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  • JMJ: Peregrinos pagaram transporte, mas Ministério do Ambiente ainda deu 3,3 milhões de euros aos operadores

    JMJ: Peregrinos pagaram transporte, mas Ministério do Ambiente ainda deu 3,3 milhões de euros aos operadores

    No acto da inscrição para a Jornada Mundial da Juventude, houve 354 mil peregrinos que pagaram ao Patriarcado de Lisboa verbas que incluíam um kit de transporte, e quem preparou os seus próprios percursos pagou os bilhetes do seu bolso. Mas ninguém explica agora se o Patriarcado pagou algum serviço ou se antes encaixou as verbas nos seus cofres; e nem se sabe se os operadores suportaram algum custo adicional. Só se sabe, sim, que um simples despacho do ministro Duarte Cordeiro mandou o orçamento do Fundo Ambiental às malvas e determinou que se concedesse um subsídio à empresa intermunicipal TML de até 3,3 milhões de euros. Mas esta empresa pública, que sobrevive de subsídios à exploração e já apresenta indicadores que podem levar à sua dissolução em breve, também ainda não deu sinal de si sobre esta matéria. Nem ao próprio Ministério do Ambiente. O apoio estatal concedido é superior ao custo do polémico altar-palco.


    No âmbito da Jornada Mundial da Juventude, o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, autorizou a transferência de 3,3 milhões de euros do Fundo Ambiental para a empresa pública TML – Transportes Metropolitanos de Lisboa, mas ninguém diz, em concreto, para que serviu nem qual a justificação.

    A TML é uma empresa pública, criada em 2021 no seio das 18 autarquias Área Metropolitana de Lisboa (AML), com atribuições no planeamento e gestão de bilhética, como o Cartão Viva, funções antes atribuídas à OTLIS. Apesar de no ano passado, primeiro em pleno funcionamento, ter alcançado a venda de 15,6 milhões de euros, mostra, desde já, uma situação completamente deficitária, não tendo registado prejuízos colossais apenas porque sobretudo a AML lhe injectou 20 milhões de euros de subsídios de exploração.

    Altar-palco foi palco de polémica e baixou de 4,2 milhões para 2,9 milhões de euros. Apoio do Fundo Ambiental para transportes, que foram pagos pelos peregrinos, foi superior.

    O montante máximo a atribuir (3,3 milhões de euros) pelo Ministério do Ambiente decorre de um despacho de Duarte Cordeiro, publicado no final de Julho, que decidiu usar as verbas do Fundo Ambiental para, “mediante protocolo de colaboração técnica e financeira a celebrar” com a TML “para apoiar a aquisição de títulos de transporte público para os peregrinos que participam na Jornada Mundial da Juventude 2023”.

    A atribuição da verba do Fundo Ambiental – um milionário fundo com receitas previstas este ano de 1,2 mil milhões, metade dos quais dos leilões das licenças de emissões de dióxido de carbono (CELE) – foi feito à margem do orçamento de 2023 aprovado pelo próprio Duarte Cordeiro em Março deste ano, que determinava que o destino das verbas só poderia ser revisto “caso a execução orçamental da receita apresente variações significativas face às receitas previstas ou perante eventuais alterações significativas à execução orçamental de compromissos assumidos.”

    Porém, Duarte Cordeiro invocou uma cláusula de excepção do diploma que criou o Fundo Ambiental em 2016 que permite apoios pontuais por decisão do “membro do Governo responsável pela área do ambiente e da ação climática” quando se considerar que beneficia “a intervenções urgentes ou de especial relevância”. E o ministro do Ambiente assim fez, por considerar que se justificava
    “o apoio à disponibilização de títulos de transporte intermodais específicos para os peregrinos da JMJ, como forma de induzir e facilitar a opção de deslocações em transporte público, em detrimento de outras formas de mobilidade mais poluentes e penalizadoras do ambiente.”

    Duarte Cordeiro gere o Fundo Ambiental com um orçamento anual de 1,2 mil milhões de euros. Por simples despacho, pôde contrariar o orçamento do multimilionário fundo e atribuir 3,3 milhões de euros para apoiar uma empresa deficitária, sem justificação fundamentada.

    Porém, a justificação para esta operação de financiamento à TML não encaixa na realidade, porque os peregrinos que se inscreveram na Jornada Mundial da Juventude tiveram de pagar o transporte, que estava incluído explicitamente como contrapartida. Recorde-se que nos Pacotes Peregrinos, a Fundação JMJ Lisboa 2023 – criada pelo Patriarcado de Lisboa para a organização do evento que contou com a presença do Papa Francisco – estabeleceu diferentes valores de inscrições, desde os 95 até aos 255 euros, todos incluindo kits de transporte.

    Pressupondo que uma parte das avultadas receitas do Patriarcado de Lisboa pelas cerca de 354 mil inscrições de peregrinos se destinaria, em princípio, para também custear passes de transportes, o PÁGINA UM questionou por duas vezes a Fundação JMJ para saber se houve algum pagamento de serviços, ou algum desconto pelos passes durante a Jornada Mundial da Juventude, quer à TML quer a outro qualquer operador, como a Carris e Metropolitano de Lisboa. Porém, do Patriarcado de Lisboa só veio silêncio – e, por agora, só Deus saberá a resposta…

    Ou também a administração da TML – mas esta também não respondeu aos pedidos de informação do PÁGINA UM sobre o protocolo de colaboração técnica e financeiro previsto, nem deu explicações para o recebimento do apoio do Fundo Ambiental sabendo-se que, em princípio, os peregrinos pagaram o transporte no acto da sua inscrição.

    Houve 354 mil peregrinos que pagaram inscrição, que incluía kit de transporte. Os restantes tiveram que pagar bilhete nos transportes. TML não explica se recebeu dinheiro do Patriarcado de Lisboa ou se teve suportar algum custo que não teve retorno financeiro positivo.

    Apenas o Ministério do Ambiente, através do gabinete de imprensa de Duarte Cordeiro reagiu, embora ao estilo de Pôncio Pilatos, dizendo que aguardam que a “TML comunique o número de títulos usados para poder contabilizar o montante do Fundo Ambiental que será efetivamente necessário mobilizar, nos termos referido no despacho”, acrescentando, porém, que “o valor que a TML receberá será repartido pelos operadores da área metropolitana de Lisboa que aderiram, consoante o número de validações”, incluindo “a Carris e o Metropolitano de Lisboa”.  

    Na nota enviada pelo Ministério do Ambiente ao PÁGINA UM não surge qualquer referência sobre a noticiada comparticipação de 40% por parte do Governo aos passes dos peregrinos, através de um suposto acordo com a Fundação JMJ.

    Em suma, cerca de um mês após o despacho governamental, ignora-se se o dinheiro recebido dos peregrinos pela Fundação JMJ acabaram no bolso da Patriarcado de Lisboa, e se os 3,3 milhões de euros não são mais um dos contínuo subsídios à exploração de uma empresa pública, nascida há apenas dois anos, que já está deficitária.

    A TML gere, entre outros títulos, o passe Navegante dos transportes públicos da Área Metropolitana de Lisboa. No ano passado, as receitas de prestação de serviços só cobriram 44% dos custos. Resultado: sobrevive de subsídios de exploração para pagar sobretudo contratos externos e salários de 72 funcionários.

    De facto, mostra-se surpreendente constatar, através do relatório e contas de 2022, que a TML, para obter no ano passado vendas de 15,6 milhões de euros, teve de contratar serviços externos no valor de quase 31,4 milhões de euros – sendo 27,7 milhões em subcontratos –, além de arcar gastos com pessoal da ordem dos 3 milhões de euros. Em média, o salário bruto dos 72 empregados aproxima-se dos 3.000 euros mensais. E os três administradores custaram ao erário público, em dois anos (2021 e 2022) quase 456 mil euros.  

    No recente relatório e contas, a administração da TML até já alerta para o incumprimento de indicadores estabelecidos por um diploma de 2012 relativo à actividade empresarial de municípios. Essa legislação obriga que as empresas municipais sejam extintas se, por exemplo, as vendas e prestações de serviços realizados durante os últimos três anos não cubram, pelo menos, 50% dos gastos totais dos respetivos exercícios, ou se o resultado líquido for negativo durante três anos. A continuar esta situação financeira, se os municípios retirarem parte dos subsídios à exploração, os prejuízos contabilísticos disparam.

  • Comunicação da Direcção Executiva do SNS feita por empresa que conta sete farmacêuticas como clientes

    Comunicação da Direcção Executiva do SNS feita por empresa que conta sete farmacêuticas como clientes

    No mundo da política e da comunicação, LPM e Luís Paixão Martins são sinónimos, mesmo se formalmente este consultor já abandonou a chefia de uma das mais influentes empresas do sector, muito por força da sua ligação ao Partido Socialista. Mas embora a presença de LPM continue perene nos meandros governamentais, sendo exemplo a ligação com a Presidência do Conselho de Ministros, os contratos públicos reforçam sobretudo o portfolio, até porque a sua facturação é quase toda do mundo privado. O seu mais recente trunfo é a definição e implementação da estratégia de comunicação da todo-poderosa Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, cujo contrato foi publicado no Portal Base na semana passada. Claro que se as chinese walls funcionarem, nenhum dos 17 clientes da LPM na área da Saúde, entre as quais constam sete farmacêuticas, beneficiarão desta ligação com a nova entidade estatal presidida por Fernando Araújo…


    A LPM Comunicação – a empresa fundada por Luís Paixão Martins, consultor de marketing político do Partido Socialista, e há vários anos administrada pelo seu filho João – ganhou o concurso para prestação de serviços de assessoria de imprensa da Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS), enquanto mantém, no seu portfólio de clientes privados, sete farmacêuticas e mais uma dezena de empresas e entidades do sector da saúde, entre as quais um hospital privado, uma empresa de homeopatia, três sociedades médicas, uma empresa e uma associação de empresas de diagnóstico médico, uma fundação e duas instituições não governamentais.

    O contrato foi assinado em Maio, mas apenas divulgado na semana passada no Portal Base, e surge no decurso de um concurso público, envolvendo mais duas empresas (Creative Minds e KICAB), para assessorar a equipa de Fernando Araújo a instalar uma estrutura. Na prática, a DE-SNS vai centralizar algumas das funções políticas e administrativas que estavam dispersas pelo próprio Governo e por duas entidades públicas: a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS).

    Luís Paixão Martins, fundador da LPM e pai do actual administrador único da empresa que vai gerir a comunicação da Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde. (DR)

    No entanto, apesar da ideia da criação da DE-SNS ter saído de um Conselho de Ministros do início de Setembro do ano passado, os alicerces têm estado a avançar a conta-gotas, sem ainda sequer estarem aprovados os estatutos. Por exemplo, a partir de ontem, por Resolução do Conselho de Ministros, a DE-SNS passou a ser a entidade que formalmente passa a designar, por despacho, os membros dos órgãos de gestão de hospitais, centros hospitalares, institutos portugueses de oncologia e unidades locais de saúde.

    No entanto, essa função até já ocorria na prática nos últimos meses, desde que Fernando Araújo, antigo administrador do Centro Hospitalar de São João, foi escolhido por Manuel Pizarro, ministro da Saúde. Por exemplo, a antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins, foi já indicada pela DE-SNS para o cargo de presidente do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, que abrange o Hospital de Santa Maria. Recorde-se que Ana Paula Martins era então directora dos assuntos governamentais da farmacêutica Gilead e ocupara, durante alguns meses, o cargo de vice-presidente do PSD no final de mandato de Rui Rio.

    As funções de grande sensibilidade política e social previstas para a DE-SNS – para além da gestão, supervisão e monitorização das unidades do SNS, definirá diretrizes, normas e orientações, com implicações nos fornecedores, utentes e empresas privadas – parecem não ter sido consideradas na escolha da empresa de por onde passará a estratégia de comunicação e de assessoria de imprensa.

    Fernando Araújo, director executivo do Serviço Nacional de Saúde, à esquerda de Manuel Pizarro, ministro da Saúde.

    De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, a LPM identifica como seus clientes, apenas no sector da Saúde, sete farmacêuticas – AbbVie, Bluepharma, Daiichi-Sankyo, Gedeon Richter, GlaxoSmithKline, Novartis e Viatris –, uma empresa de homeopatia (Boiron), duas entidades na área do diagnóstico – a empresa Hologic e a Associação Portuguesa das Empresas de Diagnósticos Médicos (Apormed) –, uma empresa hospitalar privada (Lusíadas), uma fundação associada a uma farmacêutica (Fundação Bial), duas organizações não-governamentais sem fins lucrativos (Liga Portuguesa contra o Cancro e a União das Associações das Doenças Raras de Portugal) e ainda três sociedades médicas (Sociedade Portuguesa de Senologia, Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia e Sociedade Portuguesa de Cardiologia). Esta última sociedade médica é aquela que mais financiamento obtém do sector farmacêutico desde 2017, enquanto a penúltima se encontra no top 10.

    Contudo, apesar disso, nos critérios de avaliação das candidaturas, cujo processo acabou por ser instruído pelos SPMS, não houve qualquer critério de índole ético que pudesse excluir candidatos que tivessem conflitos de interesse por deterem relações comerciais com entidades privadas do sector da saúde ou com alguma que estivesse sob a supervisão directa ou indirecta da DE-SNS.

    Lista dos 17 clientes do sector da Saúde detidos pela LPM. Falta a actualização para incluir a Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde.

    Pelo contrário. Além do preço (com um peso de 30%), a “experiência na Área da Assessoria de Imprensa no Setor da Saúde” era um dos critérios explícitos de avaliação qualitativa das propostas, com um peso de 35%.

    Ou seja, não houve qualquer cláusula que obrigasse a uma exclusividade, para garantir independência e evitar transmissão de informação privilegiada entre a DE-SNS e clientes da empresa de comunicação vencedora.

    Deste modo, a LPM até acabou fortemente beneficiada por possuir contas de 17 clientes na área da Saúde, incluindo as sete farmacêuticas e até um hospital privado.

    Em todo o caso, este “problema” seria similar se a escolhida fosse a Creative Minds, que no seu site expõe os seus 28 clientes no sector da Saúde, embora sem incluir tantas empresas de grande dimensão. Com efeito, no meio de pequenas e médias empresas, destaca-se apenas, no sector farmacêutico, a portuguesa Medinfar.

    Pelo caminho, neste concurso, ficou a Kicab, a empresa pertencente a Rui Neves Moreira, que foi assessor de imprensa no Hospital de São João, tendo sido escolhido por Fernando Araújo para o assessorar nas primeiras fases de instalação da DE-SNS. Esse contrato, com a duração formal de 9.000 euros por apenas 25 dias de trabalho, levantou celeuma no início deste ano, por envolver um custo de 360 euros por dia.

