considerável desses expedientes (legais, mas eticamente questionáveis) seriam facilmente detectados. Esse, aliás, é o motivo principal por a legislação determinar a máxima transparência nas associações de utilidade pública. Algo que, por agora, a Associação Sara Carreira não cultiva, uma vez que nem sequer se aprestou a responder às questões e pedidos do PÁGINA UM, a que acresce a falta quase generalizada de informação financeira sobre as suas actividades. Por exemplo, ignora-se até quais os montantes das bolsas que a associações tem estado a atribuir a jovens carenciados.

  • Associação Sara Carreira não diz se empresa (bem) lucrativa de Tony Carreira é mecenas e se transferiu património para benefícios fiscais

    Associação Sara Carreira não diz se empresa (bem) lucrativa de Tony Carreira é mecenas e se transferiu património para benefícios fiscais

    Para evitar promiscuidades e uso indevido de associações para fuga a impostos, a Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública exige que haja a máxima transparência, independentemente das causas nobres que defendam. Mas para a Associação Sara Carreira, criada em memória da malograda filha de Tony Carreira, o Governo não exigiu sequer o tempo mínimo de actividade previsto na lei (três anos) nem a divulgação de contas. Assim, fica-se sem saber se a empresa familiar Regibusiness, presidida pelo próprio Tony Carreira, e que registava em finais de 2021 lucros acumulados em capital próprio de mais de 9 milhões de euros, fez alguma transferência patrimonial para a Associação Sara Carreira, de modo a beneficiar de isenções fiscais por via do estatuto de utilidade pública. Até porque, na verdade, está tudo em família: os três administradores da Regibusiness (Tony Carreira, a sua ex-mulher Fernanda Antunes, e o filho Mickael Carreira) controlam também a Associação Sara Carreira.


    A sociedade anónima controlada e presidida por Tony Carreira, a Regibusiness – Investimentos Imobiliários, obteve um lucro líquido superior a 2,2 milhões de euros entre 2019 e 2021, mas a Associação Sara Carreira recusa-se divulgar se já alguma vez recebeu qualquer donativo ou procedeu a qualquer transferência patrimonial proveniente dessa empresa.

    A Regibusiness foi criada em 2006 por Tony Carreira e a então sua mulher, Fernanda Antunes, e é formalmente uma sociedade anónima, embora detida pela família deste popular cantor. E embora tenha como objecto a gestão imobiliária, controla também a empresa de espectáculos de Tony Carreira, a Regi-Concerto, detendo 98% do capital social. A posse dos restantes 2% é de Fernanda Antunes.

    A gestão da Regibusiness e a Associação Sara Carreira é comum. Os administradores da Regibusiness são, actualmente, Tony Carreira, que preside, a sua ex-mulher, Fernanda Antunes, como administradora-delegada, e o seu filho e também cantor Mickael Carreira. Todos os três são fundadores e dirigentes da Associação Sara Carreira, integrando a sua direcção. O também cantor David Carreira é um outro dos dirigentes da Associação Sara Carreira, embora não participe na gestão da Regibusiness.

    Por via da obtenção do estatuto de utilidade pública em Dezembro do ano passado, em tempo recorde, e sem sequer necessitar de divulgar contas e relatório de actividades – algo que impediria, só por si, a possibilidade de requerer aquele estatuto –, a Associação Sara Carreira passou a usufruir de um vasto conjunto de isenções, não pagando imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e imposto municipal sobre imóveis (IMI), impostos sobre o rendimento de pessoas colectivas (IRC) e até isenção de taxas associadas a espectáculos e eventos públicos. E também obter os proveitos da consignação de 0,5% do IRS.

    A recusa da Associação Sara Carreira em esclarecer se existem relações patrimoniais entre si e a empresa Regibusiness (ou a Regi-Concerto) não é legalmente aceitável, nem pugna pela transparência exigível para uma entidade que desenvolve causas nobres, e ademais sabendo-se estar intimamente ligada a um evento trágico.

