Etiqueta: Política

  • ‘Vejo uma Europa com imigrantes assimilados e integrados’

    ‘Vejo uma Europa com imigrantes assimilados e integrados’

    Foi diplomata durante mais de quatro décadas. No pós-25 de Abril, foi secretário-geral da Juventude Centrista e integrou o governo da Aliança Democrática (AD), de Francisco Sá Carneiro, como adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros. Hoje, aos 72 anos, António Tânger Corrêa é vice-presidente do Chega e encabeça a lista do seu partido na corrida às próximas eleições para o Parlamento Europeu. Vendo no Chega a herança da (primeira) Aliança Democrática, cujos valores sente que foram traídos pelo PSD e o CDS, nesta entrevista ao PÁGINA UM, Tânger Corrêa queixa-se dos ataques violentos e difamações por parte de ‘opinion makers’ e dos media mainstream. Garante, contrariando críticos, que o Chega é a favor de imigração, mas com maior autonomia dos países para a sua gestão. De resto, mostra-se contra uma Europa federal e defende a soberania dos Estados-membro. Esta é a quarta entrevista da HORA POLÍTICA que pretende conceder voz aos cabeças-de-lista dos 17 partidos e coligações que concorrem às Europeias, em eleições marcadas para 9 de Junho. As entrevistas são divulgadas, seguindo a ordem crescente de antiguidade, na íntegra em áudio, através de podcast, no jornal e na plataforma Spotify.



    Uma Europa de países soberanos, mais democrática, e com imigrantes, mas assimilados e integrados. Esta é a visão do cabeça-de-lista do Chega, António Tânger Corrêa, para o futuro da União Europeia. Para isso, defende um afastamento do acordado no Tratado de Lisboa e um regresso ao Tratado de Maastricht, com os países a voltar a ter uma maior participação e protagonismo na União.

    Ex-embaixador, com uma carreira diplomática de mais de 40 anos, o actual vice-presidente do Chega garante que o seu partido é a favor de imigração mas com regras. “Não somos nada contra a imigração. Vejo uma Europa com imigrantes assimilados e integrados”, disse, numa entrevista ao PÁGINA UM.

    Lembrou que, no caso de Portugal, “fizemos isso ao longo dos séculos”, que “é um país que sempre recebeu gente de todo o lado” e nunca houve problemas de integração. Mas alertou que, hoje, “o que estamos a assistir é à vinda de pessoas, de uma maneira completamente desregrada, de culturas completamente diferentes e difíceis de integrar”.

    O ex-embaixador defende uma revisão urgente do Pacto de Migrações da União Europeia (Pacto em matéria de Migração e Asilo), o qual classifica de “sinistro” porque “impõe castigos, revoga a soberania dos Estados, é um Pacto com armadilhas escondidas e não é democrático”.

    Tânger Corrêa é contra a ideia de uma União Europeia federal que, a seu ver, é já visível no poder e protagonismo elevado que tem a Comissão Europeia. “O Chega é um partido europeísta, não uma Europa federalista, mas uma União de nações”, apontou.

    E defende um desenvolvimento da Europa em linha com o Tratado de Maastricht. “Ao contrário do que dizem, o Tratado de Lisboa – ao ser um passo maior que a perna – fez-nos andar para trás e criou clivagens, incluindo com os britânicos”, disse. E avisou que a outra “alternativa é países que estão quase com um pé fora” da União Europeia acabarem por sair. “Isso seria dramático para a Europa. Isso seria o princípio do fim da União Europeia”, afirmou.  

    O cabeça-de-lista do Chega alertou que a Europa já não é uma luz no mundo, devido à crise de valores que atravessa e à perda de nível democrático. “A Comissão Europeia tem vindo a crescer em termos de protagonismo mas no sentido federalista do termo, não respeitando as soberanias nacionais”.

    Nesta entrevista, Tânger Corrêa lamentou a “campanha” difamatória e os ataques de que tem sido alvo por parte de alguns media mainstream, tendo sublinhado que rejeita qualquer ligação sua ou do partido a xenofobia ou ideias fascistas – as acusações mais comuns na imprensa.

    Mas também criticou o debate pouco elevado entre políticos nestas europeias. “O Sebastião Bugalho simpaticamente, antes de começar a campanha, telefonou-me” e disse: “Vamos fazer uma campanha elevada”. “Passados quatro ou cinco dias, estava-me a atacar. Escusava de ter telefonado”, desabafou.

    Sendo eleito, o ex-embaixador, promete que vai “assegurar muito maior transparência do que se passa em Bruxelas, que é muito mais importante do que o que se passa em S. Bento”.

    Esta é a quarta entrevista do HORA POLÍTICA, que visa entrevistar os 17 cabeças-de-lista dos partidos que concorrem às eleições europeias que, em Portugal, têm data marcada para o dia 9 de Junho. A publicação obedece a uma ordem cronológica, do partido mais jovem ao mais antigo.


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  • ‘Não somos um bom exemplo na imigração’

    ‘Não somos um bom exemplo na imigração’

    O partido Reagir Incluir Reciclar (RIR) concorre pela primeira vez a eleições para o Parlamento Europeu. Na estreia, o partido tem como cabeça-de-lista a sua presidente, Márcia Henriques. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, a líder do RIR acusa Portugal de estar a falhar na recepção aos imigrantes e refugiados, devido à desorganização e burocracia. O partido defende que sejam aplicadas penalizações aos Estados-membro que falhem nos procedimentos de recepção aos imigrantes. Outra das propostas do RIR é que haja uma harmonização dos horários de trabalho entre sector público e privado, em Portugal, e também a nível comunitário. Márcia Henriques aproveitou para deixar críticas aos principais canais de televisão, por discriminarem os partidos sem assento parlamentar. O RIR foi um dos partidos que reclamou junto da Comissão Nacional de Eleições, a qual deu razão às diversas forças políticas. Esta é a terceira entrevista da HORA POLÍTICA que pretende conceder voz aos cabeças-de-lista dos 17 partidos e coligações que concorrem às Europeias, em eleições marcadas para 9 de Junho. As entrevistas são divulgadas, seguindo a ordem crescente de antiguidade, na íntegra em áudio, através de podcast, no jornal e na plataforma Spotify.



    Para o partido RIR-Reagir Incluir Reciclar, estas eleições para o Parlamento Europeu representam uma estreia. É a primeira vez que o partido concorre às eleições europeias. Para Márcia Henriques, presidente do RIR e cabeça-de-lista nestas eleições, trata-se de “um marco histórico” para o partido.

    O partido considera o tema das migrações como o principal, nestas eleições, e deixa críticas a Portugal nesta matéria. Segundo Márcia Henriques, “não somos um exemplo” em matéria de acolhimento de imigrantes e refugiados.

    “Primeiro, e antes de tudo, nós temos de conseguir colocar a AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo] a funcionar”, afirmou em entrevista ao PÁGINA UM. Também defendeu que Estados-membro “que não cumpram a legislação e não deem resposta eficaz e rápida aos pedidos de asilo e autorizações de residência” sejam penalizados, eventualmente com “retenção de fundos” europeus. O RIR considera que Portugal deve ter como prioridade o “reforço de meios” para ajudar à integração de imigrantes.

    Márcia Henriques, presidente do partido RIR. (Foto: PÁGINA UM)

    Outras das prioridades apontadas pelo RIR é a harmonização dos horários de trabalho a nível comunitário. “Acho que é importante a necessidade de convergência dos horários de trabalho das pessoas. Já a nível interno existe uma diferença entre o sector público e o sector privado”, com os funcionários públicos a trabalhar 35 horas semanais face às 40 horas praticadas nas empresas privadas.

    Por outro lado, o RIR defende também que haja um foco no combate à corrupção em Portugal e ao nível da União Europeia. “O grau de corrupção é grande. Tem que ser combatida e tem que ser falada”, disse Márcia Henriques.

    Em termos de cobertura da imprensa nestas eleições, o RIR foi um dos partidos que reclamou junto da Comissão Nacional de Eleições (CNE) devido à discriminação feita pelos principais canais de televisão, que chamaram para debates apenas os partidos com assento parlamentar em Portugal, mesmo aqueles que não têm representação no Parlamento Europeu. A CNE tem dado razão às diversas forças políticas, já que as estações de TV estão a violar a Constituição aproveitando a existência de uma lei que é vista como inconstitucional.

    “A CNE acabou por nos dar razão, [diz que] constitucionalmente é um atropelo, mas o efeito prático disso é nenhum porque as televisões dizem que é um critério editorial e que não podem deixar de fora partidos com assento parlamentar, porque têm uma grande percentagem dos votos. Estamos sempre de mãos atadas”, afirmou a presidente do RIR.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Se, da parte dos canais privados, o RIR entende a posição, já “da parte da RTP não compreende”. Márcia Henriques apontou que a RTP apenas faz o debate dos pequenos partidos “só para não ser atacada”. “Numa corrida, partimos todos da linha de partida. Aqui não. Está inquinado”, desabafou. Comentando também o facto de grandes órgãos de comunicação social ignorarem alguns acontecimentos de relevo, incluindo internacionais, Márcia Henriques foi taxativa: “os meios de comunicação social acabam também por governar os países”.

    Esta é a terceira entrevista do HORA POLÍTICA, que visa entrevistar os 17 cabeças-de-lista dos partidos que concorrem às eleições europeias que, em Portugal, têm data marcada para o dia 9 de Junho. A publicação obedece a uma ordem cronológica, do partido mais jovem ao mais antigo.


    N.D.: Uma falha técnica do equipamento de gravação afectou algumas das entrevistas do HORA POLÍTICA. A gravação da entrevista à cabeça-de-lista do RIR é uma das que apresenta pequenas falhas pontuais. Pelo facto, pedimos as nossas desculpas aos leitores e à entrevistada.


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  • ‘Falta substrato democrático na União Europeia’

    ‘Falta substrato democrático na União Europeia’

    Especialista em alterações climáticas e sustentabilidade, Duarte Costa, 35 anos, é co-presidente do Volt Portugal e primeiro candidato na lista do partido nas eleições europeias de 2024. Fervoroso defensor de uma União Europeia federal, é também um dos embaixadores do Pacto Europeu para o Clima e adepto das políticas de sustentabilidade. Para combater a pobreza, defende a criação de um Rendimento Básico Europeu que complemente os rendimentos dos trabalhadores com baixos salários. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, o candidato do Volt Portugal deixa fortes críticas à imprensa, incluindo pela discriminação que faz no âmbito dos debates relativos às eleições europeias. Esta é a segunda entrevista da HORA POLÍTICA que pretende conceder voz aos cabeças-de-lista dos 17 partidos e coligações que concorrem às Europeias, em eleições marcadas para 9 de Junho. As entrevistas são divulgadas, seguindo a ordem crescente de antiguidade, na íntegra em áudio, através de podcast, no jornal e na plataforma Spotify.