    Saliente-se, contudo, que no contrato agora em vigor com a LPM, o valor nem é elevado para os padrões do mercado. O preço do contrato – 22.380 euros (sem IVA), perfazendo cerca de 2.800 euros por mês, durante os oito meses de duração – até ficou ligeiramente abaixo do preço base, que era de 23.600 euros, o que denota o interesse na aquisição deste cliente público. Na verdade, por exemplo, comparando o montante deste contrato com o volume de negócios da LPM em 2021 – as contas relativas ao ano passado ainda não se encontram disponíveis –, estamos perante uma gota de água.

    Com efeito, embora conhecida por ser uma empresa de comunicação próxima do poder, o Estado e a Administração Central e Local nem são assim tão bons clientes em termos de facturação. Em 2021, as receitas da LPM totalizaram 5.976.574 euros, e os seis contratos públicos nesse período (Região de Turismo do Algarve, Direcção-Geral do Património Cultural, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Comissão para a Cidadania e Igualdade do Género e Câmara Municipal de Almada, com dois) ascenderam aos 153.770 euros. Ou seja, o sector privado representou 97,4% da facturação da LPM.

    Porém, no mundo da comunicação empresarial, ter uma porta de passagem para o poder mostra-se fundamental. E assim, mais importante do que uma verba num contrato público, ostentar na carteira um organismo estatal com o quilate da DE-SNS vale ouro.

    Mesmo quando existe em contrato uma “cláusula de direitos sobre a informação”, que estipula que a LPM não pode usar nem ceder a terceiros a informação da DE-SNS sem autorização prévia. E mesmo que as empresas de comunicação jurem, a pés juntos, que usam (ou colocam em práticas) as chinese walls, quase sempre mais míticas do que verídicas.

  • Jornada Mundial da Juventude em Algés: uma (alegada) birra entre Costa e Moedas custou-nos 2,5 milhões de euros

    Jornada Mundial da Juventude em Algés: uma (alegada) birra entre Costa e Moedas custou-nos 2,5 milhões de euros

    A decisão de não encerrar em Lisboa a festa da Jornada Mundial da Juventude, acabou por dar em festim. Alegadamente por desentendimentos entre o Governo e a autarquia de Lisboa, anunciado e não desmentido pelo Expresso, a escolha do Passeio Marítimo de Algés para um breve encontro do Papa Francisco com 30 mil voluntários foi suportado por encargos que, por agora, já superam os 2,5 milhões de euros. Isaltino Morais fez 14 contratos, a que se junta mais outro de uma empresa municipal, todos por ajuste directo. Apenas dois foram “reduzidos a escrito”, ou seja, tiveram um contrato com cláusulas e caderno de encargos. O contrato mais avultado (cerca de 840 mil euros, com IVA), que beneficiou a empresa de espectáculos Everything is New, e não teve contrato escrito.


    Foi anunciado pelo jornal Expresso em Setembro do ano passado. O último evento de ontem do Papa Francisco em Portugal, no âmbito da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) – um breve encontro de uma hora com cerca de 30 mil voluntários –, realizar-se-ia no Passeio Marítimo de Algés, em vez de ser na capital, em um dos dois locais usados durante a semana: Parque Eduardo VII ou Parque Tejo-Trancão.

    A razão, apontava o jornal do Grupo Impresa, seria uma birra entre o primeiro-ministro, o socialista António Costa, e o presidente da autarquia de Lisboa, o social-democrata Carlos Moedas. O Expresso revelava que “esse encontro [o de encerramento da JMJ] estava pensado para Lisboa, como todos os outros eventos da semana de celebrações católicas”, mas perante “dificuldades de chegar a um entendimento final com a Câmara de Lisboa, o Governo começou a olhar para outros concelhos, como Ana Catarina Mendes, ministra que tem a pasta da JMJ, já tinha sinalizado”.

    Papa Francisco tem feito apelos a uma “nova economia”. Por cá responde-se com ajustes directos sem sequer serem redigidos a escrito.

    O jornal adiantava ainda que o Governo “encontrou em Isaltino Morais o parceiro que faltava”, e que “sem perda de tempo e custos adicionais, toda a infraestrutura estará preparada para 6 de agosto, desde as câmaras de videovigilância às torres multimédia ou casas de banho, equipamentos que, aliás, estiveram no centro da divergência entre Governo e Carlos Moedas.”

    De facto, o evento de encerramento – um breve encontro de menos de uma hora entre o Papa Francisco e os voluntários da JMJ – realizou-se mesmo no Passeio Marítimo de Algés, mas quanto à parte do “sem custos adicionais” não foi bem assim. Muito pelo contrário.

    Embora o Passeio Marítimo de Algés venha a ser aproveitado para um evento extra – o Encontro Vocacional do Caminho Neocatecumenal, que bem se poderia realizar no Parque Tejo-Trancão, onde se concentraram investimentos de vários milhões –, uma hora de presença papal no Passeio Marítimo de Oeiras levou Isaltino Morais a ser bastante folgado na abertura da bolsa dos contribuintes. Ainda mais porque houve uma suposta justificação: uma alegada urgência.

    Encontro do Papa Francisco com voluntários da Jornada Mundial da Juventude deixa factura de 2,5 milhões de euros. Para já…

    Por isso, todos os contratos da autarquia de Oeiras foram por ajuste directo. E tudo à última hora. E praticamente todos sem sequer contrato redigido a escrito, mesmo quando os montantes foram elevados. Ou seja, não ficará memória do que foi contratado nem se houve algum incumprimento. Tudo no segredo dos corredores onde serpenteia Isaltino Morais e a sua equipa.

    O PÁGINA UM fez uma visita minuciosa aos, por agora, 14 contratos disponibilizados no Portal Base, que totalizam 1.449.062, sem IVA. Com o imposto, sairá dos cofres da autarquia de Oeiras 1.782.347. Se se acrescentar a “empreitada de requalificação do estacionamento e zona envolvente” ao Passeio Marítimo de Algés – mais um ajuste directo, embora com contrato escrito (o que quase causa admiração), no valor de 649.509,50 para a Unikonstrói –, a factura da “birra” entre Costa e Moedas, que levou o último evento da JMJ para Oeiras, custou-nos 2.581.243 euros. Mas as contas ainda não se fecharam.

    O caso mais escandaloso – por ser de montante bastante elevado – passa-se com o contrato de “aquisição de serviços de produção, gestão do recinto, apoio à montagem e desmontagem de equipamentos” dos eventos, pelos quais a conhecida empresa de produção de espectáculos Everything is New, de Álvaro Covões, amealhou 684.500 euros. O contrato foi “assinado” apenas no passado dia 21 de Julho, e escreve-se assinado entre aspas porque, na verdade, não há papéis de contrato, porque, justificando-se com um artigo muito polémico do Código dos Contratos Públicos (artigo 95º), nem sequer foi redigido a escrito.

    Governo decidiu não manter todos os eventos em Lisboa. A decisão de deixar Isaltino Morais participar na festa deu em festim.

     

    Também de montante elevado foi o pagamento da “locação de equipamento de apoio para Host Broadcasting (televisão, rádio e jornais)” durante o encontro do Santo Padre com os voluntários da JMJ. A Câmara de Oeiras, mais uma vez sem contrato redigido a escrito, estabeleceu um contrato, apenas estabelecido na quarta-feira passada – e publicado no mesmo dia no Portal Base – de 162.600 euros com a empresa Eduardo Cunha Unipessoal.

    Com um montante também acima dos 100 mil euros encontra-se ainda mais um contrato por ajuste directo – mas neste caso, houve surpresa: há um contrato escrito e assinado, embora sem caderno de encargos no Portal Base. A beneficiada foi a empresa unipessoal de Ana Patrícia Rodrigues Miranda, com um capital social de 500 euros. O contrato, assinado em 28 de Julho e com um prazo de execução de apenas cinco dias, serviu para a “execução de arranjos exteriores nos passeios do terrapleno de Algés”, por um preço de 103.685,5 euros.

    Por valor um pouco inferior (95.417 euros) ficou estabelecido, no dia anterior, um contrato para a limpeza de grafites em Algés, Linda-a-Velha e Cruz Quebrada, justificando-se a urgência e o ajuste directo também por causa da Jornada Mundial da Juventude. E, claro, nem sequer foi reduzido a escrito. O beneficiário foi outra empresa unipessoal, a SLU – Sociedade de Limpeza Urbano Unipessoal, criada em Junho do ano passado por João Manuel de Castro Margalho, mas que apesar da tenra idade (o da empresa) já ultrapassa os 200 mil euros de facturação com entidades públicas, quase todas autarquias de Oeiras, Cascais e Sintra.

    Pórtico custou 25 mil euros. Papa entrou de carro por outra zona.

    Ainda abaixo de 100 mil euros, o PÁGINA UM detectou ainda mais 10 contratos, dos quais se destacam três com o mesmo valor: 75.000 euros. O primeiro serviu para a aquisição de merchandising relacionado com a JMJ, “em regime de fornecimento contínuo”, e foi um contrato oferecido no dia 26 de Julho à     Printshow. E diz-se oferecido porque foi por ajuste directo, sem contrato regido a escrito e também por ser este o primeiro contrato público de sempre obtido por esta empresa, apesar de existir pelo menos desde 2006.

    O segundo contrato deste montante (75.000 euros) foi também para show off: “aquisição de materiais de comunicação para decoração urbana, entregues a mais uma empresa unipessoal, a Plateia Efusiva. Criada em Agosto de 2020 por Pedro Manuel Santos Neves Rodrigues, esta empresa não se tem dado nada mal com a autarquia de Isaltino Morais: desde Janeiro de 2021 já sacou, por ajuste directo ou consulta prévia, cinco contratos no valor total de 19 mil euros. Curiosamente, a Plateia Efusiva só tem mais um outro cliente público até agora: a Câmara Municipal de Setúbal, que já lhe entregou, de “mão beijada” (leia-se, ajuste directo) ou por consulta pública, também cinco contratos, no valor total de quase 130 mil euros.

    Com um objectivo similar, neste caso a “aquisição de serviços de produção e implementação de materiais de comunicação”, o terceiro contrato de 75.000 euros foi entregue a uma sociedade anónima, a L2 Spirit. Estabelecido em 27 de Julho, o contrato foi, mais uma vez,  “ecológico”, não se gastando nem papel nem tinta: nada foi redigido a escrito. Sabe-se apenas que tem um prazo de execução de 12 dias, mas não se sabe bem de quê. Ou nada se sabe, na verdade.

    Autarquia de Oeiras aproveitou o Passeio de Algés para acolher hoje o Encontro do Caminho Neocatecumental. O Parque Tejo-Trancão esteve hoje vazio depois da colossal enchente de domingo de manhã.

    A Microsegur – que já conseguira um contrato por ajuste directo com a autarquia de Lisboa por seis dias no valor de quase 205 mil euros –, conseguiu ir buscar mais 63.980 euros por três dias a fazer o mesmo para a autarquia de Oeiras no Passeio Marítimo de Algés. Na verdade, não se sabe se foi o mesmo, porque também este contrato de “locação de equipamentos para deteção de materiais metálicos para a Jornada Mundial da Juventude” no Passeio Marítimo de Algés não foi redigido a escrito. Isaltino Morais foi ministro do Ambiente, mas parece um exagero esta busca de poupança no papel. O contrato da autarquia de Carlos Moedas, através da Polícia Municipal, sempre se fez em papel, embora com poucos detalhes porque se ignora o caderno de encargos.

    Mais um aluguer de material, neste caso de cinco ecrãs led, se fez com um ajuste directo no valor de 27.500 euros, e desta vez o beneficiado foi Fun Addict, escolhida em 21 de Julho. Sem contrato redigido a escrito, claro.

    Quanto ao “pórtico de entrada para Sua Santidade O Papa”, conforme consta na descrição do Portal Base, a autarquia de Isaltino Morais contratou a Bigbrand, por um preço de 25.000 euros. Um tapete de Arraiolos era capaz de ficar mais barato, e sempre se podia guardar. Onde está o contrato desta “obra de arte”? Nenhures! Mais uma vez, sem contrato redigido a escrito.

    Da esquerda para a direita: Carlos Moedas, Isaltino Morais, Marcelo Rebelo de Sousa, Francisco Rocha Gonçalves (vice-presidente da autarquia de Oeiras) e Jorge Barreto Xavier (director da Cultura da autarquia de Oeiras)

    Mais um contrato também não redigido a escrito usou a autarquia de Oeiras para transferir dinheiros públicos – mais precisamente 19.740 euros – com o intuito de concretizar o “aluguer de baias e barreiras de seguranças”. Mais uma empresa unipessoal beneficiada: a Duarte Teives Unipessoal. Barato ou caro? Não ficará memória em papel do serviço.

    Pela aquisição de “serviços de apoio ao controlo e vigilância, necessário e obrigatórios para a execução do plano de segurança e emergência, do recinto da jornada Mundial da Juventude” (sic), o município de Oeiras gastou mais 17.520 euros. A feliz contemplada foi a empresa Protecção Total. Para fazer o quê? Não se sabe porque não houve contrato redigido a escrito e, portanto, muito menos caderno de encargos. A descrição no Portal Base diz, porém, que o contrato tem uma duração de 20 dias, o que não bate certo com a duração da JMJ no concelho de Oeiras. Pormenores.

    Descendo na lista dos contratos feitos à última hora pela autarquia de Oeiras, destaca-se também a “aquisição de 24 rádios portáteis para ligação à rede rádio de comunicações VHF digital do município de Oeiras no âmbito da Jornada Mundial da Juventude 2023”, pelo custo total de 16.344 euros. Coube à Advanced Resources amealhar o contrato, vendendo cada aparelho pela módica quantia de 681 euros sem IVA. Seria bom saber-se, através do Portal Base – que é uma plataforma de contratação pública em prol da transparência – se foi um bom negócio para o erário público, mas não dá: este foi mais um contrato sem ser redigido a escrito.

    Altar-palco no Parque Tejo-Trancão: VIP perto; povo longe.

    Por fim, para prestar “serviços técnicos de elaboração, implementação e acompanhamento do Plano de Segurança da Jornada Mundial da Juventude”, o município também contratou por 7.800 euros a Wise Safety, que por sua vez tinha sido contratada também para o mesmo fim pela autarquia de Lisboa. No entanto, se no município da capital houve contrato, em Oeiras prescindiu-se dessa burocracia.