    Tony Carreira e os dois filhos, David e Mickael Carreira. Os três são, com Fernanda Antunes, dirigentes da Associação Sara Carreira. E, com excepção de David são também administradores da lucrativa empresa familiar Regibusiness.

    Com efeito, sendo agora uma associação com o estatuto de utilidade pública, tal implicaria obrigações de transparência, nomeadamente a divulgação de contas, algo que nunca sucedeu – e tendo em consideração as vantagens que a Associação Sara Carreira detém neste momento, eventuais transferências patrimoniais a partir da Regibusiness ou da Regi-Concerto podem ser extremamente apetecíveis para obtenção de benefícios fiscais.  

    Certo é que, pela consulta dos registos oficiais, a sede da Associação Sara Carreira coincide com a da Regi-Concerto, o número 5-A da Rua Hernâni Cidade, na Charneca da Caparica. Saber se se trata de mera cedência da Regi-Concerto à associação, ou se houve transferência de propriedade não é apenas uma curiosidade jornalística.

    Se houve ou houver transferência patrimonial da esfera da Regibusiness para a da Associação Sara Carreira agora com um estatuto de utilidade pública mas estatutos blindados – um acto pacífico por ambas serem completamente controladas pela família de Tony Carreira –, as vantagens fiscais seriam avultadas. Em hipótese, passando activos da empresa para uma associação de utilidade pública, os rendimentos decorrentes desses activos passariam a estar isentos de impostos e taxas. Por exemplo, os edifícios detidos ou comprados deixavam de pagar IMI e IMT, e não haveria lugar a pagamento de IRC. Aumentando o património, o passo seguinte seria a criação de uma fundação, com ainda maiores vantagens fiscais.

    stage light front of audience

    Saliente-se que, mesmo tendo a pandemia afectado a actividade de Tony Carreira, a sua empresa familiar regista uma excelente saúde financeira, com lucros de quase 1,3 milhões de euros em 2019, de 383 mil euros em 2020 e de 600 mil euros em 2021. Ainda não estão disponíveis as contas de 2022, mas será expectável que se aproximem dos valores pré-pandemia.

    Consultando as demonstrações financeiras de 2021, a Regibusiness detinha então um capital próprio de 9,64 milhões de euros, dos quais 1,6 milhões de reservas e 5,8 milhões de resultados transitados. Ou seja, lucros acumulados que os sócios – Tony Carreira e sua família – decidiram não distribuir.

    Isto não significa que os sócios tenham prescindido de obter outro tipo de dividendos perante os bons ventos financeiros da Regibusiness. Segundo se observa pelo balanço e demonstração de resultados, usaram um esquema que, sendo legal, só se mostra exequível em sociedades onde existe confiança absoluta entre os sócios ou accionistas.

    Com efeito, estão contabilizados 1,12 milhões de euros que a Regibusiness emprestou aos seus associados, ou seja, aos membros da família de Tony Carreira. em condições e prazos que apenas dizem respeito à gestão da empresa. Em todo o caso, verifica-se que os empréstimos foram realizados sem aplicação de juros. Este expediente evita, de imediato, qualquer tipo de tributação em sede de IRS, o que sucederia se Tony Carreira e seus familiares optassem pela distribuição de dividendos.

    Além disto, a Regibusiness terminou o ano de 2021 com depósitos bancários de quase 760 mil euros, não havendo também indicação de que tenha havido qualquer transferência em dinheiro para a Associação Sara Carreira.

    Aliás, como ontem o PÁGINA UM divulgou, as contas da Associação Sara Carreira são desconhecidas, e há uma quase completa ausência de referências sobre os montantes das suas campanhas de beneficência assim como dos recebimentos dos mecenas e apoiantes. No caso das bolsas atribuídas pela associação a jovens carenciados – numa parceria com a SIC –, ignora-se qual o montante de apoio efectivo. Quanto aos mecenas, apenas se conhece o valor do donativo (100 mil euros) concedido em Fevereiro deste ano pelo Grupo DS.