    Uma União Europeia federal e mais democrática. Esta é uma das máximas do programa eleitoral do Volt Portugal que concorre às eleições europeias de 2024. Para Duarte Costa, co-presidente do partido e cabeça-de-lista do Volt Portugal às europeias, só com uma União Europeia federal se pode, não só melhorar o nível democrático, mas também, por exemplo, combater a corrupção a nível europeu e nos Estados-membro.

    Segundo Duarte Costa, não se trata aqui de diluição da soberania nacional de cada país, mas a “passagem para um nível partilhado de um conjunto de responsabilidades públicas e dos Estados, que não são mais eficazes se forem tomadas a nível nacional”.

    Defende que, com uma União Europeia federal, “nós ganhamos em democracia e ganhamos em eficácia”. Isto porque, para o Volt, “falta substrato democrático na União Europeia”, a começar pelo facto de existir uma Comissão Europeia que não é eleita e que tem muito poder. Por isso, para Duarte Costa, o “federalismo” permite que os portugueses de mais europeus tenham “uma voz mais directa na União Europeia”.

    Ainda no âmbito do reforço da democracia, o Volt propõe a “criação de assembleias de cidadãos deliberativas”, com poder vinculativo, e que permitirão a verdadeira “criação de uma democracia europeia”, que irá proteger “a União Europeia de avanços populistas de que a Europa está cada vez mais refém”.

    Mas o partido defende outras medidas, como a introdução de um Rendimento Básico Europeu para apoiar pessoas que trabalham mas que têm rendimentos baixos que as colocam num nível de pobreza. Segundo Duarte Costa, seria abrangida 13% da população da União Europeia e, a nível nacional, a medida iria beneficiar “quatro milhões de portugueses”.

    Duarte Costa, Volt Portugal. (Foto: PÁGINA UM)

    Outra das bandeiras do Volt é na área da defesa da sustentabilidade e de combate às alterações climáticas. O partido defende medidas que assentem numa transição justa para uma economia descarbonizada e em metas específicas para a diminuição das emissões.

    Mas Duarte Costa considera que, apesar de o Volt apresentar medidas concretas no seu programa eleitoral, não as consegue transmitir através dos media mainstream. “Em Portugal tem havido uma barreira muito blindada contra o Volt, para que as pessoas não possam conhecer o Volt”, acusou o dirigente político.

    Lembrou que o partido apresentou uma queixa junto da Comissão Nacional de Eleições (CNE) contra as três estações de televisão generalistas e a CMTV por excluírem o Volt dos debates eleitorais. “A CNE emitiu um parecer que nos foi favorável de que há um tratamento desigual da imprensa que é inconstitucional”, frisou. Mas vale pouco, já que, após a entrevista ao PÁGINA UM, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) descartou qualquer intervenção do regulador para alterar a composição dos debates.  

    “Há partidos que têm muito mais cobertura que outros. A CNE deu-nos razão mas continuamos na mesma”, afirmou o candidato. Assim, o Volt admite que pode vir a “fazer uma denúncia na Comissão Europeia contra o Estado português por não estar a assegurar igualdade de cobertura de candidaturas num acto eleitoral”.

    “Tem faltado levarmos o estado de direito a sério”, indicou, acrescentando que é visível que há “candidatos associados a cadeias de TV”, nomeando o caso de Sebastião Bugalho, cabeça-de-lista da coligação Aliança Democrática, que entende que foi favorecido em pelo menos um debate.

    Duarte Costa e Rhia Lopes, cabeças-de-lista do Volt Portugal nas eleições europeias de 2024. (Foto: D.R./Volt Portugal)

    Duarte Costa lamentou o facto de “o jornalismo estar muito dependente de um conjunto de órgãos [de comunicação social] muito reduzido, que por vezes têm interesses políticos estabelecidos”. E afirmou: “nestas eleições para mim está muito claro que os critérios editoriais não têm o nível de imparcialidade que é esperado”.

    Para que exista mais pluralidade nos media na Europa, o Volt defende que “a União Europeia avance para criar um canal europeu”, com informação e outros tipos de conteúdos que contrarie o actual “centralismo de órgãos de comunicação social e narrativa única sobre as coisas”, que criam um “campo aberto para a manipulação de massas”. Para Duarte Costa é necessário garantir que existam na Europa “múltiplas fontes de informação e ninguém a conseguir controlar a narrativa”.

    Esta é a segunda entrevista do HORA POLÍTICA, que visa entrevistar os 17 cabeças-de-lista dos partidos que concorrem às eleições europeias que, em Portugal, têm data marcada para o dia 9 de Junho. A publicação obedece a uma ordem cronológica, do partido mais jovem ao mais antigo.


    N.D.: Por motivos técnicos, a gravação apresenta falhas pontuais breves. Pelo facto, pedimos as nossas desculpas aos leitores e ao entrevistado.


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  • Aguiar-Branco cita artigo de opinião no PÁGINA UM para defender código de conduta dos deputados

    Aguiar-Branco cita artigo de opinião no PÁGINA UM para defender código de conduta dos deputados

    A pretexto dos pedidos de censura dos partidos de esquerda a eventuais ou supostos discursos de ódio e de xenofobia, o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, veio hoje defender ‘super liberdade’ e restrição mínima para os deputados, mas sugere uma meditação conjunta para a criação de um adequado código de conduta dos deputados, como sugerido este domingo pelo colunista do PÁGINA UM José Melo Alexandrino num artigo de opinião. Aguiar-Branco não esconde a influência deste artigo de Melo Alexandrino, professor da Universidade de Lisboa – que passou a escrever no PÁGINA UM, numa coluna intitulada ‘Isto assim não anda’ –, porque o cita de forma explícita.


    O presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, reforçou hoje, através de um documento de oito páginas, a sua posição de não censurar discursos políticos em plenário, embora defendendo a aprovação de um Código de Conduta. E cita explicitamente, referindo-o, trechos de um artigo de opinião de José Melo Alexandrino, professor universitário da Universidade de Lisboa, publicado no PÁGINA UM.

    Além de citar outros constitucionalistas – como Gomes Canotilho e Vital Moreira, que defendem que “a Constituição não prevê o delito de opinião, mesmo quando se trate de opiniões que se traduzam em ideologias ou posições anticonstitucionais” –, Aguiar-Branco considera que, tal “não significa que, no plano político e social, determinados discursos ou expressões não possam ou não devam ser contestadas ou criticadas e que, no plano criminal, as infrações cometidas no exercício da liberdade de expressão não tenham consequências, designadamente quando, na atuação individual concreta e analisadas as coisas à luz do direito penal, se conclua por um excesso no uso da liberdade de expressão, que justifique a aplicação de uma sanção penal”.

    E a seguir o presidente da Assembleia da República defende, acrescentando “como muito bem realçou o Professor José Melo Alexandrino”, que o Parlamento deve “meditar numa reforma da Casa, a começar pelo Código de Conduta dos Deputados e respectivas estruturas de supervisão, pela reforma do Estatuto dos Deputados ou do próprio Regimento, como pessoalmente, por diversas vezes, tive oportunidade de assinalar, reforçando que já existem mecanismos regimentais que permitem aos Deputados reagirem – designadamente, perante expressões que propaguem, incitem, promovam ou justifiquem o ódio racial, a xenofobia ou outras formas de ódio baseadas na intolerância”, como seja a figura do protesto, ou ainda, equacionar-se a criação regimental de um voto de rejeição imediatamente submetida a votação do plenário.

    Ora, no domingo passado, José Melo Alexandrino, no seu mais recente artigo de opinião da coluna ‘Isto assim não anda’ no PÁGINA UM, defendeu que, entre os deveres e direitos constitucionais dos deputados “não há porém nenhum que contenda com a liberdade de expressão ou que imponha ao Deputado a moderação no uso da linguagem”, acrescentando ainda que, no limite, até pode mentir, se esta for “subjectiva” (ou seja, o próprio está convencido de que diz a verdade), ou mesmo “objectiva”, excepto de for numa comissão de inquérito.

    Em todo o caso, salientando que não fazia sentido o “alarido” em redor da reacção de Aguiar-Branco às palavras do líder do Chega, Melo Alexandrino defendeu no seu artigo no PÁGINA UM que “tal não significa que o Parlamento não deva meditar numa profunda reforma da Casa, a começar pela aprovação de um adequado Código de Conduta dos Deputados e respectivas estruturas de supervisão (que não devem ser compostas apenas por Deputados), pela reforma do Estatuto dos Deputados e da Lei orgânica da Assembleia da República (onde não são poucas as ambiguidades e as normas flagrantemente inconstitucionais), e a terminar na reforma do Regimento, que espera há 18 anos por grandes obras de reparação (e não remendos)”. Ou seja, Aguiar-Branco seguiu ipsis verbis a sugestão de José Melo Alexandrino.

    Trecho do texto de Aguiar-Branco, divulgado hoje.

    José Alexandrino Melo disse hoje ao PÁGINA UM que o actual código de conduta, aprovado em 2019, “é pura e simplesmente inútil”, pois não especifica quaisquer comportamentos ilícitos, dentro e fora do Parlamento, mostra-se vago quanto aos deveres e procedimentos aplicáveis, não define órgãos de supervisão específico, para além da Comissão da Transparência, e sobretudo não prevê sanções, como multas ou suspensões.

    Aguiar-Branco, nesse seu texto concluído hoje, e sugestivamente intitulado “A liberdade de expressão: uma ‘super liberdade’ de proteção máxima e de restrição mínima”, tece mais considerações numa tentativa de ‘esvaziar’ uma polémica alimentada pelos partidos de esquerda. E segue as sugestões de Melo Alexandrino de encontrar modelos formais de contestar opiniões sem censura.