    Portanto, contabilizando tudo o que aconteceu em Oeiras, por causa de uma hora de festa – o encontro do Papa Francisco com os voluntários –, assistimos a um festim: 2,5 milhões de euros entregues através de 15 contratos (14 da autarquia e um de uma empresa municipal) por ajuste directo, dos quais apenas dois tiveram honras de ser escritos. Para o ano, em Portugal, comemora-se o meio centenário de uma democracia, já cortada ao meio…


    N.D. O PÁGINA UM decidiu não contactar a Câmara Municipal de Oeiras, porque toda a informação factual consta no Portal Base, a plataforma por excelência da transparência na contratação pública. Considera-se que o Portal Base, gerido pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), deveria dar integral cumprimento à legislação, designadamente a inclusão de todas as peças do procedimento, como os cadernos de encargos. Por outro lado, a opção da autarquia de Oeiras por não redigir contratos públicos é, por si só, uma declaração de gestão da res publica, e portanto não carece de pedido de justificação por parte de um jornalista – vale por si mesma.

  • Este país não é para burocratas: apenas seis dos 175 contratos da Jornada Mundial da Juventude foram a concurso público

    Este país não é para burocratas: apenas seis dos 175 contratos da Jornada Mundial da Juventude foram a concurso público

    Só desde Julho foram realizados 106 contratos públicos urgentes para a realização da Jornada Mundial da Juventude. Praticamente tudo por ajuste directo, muitos sem redução a escrito. Neste forrobodó sem controlo – em cada 10 contratos, há nove sem concorrência ou esta é muito limitada – encontra-se de tudo um pouco. A conta conhecida, através do Portal Base, em contratos que fazem referência ao evento da Igreja Católica já superou os 35 milhões, mas deve subir nas próximas semanas. O PÁGINA UM faz o raio-X, por agora possível, do apoio público de um Estado laico à Igreja Católica, e onde se vislumbram muitos pecados e pecadilhos. Se Deus não dorme e será porventura o único que sabe como foram congeminados muitos destes contratos , veremos nos próximos tempos se o Tribunal de Contas anda ou não a dormir.


    Uma chuva de contratos sobretudo a partir de Julho, e quase todos por ajuste directo, estão a fazer elevar a factura pública da Jornada Mundial da Juventude. A conta já vai em 35.497.562 euros, mas continuam a chegar nas últimas semanas dezenas de contratos de última hora, sobretudo para pequenas (mas por vezes bastante onerosas) obras, gastos logísticos e acções de promoção.

    De acordo com um exaustivo levantamento do PÁGINA UM aos contratos públicos – ou seja, sem contabilizar os gastos da Igreja Católica –, até agora as facturas destas despesas públicas – pagas, na verdade, pelos contribuintes – foram canalizadas, para efeitos de pagamento, para o município de Lisboa – quase 17,2 milhões de euros, que inclui também as despesas da sociedade de reabilitação Lisboa Ocidental e a EGEAC –, para o Governo e instituições da Administração Pública – 10,4 milhões de euros, sobretudo por despesas arcadas pelo orçamento da Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros –, para o município de Loures (quase 5,2 milhões de euros) e para o município de Oeiras (2,1 milhões de euros).

    Muito mais atrás, mas com valores ainda relevantes, encontram-se os municípios de Almada (252 mil euros) e de Cascais (210 mil euros). Contabilizando todos os contratos declaradamente associados à Jornada, encontram-se 19 entidades, incluindo alguns municípios geograficamente afastados da Grande Lisboa (ou de Fátima), mas que quiseram dar apoio aos peregrinos, como foram os casos das autarquias de Vila do Conde, Felgueiras e Resende.

    Embora ainda estejam a faltar, por certo, muitos contratos de última hora, o PÁGINA UM já conseguiu identificar, desde 2021, um total de 175 adjudicações relacionadas com os eventos que trouxeram o Papa Francisco e uma multidão de jovens a Portugal durante esta semana. E se até ao final do ano passado grande parte das despesas se referiam a empreitadas de obras públicas – que já totalizam 16,9 milhões de euros –, nos últimos meses os contratos para aquisição ou locação de bens móveis e de prestação de serviços começaram a prevalecer, e são agora largamente maioritários, quer em número, quer em valor.

    Apesar da decisão de se realizar a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa ter sido tomada pela Igreja Católica em 27 de Janeiro de 2019 – e que se deveria realizar inicialmente em 2022, mas foi adiada por causa da pandemia –, só uma pequena parte dos gastos até agora apurados se realizaram antes do presente ano.

    Montante despendido por entidade pública adjudicante no âmbito da Jornada Mundial da Juventude (em euros). Fonte: Portal Base

    De acordo com os dados do Portal Base, das 175 adjudicações, apenas duas foram estabelecidas ainda em 2021 e mais 14 ao longo de 2022. Mesmo as 159 adjudicações realizadas este ano concentraram-se sobretudo a partir de Maio: 18 nesse mês, mais 19 em Junho e 101 em Julho. Até em Agosto foram assumidos contratos, quando já decorria a Jornada. Contam-se já cinco.

    As adjudicações mais antigas, e mais caras, estão sobretudo relacionadas com obras públicas, mas nem todas as de maior dimensão são anteriores ao presente ano. De entre os sete contratos com valor superior a um milhão, cinco foram assinados este ano. Os restantes dois foram assinados em Abril e em Dezembro de 2022: o primeiro para a reabilitação do aterro sanitário de Beirolas no Parque Tejo-Trancão, com um valor de quase 7 milhões de euros, entregue à empresa Oliveiras S.A. por concurso limitado por prévia qualificação; o segundo para a empreitada de execução da cobertura do altar-palco, com um custo de 1,06 milhões de euros, entregue à mesma empresa mas já por ajuste directo. Ambas eram da responsabilidade da empresa municipal Lisboa Ocidental.         

    Se isto se deveu a falta de planeamento, uma coisa é certa: facilitou a vida aos gestores públicos, porque a norma passou a ser, pela urgência, o ajuste directo a empresas que, enfim, ninguém sabe bem como e quais os critérios das escolhas.

    Os portugueses “voluntariam-se” também a pagar gastos no evento da Igreja Católica através de contratos que só Deus sabe bem como foram feitos.

    Um dos contratos mais polémicos foi o da construção do altar-palco no Parque Tejo-Trancão, entregue inicialmente por ajuste directo à Mota Engil em Janeiro deste ano por 4,24 milhões de euros. O preço seria reajustado para os 2,98 milhões, mas independentemente disso ainda houve três contratos de valor superior, um dos quais também por ajuste directo.

    De facto, além da recuperação dos terrenos do antigo aterro de Beirolas – que, na verdade, era uma lixeira, encerrada nos anos 90 por causa da Expo 98 –, no pódio das adjudicações mais caras encontra-se o fornecimento, montagem e operacionalização de sistemas de áudio e vídeo, iluminação ambiente, e respetivo abastecimento de energia, um contrato no valor de 5,96 milhões de euros à Pixel Light pela Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros por contrato público; e os trabalhos de preparação dos terrenos na zona ribeirinha da Bobadela à Alves Ribeiro, por um ajuste directo da autarquia de Loures no valor de quase 4,29 milhões de euros. Estes contratos foram assinados em Fevereiro e Março deste ano, respectivamente.

    Se nos 12 contratos com valores acima de meio milhão de euros, os ajustes directos já são a maioria – oito contra três concursos públicos e um concurso limitado por prévia qualificação –, o desequilíbrio aumenta ainda mais em contratos de menor valor. Desequilibrado é uma força de expressão: por exemplo, dos 25 contratos que envolveram um custo para os contribuintes entre 100 mil e 500 mil euros, todos – repita-se, todos – foram por ajuste directo.

    27 de Janeiro de 2019: Marcelo Rebelo de Sousa cantando vitória pela decisão da Igreja Católica em realizar a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, inicialmente prevista para 2022. Faltou-lhe avisar sobre a conta e o regabofe de ajuste directos.

    Encontrar um concurso público – ou seja, em que a concorrência é livre – nos contratos associados à Jornada Mundial da Juventude é quase como procurar agulha em palheiro: só há seis. Dos restantes 169, encontram-se 11 que tiveram consulta prévia – ou seja, são endereçados convites a empresas, geralmente três para que apresentem propostas –, uma por concurso limitado por prévia qualificação e, contas feitas, 157 por ajuste directo. Em suma, mais de 97% dos contratos não tiveram ou tiveram uma concorrência limitada. Numa parte substancial dos casos, muitos dos contratos por ajuste directo (que totalizam 90% das adjudicações) nem sequer foram reduzidos a escrito.

    Em todo o caso, como alguns dos contratos de maior dimensão foram lançados por concurso público, o peso relativo dos contratos por ajuste ditecto em termos de montante desce para os 55,3% (cerca de 19,6 milhões de euros), ficando bem acima dos montantes despendidos para adjudicações por concurso público (23,7 milhões de euros, ou seja, 23,7% do total), por concurso limitado por prévia qualificação (7,0 milhões, ou seja, 19,7%) e por consulta prévia (448 mil euros, ou seja, 1,3%).

    De entre as entidades com volumes de negócios mais apreciáveis no âmbito da Jornada Mundial da Juventude, há duas que se destacam por não quererem saber de burocracias para nada na hora de entregar dinheiros públicos: as autarquias de Almada e de Oeiras.

    A primeira, presidida pela socialista Inês Medeiros, fez nove contratos por ajuste directo no valor total de quase 252 mil euros. A segunda autarquia, liderada por Isaltino Morais, ainda usou mais vezes e com maiores encargos públicos este expediente: foram 14 contratos por ajuste directo que totalizam, para já, cerca de 1,45 milhões de euros. E diz-se “para já”, porque é provável que existam mais a serem publicados nos próximos dias no Portal Base, um vez que todos os contratos são muito recentes – o último é do dia 2 deste mês – e as entidades públicas têm, por regra, 20 dias para os publicitar. Se incluir o contrato da empresa municipal Parque Tejo, no valor de 650 mil euros, então contabilizam-se 15 contratos por ajuste directo que atingem 2,1 milhões de euros.

    Outras entidades não conseguem o pleno em ajustes directos por muito pouco. É o caso do município de Loures: dos 21 contratos no âmbito da Jornada Mundial da Juventude, apenas houve dois que não foram por ajuste directo, que envolveram contratos da ordem dos 145 mil euros. Os outros 19 contratos totalizaram, por ajuste directo, cerca de 5 milhões de euros. Ou seja, mais de 97% do montante gasto foi em contratos por ajuste directo.

    O município de Lisboa, liderado por Carlos Moedas, também adora ajustes directos. Directamente dos cofres municipais – exceptuando-se assim os gastos da Lisboa Ocidental e da EGEAC –, a autarquia da capital fez 23 contratos, e só um não foi por ajuste directo.

    Município de Oeiras conseguiu o pleno: todos os contratos associados à Jornada Mundial da Juventude foram sempre por ajuste directo.

    A excepção, merecedora de referência, foi o contrato com a empresa Estúdio Nave, assinado em Dezembro passado no montante de 29.450 euros para “aquisição da prestação de serviços para elaboração de projeto de desenvolvimento gráfico e maquetização, comunicação e city dressing para comunicação da Jornada”. Em todo o caso, a Estúdio Nave teve concorrência limitada: conseguiu a adjudicação por consulta prévia. Assim, globalmente, 97,6% dos gastos da autarquia da capital foram por ajuste directo.

    No meio disto, a entidade com melhor comportamento, mas apenas na aparência, acabou por ser a Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, responsável por 32 contratos no âmbito da Jornada Mundial da Juventude. Se olharmos para o volume de negócios, verifica-se que dos 10,3 milhões de euros gastos, apenas 1,9 milhões (18%) foram por ajuste directo, sendo que os restantes 8,9 milhões de euros foram em adjudicações por concurso público.

    Mas este segundo montante refere-se apenas três contratos de maior montante – o já referido da Pixel Light (quase 6 milhões de euros) e dois relacionados com saneamento e higiene, envolvendo o Grupo Vendap (quase 1,29 milhões de euros) e a Avistacidade (1,15 milhões de euros). De resto, todos os de valor inferior foram por ajuste directo, mesmo cinco com montantes entre 100 mil e 500 mil euros, onde se destaca uma obra feita pela empresa Oliveiras.

    Custo com o altar-palco foi a única polémica: inicialmente estava para custar 4,24 milhões de euros; acabou por ficar em 2,8 milhões, apenas cerca de 8% dos custos já apurados.

    Aliás, esta empresa da Batalha foi, na análise feita pelo PÁGINA UM, que elencamos, a mais beneficiada pela Jornada Mundial da Juventude: os quatro contratos – três por ajuste directo e um por concurso limitado por prévia qualificação – concederam-lhe uma facturação de quase 8.589.654 euros.

    O pódio é ainda ocupado pela Pixel Light, com 5.962.300 euros, e pela empresa de construção Alves Ribeiro, com 4.379.844 euros. Com contratos a superarem um milhão de euros encontram-se ainda a Mota Engil (2,98 milhões de euros), o Grupo Vendap (quase 1,4 milhões de euros) e a Avistacidade.

    Acima dos 500 mil euros encontram-se mais cinco empresas: Everything is New (684.500 euros), Unikonstrói (649.510 euros), Engexpor (627.200 euros), Irmarfer (596.000 euros) e Sinalcabo (542.272 euros). Por sinal, todas conseguiram o respectivo contrato sem concorrência: tudo por ajuste directo.

    Com montantes acima dos 100 mil euros encontram-se mais 25 empresas, todas com contratos por ajuste directo. Entre os 50 mil e os 100 mil euros estão 22 empresas e um indivíduo, Gonçalo Sanches Salgueiro, um militante do CDS. Abaixo dos 50 mil euros encontram-se mais 84 empresas e indivíduos para a prestação e aquisição dos mais variados bens e serviços. Praticamente tudo por ajuste directo, incluindo até a aquisição de 106 cabos de madeira para esfregonas à Afonso Rodrigues Unipessoal por 121,9 euros pela autarquia de Almada. Remetendo expressamente para o âmbito da Jornada Mundial da Juventude, este foi um dos dois únicos contratos que constam no Portal Base com um montante inferior a 3.000 euros. Estes dois, enfim, justificadamente por ajuste directo.

    Governo e Presidência da República estiveram na primeira fila para permitir gastos sem controlo, grande parte dos quais no último mês.

    Praticamente todos os contratos abaixo dos 50 mil euros foram por ajuste ditecto, entregue a pessoas conhecidas dos gestores públicos e autarcas. Na verdade, por concurso público, de entre os seis que se encontram, apenas três estão abaixo de um milhão de euros, e esses três foram todos ajudicados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, talvez para salvar a “honra do convento”.

    Mas isso deveria colocar uma questão: se a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa decidiu abrir concurso público para adjudicações de pequeno montante – um de apenas 386 euros, outro de 3.500 euros e outro ainda de 7.345 euros –, com os contratos a serem assinados em 13 de Julho deste ano, então qual foi a necessidade de a esmagadora maioria das entidades públicas terem decidido quase invariavelmente por ajustes directos, ainda mais quando estavam em causa montantes muitíssimo superiores.