    Além desta empresa, mas com montantes desconhecidos, são considerados mecenas a Missão Continente, a Altice, a Fundação Santander e a SIC, sendo também elencadas outras 12 empresas como apoiantes e seis como parceiras. A Associação Sara Carreira tem também, na realização de uma gala anual transmitida pela SIC, e num tour solidário do próprio Tony Carreira, em parceria com a Missão Continente, outras fontes relevantes de receitas.

    Quanto tudo isto envolve? Não se sabe, mesmo se a lei diz que teria de se saber, uma vez que a Associação Sara Carreira quis ter o estatuto de utilidade pública, para benefício próprio.

  • Associação Sara Carreira: sem sequer mostrar contas, Tony Carreira saca estatuto de utilidade pública em três tempos

    Associação Sara Carreira: sem sequer mostrar contas, Tony Carreira saca estatuto de utilidade pública em três tempos

    Por regra, exige-se, no mínimo, três anos de actividade efectiva e a máxima transparência financeira para uma associação obter estatuto de utilidade pública. Não é apenas por reconhecimento que todos o almejam. Na verdade, por detrás, há um vasto leque de isenções fiscais, desde IMT e IMI até IRC, passando pelo não pagamento de diversas taxas. Por isso, a lei exige, entre outros requisitos prévios, que sejam públicas as contas e os relatórios de actividade. Mas com estatutos blindados, a Associação Sara Carreira não precisou disso: conseguiu o ambicionado estatuto em menos de dois anos e sem mostrar contas, contrariando a Lei-Quadro. Assim, no meio de cantorias em prol de uma causa nobre, não se conhece o seu património (e eventuais transferências para benefícios fiscais), nem sequer as receitas nem os gastos nas acções de beneficência. Tudo é feito na base da confiança. E quando o PÁGINA UM pediu contas e esclarecimentos, não houve sequer um acorde.


    A Associação Sara Carreira – criada em Março de 2021, em memória da filha do cantor Tony Carreira, três meses após o seu trágico acidente mortal – viu o Governo conceder-lhe o estatuto de utilidade pública em tempo recorde, mesmo mantendo as suas contas secretas, o que contraria a lei. Além disso, os estatutos, entretanto alterados em Maio do ano passado, estão blindados, condicionando, de forma discricionária, a admissão de associados em função de donativos relevantes que nem sequer são definidos.

    Além do reconhecimento, a obtenção de estatuto de utilidade pública – uma meta que qualquer associação almeja – concede um vasto conjunto de isenções fiscais, designadamente do pagamento de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e imposto municipal sobre imóveis (IMI), impostos sobre o rendimento de pessoas colectivas (IRC) e, no caso concreto da Associação Sara Carreira – que desenvolve a sua actividade de angariação de fundos da realização de espectáculos –, isenção de taxas associadas a espectáculos e eventos públicos.

    Tony Carreira

    Embora a lei determine que, regra geral, como requisitos para a atribuição daquele estatuto, seja necessário um período mínimo de três anos de actividade efectiva, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas, achou que se poderia dispensar esse prazo por a Associação Sara Carreira “desenvolver actividades de âmbito nacional, e evidenciar, face às razões da sua existência e aos fins que visa prosseguir, manifesta relevância social”. E, assim sendo, fez um despacho em 21 de Dezembro do ano passado concedendo o estatuto – ou seja, quando faltava ainda um ano e três meses para perfazer o período normal.

    A favor desta aceleração do processo estiveram também os pareceres das autarquias de Almada, onde se localiza a sede da associação, e de Pampilhosa da Serra, concelho de onde é natural Tony Carreira, de seu nome verdadeiro António Manuel Mateus Antunes.

    Porém, todos fecharam os olhos a aspectos relevantes que, mais do que constituírem requisitos legais, consubstanciam uma postura de transparência perante a sociedade que concede benefícios fiscais que podem assumir valores consideráveis.

    Tony Carreira, com os seus filhos David e Mickael. Juntamente com a ex-mulher Fernanda Antunes, criaram a Associação Sara Carreira em Março de 2021, com estatutos blindados.