    O presidente da República conclui que “o direito fundamental de liberdade de expressão e de informação, cujo exercício não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo de censura”, sendo que no caso dos deputados o primeiro desses direitos é reforçado “quanto aos votos e opiniões emitidos no âmbito da sua função parlamentar”. E, acrescenta, nessa medida “não cabe ao Presidente da Assembleia da República a avaliação do discurso político, ainda que eticamente desvalioso, nem lhe compete, em nome dos poderes regimentais que lhe são conferidos, instituir uma cultura de cancelamento linguístico, freando opiniões e assumindo-se como ‘guardião’ do aceitável e do politicamente correto”.

    Como já se tornara evidente da semana passada, Aguiar-Branco afasta-se ainda mais da ‘filosofia de intervenção’ censória seguida pelo seu antecessor, o socialista Augusto Santos Silva. O actual presidente da Assembleia da República defende que o Regimento da Assembleia da República “tem natureza organizatória do debate e efeitos inter partes”, apenas lhe conferindo poderes “de criação de um espaço de discurso público isento de constrangimentos, aberto ao confronto de ideias, que garanta que o exercício do mandato conferido pelo povo seja exercido sem receio de represálias”.

    Trecho final do artigo de opinião de José Melo Alexandrino publicado no passado domingo no PÁGINA UM.

    Nesse sentido, acrescenta Aguiar-Branco não pode essa função ser exercido para “condicionamento do debate político, mas sim evitar que este possa ser condicionado por injúrias, ofensas, chantagens ou ameaças entre os intervenientes”.

    E termina de uma forma que remete, em última instância, para o âmago da democracia: “Numa sociedade democrática e plural, a avaliação e a derrota do discurso político faz-se com recurso a argumentos e com a confrontação objectiva da verdade dos factos, nunca por via da imposição de silêncio ou de censura, sem que isto signifique condescendência, concordância ou validação de opiniões e ideologias que, como se frisou, apenas ao povo cabe apreciar e julgar através da arma que dispõe, o voto”.


    N.D. Acrescentado às 22h07 de 22/05/2023, as declarações de José Melo Alexandrino sobre as falhas do actual código de conduta, e da necessidade de ser melhorado.


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  • ‘Há uma tentativa de erosão da soberania dos países europeus’

    ‘Há uma tentativa de erosão da soberania dos países europeus’

    Nascida em Luanda há 47 anos, Ossanda Liber lidera a mais jovem força partidária em Portugal. O partido Nova Direita foi inscrito junto do Tribunal Constitucional em Janeiro deste ano, ainda a tempo das legislativas do passado mês de Março. Nesta entrevista, a cabeça-de-lista do Nova Direita ao Parlamento Europeu defende um modelo de defesa comum na União Europeia e uma independência face ao poder dos Estados Unidos. Também alerta para a tentativa de erosão da soberania dos países europeus. Pelo meio, deixa fortes críticas aos maiores órgãos de comunicação social, acusando-os de estarem a boicotar os partidos de direita de modo “propositado”. Esta é a primeira entrevista da HORA POLÍTICA que pretende conceder voz aos cabeças-de-lista dos 17 partidos e coligações que concorrem às Europeias, em eleições marcadas para 9 de Junho. As entrevistas são divulgadas, seguindo a ordem crescente de antiguidade, na íntegra em áudio, através de podcast, no jornal e na plataforma Spotify.



    Sem ‘papas na língua’, Ossanda Liber é directa nas críticas ao actual panorama político em Portugal e na União Europeu, e deixa um alerta sobre uma “tentativa de erosão da soberania dos países europeus”.

    Para a cabeça-de-lista do partido Nova Direita às eleições europeias, há uma ideia de se criar “uma espécie de Estados Unidos na Europa”, uma visão federalista da União Europeia que o seu partido rejeita.

    Nesta entrevista ao PÁGINA UM, para a secção da HORA POLÍTICA, Ossanda Liber elege a defesa da soberania como a primeira bandeira do Nova Direita. A segunda bandeira é a criação de uma política comum de defesa a nível comunitário, e a terceira é a defesa da liberdade de expressão.

    “As pessoas não se dão conta da transferência de poder [para a União Europeia] que fizemos ao longo dos anos em troca de dinheiro. No fundo, estamos a ser pagos para nos calarmos e para não fazermos nada”, afirmou.

    Em matéria de defesa, a líder do Nova Direita quer uma “NATO Europeia” complementada com acordos bilaterais, nomeadamente com os Estados Unidos. Ossanda Liber destacou que a “NATO é financiada e dominada pelos Estados Unidos” e que “serve os interesses estratégicos e orçamentais” daquele país. Por isso, defende que, na Europa, “temos de ter a nossa própria defesa e fazer acordos bilaterais”. Por outro lado, rejeita que a União Europeia “seja arrastada para guerras”.

    Ossanda Liber (Foto: PÁGINA UM)

    Destacou que a sua “terceira grande preocupação é a liberdade de expressão”, apontando que “a supressão do debate de ideias é algo que se sente diariamente”. Contudo, acredita que a cultura de censura e cancelamento tem os dias contados: “o ciclo da loucura e da irracionalidade, está a acabar, com a emergência de movimentos conservadores”.

    Aliás, para a líder do Nova Direita, “há pânico na Europa de que o equilíbrio do poder mude”, com os votos a penderem para a direita conservadora, o que pode levar a que comece a emergir informação sobre mais casos de opacidade. Neste ponto, alertou que está a haver uma normalização da corrupção e da falta de transparência na política em Portugal e na União Europeia que “está a ser vítima de grandes movimentos de corrupção”, incluindo Qatargate, além da investigação que tem como alvo a própria presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

    Sobre o cenário político nacional, Ossanda Liber defende que Portugal ficou dominado nos últimos anos por uma ideologia de esquerda radical que tomou conta de instituições e dos maiores órgãos de comunicação social. E foi particularmente dura nas suas críticas à imprensa mainstream, acusando-a debloquear as visões e ideias de partidos da direita: “a imprensa não está a prestar um bom serviço à democracia”.

    Outras prioridades do Nova Direita passam por uma mudança na política energética, já que o partido defende a opção do uso da energia nuclear, e também porque considera que as metas propostas no âmbito de políticas de sustentabilidade ambientais são impossíveis de alcançar, como o fim dos carros a gasolina e gasóleo.

    (Foto: PÁGINA UM)

    Nesta entrevista, Ossanda Liber comenta ainda alguns episódios mediáticos em que se viu envolvida, incluindo o mais recente nas redes sociais, após ter feito uma publicação com uma foto sua empunhando uma arma, tirada nas comemorações do Dia da Marinha, em que sugeria que a sua missão é “fuzilar a esquerda”.

    Esta é a primeira entrevista do HORA POLÍTICA, que visa entrevistar os 17 cabeças-de-lista dos partidos que concorrem às eleições europeias que, em Portugal, têm data marcada para o dia 9 de Junho. A publicação obedece a uma ordem cronológica, do partido mais jovem ao mais antigo.


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  • Vacinas contra a covid-19: Miguel Guimarães deu ‘boleia ilegal’ a uma “personalidade política” por “necessidade e oportunidade”

    Vacinas contra a covid-19: Miguel Guimarães deu ‘boleia ilegal’ a uma “personalidade política” por “necessidade e oportunidade”

    Há três anos, no início da fase de vacinação contra a covid-19, e quando escasseavam doses, o então bastonário da Ordem dos Médicos e actual deputado do PSD, Miguel Guimarães, conseguiu que a task force, liderada por Gouveia e Melo, aceitasse disponibilizar doses a cerca de quatro mil médicos que não estariam nas prioridades de uma norma da Direcção-Geral da Saúde (DGS). A revelação, feita pelo PÁGINA UM numa investigação publicada em Dezembro de 2021, deu origem a um processo de esclarecimento da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS). Mais de um ano depois, e no decurso de mais uma intimação do PÁGINA UM, a IGAS diz que afnal tudo foi legal, embora tenha ‘manipulado’ a data da actualização da norma que definia as prioridades, nunca quis ver nem conferir a lista de alegados médicos, e nem sequer se preocupou com um e-mail (que se encontra no processo) de Miguel Guimarães a Gouveia e Melo, então líder da task force, a confessar que houve uma “personalidade política” que beneficou deste esquema. Apesar de se estar perante uma evidente inspecção de ‘faz-de-conta’, a IGAS decidiu mesmo assim remeter ao Ministério Público os estranhos expedientes que levaram ao pagamento de uma contrapartida financeira ao Hospital das Forças Armadas, e que saiu de uma conta solidária pejada de irregularidades e ilegalidades, gerida por Miguel Guimarães, Eurico Castro Alves e Ana Paula Martins, a actual ministra da Saúde.


    Tudo se passou em 2021, e agora, em 2024, há quem esteja muito interessado em esfregar uma borracha para apagar tropelias. Mais de um ano de diligências, apenas dois pedidos de esclarecimento, uma lista de quatro mil médicos vacinados contra a covid-19 que ninguém assume ter visto e analisado, e ainda uma desconhecida “personalidade política” à boleia para apanhar uma dose por uma “questão de necessidade e oportunidade” – e eis o ‘saldo’ de um estranho processo de esclarecimento conduzido pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) no decurso de uma investigação do PÁGINA UM publicada em Dezembro de 2022, e que ficou concluído apenas no final do mês passado, no decurso de uma intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Em causa estavam fortes suspeitas de ‘conluio’ entre o então coordenador da task force, Gouveia e Melo, e o então bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, que, contrariando normas da Direcção-Geral da Saúde, tinham conseguido vacinar médicos não-prioritários numa altura em que escasseavam doses que estavam então a ser direccionadas para os mais vulneráveis. O caso envolvia também o pagamento de cerca de 27 mil euros ao Hospital das Forças Armadas como contrapartida, sendo que quem pagou a verba foram os gestores da campanha ‘Todos por quem cuida’, apesar da factura ter sido emitida em nome da Ordem dos Médicos, que depois passou falsas declarações de donativos a quatro farmacêuticas.

    Miguel Guimarães, antigo bastonário da Ordem dos Médicos e actual deputado do PSD.

    No seguimento de um conjunto de investigações do PÁGINA UM à gestão da campanha de solidariedade ‘Todos por uma causa’, cheia de irregularidades e ilegalidades – incluindo facturas falsas e fuga aos impostos –, que recebeu sobretudo das farmacêuticas cerca de 1,4 milhões de euros, a IGAS decidiu abrir um processo formal de esclarecimentos. O objectivo seria, numa fase inicial, apurar se existiam indícios de irregularidades ou ilegalidades por parte de médicos e da própria Ordem dos Médicos.