    Para consultar a lista ordenada por montante dos beneficiados por contratos públicos, no âmbito da Jornada Mundial da Juventude publicados no Portal Base até 6 de Agosto de 2023, descarregue AQUI.

  • Lei das subvenções: Marcelo vê “zona cinzenta”, mas entidade que fiscaliza contas partidárias diz ser “clara”

    Lei das subvenções: Marcelo vê “zona cinzenta”, mas entidade que fiscaliza contas partidárias diz ser “clara”

    A entidade responsável pela fiscalização e monitorização das contas dos partidos políticos defendeu, em respostas enviadas ao PÁGINA UM, que não fez nem vai fazer nenhuma recomendação sobre o uso de subvenções atribuídas aos grupos parlamentares porque considera que a lei é clara. A posição contraria a declaração do Presidente da República, que já foi presidente do Partido Social Democrata, sobre a existência de uma “zona cinzenta” na lei. A Entidade das Contas e Financiamentos Públicos, que opera no âmbito do Tribunal Constitucional e viu uma alteração legislativa em 2018 retirar-se alguns poderes de fiscalização, remete para a lei que estabelece que as subvenções atribuídas aos grupos parlamentares podem abranger tanto as despesas para representação política como de actividade partidária.


    A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), que fiscaliza as contas dos partidos e das campanhas eleitorais, defende que nunca fez uma recomendação aos partidos sobre o uso das subvenções atribuídas aos grupos parlamentares e deputados porque considera que a lei é clara, não existindo incompatibilidades no uso daquelas verbas para despesas dos seus funcionários ou assessores em actividades de âmbito partidário ou político.

    Em respostas enviadas ao PÁGINA UM, aquela entidade independente, que opera junto do Tribunal Constitucional, declarou que, nunca fez uma recomendação aos partidos sobre a questão da aplicação das verbas por entender que a clareza da lei não o justifica.

    Esta posição contraria as declarações do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, no sentido de que existe uma “zona cinzenta” na legislação e que a lei precisa de ser clarificada.

    white Canon cash register

    A ECFP chegou a ter poderes para “definir, através de regulamento, as regras necessárias à normalização de procedimentos no que se refere à apresentação de despesas pelos partidos políticos e campanhas eleitorais”, mas estas competências foram-lhe retiradas em 2018, com a revogação do artigo 10.º da Lei de organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

    O tema das subvenções, ou apoios estatais, dos grupos parlamentares tem estado debaixo de polémica devido às buscas mediáticas realizadas pelo Ministério Público à casa do ex-presidente do PSD, Rui Rio, e outras figuras do partido, bem como à sede do partido. A polémica operação terá partido de uma denúncia anónima e a investigação centra-se em suspeitas de que alegadamente o PSD pagou salários de funcionários do partido com verbas públicas (subvenções) atribuídas ao grupo parlamentar.

    A operação policial recebeu fortes críticas pela sua mediatização e envolvimento da imprensa na divulgação das ações de busca.

    O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou, citado pela imprensa, que existe uma zona cinzenta na lei, no que toca às subvenções, que é preciso clarificar.

    Maria de Fátima Mata-Mouros, presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos

    Mas, para a ECFP, que é liderada pela magistrada Maria de Fátima Mata-Mouros, a lei relativa ao “Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais” não deixa margem para dúvidas: os funcionários e assessores que trabalhem em grupos parlamentares podem usar as verbas públicas de apoio aos grupos parlamentares para cobrir despesas de foro político ou partidário.

    O PÁGINA UM questionou a ECFP sobre se alguma vez fez algum alerta ou recomendação aos partidos no sentido de não utilizarem fundos dos grupos parlamentares para o pagamento de despesas e salários nos partidos.

    Na sua resposta, aquela entidade começa por esclarecer que “a ECFP pode emitir recomendações genéricas” nos termos previstos na lei, “com o objetivo de clarificar ou recomendar alguma prática que a lei, por si só, não esclareça”.

    Ou seja, para a ECFP a lei é clara, pelo que “não foi emitida qualquer recomendação concernente à matéria regulada naquele preceito legal”.

    Para a ECFP, “a questão colocada encontra resposta no n.º 4 do artigo 5.º do Lei 19/2003 de 20 de junho, na sua atual redação”, referente ao “Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais”. O artigo 5.º diz respeito à “Subvenção pública para financiamento dos partidos políticos”.

    Rui Rio, ex-presidente do PSD

    No número 4.º deste artigo pode ler-se: “A cada grupo parlamentar, ao deputado único representante de um partido e ao deputado não inscrito em grupo parlamentar da Assembleia da República é atribuída, anualmente, uma subvenção para encargos de assessoria aos deputados, para a atividade política e partidária em que participem e para outras despesas de funcionamento, correspondente a quatro vezes o IAS [Indexante dos Apoios Sociais] anual, mais metade do valor do mesmo, por deputado, a ser paga mensalmente, nos termos do n.º 6”.

    Ao que o PÁGINA UM observou, da análise aprofundada que fez às contas dos grupos parlamentares e dos partidos, dos últimos cinco anos, curiosamente o grupo parlamentar social-democrata até é um dos dois únicos partidos que registam verbas para despesas com pessoal do seu grupo parlamentar. O outro partido é o Bloco de Esquerda.

    Os restantes grupos parlamentares, incluindo o do PS, não registam nenhuma despesa com pessoal mas contabilizam verbas avultadas referentes a pagamentos de “fornecimentos e serviços externos”. No caso do grupo parlamentar do PS, regista o “desvio” de 1,4 milhões de euros para pagamentos de “fornecimentos e serviços externos”, entre 2018 e 2022.

    A ECFP foi criada em Janeiro de 2005 sobretudo para apoiar tecnicamente o Tribunal Constitucional na fiscalização das contas anuais dos partidos políticos e das contas das campanhas eleitorais.

    Em 2018, aquela entidade passou a poder proferir decisões finais sobre as contas dos partidos e das campanhas, bem como a aplicação de coimas e decisões dos processos de contraordenação. Cabe ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso, as decisões da ECFP em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos, nelas incluindo as dos grupos parlamentares.

  • “Extrême gauche” = “extrema-direita”? Um puxão de orelhas à RTP 3 (que não pediu desculpa)

    “Extrême gauche” = “extrema-direita”? Um puxão de orelhas à RTP 3 (que não pediu desculpa)

    O regulador dos media recebeu 120 queixas de telespectadores por a RTP3 ter emitido no noticiário “3 às 19”, de 25 de Março deste ano, declarações do ministro do Interior francês com legendas erradas, em que traduziu “extrême gauche” por “extrema direita” e “utra gauche” por “ultradireita”. Apesar de o canal ter corrigido as legendas, o regulador condena que o facto de que a pivot não ter corrigido de imediato a óbvia tradução errada que induziu os telespectadores em erro e também o facto de o erro ter sido mantido na emissão da RTP3 e na plataforma online RTP Play. Além disso, a ERC critica a RTP3 por nunca ter pedido desculpas aos telespectadores pelo erro. Apesar de algumas das queixas acusarem a RTP3 de fazer a tradução errada de propósito, a ERC diz não ter provas de que o objectivo fosse induzir em erro a opinião pública para culpar a extrema direita de violência que afinal foi levada a cabo por grupos de extrema esquerda.


    O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) condenou a actuação da RTP3 por ter emitido uma notícia em que traduziu erradamente declarações do ministro do Interior francês, sem que tenha depois feito a devida correcção adequadamente nem admitido o erro, pedindo desculpas aos seus telespectadores.

    Numa deliberação de 27 de Junho, publicada no seu site, o regulador dos media também ordenou a RTP a corrigir a notícia que mantém a tradução errada na plataforma RTP Play. No entanto, o PÁGINA UM confirmou que a ligação original do programa de informação foi desactivada entretanto, apagando assim o erro.

    Em causa está uma notícia emitida no noticiário “3 às 19” na RTP3, no dia 25 de Março, com declarações do ministro do Interior francês sobre protestos nacionais contra o decreto presidencial que alterou a idade de reforma dos 62 para os 64 anos de idade. Na notícia, o ministro do Interior, Gerald Darmanin, condena os protestos e a violência, que causaram feridos, e nas suas declarações no original em francês, aponta responsabilidades a manifestantes da “extrême gauche“, por duas vezes, e “ultra gauche“. Nas legendas, a RTP3 traduziu as declarações por “extrema direita” e ultradireita”.

    closeup photo of person carrying professional video recorder

    Nas legendas podia ler-se, recorda a ERC: “(…) milhares de pessoas deslocaram-se ao local, mais de 1 milhar das quais extremamente radicalizadas, extremamente violentas; entre as quais do movimento Black Bloc, membros da extrema-direita, da ultradireita, que atacam fisicamente os polícias”.

    Lia-se ainda: “E hoje, perante as imagens de extrema violência que sofrem os agentes policiais da república, quero, evidentemente, transmitir-lhes o meu apoio total e absoluto, dizer-lhes que estamos do seu lado e que esta demonstração de violência é absolutamente indesculpável, organizada claramente, como disse, por grupo de extrema direita”.

    No total, chegaram ao regulador 120 queixas de telespectadores pela tradução errada da RTP3, que se defendeu junto da ERC admitindo o erro e definindo-o como “um a[c]to falhado”.

    A ERC diz, na sua deliberação, que “Não existem elementos disponíveis que sustentem as alegações presentes em algumas das participações de que o erro terá sido intencional e com o propósito de manipular a opinião pública”.

    O regulador refere que, “ainda que padecendo de rigor, a ERC não dispõe de evidências que contrariem a justificação da RTP3”.

    O que é certo é que, apesar de o canal ter indicado à ERC que a sua direcção de informação “dete[c]tou de imediato o erro e solicitou, também de imediato, a sua correção nesse momento”, o regulador sustenta que “a RTP3 não logrou indicar de que forma corrigiu a informação em causa”.

    De facto, a ERC aponta que na plataforma RTP Play do serviço público de televisão, “e à semelhança do que aconteceu na emissão linear da RTP3, as legendas que traduzem as declarações do ministro permanecem incorretas, traduzindo “extrême gauche” por “extrema direita” e “ultra gauche” por “ultradireita””.

    O regulador destaca que “o serviço RTP Play não se constitui, nem assim deve ser visto, como um mero arquivo audiovisual”, estando registado na ERC “como um operador de serviço audiovisual a pedido, com o número de registo 800013”.

    O PÁGINA UM consultou hoje a plataforma RTP Play, e constatou que o vídeo referente à notícia em causa, emitida a 25 de Março, encontra-se visível no catálogo de vídeos disponíveis mas, quando se clica no mesmo, não é possível visualizá-lo.

    A ERC frisa que “por outro lado, até ao fim da emissão do noticiário “3 às 19″ daquele dia, não foi identificada a correção do erro, fosse pela pivô, fosse em peça editada”. “Tal atuação colide, sem margem para dúvidas, com o dever profissional constante da alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista (EJ)3, que dispõe ser dever dos jornalistas “proceder à retificação das incorreções ou imprecisões que lhes sejam imputáveis”, lembra a ERC.

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    O regulador salienta que “a retificação dos erros constitui um importante mecanismo de autorregulação à disposição dos órgãos de comunicação social e uma meritória prática jornalística em prol do dever de informar o público «com rigor e isenção» (alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do EJ”.

    Aponta também que foi “possível identificar no noticiário da RTP3 “24 Horas”, do mesmo dia, disponível na plataforma digital RTP Play, a mesma peça jornalística com as declarações do ministro francês já corrigidas, onde se traduz “extrême-gauche» por «extrema esquerda” e “ultragauche” por “ultraesquerda””.

    Contudo, “apesar de o noticiário “24 Horas” apresentar já a legendagem correta das declarações do ministro – ao contrário do que foi feito no bloco informativo “3 às 19″ -, não existiu, em momento algum, uma admissão do erro por parte da RTP3 perante o seu público”.

    A ERC conclui que “a RTP3 não fez uso do mecanismo de autorregulação à sua disposição, no sentido de corrigir e, sobretudo, admitir perante o público, um erro evidente que, no caso em apreço, induzia a uma leitura desajustada e errónea pelos telespectadores”. Indica que, “assim, a RTP3 insistiu na manutenção do erro, não observando o dever de informar com rigor e isenção, nem o dever de retificação”.

    O regulador deliberou então “instar a RTP a proceder à correção da notícia, que ainda se encontra na plataforma digital RTP Play” e “instar a RTP3 ao escrupuloso respeito pelas exigências de rigor informativo e pelos deveres deontológicos da profissão, bem como à utilização dos mecanismos de autorregulação ao seu dispor, no sentido de corrigir e admitir os erros perante os telespectadores, promovendo a transparência junto dos seus públicos”.

  • ERC detecta quatro grandes empresas de media com 15 contratos públicos forjados

    ERC detecta quatro grandes empresas de media com 15 contratos públicos forjados

    O jornalismo costumava ser o watchdog da gestão pública, mas afinal, nos últimos anos, práticas ilegais e eticamente reprováveis foram cometidas pelas próprias empresas de media. A fiscalização da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – que até foi branda e deixou escapar demasiados responsáveis editoriais – não apenas detectou “jornalistas comerciais”. Também se apanhou 15 contratos públicos forjados, sobretudo com autarquias, entre as quais a de Lisboa, então presidida por Fernando Medina, e a de Viana do Castelo, então liderada pelo actual secretário de Estado do Mar. Mas a ERC também considera que padecem de nulidades um contrato do Ministério da Economia e até um assinado por uma associação empresarial que tem Marcelo Rebelo de Sousa como presidente honorário. Impresa, Global Media, Cofina e Trust in News deverão ser agora “condenadas” a devolver os montantes pagos em contratos forjados, e os gestores públicos multados.


    Nulos – e como se nunca tivessem existido. São 15 os contratos assinados por quatro empresas de comunicação social “apanhados” pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que estarão feridos de nulidade por a data da sua celebração ser posterior às datas em que foram executados os serviços prestados.

    As deliberações do regulador – que, neste caso em concreto, incidem sobre alguns dos contratos públicos assinados sobretudo nos últimos três anos pela Impresa, Global Media, Trust in News e Cofina – terão já sido enviadas para o Tribunal de Contas, a entidade com competência para declarar a nulidade do contrato. Por norma, nestas circunstâncias, o Tribunal pode mandar devolver as verbas às entidades públicas e aplicar sanções aos dirigentes públicos que assinaram os contratos.

    Domingos de Andrade, durante um evento pago à Global Media pela autarquia de Setúbal, corporiza o “novo jornalismo” português: escreve notícias, dirige órgãos de comunicação social e estabelece parcerias comerciais para promover entidades, não se importando com o cumprimento de normas de contratação pública.