    Com efeito, entre os requisitos prévios, a Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública obriga que as associações que o solicitem “tenham uma página pública na Internet, acessível de forma irrestrita, onde sejam disponibilizados os relatórios de atividades e de contas dos últimos cinco anos, a lista atualizada dos titulares dos órgãos sociais e os textos atualizados dos estatutos e dos regulamentos internos”.

    Ora, mas além do facto de a Associação Sara Carreira não ter ainda cinco anos de existência, nunca foi publicado relatório de actividade e de contas, com as demonstrações financeiras, incluindo o balanço e as demonstrações de resultados, mesmo se os estatutos até já determinam expressamente essa tarefa. Nunca houve assim qualquer sinal dos rendimentos nem das despesas, nem se conhece se algumas das actividades empresariais dos sócios fundadores (Tony Carreira e sua ex-mulher, Fernanda Antunes, que preside, e os seus filhos David Carreira e Mickael Carreira) foram ali integradas para beneficiar de isenções fiscais.

    Certo é que, consultando o site da Associação Sara Carreira, observa-se uma forte componente comercial, com uma ligação directa para uma loja de merchandising e para o catálogo de roupa Éssê by Sara Carreira, que a malograda artista lançara em Outubro de 2021.

    No site da Associação Sara Carreira sabe-se quanto custa umas cozy white sweatpants, mas nada se sabe sobre as contas como exige a lei para a atribuição do estatuto de utilidade pública.

    Até as actividades de carácter mais benemérito estão envoltas em grande secretismo quanto à parte económica e financeira, mesmo contando com a Missão Continente, a Altice, a Fundação Santander, a SIC e o Grupo DS, além de apoios de 12 empresas e parcerias com outras seis, entre as quais, ironicamente, a PWC, que presta serviços profissionais de auditoria, fiscalidade e assessoria de gestão. Com efeito, mesmo no projecto mais conhecido publicamente desta associação – as Bolsas de Estudo Sara Carreira – ignora-se os montantes efectivamente distribuídos.

    Embora a associação, no seu site, refira que nas duas primeiras edições houve 35 jovens beneficiados, estando a decorrer a análise das candidaturas à terceira edição, nunca houve a mínima referência sobre os montantes atribuídos. No regulamento apenas se refere que “o valor atribuído a cada jovem bolseiro(a) será definido pela Direção da Associação [Sara Carreira], em função das necessidades do(a) mesmo(a)”, adiantando ainda que “os critérios e entrega dos valores, variam em função das especificidades e necessidades de cada candidato(a)”.

    Por fim, acrescenta-se que “os valores atribuídos serão entregues diretamente às instituições de ensino ou a outras entidades a definir pela Direção, atendendo à especificidade da formação e necessidades.” Em suma, nenhuma menção a valores concretos.

    André Moz Caldas, secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, concedeu despacho de atribuição de estatuto de utilidade pública sem exigir transparência à Associação Sara Carreira.

    Além de tudo isto, e atendendo aos benefícios do estatuto de utilidade pública, mas perante o secretismo (ilegal) das contas da Associação, também se desconhece quais são actualmente os activos da associação, incluindo património financeiro e imobiliário eventualmente transferido da família de Tony Carreira. Como existe um controlo absoluto na entrada de associados por parte da família Antunes (que tem esmagadora maioria na direcção), a Associação – que pode vir a evoluir para fundação – pode estar a ser um veículo para benefício de isenções fiscais relevantes, sobretudo se se mantiver o seu estatuto de utilidade pública sem exigência de apresentação pública de relatórios de contas.

    O PÁGINA UM contactou por duas vezes a Associação Sara Carreira, colocando um conjunto de questões relacionadas com estes assuntos, mas não obteve qualquer reacção. O mesmo sucedeu com um pedido de esclarecimento endereçado ao secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas. Foi, aliás, pedido ao governante que indicasse outras associações que tivessem conseguido obter o estatuto de utilidade pública em menos de três anos, um feito que Tony Carreira conseguiu para a associação em memória da filha, sacando assim apetecíveis benefícios fiscais.