    Ainda em Janeiro de 2023, na sua primeira intervenção, a IGAS decidiu pedir apenas “esclarecimentos sobre o teor da notícia” do PÁGINA UM ao núcleo de coordenação do processo de vacinação, então já coordenado por Carlos Penha Gonçalves, e à Ordem dos Médicos, ainda liderado por Miguel Guimarães. Nem sequer é solicitada qualquer documentação. E logo numa primeira informação de uma inspectora surge um primeiro erro: diz-se que Gouveia e Melo era o coordenador da task force desde o primeiro despacho governamental de Novembro de 2020. Não era: apenas assumiu essa função depois da demissão de Francisco Ramos no início de Fevereiro de 2021, exactamente por irregularidades no processo de vacinação contra a covid-19 no Hospital da Cruz Vermelha, onde era administrador.

    Porém, os ofícios da IGAS enviados tanto para a task force como para a Ordem dos Médicos são ’meigos’, porque solicitam apenas esclarecimentos, não sendo sequer pedido a listagem dos supostos médicos vacinados que, conforme destacado pela notícia do PÁGINA UM, não integrariam a Fase 1 de uma norma então em vigor da Direcção-Geral da Saúde (DGS). Ou seja, somente conferindo as listas se poderia aferir que tipo de médicos tinham sido vacinados, e se à ‘boleia’ tinha havido outras pessoas vacinadas que nem sequer eram profissionais de saúde.

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    Carlos Penha Gonçalves, que substituiu Gouveia e Melo, respondeu à IGAS num simples e curto e-mail em Março do ano passado. E garantiu, obviamente, que estava tudo perfeito, destacando que o “processo de vacinação primária contra a covid-19 de profissionais de saúde decorreu em acordo com a Norma nr. 002/2021, que determinava que os profissionais de saúde diretamente envolvidos em prestação de cuidados a doentes, constituíam um grupo de [sic] prioritário para vacinação dentro da fase 1 da campanha”. Dessa forma, acrescentava estre responsável, tornavam-se assim imediatamente elegíveis aqueles que tivessem registo nas diversas instituições tuteladas pelo Ministério da Saúde, acrescentando ainda que essas “pessoas eram vacinadas pelas unidades prestadoras de saúde, sob compromisso de que as vacinas eram administradas aos profissionais abrangidos” pela norma da DGS.

    Quanto aos outros, Penha Gonçalves descartou responsabilidades, dizendo que a “vacinação de profissionais de saúde não enquadradas nestas instituições” foi feito em articulação com as ordens de profissionais de saúde, que “se responsabilizaram por identificar os profissionais elegíveis para vacinação, sob compromisso da adesão” às normas da DGS. A seguir, acrescenta, “após o processo de identificação dos profissionais a vacinar, a sua vacinação foi organizada quer por recurso a unidades prestadoras de cuidados de saúde” ou ainda “por convocação para centros de vacinação covid-19”. Ou seja, entraram também no sistema de vacinação convencional.

    Mas isso, acaba por admitir Penha Gonçalves, não sucedeu com a Ordem dos Médicos. Aqui houve um regime de excepção. Os médicos que Miguel Guimarães haveria então de enviar a Gouveia e Melo não passou pelo circuito oficial, nem a vacinação decorreu em unidades do sistema oficial, tendo-se optado por vacinar cerca de quatro mil pessoas em instalações militares contra o pagamento de cerca de 27 mil euros ao Hospital das Forças Armadas, que haveria de ser suportada pelo fundo “Todos por uma causa”, gerida por uma conta pessoal de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. A actual ministra deu em concreto, com Castro Alves, a ordem de pagamento às Forças Armadas. A factura, porém, seria enviada pelo Hospital das Forças Armadas à Ordem dos Médicos, que passaria depois declarações falsas a quatro farmacêuticas, como se fossem estas a fazer donativos directos.

    Gouveia e Melo, actual Chefe do Estado-Maior da Armada, foi coordenador da task force.

    Penha Gonçalves reitera no seu e-mail que “todos os médicos vacinados neste processo específico foram elegíveis pela Ordem dos Médicos”, não tendo sido permitida a “vacinação de médicos à margem das normas”. Mas a task force não enviou absolutamente nenhuma lista com nomes para comprovar a legalidade – que, aliás, não foi pedida nem antes nem depois da resposta de Penha Gonçalves.

    Mas é com a resposta de Miguel Guimarães que, de forma talvez inadvertida, se revela um aspecto insólito – e até ilegal, para além de eticamente reprovável, sobretudo por ter ocorrido num período de escassez de vacinas.

    O actual deputado do PSD começa, na sua resposta ao IGAS, por atacar o PÁGINA UM, salientando que a notícia em causa “deturpa a realidade dos factos, como de resto [alegadamente] sucede com as notícias que aquele jornalista publica”. E depois tenta justificar a razão de não terem sido incluídos como prioritários alguns milhares de médicos – entre os quais, acrescente-se, deveria estar então o próprio Miguel Guimarães, por ocupar a função de bastonário, e portanto, nem ter actividade directa em doentes. Mas, na verdade, o bastonário pôs-se logo na ‘primeira fila’, conseguindo ser vacinado em finais de Dezembro de 2020 como médico do Hospital de São João, embora estivesse então em exclusivo na Ordem dos Médicos, não tendo assim contacto com doentes.

    Miguel Guimarães refere ainda que desde Janeiro de 2021 remetera à então ministra da Saúde, Marta Temido, uma reclamação por causa da existência de médicos não integrados no grupo prioritário, que, na verdade, seria um parecer do Conselho Nacional da Política do Medicamento da Ordem dos Médicos. O conteúdo desse parecer não foi sequer enviado à IGAS nem a IGAS o solicitou posteriormente.

    Ana Paula Martins, actual ministra da Saúde, ao lado de Miguel Guimarães. Geriram em conjunto uma conta solidária, titulada por eles juntamente com Eurico Castro Alves, de onde saiu o dinheiro para pagar cerca de 27 mil euros ao Hospital das Forças Armadas como contrapartida da vacinação de médicos não-prioritários.

    Nos documentos enviados por Miguel Guimarães constam ainda missivas do primeiro coordenador da task force, Francisco Ramos, em papel timbrado da Secretaria de Estado da Saúde, onde informa que, na “sequência de reuniões realizadas”, solicita à Ordem dos Médicos uma lista de médicos que “exerçam a sua actividade de prestação directa de cuidados, de forma não integrada em hospitais públicos, privados ou sociais ou em outras entidades prestadoras de saúde já mobilizadas parta a execução do plano de vacinação”. Mas essa lista nunca se viu, nem Miguel Guimarães a enviou à IGAS; e nem a IGAS a quis ver.

    Com a chegada de Gouveia e Melo à task force em Fevereiro de 2021, de acordo com a documentação a que o PÁGINA UM teve acesso, a informalidade espraia-se. Já não há papel timbrado nem ofícios. Faz-se tudo por correio electrónico, embora com uma inusitada reverência. Miguel Guimarães trata Gouveia e Melo com um “Distinto Senhor Coordenador da Task-Force Mui Ilustre Vice-Almirante”.

    Em 19 de Fevereiro de 2021, poucas semanas depois do actual Chefe do Estado-Maior da Armada ter tomado posse como coordenador da task force, Miguel Guimarães envia-lhe por e-mail “uma base de dados com médicos que querem ser vacinados, e cumprem os critérios definidos pela DGS”. Essa lista não é conhecida, não foi fornecida pela task force nem pela Ordem dos Médicos à IGAS. E a IGAS não a quis sequer ver, sendo que essa era a questão óbvia num decente e idóneo processo de esclarecimento.

    Mas, de acordo com esse e-mail de Miguel Guimarães, nessa altura a lista nem estava ainda concluída, dizendo ele que “continuamos a receber mais inscrições de médicos que ainda não foram vacinados e continuam no activo”, prometendo enviar mais tarde “uma nova base de dados de forma a evitar sobreposições”. Embora estranhamente não haja qualquer resposta de Gouveia e Melo às missivas de Miguel Guimarães, tudo evoluiu rapidamente para a vacinação de cerca de quatro mil alegados médicos – e reitera-se alegados médicos porque não se conhece a lista final de nomes –, cujas vacinas foram administradas em unidade militares. Pelos e-mails de Miguel Guimarães sabe-se o número daqueles que tinham menos de 65 anos, porque receberam a vacina da AstraZeneca, e aqueles que tinham mais de 65 anos, pois receberam a da Pfizer.

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    Além de se vacinarem médicos não-prioritários numa altura de escassez, Miguel Guimarães ainda permitiu que uma “personalidade política” recebesse uma dose por uma “questão de necessidade e oportunidade”.

    Em finais de Fevereiro de 2021, além das pessoas indicadas pela Ordem dos Médicos a viverem no Continente, Miguel Guimarães ainda indicaria 27 médicos da Madeira e 42 dos Açores para serem vacinados, mas no processo fica-se sem saber também quem eram e se houve mesmo inoculação das doses. A IGAS não teve curiosidade em saber.

    Mas essa informação até existirá, eventualmente, num “relatório final da primeira fase” desta operação de vacinação que Miguel Guimarães prometeu, em mensagem de correio electrónico de 17 de Março de 2021, enviar “brevemente” a Gouveia e Melo. Também a IGAS não quis saber deste relatório nem quis saber se houve outros relatórios.

    E também não quis a IGAS aprofundar uma surpreendente informação transmitida nesse e-mail pelo antigo bastonário. Miguel Guimarães congratula-se, nessa missiva a Gouveia e Melo, que a administração da primeira dose “decorreu de forma organizada e serena, tendo todas as vacinas sido administradas a médicos, sem desperdícios”. Mas, na verdade, houve uma excepção, como o actual deputado do PSD convidado por Luís Montenegro para ser cabeça-de-lista no Porto acaba por informar o actual Chefe do Estado-Maior da Armada: houve uma dose “administrada em Lisboa a uma personalidade política, por uma questão de necessidade e oportunidade” – mas, presume-se, profundamente ilegal.

    No e-mail, Miguel Guimarães não indica o nome dessa “personalidade política” nem existe nos documentos enviados pela Ordem dos Médicos qualquer reacção de Gouveia e Melo. E também não explicita qual foi a questão de necessidade e a questão de oportunidade, e quais as eventuais contrapartidas por essa liberalidade. A IGAS também aqui não pediu mais quaisquer esclarecimentos. Contudo, o PÁGINA UM perguntou a Miguel Guimarães, por e-mail, o nome do político que foi à boleia deste método organizado pela Ordem dos Médicos à margem do circuito oficial. Silêncio absoluto.