    Pela leitura das sete deliberações da ERC, divulgadas na sua totalidade na semana passada, contabiliza-se um contrato ilegal assinado pela Impresa , dois pela Trust in News, cinco pela Cofina e sete pela Global Media.

    De entre as entidades públicas que se disponibilizaram a forjar contratos encontram-se sobretudo autarquias – oito, no total, incluindo a de Lisboa, então liderada pelo actual ministro das Finanças, Fernando Medina –, mas também duas empresas municipais (de Gaia e de Lisboa), o Instituto Politécnico de Portalegre, o Instituto Camões, a COTEC (uma entidade empresarial, que tem Marcelo Rebelo de Sousa como presidente honorário) e até o Ministério da Economia, através da sua Secretaria-Geral.

    De acordo com diversas deliberações públicas da ERC – que têm estado a ser analisadas pelo PÁGINA UM –, em relação à Impresa está em causa um contrato com a EMEL, assinado pelos seus administradores Luís Natal Marques e Francisco Ramalhosa. Assinado em 26 de Fevereiro de 2020, no valor de 13.500 euros, tem como objecto a “aquisição de serviços para publicação de editorial com conteúdos publicitários sobre os 25 anos” desta empresa municipal de Lisboa.

    Contrato entre EMEL e Impresa, para um suplemento do Expresso, considerado ilegal pela ERC. O Tribunal de Contas foi chamado a declarar nulidade.

    Porém, o dossier sobre mobilidade que o sustenta já tinha sido publicado no Expresso em 7 de Dezembro de 2019 – ou seja, 81 dias antes do contrato –, sob a coordenação do jornalista José Miguel Dentinho, que estará agora, se a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) decidir actuar, sujeito a um processo disciplinar por ter executado tarefas jornalistas em cumprimento a um contrato comercial.

    No caso da Trust in News – a empresa que tem como título principal a Visão –, o regulador detectou dois contratos ilegais para pagar publicações na revista Exame

    No primeiro caso, envolveu um pagamento de 50.000 euros por parte da COTEC Portugal à TIN Publicidade e Eventos. O contrato serviu para formalizar a “aquisição de serviços de elaboração, produção e impressão de duas revistas, em formato físico e digital, assim como de 6 (seis) newsletters a desenvolver para e com a COTEC Portugal, no âmbito do Programa Advantage 4.0.”

    Saliente-se que a COTEC Portugal é uma associação privada sem fins lucrativos constituída em Abril de 2003 na sequência de uma iniciativa do então Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, mas tem um estatuto que a obriga ao cumprimento das normas de contratação pública. Tem, actualmente, Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente Honorário.

    Marcelo Rebelo de Sousa é presidente honorário da COTEC Portugal, associação empresarial que assinou um contrato forjado com a Trust in News. Foto: Rui Ochoa/ Presidência da República

    O contrato em causa foi assinado pela então presidente da COTEC Portugal, Isabel Furtado, em 28 de Dezembro de 2020, mas um dos suplementos da revista Exame, enviado pela Trust in News à ERC, já tinha sido afinal publicado 10 meses antes, em Fevereiro daquele ano.

    Embora a ERC não se tenha mostrado interessada em escalpelizar as newsletters e a outra revista, nem o caderno de encargos do contrato – onde, geralmente, se especificam em concretos as obrigações –, “apanhou” o director da revista Exame, Tiago Freire, a escrever o editorial desse primeiro suplemento, razão pela qual integra a lista de 14 “jornalistas comerciais” enviados à CCPJ pela ERC.

    O segundo contrato ilegal da Trust in News foi assinado com o Instituto Camões em 15 de Dezembro de 2020 pelo seu actual presidente, o embaixador João Ribeiro de Almeida. Envolvendo o pagamento de 31.099,30 euros para a produção e publicação de um encarte editorial na edição quinzenal saída em 2 de Dezembro, ou seja, 13 dias antes da data do contrato. Apesar de a Trust in News até admitir que houve jornalistas envolvidos, não os identificou, e a ERC não se interessou em saber quem foram.

    No caso dos seis contratos da Global Media, todos envolveram autarquias: Barreiro, Valongo, Lisboa, Aveiro (dois contratos), Setúbal e Estarreja.

    Em relação a autarquia do Barreiro, o contrato está associado ao pagamento de 19.995 euros pela “aquisição de serviços de comunicação no âmbito dos 500 anos da autarquia do Barreiro”.

    Câmara do Barreiro pagou quase 20 mil euros por um debate e cobertura noticiosa no Diário de Notícias. O debate foi moderado pela então subdirectora do DN e directora do Dinheiro Vivo, Joana Petiz (primeira, à direita). ERC concluiu que o contrato é nulo.

    A ERC verificou que o contrato foi assinado em 30 de Agosto de 2021, mas afinal a cobertura noticiosa de um dos eventos contratualizados realizou-se em 25 de Junho. Saliente-se que a Global Media confessou que um desses eventos, uma conferência, teve a moderação da então directora-adjunta do Diário de Notícias, Joana Petiz, mas a ERC não considerou que estaria a executar um contrato comercial, ao contrário da jornalista que escreveu sobre o evento (Alexandra Costa), que integra a lista de 14 “jornalistas comerciais”.

    Por sua vez, o contrato com a Câmara Municipal de Valongo teve um pagamento associado de 7.500 euros para “aquisição de serviços de comunicação e divulgação do evento ‘Switch to Innovation Summit’”, tendo sido assinado em 22 de Junho de 2021. Neste caso, a ERC acreditou que foi apenas publicidade, com um problema: foram inseridos no Jornal de Notícias uma semana antes da celebração do contrato.

    Contudo, na verdade, o contrato envolveu a participação de jornalistas da Global Media no evento pago pela Câmara Municipal de Valongo, em tons encomiásticos. Foi o caso do jornalista Paulo Ferreira, também investigador no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, que participou activamente no evento, moderando um debate com o presidente da edilidade. Ferreira não poderia ser mais louvaminheiro de Valongo, agradecendo o facto de o Jornal de Notícias ter sido convidado a ser media partner “nesta excelente iniciativa”.

    Jornalista Paulo Ferreira (primeiro à esquerda), do Jornal de Notícias, não poupou elogios ao presidente da autarquia de Valongo, José Manuel Ribeiro (segundo, à esquerda), que pagou o evento à Global Media, mas num contrato nulo.

    “Temo-nos habituado a olhar para Valongo como um município provocador no sentido de elaborar um conjunto de iniciativas que, como se diz hoje, saem um bocadinho da caixa”, afirmou Paulo Ferreira na introdução ao debate, congratulando-se de o periódico da Global Media já ter feito outros eventos com esta autarquia. José Manuel Ribeiro, autarca que pagou o evento, foi classificado por este jornalista do Jornal de Notícias como um dos “convidados” de “alto gabarito” do debate, completado com mais elogios grandiloquentes.

    No final do debate de 50 minutos, Paulo Ferreira despediu-se de José Manuel Ribeiro, e em nome “da direcção do Jornal de Notícias” agradeceu o convite e o desafio para “sermos media partner”, sem referir que houve um pagamento pela função. A ERC ignorou estes factos que consubstanciam a promoção feita por jornalistas a uma entidade pública pagadora.

    Quanto ao contrato da autarquia de Lisboa com a Global Media, que nem sequer foi reduzido a escrito, envolveu o pagamento de 17.500 euros e foi assinado em 24 de Maio de 2021, para, segundo consta no Portal Base, a “aquisição de serviços de campanha de comunicação para divulgação e promoção do seminário ‘O investimento público no pós-pandemia’, a realizar nos Paços do Concelho”.

    ERC analisou pela “rama” parcerias polémicas entre entidades públicas e empresas de media, mas não se importou com a participação dos directores editoriais, culpando apenas jornalistas que escreveram artigos abrangidos por contratos.

    Neste caso, a ERC caiu no logro das justificações da Global Media, porque na sua deliberação diz que “trata-se de um anúncio publicitário a um evento organizado pelo Município de Lisboa, publicado numa edição eletrónica do Diário de Notícias”, e também na edição em papel de 19 de Maio, ou seja, cinco dias antes do contrato.

    No entanto, bastaria a ERC fazer uma simples pesquisa na Internet para confirmar que a participação do Diário de Notícias num contrato de 17.500 euros foi mais do que publicar anúncios.

    Na verdade, o evento foi transmitido pelo site do Diário de Notícias, “com abertura garantida pelo [então] líder do executivo municipal, Fernando Medina”, tendo marcado “presença o vereador João Paulo Saraiva e o economista Alfredo Marvão Pereira como keynote speakers”. Na segunda parte, houve um debate com António Saraiva, então presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), e Augusto Mateus, professor e antigo ministro da Economia, “numa conversa moderada por Rosália Amorim, diretora do DN”. O então ministro do Planeamento, Nelson de Souza, ministro do Planeamento, encerrou a iniciativa.

    Assim, apesar da evidente participação activa da directora do Diário de Notícias numa prestação de serviços para a Câmara Municipal de Lisboa, envolvendo autarcas que pagaram o serviço à sua entidade empregadora, Rosália Amorim não foi identificada para a lista de “jornalistas comerciais” agora a contas, se assim o Plenário da CCPJ, com processos disciplinares por violação do Estatuto do Jornalista.

    Seminário pago pela Câmara Municipal de Lisboa à Global Media foi moderado pela directora do Diário de Notícias, que depois publicaria uma notícia sobre o evento. Este artigo noticioso é da autoria do jornalista Francisco de Almeida Fernandes, que embora detectado como “jornalista comercial” em conteúdos comerciais para o Expresso, não foi, neste caso, “fiscalizado” pela ERC.

    Curiosamente, o Diário de Notícias até publicou uma notícia sobre o seminário, na data do contrato (24 de Maio), destacando sobretudo a intervenção de Fernando Medina, que pagou, através dos cofres autárquicos, a operação de promoção. O artigo noticioso foi escrito pelo jornalista Francisco de Almeida Fernandes, que não foi alvo de análise neste caso, pese embora tenha sido identificado pela ERC como “jornalista comercial”, mas por conteúdos escritos para o Expresso.

    Em relação à autarquia de Aveiro, o primeiro contrato ilegal com a Global Media refere-se à “aquisição de serviços de organização da conferência “Aveiro no Centro da Resposta à Pandemia”, no âmbito do “JN Praça da Liberdade – Ciclo de Conferências”, contra o pagamento de 65.000 euros. O contrato foi assinado em 3 de Novembro de 2020.

    Também aqui a ERC fez uma análise pela rama, acreditando que se tratou apenas de “um anúncio publicitário a um evento organizado pelo Município de Aveiro, publicado na edição impressa de 16 de outubro de 2020 do Jornal de Notícias”, em data anterior à da celebração do contrato. Mais uma vez, além do contrato assinado fora do prazo, houve mais factos irregulares não analisados pelo regulador.

    Fernando Medina, então presidente da autarquia de Lisboa, pagou, em Maio de 2021, um total de 17.500 euros à Global de Notícias para promoção pública da sua acção política. O Diário de Notícias cobriu o evento, mas ERC diz que contrato é nulo por violação das regras de contratação pública. Foto: Luís Filipe Catarino/CML

    Com efeito, a ERC nem sequer procurou saber o que era a “JN Praça da Liberdade” por pesquisa na Internet, não verificando assim que o contrato englobava a organização de uma conferência no dia 23 de Outubro de 2020 – ou seja, duas semanas antes da sua celebração por ajuste directo, também sem redução a escrito.

    Na página do YouTube da Câmara Municipal de Aveiro até se pode visualizar a entusiástica abertura de Ribau Esteves, presidente da edilidade que pagou à Global Media, agradecendo ao jornalista Domingos de Andrade, também administrador da Global Media e director da TSF, por ser o “desafiador desta Praça da Liberdade”.

    Embora a conferência tenha sido apagada entretanto do site do Jornal de Notícias, ainda se encontra no portal do YouTube da autarquia de Aveiro uma intervenção de 21 minutos e 4 segundos de Ribau Esteves a promover a recuperação e a saúde financeira da sua edilidade. A promoção do autarca, numa conferência apresentada como conteúdo editorial, foi feita afinal sob o pagamento de uma factura de 65.000 euros saídos dos cofres públicos.

    A intervenção de Ribau Esteves tem, aliás um aspecto agora algo irónico. O autarca social-democrata aproveitou para lançar um forte ataque à intervenção do Tribunal de Contas, no controlo da corrupção, e está agora sujeito à acção do Tribunal de Contas que, com elevadíssima probabilidade, considerará nulo o contrato entre a Câmara Municipal de Aveiro e a Global Media.

    Câmara Municipal de Aveiro fez dois contratos forjados com a Global Media. Num dos eventos, Ribau Esteves até chegou a criticar a acção do Tribunal de Contas, que agora deverá considerar nulos aqueles contratos.

    Além deste, um outro contrato da autarquia de Aveiro, assinado em 19 de Dezembro de 2019 com a Global Media, estará também ferido de nulidade. A ERC diz que a Global Notícias lhe enviou um “anúncio publicitário” impresso na edição de 6 de Dezembro, ou seja, duas semanas antes da formalização do contrato.  Mas, estranhamente, o regulador não foi mais longe para desvendar os contornos de um contrato com um valor significativo (110.000 euros) que não se poderia esvair num mero anúncio publicitário.

    O contrato no Portal Base – no valor de 110.000 euros, repita-se – é completamente omisso sobre o âmbito do “evento ‘Sai pra Rua’ no âmbito do projecto ‘Boas Festas em Aveiro’”, porque tudo é remetido para um caderno de encargos não divulgado. Mas a ERC poderia exigir a sua entrega por via das suas funções fiscalizadoras. Não o fez.

    Em todo o caso, o PÁGINA UM detectou um programa da Câmara Municipal de Aveiro sobre essa iniciativa, que decorreu entre 1 de Dezembro de 2018 e 14 de Janeiro de 2019.

    Quanto ao contrato com a autarquia de Setúbal, foi assinado em 3 de Março de 2020 para uma conferência do Jornal de Notícias sobre regionalização, que também já desapareceu do site deste periódico, mas que ainda se encontra no site do município. Para promover a campanha a favor da regionalização, a conferência contou também com os então presidentes das autarquias dos Porto, Rui Moreira, de Oeiras, Isaltino Morais, e de Loures, Bernardino Soares, ficando estabelecido o pagamento de 19.997 euros.

    O problema é que o contrato, não reduzido a escrito, estipulava um prazo de execução de 12 dias, mas o evento apenas se realizou em 25 de Novembro. Ou seja, está em incumprimento das normas de contratação pública, sendo nulo.

    Maria das Dores Meira, então presidente da autarquia de Setúbal, pagou quase 20 mil euros por um evento organizado em 2021. Mas o contrato, assinado em Março, estipulava um prazo de execução de 12 dias. O evento só se realizou em Novembro. ERC defende nulidade do contrato.