    Extracto do e-mail de 17 de Março de 2021 enviado por Miguel Guimarães a Gouveia, admitindo a administração de uma dose “em Lisboa a uma personalidade política, por uma questão de necessidade e oportunidade”.

    Apesar dos “esclarecimentos” à IGAS feitos pela Ordem dos Médicos e pela task force terem sido enviados em Março de 2023, o processo de esclarecimento esteve completamente parado, não havendo qualquer movimento do processo durante longos meses, mesmo apesar de diversas solicitações de informação do PÁGINA UM. A IGAS somente avançaria com a conclusão do processo no decurso de (mais) uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa em Abril passado – a terceira do PÁGINA UM que visa em concreto esta entidade dirigida por Carlos Carapeto.

    O relatório final do processo de esclarecimento, da autoria da inspectora Aida Sequeira, chegou assim a conclusões que nem sequer se encontram plasmadas em qualquer documento. Com efeito, o relatório destaca que “a ponderação e preparação do processo de vacinação foi do conhecimento da DGS e do responsável máximo pela tutela da saúde, a então Ministra da Saúde”, mas, na verdade, não existe qualquer documento que comprove esse conhecimento por parte da DGS, que é a Autoridade de Saúde Nacional e a única entidade responsável pela norma eventualmente violada.

    Acresce também que a IGAS omite na sua análise a impossibilidade legal da então task force dirigida por Gouveia e Melo negociar procedimentos com a Ordem dos Médicos ou outra qualquer entidade. Somente em Abril desse ano, Gouveia e Melo obteve poderes reforçados através de um despacho governamental.

    Mas o relatório final da IGAS faz ainda pior, numa tentativa de ‘legalizar’ os médicos não-prioritários. Com efeito, a inspectora Aida Sequeira diz que a norma 002/2021 tinha tido uma “actualização a 17 de fevereiro de 2021”, que passava a incluir na Fase 1 os “profissionais envolvidos na resiliência do sistema de saúde e de resposta à pandemia e do Estado”, bem como “outros profissionais e cidadãos, definidos pelo órgão do governo, sobre [sic] proposta da Tak-Force”. Porém, isso é falso. Na verdade, a actualização de 17 de Fevereiro não é de 2021, mas sim de 2022, conforme se pode constatar na consulta dessa norma. E, de facto, essa inclusão alargada dos profissionais envolvidos na resiliência do sistema de saúde até se verificou em 31 de Agosto de 2021, numa fase de maior oferta de vacinas pelas farmacêuticas. Ou seja, a introdução de uma referência completamente falsa a uma alteração da norma da DGS no dia 17 de Fevereiro de 2021 não aparenta nada ser um mero lapso.

    Carlos Carapeto, inspector-geral das Actividades em Saúde. Mais de um ano num processo de esclarecimento de ‘faz-de-conta’, com erros, omissões e até manipulações de datas.

    Não existe também no processo qualquer documento que comprove a afirmação da inspectora Aida Sequeira de que “em Janeiro de 2021, o Secretário de Estado da Saúde, com conhecimento à DGS, oficiou a Ordem dos Médicos no sentido de que fosse disponibilizada ‘(…) uma base de dados de contactos de médicos com actividade de prestação de cuidados, de forma não integrada em hospitais públicos, provados ou sociais ou em outras entidades prestadoras de cuidados de saúde já mobilizados”. A inspectora da IGAS diz que essa informação proveio de “diligências adicionais promovidas por esta Inspecção-Geral”, embora não haja qualquer nota sobre a fonte nem sequer o documento que confirme o necessário conhecimento, verificação e aprovação da lista enviada pela Ordem dos Médicos.

    Assim, e apesar de se ficar sem saber quem afinal eram as cerca de quatro milhares de pessoas vacinadas sob a batuta de Miguel Guimarães – e se eram todos médicos, e se todos cumpriam os critérios da norma da DGS, porque a IGAS nada pediu –,a inspectora concluiu “pela conformidade legal da inoculação da vacina contra a covid-19 aos profissionais de saúde, circunscrita a Fevereiro de 2021”, determinando o arquivamento. Ficou assim também ‘apagado’ o pecadilho da “personalidade política” vacinada à margem da lei por uma “questão de necessidade e oportunidade”.

    Em todo o caso, sobre as suspeitas de irregularidades na contabilidade financeira da Ordem dos Médicos no processo de ‘contratação’ do Hospital das Forças Armadas, a IGASA decidiu enviar o processo para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) de Lisboa.

    O PÁGINA UM pediu esclarecimentos ao inspector-geral da IGAS, Carlos Carapeto, sobre a ausência de análise da lista dos alegados médicos vacinados, bem como a razão pela qual não se quis identificar a “personalidade política” que beneficou de uma dose à margem da lei. Não se obteve resposta às perguntas.


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  • Câmara de Cascais apresenta comprovativos de refeições no valor de 233 mil euros como se fosse ‘uma tasca no meio do monte’

    Câmara de Cascais apresenta comprovativos de refeições no valor de 233 mil euros como se fosse ‘uma tasca no meio do monte’

    Eis o resultado de uma investigação do PÁGINA UM que foi ‘até ao osso’, para servir de exemplo, sobre um caso que não será único no pouco escrutinado mundo autárquico. Perante a recusa da Câmara Municipal de Cascais em dar esclarecimentos sobre um estranho contrato de fornecimento de refeições a refugiados ucranianos – quando os seus centros de acolhimento já estariam ‘às moscas’ –, o PÁGINA UM recorreu ao Tribunal Administrativo, que acabou por obrigar a autarquia liderada pelo social-demicrata Carlos Carreiras a libertar as provas do cumprimento de um contrato de quase 233 mil euros. E as provas são.. uma ‘planilha de Excel’ (ou folha de cálculo) e um conjunto de supostas requisições manuscrias pela mesma ignota pessoa, sem qualquer timbre nem assinatura de um qualquer responsável autárquico, cheias de discrepâncias de números e sinais de manipulação. Estas ‘provas’ não são válidas, garante Paulo de Morais, líder da Frente Cívica e antigo vice-presidente da autarquia do Porto, que compara esta forma de contabilidade da Câmara de Cascais à de “uma tasca no meio do monte”.


    Adensam-se as suspeitas sobre o efectivo fornecimento de refeições destinadas aos centros de refugiados ucranianos através de um contrato celebrado pela Câmara de Cascais e a empresa ICA – Indústria e Comércio Alimentar, que acabou por custar 232.799,69 euros ao erário público.

    Depois de uma sentença da juíza Mafalda Andrade, do Tribunal Fiscal e Administrativo de Sintra, determinar a obrigatoriedade do município liderado pelo social-democrata Carlos Carreira – que sempre recusara ao PÁGINA UM o acesso aos documentos -, o município acabou por enviar uma simples impressão de uma ‘planilha de Excel‘ – com os cálculos dos itens pagos no decurso dos dias de contrato – e um rol de papéis manuscritas pela mesma pessoa, mas sem qualquer assinatura nem timbre de qualquer serviço ou departamento municipal.

    a pile of fish sitting on top of a pile of ice

    Em causa, recorde-se, estão os moldes de execução de um contrato por ajuste directo no valor de 250 mil euros – o terceiro em dois anos para o mesmo fim – que a autarquia de Cascais assinou com a ICA, uma empresa de refeições, em 26 de Setembro do ano passado, para fornecimento de refeições aos refugiados ucranianos durante um prazo previsto de 91 dias, ou seja, até final de 2023. Ou então “até se esgotar o valor contratual máximo”, de acordo com o contrato, que com IVA seria de 307.500 euros.

    A necessidade do fornecimento de refeições para cidadãos ucranianos nessa altura era já mais do que duvidosa. Numa reportagem do Diário de Notícias em Fevereiro do ano passado, Carlos Carreiras dizia que nos dois centros de acolhimento em Cascais, então existentes, estavam “apenas 132 cidadãos” ucranianos, acrescentando que se esperava que até ao final de Março esse número fosse “cerca de metade e que até Maio/ Junho já todos [tivessem] encontrado soluções”.

    O PÁGINA UM também teve conhecimento de que, no último trimestre de 2023 – ou seja, mais de ano e meio após a chegada de refugiados provenientes da Ucrânia por causa da invasão russa à região do Donbass -, era diminuto o número de utentes dos dois centros de acolhimento do município de Cascais.

    Uma das ‘provas’ do fornecimento de quase 233 mil euros em refeições que ninguém viu é uma ‘planilha de Excel’ (ou folha de cálculo) que nem sequer bate certo com supostas requisições manuscritas sem qualquer assinatura.

    Para adensar a estranheza neste processo, acresceu a celeridade com que foi passada a factura pela ICA pelos alegados serviços de fornecimento de alimentação e também o rápido pagamento pelos serviços da Câmara Municipal de Cascais, ainda no decurso do prazo inicialmente previsto da execução do contrato. Com efeito. apenas dois dias depois da assinatura do contrato, ou seja, no passado dia 28 de Setembro, a ICA passou uma factura no valor total de 232.799,69 euros, desconhecendo-se, porque não foram apresentados quaisquer documentos oficiais, as razões para este novo valor. Nem tão-pouco se sabe a razão para o contrato ter decorrido durante 41 dias – e não 91 dias -, pois o contrato estabelecia um ‘tecto máximo’ de 307.500 euros. Além disso, no caderno de encargos nem sequer eram definidos os preços por unidade de refeição, ou seja, não se sabia sequer a quantidade total de pequenos-almoços, almoços, lanches e jantares.

    A factura da ICA, aceite pelos serviços municipais, possui também outras particularidades. Primeiro, porque indica apenas um unidade (1 UN) para “Serviço Refeição – Almoços Refugiados” – onde surge o tal valor de 232.799,69 euros com IVA, sendo que o valor antes deste imposto era de 189.268,75 euros -, quando foram servidos pequenos-almoços, almoços, lanches e jantares, em números distintos ao longo dos dias e em cada refeição. Segunda particularidade da factura: a ICA conseguiu adivinhar em 28 de Setembro do ano passado, com um ‘erro’ de apenas 0,71 cêntimos, o valor total das refeições que supostamente acabou por fornecer até ao dia 30 de Outubro, uma segunda-feira, dando assim por terminado ao fim de 41 dias um contrato que deveria durar mais 50 dias.

    E não se diga que essa previsão – ou ‘adivinhação’ – era fácil de fazer, porque, de acordo com a tal planilha de Excel’, fornecida pela Câmara Municipal de Cascais após a intervenção do Tribunal Administrativo, constata-se que existem variações entre refeições ao longo do mesmo dia e variações ao longo dos dias. Por exemplo, foram fornecidos pequenos almoços entre 270 e 315 utentes ao longo do período. Já almoços tiveram ‘saídas’ entre os 285 e os 300 utentes, com a particularidade de, com excepção de dois dias, serem sempre em unidade redondas terminadas em zero. Quanto aos lanches e aos jantares, foram servidos, em cada caso, refeições a entre 270 e 320 utentes. Além disso, ainda se contabilizaram diariamente o formeciumento de mais de seis centenas de unidades de água, além de descartáveis e ainda despesas com pessoal de cozinha aos fins-de-semana.

    Autarquia de Cascais apresentou requisições mauscritas de refeições supostamente fornecidas pela ICA, sem qualquer assinatura, acompanhada por uma ‘planilha de Excel’. Além do arcaismo, e não ser uma prova válida, nem sempre existe coincidência nos números, e as suspeitas de manipulação são flagrantes.

    Sendo certo que os preços unitários das refeições eram bastante distintos – pequeno-almoço (1,95 por unidade sem IVA), lanche (2,25 euros por unidade), almoço e jantar (4,55 euros por unidade, em ambas as refeições), água (40 cêntimos por unidade), além dos descartáveis (55 cêntimos por unidade) -, e em função das quantidades fornecidas, certo é que se esgotou mintante da factura em 30 de Outubro. Ainda terá dado, miraculosamente para as refeições habituais, mas não deu sequer para o dia seguinte. Acabou ao 41º dia aquilo que se esperaria durar 91 dias.

    Mas aí então coloca-se uma questão humanitária: se, com efeito, terá havido 300 pessoas a comer o pequeno almoço ainda fornecido pela ICA no dia 30 de Outubro do ano passado – e pago pela autarquia de Cascais – e ainda 290 pessoas a almoçarem nas mesmas circunatâncias, e mais 282 pessoas a lancharem, e mais 290 a jantarem, e mais 630 águas a serem fornecidas e 580 descartáveis a serem ‘consumidos’, que sucedeu no dia seguinte, no 31 de Outubro? E nos dias seguintes, tendo em conta que o contrato previa uma duração de 91 dias? As cerca de três centenas de ucranianos que supostamente existiam nos centros, e que foram alimentados entre 20 de Setembro e 30 de Outubro, passaram a nada comer? Havia mesmo cerca de três centenas de ucranianos nessa altura? Alguma prova fotográfica? Nada mais foi enviado pela autarquia em cumprimento da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

    Além disto, os documentos enviados pela autarquia de Cascais – repita-se, sem estarem sequerem papel timbrado nem terem assinaturas – sofrem de ‘desconformidades’ quando se confrontam os números de refeições que surgem na ‘planilha do Excel’ e os supostos registos das requisições. Por exemplo, logo no primeiro dia de fornecimento de refeições são indicados 300 almoços na ‘planilha’, mas na suposta requisição surgem 290.

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    Por ser análise fastidiosa, o PÁGINA UM somente analisou em detalhe os 10 primeiros dias de fornecimento, constando uma dezena de discrepâncias, que envolvem mais de uma centena de refeições, entre os números que constam na planilha e nas requisições. Mais do que o valor em causa, estas discrepâncias suscitam legístimas suspeitas de uma manipulação malfeita.

    Para uma análise independente aos documentos do contratos entre a autarquia de Cascais e a ICA, o PÁGINA UM enviou-os a Paulo de Morais, docente universitário e presidente da Frente Cívica, que ocupou o cargo de vice-presidente da Câmara Municipal do Porto entre 2002 e 2006. Manifestando a sua estupefacção pela ausência de assinaturas e registos formais, Paulo de Morais diz ser “patético que os serviços jurídicos da autarquia de Cascais apresentem este tipo de provas sobre um contrato de valor tão elevado”.

    O líder da Frente Cívica deefnde que, em circunstâncias especiais – que já não se aplicariam, no último trimestre do ano passado, a refugiados ucranianos que tinham chgado nos primeiros meses de 2022 – “até seria aceitável que houvesse registos mais informais em momentos de crise ou urgência, mas que fossem depois formalizados em documentos oficiais. A Câmara de Cascais não é uma tasca no meio do monte”, diz. Salientando que este caso suscita “legítimas suspeitas” por estar assente em documentos que não têm qualquer validade legal, Paulo de Morais defende que, atendendo ter este modus operandi sido detectado pelo PÁGINA UM apenas por intervenção do Tribunal Administrativo, as autarquias devem mostar disponibilidade para “serem escrutinadas”.

    Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais: somente mostrou documentos ao PÁGINA UM após ser obrigado pelo TrIbunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

    O PÁGINA UM vai remeter todos os elementos deste contrato entre a autarquia de Cascais e a ICA – possível com uma intimação no Tribunal Administrativo, bem sucedida através do FUNDO JURÍDICO apoiado pelos leitores – ao Tribunal de Contas, uma vez que, por norma, esta entidade não faz comentários sobre casos que não abordou formalmente. Ou seja, só se pronuncia em consequência de actos de fiscalização ordinária ou após tomar conhecimento de suspeitas de irregularidades ou ilegalidades.

    Note-se que, no âmbito desta intimação, o PÁGINA UM também pedira elementos sobre um contrato entre a Câmara de Cascais e o Modelo Continente também para o fornecimento de alimentos e de bens de higiene para os centros de refugiados, cujos preços no caderno de encargos estavam hiperinflacionados, ou seja, o contrato previa a compra de produtos no valor de 180 mil euros mas que custavam, de facto, apenas 14 mil. Neste caso, e na sequência de uma notícia do PÁGINA UM em Outubro do ano passado, a autarquia admitiu no Tribunal Administrativo de Sintra que afinal nunca houve qualquer compra.


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  • Condenado por corrupção ‘saca’ licença do Governo socialista para vender tecnologia militar

    Condenado por corrupção ‘saca’ licença do Governo socialista para vender tecnologia militar

    A Leitek Unipessoal é apenas uma das 12 empresas portuguesas que, desde 2023, obteve licenças do Ministério da Defesa para comercializar tecnologias militares, onde está também a sociedade de um cidadão francês com sede na Zona Franca da Madeira, que desencadeou forte polémica política no mês passado por ter sido concedida já depois das eleições legislativas. Mas o caso da Leitek Unipessoal tem contornos ainda mais surpreendentes: o seu dono é Clélio Ferreira Leite, um antigo capitão de fragata condenado a sete anos de prisão por corrupção passiva no exercício de funções num processo que decorreu no final da primeira década do presente século. Apesar de alegadamente ter já o registo criminal ‘limpo’, o ex-militar – que desde 2014 recebe uma pensão de quase 1.500 euros após se reformar da Marinha aos 49 anos – não reúne as condições de idoneidade impostas pela lei que regula as actividade de comércio e indústria de tecnologias militares. O Governo socialista ‘esqueceu-se’ de ponderar esse ‘pormenor’ sobre um empresário que tem ligações estreitas com uma associação do sector sedeada na China.


    Um antigo capitão de fragata, condenado em 2008 por corrupção passiva, recebeu uma autorização do Ministério da Defesa em Setembro passado para exercer actividades de comércio e tecnologias militares, apesar de uma lei de 2009 proibir expressamente, por razões de idoneidade, a obtenção de uma licença a quem tenha sido condenado, em Portugal ou no estrangeiro, por diversos crimes graves.

    Em Setembro de 2006, Clélio Ferreira Leite, que chegou a estar indigitado para director-geral de Armamento e Equipamentos de Defesa – um organismo responsável pela execução financeira dos contratos de reequipamento das Forças Armadas –, foi detido numa megaoperação da Polícia Judiciária, constituída por 70 inspectores, nove procuradores do Ministério Público e um juiz de instrução criminal, juntamente com outro oficial superior e um sargento da Marinha, por suspeita de corrupção em contratos celebrados com uma empresa privada para a manutenção dos mísseis que equipam as três fragatas da classe ‘Vasco da Gama’.

    tilt shift lens photo of mini drone

    No final de 2006, a investigação foi alargada ao Exército: buscas em escritórios de advogados e empresas permitiram apreender documentos que indiciam favorecimento na compra de equipamentos para as 260 viaturas blindadas adquiridas aos austríacos da Magna-Steyr. Ferreira Leite eram então responsável pela Divisão de Armamento da Direcção de Navios da Marinha, tendo sido o único preso preventivo. No julgamento, este oficial seria condenado a sete anos de prisão efectiva por corrupção passiva.

    Anos mais tarde, refez a vida, saindo da Marinha aos 49 anos com uma reforma de quase 1.500 euros, criando então, em Abril de 2016, uma empresa unipessoal (ou seja, apenas por si detida) denominada Leitek Innovative Solutions, com sede em Cascais, tendo como objecto social o comércio internacional de produtos de software, de tecnologias na área de sistemas eletrónicos, optrónicos, radar, biometria, sistemas de navegação e comunicações, bem como actividades de investigação e desenvolvimento, de engenharia naval e engenharia aeroespacial, consultadoria de projetos de investimento e de engenharia, segurança marítima e aérea. Desde 2017, a empresa de Clélio Ferreira Leite foi comercializando diversos equipamentos a entidades públicas, incluindo drones. O contrato mais elevado foi estabelecido, em agrupamento com a Wavecom, no valor de 557 mil euros, com a Secretaria Regional de Equipamentos e Infraestruturas da Madeira em finais de 2020 para fornecimento de sistemas de detecção precoce de incêndios rurais.

    O cadastro criminal de Clélio Ferreira Leite não era relevante para contratos públicos – nem para assumir cargos, como os de presidente da Associação Portuguesa de Aeronaves não Tripuladas –, mas já era quanto ao pedido de licença para exercícios de actividades de comércio e indústria de bens e tecnologias militares por sociedades comerciais sedeadas em Portugal e por pessoas singulares residentes em Portugal, que é uma condição sine qua non. De acordo com a lei, o pedido de licença é formulado mediante um requerimento dirigido ao Ministro da Defesa, com o objectivo inicial de alterar o objeto social da Leitek, de modo a incluir o comércio e a indústria de bens e tecnologias militares na sua actividade.