    Curiosamente, Domingos de Andrade, o jornalista e administrador da Gobal Media, teve um papel particularmente interventivo no evento, sendo até citado no site da Câmara Municipal de Setúbal. Segundo um artigo camarário, Domingos de Andrade “realçou o facto de a regionalização ser um processo ‘assombrado por contradições, avanços e recuos, cavando o aumento do fosso entre as regiões’”, e que defendeu que, “embora para os opositores da regionalização a situação económica e social em que a pandemia de covid-19 deixou o país ‘sirva de pretexto para novos adiamentos’, esta ‘mostrou a falta que faz um nível intermédio de legitimidade política’”.

    Por fim, o sexto contrato ilegal entre autarquias e a Global Media ocorreu com a Câmara Municipal de Estarreja para a organização de eventos, no valor de 6.000 euros, de acordo com o Portal Base.

    Segundo a ERC, tratou-se de anúncios numa edição electrónica do Jornal de Notícias e na edição impressa de 16 e 22 de Fevereiro de 2020 sobre o Carnaval, ou seja, antes da data do contrato, que ocorreu em 28 de Fevereiro. No entanto, no Portal Base, onde surge a referência ao facto de o contrato não ter sido reduzido a escrito, foi acrescentada a informação de uma redução do pagamento para apenas 4.000 euros, uma vez que “não foi realizado um dos eventos contratualizado – GARCICUP 2020 (COVID-19)”. A ERC não aprofundou estas incongruências.

    Rosália Amorim, directora do Diário de Notícias, é uma recordista na participação de eventos pagos à Global Media por entidades públicas e privadas. Passou “pelos pingos da chuva” na análise feita aos contratos públicos por parte da ERC.

    Em relação aos cinco contratos da Cofina, estão em causa relações comerciais com o Instituto Politécnico de Portalegre, com a empresa municipal Gaiurb, as autarquias municipais de Viana do Castelo e Albufeira e ainda a Secretaria-Geral do Ministério da Economia.

    De acordo com a deliberação da ERC, o Instituto Politécnico de Portalegre assinou um contrato de prestação de serviços com a Cofina, em 25 de Maio de 2022, no valor de 74.950 euros, para “prestação de serviços de informação e publicidade no âmbito do Projeto Guardiões”.

    A ERC considerou aceitável que a Cofina justificasse um montante tão elevado (74.500 euros) através da inserção de apenas três comunicados de imprensa, devidamente identificados como tal, na Sábado e Jornal de Negócios. E apenas apontou como grave terem sido publicados antes da celebração do contrato, pelo que sinalizou o facto junto do Tribunal de Contas.

    No caso da Gaiurb – a empresa municipal de urbanismo de Vila Nova de Gaia –, a ERC comprovou que se tratava exclusivamente de um contrato comercial, com conteúdos inseridos na secção C-Studio, mas com data de contrato posterior à execução dos serviços. Com efeito, o contrato foi celebrado em 10 de Novembro de 2021, mas a ERC confirmou que os vídeos feitos estiveram disponíveis a partir de Junho desse ano, ou seja, mais de quatro meses antes. Por quatro vídeos, a Cofina recebeu 53.000 euros da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, que nos últimos anos tem sido pródiga a distribuir dinheiro pelos principais grupos de media.

    A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, presidida pelo Eduardo Vítor Rodrigues, é uma das autarquias que mais dinheiro distribui pelos diversos grupos de media.

    Quanto ao contrato com a autarquia de Viana do Castelo, em causa está a “prestação de serviços para organização de seminário e divulgação – Economia Azul”, assinado em 17 de Setembro de 2021, num valor de 13.500 euros. A ERC detectou, ou quis apenas detectar, que o contrato integrava a realização de um webinar (seminário) sobre Economia Azul (relacionada com os recursos económicos do mar), noticiado no Jornal de Negócios, que decorreu em 9 de Setembro daquele ano, ou seja, cerca de uma semana antes da celebração do contrato.

    Mas, na verdade, houve mais do que isto no decurso do webinar propriamente dito. Por causa da pandemia, teve presenças físicas e online, durante cerca de duas horas, e que se encontra ainda disponível no portal do YouTube da autarquia de Viana do Castelo. E embora a ERC não se tenha debruçado sobre esta questão, o webinar teve a introdução da directora do Jornal de Negócios, Diana Ramos, que falou que o ciclo de conferência contava com “o apoio da Câmara Municipal de Viana do Castelo”, agradecendo o “acolhimento”, e omitindo completamente a existência de um contrato de prestação de serviços e de pagamentos.

    Através de uma mensagem transmitida em vídeo, a directora do Jornal de Negócios não foi, aliás, nada parca em elogios ao município, de “uma cidade ligada ao mar e aos princípios da sustentabilidade”, que pagou o evento à Cofina.

    Em 9 de Setembro de 2021, Diana Ramos, directora do Jornal de Negócios, participou por vídeo num webinar pago pela autarquia de Viana do Castelo, tecendo um vasto rol de elogios. O contrato foi assinado uma semana depois. A ERC diz estar ferido de nulidade.

    Diana Ramos opinou até que “Viana do Castelo está, aliás, a construir um percurso de centralidade na área da inovação e da nova Economia Azul, e que já tem reflexos cá dentro e lá fora”, e que “para esse caminho tem sido essencial a atracção de investimentos e de projectos de empresas estrangeiras na área das energias renováveis marinhas, a criação de uma plataforma multiusos de testes e ensaios com a participação de um conjunto de centros de investigação e desenvolvimento, e a presença de uma fileira industrial relevante na área da construção das embarcações e das plataformas off shore.

    Ao concluir, Diana Ramos acrescentou que “este webinar pretende, por isso, destacar o conjunto de activos e dinâmicas que esta cidade [Viana do Castelo] apresenta no domínio da Economia Azul”. O discurso oral de Diana Ramos, um autêntico panegírico ao município que pagou o evento, evidenciava ter sido previamente escrito.

    O Estatuto do Jornalista considera incompatível “a apresentação, através de texto, voz ou imagem, de mensagens publicitárias”, algo que se mostra patente no discurso da directora do Jornal de Negócios, ademais sabendo-se da existência do contrato com a entidade que Diana Ramos elogiou. Aliás, o Estatuto de Jornalista também proíbe funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem.

    Contudo, a ERC não se debruçou sobre esta matéria, e a directora do Jornal de Negócios não foi listada nos “jornalistas comerciais” identificados pelo regulador dos media para envio à CCPJ para eventuais processos disciplinares.

    Filipe Fernandes, jornalista do Jornal de Negócios, foi “pau para toda a obra” em contratos da Cofina. Moderou um seminário em Viana do Castelo e escreveu conteúdos comerciais em cumprimento de, pelo menos, quatro contratos analisados pela ERC.

    Menos sorte, em comparação com a sua directora, teve o jornalista Filipe Fernandes. Além de ter sido mestre-de-cerimónias do webinar – que contou, entre outros, com a presença de António Nogueira Leite, presidente do Forum Oceano, que co-organizou o evento, e do presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, António Cunha –, este jornalista ainda assinou textos de um suplemento impresso no Jornal de Negócios em 23 de Setembro. Daí constar como um dos 14 “jornalistas comerciais” identificados pela ERC.

    Mas o maior absurdo deste webinar – ou melhor, a falácia junto dos leitores sobre um evento pago à Cofina pela Câmara Municipal de Viana do Castelo – observou-se, porém, na intervenção do então presidente da edilidade. Apesar de José Maria Costa, que agora ocupa a Secretaria de Estado do Mar, saber bem aquilo que se combinara – o pagamento de 13.500 euros à Cofina para a realização do evento –, não teve pejo de dizer o seguinte: “A minha primeira palavra é, naturalmente, de agradecimento ao Forum Oceano e ao Jornal de Negócios por nos darem a oportunidade de participar neste evento”.

    Por seu turno, o contrato da Cofina com a autarquia da Albufeira envolveu uma verba bem superior (70.000 euros), mas com contornos que evidenciam uma clara aquisição de serviços de promoção de imagem sob a forma de notícias e utilização de jornalistas. O caderno de encargos não consta no Portal Base nem a ERC o solicitou à Cofina, pelo que apenas se sabe que o contrato serviu para aquisição de um “plano de comunicação, valorização e divulgação da marca Albufeira a nível nacional”, estando com data de 27 de Abril de 2021.

    José Maria Costa, actual secretário de Estado do Mar, presidia à autarquia de Viana do Castelo em 2021, quando pagou 13.500 euros à Cofina. Chegou a agradecer publicamente ter sido convidado para o evento (que pagou). ERC diz que contrato é nulo.

    Além de detectar que houve notícias escritas pelo jornalista Filipe Fernandes – que, aliás, foi um “pau para toda a obra” da Cofina, porquanto na deliberação da ERC é referenciado como autor de textos comerciais em quatro contratos (Viana do Castelo, Melgaço, Comunidade Intermunicipal do Cávado e Albufeira) –, o regulador verificou que houve notícias sobre Albufeira publicadas, no âmbito deste contrato, entre os dias 8 e 10 de Abril. Ou seja, mais de duas semanas antes da celebração do contrato, daí que o Tribunal de Contas irá agir.

    Mas aquilo que mais surpreende, neste caso, acaba por ser o teor das notícias associadas ao contrato, que aparentam ser “normais”, isto é, não há vestígios aparentes (para os leitores) de se tratar de artigos comprados. Com efeito, uma dessas notícias, assinadas por Filipe Fernandes, aborda “a aplicação Albufeira Safe” que pretenderia ser “um instrumento de turismo responsável com todos os cuidados sanitários para visitantes e residentes”. A fonte da notícia era Délio Pescada, chefe de gabinete do presidente da autarquia de Albufeira, a adjudicante do contrato de 70.000 euros pagos à Cofina.

    Outra notícia, também assinada por Filipe Fernandes, tratou de “vender o peixe” de uma empresa de venda de peixe de Albufeira, a Nutrifresco, mas num tom perfeitamente jornalístico. Ou melhor dizendo, sendo um produto comercial apresentada como publicidade redigida (por jornalista).

    ERC demorou quase um ano a analisar contratos públicos com grupos de media, mas nem sequer analisou os cadernos de encargos.

    Estas duas notícias tinham, contudo, ligação íntima a um seminário de três dias, que decorreu em Albufeira, nos dias 8, 9 e 10 de Abril daquele ano, no âmbito do denominado Albufeira 21 Summit. O evento foi transmitido ininterruptamente em directo pelas plataformas da revista Sábado e do Jornal de Negócios. Mas aqui a ERC nada quis ver sobre promiscuidades entre a autarquia de Albufeira e os órgãos de comunicação social da Cofina.

    E houve muita. Muita cobertura supostamente noticiosa, sobretudo pela estação de televisão CMTV, como se pode confirmar numa síntese dos serviços noticiosos que consta no site da Cofina Boost Solution. Aí encontra-se referência da parceria com a revista Sábado, então dirigida pelo jornalista Eduardo Dâmaso, mas sem ser feita qualquer menção a pagamento por prestação de serviços.

    Aliás, Eduardo Dâmaso, que esteve muito activo na conferência de promoção de Albufeira durante os três dias, nesse vídeo de síntese da cobertura do evento pela CMTV diz mesmo que “qualquer empresa de media tem, obviamente, a obrigação de acompanhar este tipo de discussões que são decisivas para um concelho como Albufeira mas também para o país”. A Cofina tinha então, na verdade, dupla obrigação, uma vez que estava mesmo obrigada contratualmente a honrar os compromissos para receber os 70.000 euros da autarquia algarvia.

    CMTV fez cobertura noticiosa de evento pago à Cofina (70.000 euros) pela autarquia de Albufeira. ERC só decretou contrato nulo por violação de normas da contratação pública. O regulador não analisou promiscuidades que envolveram jornalistas da CMTV e até o antigo e actual director da revista Sábado.

    Nas sessões do evento, que ainda constam na plataforma do Youtube da Câmara Municipal de Albufeira, visualizadas pelo PÁGINA UM, surge sempre como mestre-de-cerimónias uma jornalista e pivot da CMTV, Daniela Polónia, que esteve intensamente ao serviço da conferência. Mas detectou-se também a participação activa de mais jornalistas da Cofina, e com responsabilidades editoriais. Foram os casos de Eduardo Dâmaso – que, no último dia, numa intervenção de cerca de 15 minutos, teceu variados elogios à autarquia – e de Nuno Tiago Pinto, então chefe de redacção da revista Sábado e seu actual director, que moderou um debate no dia 9.

    Nenhum destes três jornalistas foram listados pela ERC como “jornalistas comerciais”, uma vez que não terão escrito nada – como Filipe Fernandes –; só deram corpo e voz na execução de contratos comerciais.

    Por fim, o contrato de prestação de serviço entre a Secretaria-Geral do Ministério da Economia com a Cofina tratou-se, na verdade, de uma encomenda para “produção de conteúdos e respectiva publicação no Jornal de Negócios”, através de diversos suplementos denominados “Negócios Iniciativas – A Indústria em Tempos de Pandemia”, tendo o IAPMEI como alegado parceiro.

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    Pelo menos uma parte dos textos de execução dos contratos foram assinados pelo director-adjunto do Jornal de Negócios, Celso Filipe, e pelo jornalista António Larguesa, de acordo com a deliberação da ERC.

    Embora o regulador não tenha procurado pelo caderno de encargos, não disponível no Portal Base, o contrato no valor de 18.000 euros foi assinado em 1 de Julho de 2020, sendo que os suplementos foram publicados entre 30 de Abril e 21 de Maio, razão pela qual também o Tribunal de Contas terá sido também já chamado a intervir.

    Contas feitas, os 15 contratos que correm forte risco de serem considerados nulos pelo Tribunal de Contas atingem um montante global de 568.041 euros.


    N. D. Apesar de nesta nossa notícia já se apresentar o acesso a algumas das sete deliberações da ERC sobre contratos públicos com grupos de media  (Global Media, Trust in News, Impresa, SIC, TVI, Cofina e Público) – que, aliás, são públicos no site da ERC –, optou-se por aguardar a publicação de um terceiro artigo de investigação no PÁGINA UM, para então as listar no nosso servidor.

  • Acórdão demolidor do Tribunal Central Administrativo dá (terceira) vitória do PÁGINA UM contra o Conselho Superior da Magistratura

    Acórdão demolidor do Tribunal Central Administrativo dá (terceira) vitória do PÁGINA UM contra o Conselho Superior da Magistratura

    Em causa está o acesso ao inquérito sobre a distribuição da Operação Marquês, e o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação de Portugal que não aceitou um NÃO do todo-poderoso Conselho Superior da Magistratura. E foi à luta pelos direitos de acesso à informação. Primeiro, na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Venceu, mas o CSM recusou. Segundo, no Tribunal Administrativo de Lisboa. Venceu, mas o CSM recorreu. E o PÁGINA UM viu agora três desembargadores darem-lhe razão. Terceira vitória. Haverá novo despique, agora no Supremo Tribunal Administrativo, para um provável 4-0, ou o CSM vai aceitar que se vive numa democracia?