    Clélio Ferreira Leite, ex-capitão de fragata e actual sócio único e gerente da Leitek, ao lado de Jincai Yang, presidente da World UAV [Unmanned Aerial Vehicle] Federation.

    O despacho de 26 de Setembro do ano passado do antigo secretário de Estado da Defesa Nacional, Carlos Pires, concedeu essa autorização à Leitek, da qual Clélio Ferreira Leite é gerente e sócio único, após passar pelo crivo da Autoridade Nacional de Segurança. No despacho governamental diz-se que “a sociedade comercial [Leitek] cumpre os pressupostos cumulativos para a atribuição de licenciamento para o exercício das atividades pretendidas, previstos no nº 1 do artigo 8º da Lei nº 49/2009, mas esquece completamente o artigo referente à idoneidade – usada também como critério de exclusão, por exemplo, para exercício de funções em instituições financeiras.

    Com efeito, a lei em causa determina que “sem prejuízo de outras circunstâncias atendíveis, considera-se não possuir idoneidade quem tenha sido condenado, no País ou no estrangeiro, por crimes de falência dolosa, falência por negligência, falsificação, furto, roubo, burla, extorsão, abuso de confiança, infidelidade, usura, corrupção, emissão de cheques sem provisão, apropriação ilegítima de bens do sector público ou cooperativo, falsas declarações, branqueamento de capitais ou infracções à legislação especificamente aplicável às sociedades comerciais, ou ainda por crimes praticados no exercício de actividades de comércio ou de indústria de bens e tecnologias militares”, ou que “tenha comprovadamente tido envolvimento no tráfico ilícito de armas ou de outros bens e tecnologias militares ou de dupla utilização ou, ainda, na violação de embargos de fornecimento de bens e tecnologias militares decretados pela Organização das Nações Unidas, pela União Europeia, pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa ou pelo Estado português”.

    O PÁGINA UM contactou Clélio Ferreira Leite que, não negando “problemas passados” com a Justiça garante ter o registo criminal “limpo”, o que sucede, em geral, no crime cometido, sete anos após a data da extinção da pena aplicada. No entanto, de acordo com juristas consultados pelo PÁGINA UM, a limpeza do cadastro criminal não interfere com a premissa da idoneidade em casos de condenação, de contrário não estaria expressamente incluído. Até porque o registo criminal é um documento pedido – e que terá de estar ‘limpo’ – antes da análise da idoneidade dos sócios ou dos gestores das sociedades que solicitam a licença. Ferreira Leite diz também que nunca fez negócios com qualquer ramo das Forças Armadas.

    Contudo, de acordo com a consulta do PÁGINA UM ao Portal Base, a Leitek fez um contrato no valor de 61.820 euros com o Estado-Maior do Exército para fornecimento de detector de cabos electrónicos, magnetómetro e detector de circuitos electrónicos em finais de 2018 pelo valor de 61.820 euros. Contabiliza ainda três contratos com a Polícia de Segurança Pública e um com a Guarda Nacional Republicana, embora até agora não surja ainda nenhum em data posterior à nova licença para comércio e indústria de tecnologias militares. No entanto, a licença é também para actividades de exportação.

    Carlos Lopes Pires, secretário de Estado da Defesa do Governo de António Costa, que tomou posse em Julho de 2023, não concedeu apenas um despacho polémico a conceder uma licença de comércios de tecnologias militares à empresa de um cidadão da Córsega na Zona Franca da Madeira. Também não conferiu a idoneidade do sócio único da Leitek, já com uma impeditiva condenação por corrupção.

    Saliente-se que Clélio Ferreira Leite é também destacado membro da World UAV [Unmanned Aerial Vehicle] Federation, um organismo sedeado em Hong Kong e controlada sobretudo por personalidades e empresas chinesas. Os denominados veículos aéreos não-tripulados, vulgarmente designados por drones, têm vindo a ganhar uma grande preponderância em operações militares, como se tem observado nos conflitos na Ucrânia e Gaza, tendo sido desenvolvido nos anos mais recentes quer novas tecnologias de ataque como de defesa.

    Aliás, de entre as 12 licenças concedidas pelo Ministério da Defesa para comercialização de tecnologias militares desde 2023 constam, além da Leitek, pelo menos outras duas que exercem a sua actividade no sector dos drones: a Beyond Vision, sedeada em Aveiro, e a Swatter Company, uma start-up de Lisboa ligada ao ISCTE. No entanto, esta última apresenta uma tecnologia de desactivação de drones, ou seja, constitui um sistema de defesa.


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  • Portugal já exporta mais armamento para Israel do que a Alemanha

    Portugal já exporta mais armamento para Israel do que a Alemanha

    Os habituais fornecedores de armamento para Israel – Estados Unidos (69%) e a Alemanha (30%) – estão a sofrer cada vez mais pressões para refrear os ímpetos belicistas de Benjamin Netanyahu sobre Gaza. O Governo alemão já só exportou este ano 32.449 euros em armamento para aquele país do Médio Oriente, mas em Portugal, onde aparentemente o negócio das armas se faz com a máxima discrição, os valores estão a subir em flecha. Este ano, até Março, já se exportou mais de meio milhão de euros para Israel, de acordo com uma investigação do PÁGINA UM, ou seja, 16 vezes mais do que a Alemanha. E desde o início do conflito, a partir de Outubro do ano passado, já se ultrapassou um milhão de euros. Embora Portugal seja um player residual no lucrativo ‘negócio da guerra’, o país que colocou literalmente Gaza a ferro e fogo desde Outubro do ano passado está já na terceira posição como destino final. Apesar de as vendas até 2020 de armas para Israel a partir de empresas portuguesas serem praticamente inexistentes, os últimos meses mostram que o negócio apresenta agora uma tendência bastante crescente para ‘prosperar’.


    Sobem as pressões para os países ocidentais suspenderem as exportações de armamento para Israel, mas Portugal, através de empresas a operarem em território nacional, está a aumentar os negócios com o governo de Benjamin Netanyahu desde o início do conflito em Gaza.

    Apesar de Portugal ser um player diminuto à escala mundial no negócio do armamento, sobretudo por já nem sequer ter produção própria, de acordo com dados de exportações consultados pelo PÁGINA UM, Israel já passou a ser o terceiro destino final de armas provenientes do nosso país. Entre Outubro do ano passado e Março deste ano, foi exportado para Israel material de guerra classificado como “bombas, granadas, torpedos, minas e outras munições e projécteis” no valor total de 1.076.734 euros, um acréscimo de 56% face aos seis meses anteriores (Abril a Setembro de 2023) e quase quatro vezes mais do que o período homólogo anterior (Outubro de 2022 a Março de 2023).

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    Saliente-se que o negócio de armamento em Portugal é bastante incipiente face aos colossos internacionais do Ocidente, tendo envolvido apenas 91,7 milhões de euros no ano passado, sendo que o destino final é sobretudo os Estados Unidos (69%) e a Bélgica (21%). Porém, mais do que montantes avultados que movimenta não milhões mas sim biliões à escala planetária, o simbolismo conta também. Entre 2010 e 2020, o envio de armamento de Portugal para Israel cifrou-se em insignificantes 7.702 euros – por uma exportação em Novembro de 2012 –, mas tem sido crescente a partir de 2021. Em todo esse ano atingiu 140.329 euros, subindo para 636.888 euros em 2022, ou seja, uma média mensal de cerca de 53 mil euros

    No período de 2023 antes dos ataques do Hamas contra Israel – e da violenta contra-ofensiva em Gaza –, já se evidenciava a tendência de aumento. Entre Janeiro e Setembro do ano passado, as exportações nacionais para Israel ultrapassaram os 91 mil euros por mês, mas nos último trimestre de 2023 e no primeiro trimestre deste ano, o valor quase duplicou, com uma média mensal de quase 180 mil euros. Considerando estes valores, Israel ultrapassou Espanha como terceiro destino de armamento proveniente de Portugal. Saliente-se que não houve exportações directas, envolvendo transacções monetárias, de armamento nem para a Ucrânia nem para a Rússia nos últimos anos

    Podendo parecer pequeno o valor das exportações para Israel, num contexto mundial e especificamente no conflito que grassa aquela região do Médio Oriente nos últimos seis meses, Portugal apresenta condições para, face ao nulo debate sobre o negócio das armas em território nacional, se tornar uma ‘charneira’ para mais exportações.

    Soldier Holding Rifle

    Por exemplo, a Alemanha – que tradicionalmente tem sido o segundo maior fornecedor de armamento de Israel (30% do total entre 2019 e 2023), com negócios de 326,5 milhões de euros no ano passado –, refreou drasticamente os envios face às críticas externas e internas. No dia 10 de Abril, o Ministério da Economia alemão revelou que só foi vendido armamento para Israel no valor de 32.449 euros. Ora, Portugal, no período entre Janeiro e Março deste ano, exportou armamento para aquele país do Médio Oriente no valor de 532.395 euros, ou seja, 16 vezes mais.

    Nos Estados Unidos – que, com quase 70% do total, é o maior fornecedor de armas a Israel –, as pressões para se cortar o ímpeto belicista de Benjamin Netanyahu estão ao rubro. Anteontem, em entrevista à CNN, Joe Biden ameaçou congelar o fornecimento de armas se as forças israelitas atacarem a cidade de Rafah, em Gaza. E já esta semana foi suspenso o envio de um carregamento de bombas pesadas e anti-bunker, armas que têm sido usadas pelas forças israelitas na sua ofensiva contra o Hamas, que já causou a morte a perto de 35.000 palestinianos na Faixa de Gaza.

    Também a Itália – que é o terceiro maior fornecedor de armas a Israel, com um pouco menos de cerca de 1% – suspendeu novas autorizações de exportação de armamento para aquele país desde o início da guerra em Gaza.

    Valores (em euros) das exportações por mês, desde 2020, de armamento de Portugal para Israel. Fonte: INE.

    Também o Canadá e a Holanda – países exportadores de armamento para Israel em pequena escala, como Portugal – já suspenderam qualquer envio por se temer que pudessem ser usadas em Gaza, provocando vítimas civis.

    Saliente-se que o negócio legal de armamento requer licenciamentos especiais e autorizações por parte dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa.


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  • Vacina da AstraZeneca deixa mercado, mas sob suspeita de 3.010 mortes

    Vacina da AstraZeneca deixa mercado, mas sob suspeita de 3.010 mortes

    Foi um tabu imposto quase a ‘ferro e fogo’, com obscurantismo e manipulação, com censura política e nas redes sociais, incluindo perseguição ou ostracismocomo de quem apontava que a estratégia de vacinação massiva contra a covid-19 não estava a defender o primado da prudência nem o princípio do consentimento (bem) informado sobre os benefícios e riscos. Mas depois de um negócios de mutos milhares de milhões, e com o tempo a revelar as verdades, como historicamente sempre sucede, fica-se agora a saber que a AstraZeneca, enquanto saiu de «mansinho’ do mercado das vacinas contra a covid-19, alegando apenas razões financeiras, vai entretanto assumindo cada vez mais efeitos adversos. No sistema de vigilância da Agência Europeia do Medicamento, a AstraZeneca já assumiu este ano em 29 casos que a sua vacina foi a causa inequívica de mortes, mas sob suspeita estão 217 óbitos. Desde 2021, foram administradas no Espaço Económico Europeu cerca de 130 milhões de doses da vacina desta farmacêutica anglo-sueca, baseada num adenovírus modificado, havendo suspeita de terem causado, até agora, 3.010 mortes. No Reino Unido estão 51 processos judiciais que exigem indemnizações de 100 milhões de libras.


    Até à passada sexta-feira, o sistema de vigilância às reacçõea adversas da Agência Europeia do Medicamento contabilizava 3.010 registos de ocorrência de mortes sob forte suspeita de estarem associadas à administração da vacina contra a covid-19 da AstraZeneca, de acordo com uma pesquisa do PÁGINA UM. Tal como sucedeu com a vacina desenvolvida pela Jannsen, a Astrazeneca não optou pela tecnologia mRNA, desenvolvendo a sua vacina baptizada Vaxzevria a partir de um adenovírus que foi modificado para conter o gene que produz a proteína S (Spike) do SARS-CoV-2.

    Apesar de anteontem ter retirado voluntariamente do mercado a sua vacina, alegando somente razões financeiras – foi reportado em finais de Abril um prejuízo de 17 milhões de dólares no primeiro trimestre deste ano –, o rastro de efeitos adversos não está a diminuir. Pelo contrário, evidenciam-se, com maior gravidade, os problemas que surgiram logo em 2021.

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    Só nos registos deste ano da base de dados EudraVigilance, consultada em detalhe pelo PÁGINA UM, a vacina da farmacêutica anglo-sueca, mesmo não tendo sido já usada nos últimos dois anos – em Portugal acabou por ser a ‘escolha imposta’ em oito em cada 100 doses administradas – contabiliza 1.392 reacções adversas graves, estando associadas a 217 mortes.

    Embora os reguladores e diversos peritos, muitos dos quais associados á indústria farmacêutica, tentem sempre relativizar estes registos – alegando que a inclusão de casos no sistema da EMA não é uma certeza de causalidade –, na lista de reacções adversas associadas à Vaxzevria surgem com grande preponderância gravíssimos problemas associados ao sistema circulatórios, entre os quais tromboses, em muitos casos ligadas a trombocitopenia imune, embolias, ataques cardíacos ou mesmo mortes súbitas.

    Actualmente, já se assume mesmo a existência de uma nova doença: a VITT, acrónimo de trombocitopenia imune induzida por vacina, um uma síndrome de trombose agressiva com risco de vida. De início, a incidência foi estimada em um caso por 26.500 a 127.300 doses, consoante os estudos, sendo menores nos reforços. Na base de dados da EMA está reportado por agora, apenas para esta afecção, 823 casos, sendo 31 fatais e 281 referidos como não recuperados. Se os números não aumentarem, e tendo em consideração que o European Centre for Disease Prevention Control aponta a administração de quase 130 milhões de doses da AstraZeneca, a incidência é de um caso por cada 159 mil doses.

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    Nesta linha, apenas para esta afecção específica, estima-se assim cerca de 15 casos. Porém, para a globalidade das afecções do sistema circulatório e linfático, a EMA registou já, para a Vaxzevria, mais de 26 reacções adversas, na esmagadora maioria na população dos 18 aos 64 anos – ou seja, se estarem nos grupos etários mais vulneráveis à covid-19 –, estando indicadas 411 mortes e 5.701 situações sem recuperação.  Quanto às afecções cardíacas, para a vacina da AstraZeneca estão reportados na EudraVigilance  25.818 reacções adversas de diversas gravidade, estando indicado que 1.079 resultaram em morte e em 6.173 não houve recuperação. Refira-se que as reacções adversas podem, no mesmo indivíduo, resultar em diversas reacções adversas.

    No entanto, para a Vaxzevria ressalta este ano, nos registos na EudraVigilance para os países do Espaço Económico Europeu, os registos onde se assume, de forma já clara, a existência de mortes inequivocamente associadas à reacção imunológica. Com efeito, de acordo com a consulta detalhada  feita pelo PÁGINA UM à base de dados da EMA – que regista as reacções adversas analisadas previamente pelos reguladores antes do seu envio –, só entre Janeiro e 3 de Maio deste ano foram reportadas 36 mortes com indicação expressa de “reacção adversa à vacinação” (vaccination adverse reaction, no original), havendo ainda mais seis casos graves que não resultaram em morte. Destes 36 desfechos fatais, 29 foram reportados pela próproa AstraZeneca, e em dois casos foi a Moderna, uma vez que estava em causa a existência de boosters (reforços). Para reforçar a veracidade desta assumpção, o PÁGINA UM disponibiliza, em anexo, todos os registos destes casos, alguns envolvendo a inoculação com outras marcas, uma vez que houve reforços em certas ocasiões.

    Em anos anteriores, desde a aprovação da vacina da AstraZeneca, somente se encontra a assumpção na base de dados da EMA de se estar perante casos mortais de reacção à vacina da AstraZeneca em quatro registos com desfechos fatais, dos quais três em 2021 e um em 2022. Este suposto agravamento dever-se-á sobretudo a razões de política de regulação, pois durante a pandemia tanto as farmacêuticas como os reguladores e autoridades políticas e de saúde pública procuraram minimizar a existência de efeitos adversos graves, buscando sempre destacar as vantagens da vacinação, mesmo em grupos etários pouco vulneráveis à covid-19, ‘instigados’ a serem inoculados.

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed: o PÁGINA UM anda há mais de dois anos a tentar obter acesso aos dados anonimizados do Portal RAM. O caso está em recurso no Tribunal Central Administrativo Sul há mais de um ano.

    O número elevado de mortes reportados à EMA onde a Vaxzevria se mostra bastante suspeita durante os primeiros meses deste ano – num total de 217 – não significa que os eventos são recentes, antes sim que só agora passaram ‘no crivo’ dos especialistas e dos próprios reguladores nacionais.

    Aliás, ao contrário da ideia que por vezes se pretende transmitir para atenuar politicamente estes casos, os registos que constam na EudraVigilance não resultam de meras comunicações sem validação científica. Em grande parte dos casos, são as próprias farmacêuticas que os comunicam, por obrigação legal, de contrário podem ver agravadas as penas de responsabilidade; noutros casos, são ocorrências que resultam de investigação e validação científica quer por médicos quer pelos reguladores nacionais; noutros resultam da detectação dos chamados “estudos de caso” que resultam em artigos publicados em revistas científicas. Ora, esse processo pode demorar vários meses ou anos desde a primeira suspeita.

    Em todo o caso, por agora, o ano de 2022 é aquele com mais registos de mortes onde a Vaxzveria surge como forte suspeita de ser a causa, contabilizando-se 1.837 registos. Em seguida aparece o ano de 2021, com 631 óbitos associados. No ano passado encontram-se 325 registos de casos fatais. No entanto, se se considerar que os 217 casos mortais reportados até ao início de 2024, este ano está com mais relatos do que em 2021 e 2023.  

    Um dos registos na EudraVigilance, transmitida pela própria AstraZeneca este ano, onde assume um caso fatal por reacção adversa á vacinação.

    Recorde-se que, no âmbito de julgamentos no Reino Unido, a AstraZeneca acabou por admitir pela primeira vez num tribunal, no mês passado, que a sua vacina pode causar efeitos adversos graves, embora raros. A farmacêutica enfrenta já várias dezenas de processos que exigem indeminizações de 80 milhões de libras esterlinas.

    No entanto, nos países da União Europeia este tipo de ‘reivindicações’ será muito difícil, porque os contratos com cláusulas secretas celebrados entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas concederam-lhes isenção de responsabilidades. Por exemplo, os eventuais pedidos de indeminização em Portugal terão de ser exigidos ao Estado que, através do Infarmed, controla toda a informação e sempre relativizou, escondeu e manipulou informação sobre os efeitos adversos das vacinas.


    N.D. Por várias vezes, o PÁGINA UM abordou o tema das reacções adversas das vacinas da covid-19, sendo que em duas resultaram em queixas à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) por parte do Doutor Filipe Froes. Como desde 2020, este pneumologista – que não tem conflitos com nenhuma farmacêutica porque a todas tem sempre interesse em mercadejar – já recebeu, oficialmente, 26.467 euros em vários serviços prestados à AstraZeneca, mostra-se provável que venha a apresentar uma terceira queixa. Aliás, o PÁGINA UM instiga o Doutor Filipe Froes a novo booster, apresentando terceira queixa. Espera-se, contudo, que, desta vez, a ERC não seja tão facciosa na sua análise, opinando sobre rigor informativo quando claramente se mostra, nestas matérias, como sapateiro a tocar rabecão. E sobretudo que não minta, como o fez gravemente numa deliberação, a dizer que eu não respondi sequer à queixa, quando, na realidade, não recebi a carta. E a ERC sabia e tinha provas disso. Mas à ERC mostra não lhe interessar ser rigorosa quando recebe uma queixa sobre notícias relacionadas com Saúde escritas pelo PÁGINA UM. Interessa mais tentar descredibilizar o PÁGINA UM.


    Registo de mortes registadas este ano na EudraVigilance expressamente indicadas como reacções adversas (vaccination adverse reaction) após inoculação da Vaxxevria (em sete casos fora administrada também de outra marca)

    Caso 1

    Caso 2

    Caso 3

    Caso 4

    Caso 5

    Caso 6

    Caso 7

    Caso 8

    Caso 9

    Caso 10

    Caso 11

    Caso 12

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    Caso 14

    Caso 15

    Caso 16

    Caso 17

    Caso 18

    Caso 19

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    Caso 28

    Caso 29

    Caso 30

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    Caso 33

    Caso 34

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    Caso 36


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