    A sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, anunciada em Junho do ano passado era já claríssima: “Em face do que antecede, julgo a presente acção intentada por Pedro Almeida Vieira [director do PÁGINA UM] procedente e, em consequência, intimo o Conselho Superior da Magistratura [CSM] a, no prazo de 10 dias, facultar-lhe o acesso aos documentos por aquele solicitados através do seu requerimento de 2 de Dezembro de 2021”.

    Este deveria ter sido o corolário de sete meses de legítima pressão do PÁGINA UM – consubstanciada na Lei de Acesso aos Documentos Administrativos e da Lei da Imprensa – sobre o CSM para a obtenção do célebre inquérito à distribuição do processo da Operação Marquês em 2014 – então entregue sem sorteio ao juiz Carlos Alexandre, e que culminaria então com a detenção do ex-primeiro-ministro, José Sócrates.

    Conselho Superior da Magistratura quis sempre manter secretismo sobre os meandros da Operação Marquês.

    Mas não foi, Na verdade, foi preciso mais um ano, muito mais papel, mais um parecer do Ministério Público, e um acórdão de três juízes desembargadores de 23 páginas para fazer cumprir um direito óbvio de acesso a documentos administrativos e ao exercício da liberdade de imprensa.

    O “caso” foi espoletado pelo PÁGINA UM em finais de 2021, mas era uma história antiga. Sistematicamente, o CSM recusava a divulgação do famoso inquérito à entrega ao juiz Carlos Alexandre do mais famoso processo judicial em tempos de democracia, a Operação Marquês. Este inquérito tinha feito já correr muita tinta, incluindo um processo judicial de José Sócrates contra o Carlos Alexandre, que acabou arquivado pelo Tribunal da Relação em Maio do ano passado.

    Porém, nunca este inquérito viu a “luz do dia”, como se fosse um segredo de Estado, e não um episódio fundamental para percebermos os bastidores da Justiça em Portugal.

    O PÁGINA UM não aceitou e foi dar luta ao CSM onde se deve fazer num Estado de Direito: nos palcos da lei e a ordem, enfrentando uma das cúpulas da Justiça – ou seja, exercendo a nobre função do Jornalismo

    Primeira página do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul concedendo o direito de acesso ao PÁGINA UM.

    Primeiro, pedindo formalmente os documentos, corria o mês de Dezembro de 2021. Em 21 desses mês, a juíza Ana Sofia Wengorovius, adjunta do CSM, recusou liminarmente, emitindo um parecer alegando que o acesso por um jornalista àqueles documentos violaria ou afectaria “os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”, salientando que, para alguém poder consultar o inquérito, teria obrigatoriamente de invocar um “interesse atendível ou legítimo”.

    O PÁGINA UM recorreu então à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), presidida pelo juiz conselheiro Alberto Oliveira, que viria a dar razão ao PÁGINA UM em 17 de Fevereiro de 2022.

    Mas nem assim o CSM se disponibilizou a ceder os documentos do inquérito, advogando que o parecer da CADA não era vinculativo, acabando mesmo por “convidar” o PÁGINA UM a recorrer para o Tribunal Administrativo de Lisboa.

    O órgão superior de gestão e disciplina dos juízes dos tribunais judiciais portugueses considerou então, através da também juíza Ana Cristina Chambel Matias que “o Requerente [director do PÁGINA UM] não invocou, nem demonstrou que o acesso aos documentos constantes do processo de averiguações em causa são necessários para a tutela de um qualquer seu direito ou interesse legalmente protegido para que lhe seja conferido o direito a esse acesso”, acrescentando que “apesar de notificado por mais de uma vez pelo CSM, não concretizou cabalmente os elementos pretendidos dentro das condicionantes próprias do procedimento e não esclareceu qual a finalidade do acesso e da recolha de tais documentos”.

    Na verdade, o PÁGINA UM sempre alegou que o estatuto de jornalista era suficiente, tendo sim recusado justificar se a consulta se consubstanciaria em notícia ou não.

    O PÁGINA UM decidiu então seguir para a verdadeira luta judicial: o Tribunal Administrativo, naquele que viria a ser o primeiro processo de intimação financiado pelos seus leitores, através do FUNDO JURÍDICO,

    Em sede de contestação, o CSM insistiu na tese da existência de “dados nominativos” nos documentos do inquérito. Porém, em vez de acreditar piamente no CSM, o juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa, Pedro Almeida Moreira, exigiu que lhe fosse enviado “em envelope selado, cópia dos documentos a que o Requerente [director do PÁGINA UM] pretende aceder, de molde a permitir a este Tribunal aquilatar se os mesmos contêm ou não ‘múltiplos dados pessoais’ e, ‘se a isso se chegar, tecer um juízo de proporcionalidade concernente aos interesses que aqui se encontram concretamente em jogo’”.

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    A sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, em 30 de Junho do ano passado, foi o primeiro revés para o CSM, uma vez que o juiz Pedro Almeida Moreira considerou, consultando o inquérito à distribuição da Operação Marquês, que este “não configura um documento nominativo, em sentido próprio”, uma vez que “em causa estão unicamente dados atinentes aos intervenientes no procedimento de distribuição processual, atuando no exercício das funções públicas que lhes estão por lei cometidas, não abrangendo qualquer informação relativa à dimensão da vida privada”.

    O juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa tecia mesmo duras críticas às alegações do CSM, considerando que “a vingar a interpretação que aqui é propugnada pelo Requerido [CSM], isso significaria que o mero nome de um funcionário público que tenha intervindo num qualquer procedimento administrativo apenas poderia ser tornado acessível aos interessados após a ponderação dos interesses em jogo no âmbito de um juízo de proporcionalidade, o que não se mostra aceitável em face das exigências de transparência que impendem sobre a Administração, nos termos constitucional e infraconstitucionalmente consagrados.”

    Mas o CSM não se deu por vencido com a opinião da CADA e do Tribunal Administrativo de Lisboa, recorrendo – e obrigando o PÁGINA Um a suportar mais encargos judiciais – para o Tribunal Central Administrativo Sul. E o acórdão demorou, mas saiu no final da passada semana. E é um acórdão demolidor.

    Más notícias, portanto, para os conselheiros do CSM.

    Mas óptimas notícias para a transparência pública e para a liberdade de imprensa num sistema democrático.

    Sentença do juiz Pedro Almeida Moreira foi “validada” por três desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul, que lançam críticas à atitude do Conselho Superior da Magistratura.

    O acórdão, votado por unanimidade pelos desembargadores Lina Costa (que foi a relatora), Catarina Vasconcelos e Rui Pereira em 29 de Junho passado, arrasa em toda a linha a argumentação que o CSM usou para evitar o acesso ao inquérito.

    E até aborda em detalhe o argumento do CSM de que o director do PÁGINA UM não tinha justificado – porque se recusou a justificar, por ser óbvio aquilo que um jornalista faz – a finalidade dos documentos requeridos.

    Para os desembargadores, a sentença inicial do juiz Pedro Almeida Moreira é para manter em toda a linha, concluindo que não houve qualquer “erro de julgamento da não pronúncia sobre a não indicação da finalidade do acesso solicitado, nem sobre a natureza pré-disciplinar da informação, além de não ter havido qualquer “erro de julgamento de falta de fundamentação do juízo de proporcionalidade efectuado”.

    O acórdão mostra-se, aliás, particularmente importante por clarificar a questão da suposta protecção de dados nominativos, que tem estado a ser levado ao extremo, através da recusa de acesso ou à eliminação até do nome de funcionários públicos em documentos administrativos, como se tem observado no Portal Base com os contratos públicos.

    Nessa linha, os desembargadores salientam que “essa presunção devia ter sido efectuada, nos termos da lei [o referido nº 9 do artigo 6º da LADA], pelo Recorrente, “enquanto entidade administrativa que recebeu o pedido (…) e conhece o teor dos documentos em referência, sabendo ou podendo verificar que não respeitam a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa, titular/es dos dados pessoais neles constantes”, o CSM deveria ter permitido logo o acesso.

    Porém, “não o fez”, como escrevem os desembargadores, “recusando o acesso requerido com fundamento de que os documentos eram nominativos e, sustentando no recurso, que têm de ser cumpridos os princípios plasmados no RGPD (Regulamento Geral da Protecção de Dados], como sejam a demonstração e concretização da finalidade do acesso aos dados pessoais contidos em tais documentos e do interesse pessoal e directo no mesmo.”

    Os desembargadores concluem que o CSM não poderia ter decido assim, uma vez que o PÁGINA UM, “ao abrigo do direito de acesso a informação não procedimental, pretend[ia] saber o que consta dos documentos e não apenas os dados pessoais, não tendo aquele que observar o que consta do RGPD, mas sim na LADA [Lei do Acesso aos Documentos Administrativos], até em decorrência do disposto no artigo 26º da Lei da Protecção de Dados Pessoais.”

    O CSM foi ainda condenado a pagar as custas do processo, mas pode ainda recorrer para a última instância para o Supremo Tribunal Administrativo. Essa opção implicaria novo atraso num processo que é considerado urgente – mas que já vem de 2021 – e mais custos para o PÁGINA UM.

    Mas, se tal suceder, o CSM arrisca também perder uma quarta vez, depois de uma deliberação da CADA, de uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa e deste recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul.


    N.D. Os processos de intimação do PÁGINA UM só são possíveis com o apoio dos leitores. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • ERC poupa directores e decide (só) identificar 14 “jornalistas comerciais”

    ERC poupa directores e decide (só) identificar 14 “jornalistas comerciais”

    Demorou mais de um ano, mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) analisou várias dezenas de contratos comerciais entre entidades públicas, incluindo Governo e autarquias, e as principais empresas de media. Para já, destacam-se, em sete deliberações, a identificação de 14 jornalistas que cumpriram tarefas para a execução dos contratos, algo incompatível com a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalista. Nunca antes houve tantos casos suspeitos de “jornalismo comercial”, que agora ficam nas mãos da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, com funções disciplinares. Mas a ERC deixou na maior das impunidades os directores editoriais, mesmo se muitos são mestres-de-cerimónia em eventos pagos. Só o director da Exame e o director-adjunto do Jornal de Negócios foram “apanhados”.

    ESTA NOTÍCIA MERECEU UM DIREITO DE RESPOSTA SOLICITADO POR CELSO FILIPE, DIRECTOR-ADJUNTO DO JORNAL DE NEGÓCIOS, PUBLICADO VOLUNTARIAMENTE PELO PÁGINA UM, QUE PODE SER LIDO AQUI.


    Numa acção sem precedentes, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) identificou 14 jornalistas por escreveram conteúdos pagos em resultado de contratos assinados por grupos de media.

    Em sete processos abertos em reacção a questões colocadas pelo PÁGINA UM em Junho do ano passado, no âmbito exclusivo da sua função jornalística, após uma notícia sobre o financiamento dos media, o regulador decidiu analisar mais de meia centena de contratos com entidades públicas assinados por sete grupos de media (Global Media, Trust in News, Impresa, SIC, TVI, Cofina e Público), a análise do regulador foi feita de forma a inocentar as direcções editoriais dos órgãos de comunicação social.

    ERC demorou quase um ano a analisar contratos públicos com grupos de media, mas nem sequer analisou os cadernos de encargos.

    Com excepção de Celso Filipe, director-adjunto do Jornal de Negócios (Cofina) e do director da Exame (Trust in News), nenhum outro director dos media analisados – entre os quais o Diário de Notícias, Jornal de Notícias, TSF, Expresso, Visão, Público, SIC e TVI – foram identificados pela ERC como tendo participado activamente na execução de contratos comerciais, mesmo se, por exemplo, uma parte substancial deles participa regularmente como moderador de eventos pagos.

    São, por exemplo, os casos já detectados pelo PÁGINA UM de Mafalda Anjos (directora da Visão), Rosália Amorim (directora do Diário de Notícias), David Pontes (antigo director-adjunto e actual director do Público), Manuel de Carvalho (director do Público até Maio deste ano), Inês Cardoso (directora do Jornal de Notícias) e Joana Petiz (antiga directora do Dinheiro Vivo, que foi agora dirigir O Novo).

    Na esmagadora maioria das situações, estes directores editoriais participam como mestres-de-cerimónias de eventos patrocinados, ou seja, como moderadores. E, em última análise, são responsáveis pela cobertura noticiosa desses eventos, que em muitos casos estão previstos nos cadernos de encargos. Isto é, os directores são obrigados contratualmente a dar cobertura noticiosa, o que significa uma ingerência externa considerada ilegal pela Lei da Imprensa.

    Celso Filipe, director-adjunto do Jornal de Negócios, é o único jornalista a integrar equipas editoriais que foi apanhado na “teia” larga da ERC.

    Além de processos de contra-ordenação que a ERC decidiu levantar às empresas gestoras dos órgãos de comunicação social por violação da Lei de Imprensa e de ainda outras consequências legais – matérias sobre as quais o PÁGINA UM se debruçará em detalhe ainda esta semana –, no conjunto das sete deliberações, agora disponíveis no site do regulador, destaca-se sobretudo o inusitado número de jornalistas com carteira profissional “apanhados” em funções incompatíveis com o Estatuto do Jornalista.

    Note-se, porém, que a ERC não aprofundou muitos dos contratos, prescindindo de solicitar aos diversos grupos de media os cadernos de encargos dos contratos (uma vez que nem todos se encontram no Portal Base), onde constam cláusulas mais detalhadas, designadamente número de notícias e/ ou entrevistas a executar. O regulador também seleccionou contratos, cingindo-se quase só aos contratos que constavam num artigo do PÁGINA UM publicado em 6 de Maio do ano passado.

    Recorde-se que o Estatuto do Jornalista considera incompatíveis as “funções de angariação, concepção ou apresentação, através de texto, voz ou imagem, de mensagens publicitárias” e também as “funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”.

    David Pontes foi mestre-de-cerimónias na execução de contratos comerciais pagos pelas autarquias de Vila Nova de Gaia e de Penafiel, onde participaram autarcas que estabeleceram estas parcerias comerciais. A ERC, porém, nem sequer se debruçou sobre eventuais incompatibilidades do actual director do Público.

    E a ERC considera, como na generalidade das sete deliberações sustenta, que “a produção e publicação de conteúdos mediante o pagamento de contrapartidas por entidades externas, quando não devidamente identificadas, ameaçam seriamente a independência do órgão de comunicação social, bem como o livre exercício do direito à informação, contendendo com o princípio da transparência exigível” perante os leitores, ouvintes ou telespectadores.

    No lote dos jornalistas considerados “comerciais” – termo que não surge na deliberação, mas que o PÁGINA UM considera adequado para tipificar as acções –, destacam-se três nomes relevantes.

    O primeiro é, como já referido, Celso Filipe (CP 852), director-adjunto do Jornal de Negócios desde 2018, e que já se integra na equipa editorial deste periódico da Cofina desde 2006. A ERC aponta-lhe a produção de textos para a execução de um contrato assinado com a Secretaria-Geral do Ministério da Economia.

    O segundo jornalista conhecido é Miguel Midões (CP 4707), que, além de uma das vozes da TSF desde 2014 é ainda professor de Comunicação Social na Universidade de Coimbra e do Instituto Politécnico de Viseu, além de vogal do Sindicato dos Jornalistas. A ERC analisou, entre outros contratos, o pagamento de 75.000 euros para a realização, por Miguel Midões, de 15 programas radiofónicos “Desafios do Urbanismo”, entre 1 de Julho e 7 de Outubro de 2021.

    Miguel Midões, professor de Comunicação Social e vogal do Sindicato dos Jornalistas. Como jornalista da TSF está a executar um contrato comercial com uma empresa municipal de Vila Nova de Gaia sobretudo sobre… Vila Nova de Gaia. Já vai na segunda temporada, depois do “sucesso” de 27 episódios da primeira temporada.

    O formato acabou por abranger, numa primeira fase, 27 episódios, e decorre agora uma “segunda temporada”, iniciada em Março, contando já com nove episódios, mas já não conduzidos por Miguel Midões. O PÁGINA UM não conseguiu ainda encontrar o contrato para estes programas no Portal Base, o que pode configurar, como em outras situações detectadas pela ERC, a execução dos contratos antes da sua celebração.

    O terceiro jornalista com maior visibilidade é Luís Ribeiro (CP 3188), que trabalha desde 1999 na revista Visão, coordenador da secção de Ambiente, além de ser habitual comentador na SIC Notícias.

    Neste caso, a ERC aponta-lhe a autoria de cinco textos jornalísticos (incluindo entrevistas) assinados para cumprimento de um contrato com a Águas de Portugal para apoio aos Prémios Verdes, mas que estabelecia a obrigatoriedade de cobertura noticiosa e a publicação de artigos de opinião de dirigentes daquela empresa pública tutelada pelo Ministério do Ambiente.

    Luís Ribeiro (à esquerda), comentador da SIC Notícias sobre a Guerra da Ucrânia, e jornalista da Visão desde 1999. Coordena a Visão Verde, que é acusada pela ERC de ter conteúdos comerciais escritos por jornalistas, incluindo pelo próprio.

    Curiosamente, este contrato – que teve repetição já este ano, com um caderno de encargos que até prevê penalidade à Visão se não publicar o número acordado de reportagens, entrevistas e artigos de opinião, além da possibilidade de a Águas de Portugal solicitar “a substituição dos elementos da equipa” da revista responsável pelos conteúdos – previa a realização de entrevistas. Uma dessas foi feita por Mafalda Anjos, directora da Visão, que entrevistou uma administradora de uma subsidiária do Grupo Águas de Portugal.

    Também o director da Exame, Tiago Freire (CP 3053), foi “apanhado” a escrever um editorial de um suplemento em cumprimento de um contrato coma COTEC. Apesar da própria Trust in News ter até admitido que ” o tratamento destes conteúdos foi realizado por colaboradores com carteira profissional e por jornalistas da EXAME, sempre, em qualquer um dos casos, com total autonomia editorial”, o director foi o único identificado pela ERC.

    Além destes quatro, a ERC ainda identificou – para efeitos de averiguação, para eventuais processos disciplinares, por parte da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) – mais 11 jornalistas: Rute Coelho (CP 1893), Carla Aguiar (CP 739), Adriana Castro (CP 7692), Alexandra Costa (CP 2208) – por textos publicados em periódicos da Global Media –, Filipe S. Fernandes (CP 1175) e António Larguesa (CP 5493) – por textos publicados no Jornal de Negócios –, Mário Barros (CP 7963) – por um texto publicado no Público – e ainda José Miguel Dentinho (CP 882), Fátima Ferrão (CP 6197) e Francisco de Almeida Fernandes (CP 7706) – por textos publicados no Expresso.

    Mafalda Anjos, directora da Visão, entrevistou para o podcast da Visão Verde, uma administradora de uma subsidiária do Grupo Águas de Portugal, que patrocina os Prémios Verdes, com cláusulas ilegais à luz da Lei da Imprensa. ERC não se debruçou sobre o seu caso.

    Destaque-se que estes dois últimos jornalistas são um dos casos mais paradigmáticos das promiscuidades entre jornalismo e produção de conteúdos pagos sem qualquer fonteira, porquanto tanto publicam notícias em diversos órgãos de comunicação social como elaboram textos publicitários e até revistas institucionais, através da sua empresa Mad Brain, apresentando-se sempre como jornalistas. E nem escondem essa promiscuidade.

    A ERC também encontrou casos de textos assinados por estagiários de curta duração, como foi o caso da cobertura de um debate sobre a pandemia patrocinado pela Câmara Municipal de Penafiel em Novembro de 2020. Ana Rita Teles esteve a fazer um estágio no Público entre Setembro e Novembro daquele ano – como parte do seu mestrado em Ciência da Comunicação da Universidade de Braga – e teve logo como tarefa de fazer a cobertura desse evento pago.

    Só não tem agora um eventual processo na CCPJ porque não tem carteira profissional activa. Curiosamente, o moderador deste debate foi David Pontes, actual director do Público, jornal que recebeu 7.000 euros por uma conversa nocturna de uma hora e meia por parte da edilidade de Penafiel, cujo presidente (Antonino de Sousa, que Pontes até chamou, inicialmente, de António) teve oportunidade de fazer a abertura.  A ERC não identificou David Pontes como jornalista a executar uma tarefa comercial, livrando-o também de qualquer processo.

    Apresentada ora como jornalista do Diário de Notícias (ou de outros periódicos da Global Media) ora como do Expresso, Fátima Ferrão é também gerente de uma empresa de conteúdos. Foi agora identificada pela ERC, por um texto comercial no Expresso, mas a sua participação em conteúdos comerciais de elevada promiscuidade com a actividade jornalística são incontáveis.

    Contactado pelo PÁGINA UM, o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Simões, considera que esta situação é preocupante, sobretudo quando abrange jornalistas em situação de precariedade, como são os freelancers. “Os jornalistas têm mecanismos legais, nomeadamente a cláusula de consciência, para evitar colaborar em tarefas que ponham em causa a sua independência”, salienta Simões, também jornalista de A Bola, mas admite que “os colaboradores externos se sintam pressionados a aceitar trabalhos desta natureza, o que não é admissível.”

    Para o sindicalista, “é aceitável que haja formas distintas de financiamentos, mas tem de se garantir a independência do jornalismo”, pelo que deve haver uma maior intervenção dos conselhos de redacção, onde têm assento por inerência os directores editoriais. “Tenho a convicção que esse debate está a ser já feito”, acrescenta.


    N. D. A pretexto das deliberações e da forma como a Entidade Reguladora para a Comunicação Social enquadra os processos intentados contra os sete grupos de media, foi publicado o editorial intitulado “Ao pântano, a ERC adiciona a pulhice“. Foi feita uma rectificação deste artigo pelas 19:40 horas do dia 6 de Julho por se ter constatado que o jornalista Tiago Freire é o director da Exame, e não jornalista da Visão, ambas as publicações da Trust in News. No dia 23 de Julho foi introduzida uma outra pequena rectificação: a segunda temporada do podcast na TSF “Desafios Urbanos“, iniciada a 8 de Março deste ano, já não está a ser conduzida por Miguel Midões. Este jornalista, também dirigente sindical, foi responsável “apenas” por 26 episódios, emitidos entre 15 de Abril e 7 de Outubro de 2021, pelo qual a autarquia pagou 75.000 euros.

  • 20 euros de Durão Barroso e José Luís Arnaut dão 216 mil euros de receitas

    20 euros de Durão Barroso e José Luís Arnaut dão 216 mil euros de receitas

    Para ajudar a organizar em Portugal a reunião do Clube de Bilderberg em Maio passado, Durão Barroso e José Luís Arnaut juntaram 20 euros e criaram uma empresa. No primeiro ano, em 2022, não se saíram mal: através de prestação de serviços (não conhecidos) amealharam quase 216 mil euros para suportar gastos do encontro de verdadeiros influencers de um mundo globalizado. E ainda pagaram impostos. O PÁGINA UM revela, em primeira mão, as contas de 2022 da Bild, a novel empresa de organização de eventos dos dois antigos governantes.


    Já foram mais secretas – e também selectas –, mas nunca deixaram de arrastar uma aura de mistério e conspiração. As reuniões anuais do Clube de Bilderberg, um grupo de elite de políticos e empresários – ou de ex-políticos que se tornaram empresários, e também de empresários que rondam a política – servem, oficialmente, apenas para debater assuntos de interesse global.

    No site do Bilderberg Meetings afiança-se que as reuniões constituem apenas “um fórum para discussões informais para promover o diálogo entre a Europa e a América do Norte”, congregando “aproximadamente 130 líderes políticos e especialistas da indústria, finanças, trabalho, academia e media”, segundo regras específicas: os participantes são livres de usar as informações recebidas, mas nem as identidades nem as afiliações dos palestrantes ou de qualquer outro participante podem ser reveladas.

    José Manuel Durão Barroso

    Como os encontros são privados, no site diz-se ainda que “as participações são individuais e não em representação de qualquer função oficial”, não havendo assim agenda detalhada, nem nenhuma resolução e muito menos votação ou declaração política.

    Mas a tradição já não é o que era, e sobretudo nos últimos anos começaram a ser divulgadas as presenças mais sonantes – e sobretudo os convites a portugueses, primeiro sob a “égide” de Francisco Pinto Balsemão, e mais recentemente de Durão Barroso – e mesmo a lista de temas em discussão.

    Por exemplo, além de personalidades estrangeiras, a mais recente reunião em solo nacional – a anterior tinha ocorrido em 1999 – contou com um vasto contingente lusitano: além dos habitués Balsemão, Durão Barroso e Arnaut, foram convidados os directores executivos da EDP (Miguel Stilwell de Andrade), da Galp (Filipe Silva), da Feedzai (Nuno Sebastião) e da Zeno Partners (Duarte Moreira).

    E até os gastos são revelados?

    Hotel Pestana, em Lisboa, local apontado da reunião do Clube de Bilderberg em Maio passado.

    Neste último caso, convém não exagerar. Os financiamentos dos chamados Bilderberg Meetings não são propriamente públicos. De acordo com o Clube de Bilderberg, “as contribuições anuais dos membros do Steering Committee [actualmente com 32 membros, entre os quais o português Durão Barroso] cobrem os custos anuais de um pequeno secretariado”, para suportar despesas administrativas e de pessoal.

    Já em relação à reunião anual, as responsabilidades cabem ao denominado Comité Director do país anfitrião, não havendo taxa de participação, embora os convidados custeiem, segundo o site do Bilderberg Meetings, os “seus próprios custos de viagem e acomodação”.

    Assim, para a reunião deste ano em Lisboa, entre 18 e 21 de Maio, ao que tudo indica no Hotel Pestana, a reunião anual do Clube de Bilderberg contou com uma novel empresa de organização de eventos na rectaguarda: a Bild – Encontro Internacional 2023, Lda..

    Criada em 11 de Março do ano passado, esta empresa tem uma génese curiosa, pois conta como sócios duas figuras portuguesas de destaque: José Manuel Durão Barroso – actual presidente (Board Chair) da Gavi – The Vaccine Alliance, ex-presidente da Goldman Sachs, ex-presidente da Comissão Europeia e ex-primeiro-ministro português – e o “seu” ministro adjunto José Luís Arnaut.

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    Tendo como objecto social a “organização, produção e promoção de eventos”, a Bild, Lda. constituiu-se com um capital social de uma refeição de tasca: Barroso deu 10 euros; Arnaut outros 10. Na verdade, Arnaut deu mais: a Bild está sedeada na selecta Rua Castilho, no número 50, ou seja, nas instalações da conhecida sociedade de advogados CSM Rui Pena & Arnaut, da qual o ex-ministro de Durão é managing partner.  

    Recorde-se que Arnaut é, além de consultor da Goldman Sachs, o presidente da ANA – Aeroportos de Portugal e ainda preside à Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol.

    Embora se desconheça em concreto as actividades da Bild até à realização da reunião do Clube de Bilderberg em Maio deste ano, uma vez que José Luís Arnaut não respondeu ainda às questões colocadas pelo PÁGINA UM, pode-se em todo o caso garantir que Portugal bem melhor estaria se só tivesse empresários tão produtivos como os sócios desta empresa.

    Com efeito, apenas com os saberes de Arnaut e Barroso, e sem empregados oficiais, a Bild conseguiu, a partir de 20 euros de capital social, trazer um rendimento de 215.813 euros por prestação de serviços ao longo de nove meses de 2022. Quais foram os clientes, ou o serviço prestado, não se sabe, mas uma coisa é certa: não foi por donativos, conforme se observa nas demonstrações financeiras da empresa a que o PÁGINA UM teve acesso.

    José Luis Arnaut

    Sendo expectável que a Bild tenha tido mais rendimentos este ano, e também gastos, o ano passado trouxe também já muitas despesas, mas nem sequer foi em salários. Quase todas as despesas resultaram de pagamentos a fornecedores e serviços externos. A demonstração de resultados de 2022 aponta para gastos de cerca de 153.520 euros. Curiosamente, nos gastos não se vislumbram despesas para reforçar activos. Na verdade, a empresa não tem um cêntimo em activos tangíveis ou outros activos não correntes.

    No meio disto, o Estado não se pode queixar destes investidores de 20 euros: a empresa de Durão Barroso e José Luís Arnaut teve um resultado operacional positivo superior a 62 mil euros, o que implicou, para já, o pagamento de 13.081 euros em impostos. Mas faltam ainda as contas de 2023, e saber se a empresa se dissolverá logo a seguir.

    Nas contas consultadas pelo PÁGINA UM diz-se, contudo, que, apesar de “a economia revela[r] atualmente um enorme estado de incerteza, cuja duração e consequências são ainda imprevisíveis”, os gerentes da Bild (Durão Barroso e Arnaut) defendem que “com os elementos disponíveis, consideramos que estão criadas as condições operacionais para a manutenção da atividade da Empresa, estando assegurados os compromissos financeiros assumidos.” Promessas, contudo, são promessas…