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  • Ridículo: Estado só concluiu 12 fogos habitacionais no ano passado

    Ridículo: Estado só concluiu 12 fogos habitacionais no ano passado

    Apesar do coro político sobre a prioridade nacional para a habitação, o Estado português – nas suas diversas vertentes, desde a Administração Central até às autarquias, passando pelos Governos Regionais – conseguiu um ‘feito inaudito’: concluir apenas 12 fogos habitacionais em todo o país durante o ano passado. Nem uma centena. Nem meia centena. Doze. É esse o número de casas novas em todo o ano de 2024, de acordo com os dados provisórios do Instituto Nacional de Estatística (INE), agora analisados pelo PÁGINA UM.

    No total de todas as habitações familiares concluídas no ano passado, o sector público foi responsável por menos de 0,05% – ou seja, apenas uma em cada 2.000 casas familiares terá sido construída por entidades públicas.

    low angle photography of cranes on top of building

    Num país onde vigora um Plano de Recuperação e Resiliência com centenas de milhões atribuídos à chamada “Habitação Acessível”, a acção directa do Estado revela-se, na prática, estatisticamente irrelevante.

    Apesar de se assistir a um novo dinamismo na construção de habitações familiares – o ano passado, com 25.311 fogos, foi o melhor da última década, superando mesmo o conjunto do triénio 2015-2017 –, tem sido a iniciativa privada que se tem destacado, tanto ao nível de pessoas singulares (famílias) como de empresas.

    Ao longo de 2024 foram concluídos 15.030 fogos construídos por empresas e mais 10.168 por pessoas singulares. Estes valores são também os máximos da última década, sendo que os crescimentos relativos face a 2023 foram de 15% e 2,7%, respectivamente. Uma parte também reduzida (101 fogos em 2024) foi concluída por iniciativa de empresas de serviço público, cooperativas de habitação e instituições sem fins lucrativos.

    Total de fogos concluídos em construções novas para habitação familiar por entidade promotora entre 2015 e 2024. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    O mapa dos fogos públicos concluídos é quase caricatural: três em Mafra, três em Miranda do Douro, e um em cada um dos seguintes concelhos: Braga, Paredes, Caldas da Rainha, Vila do Conde, Lagoa (Açores) e Valença.

    Esta é a cartografia da acção do Estado português enquanto construtor de habitação. Sempre se poderá dizer que, conforme alerta o INE, não existem ainda dados nos últimos dois anos para os concelhos de Lisboa, Faro e Póvoa de Varzim, por ausência ou insuficiência de informação, mas esse quadro não se modificará muito quando houver dados desses municípios. Por exemplo, a capital de Portugal só tem referidos 100 fogos de iniciativa pública concluídos entre 2015 e 2022.

    A análise da última década mostra uma tendência contínua de afastamento do Estado enquanto promotor directo de habitação. Em 2015, os organismos públicos ainda concluíram 88 fogos. Não era quase nada, mas era sete vezes mais do que em 2024. O número manteve-se baixo ao longo dos anos seguintes, com um breve pico em 2021, quando foram contabilizados 262 fogos públicos – o valor mais elevado da década.

    Mas desde então, o colapso é evidente: 21 em 2022, 63 em 2023 e apenas 12 em 2024. Mesmo com eventuais acertos quando os dados forem definitivos, por agora o INE aponta para apenas 727 fogos familiares por iniciativa pública na última década, que contrastam com os 72.653 fogos por iniciativa de pessoas singulares, os 78.884 por empresas privadas e 556 por outras entidades.

    Evolução dos fogos concluídos em construções novas para habitação familiar por todas as entidade promotora entre 2015 e 2024. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Este desinvestimento é tanto mais escandaloso quanto mais se recorre ao discurso público como cortina de fumo. Nunca se falou tanto de habitação pública, nunca se prometeram tantos apoios, tantos programas, tantas metas. Mas o resultado, medido em tijolos e telhados, é medíocre. Os números não mentem: o Estado não constrói.

    Os dados do INE, que não são matéria de opinião, demonstram que o que se vende como política pública de habitação não passa, em grande medida, de engenharia retórica. Em suma, dos 151.820 fogos habitacionais novos construídos entre 2015 e 2024, praticamente 52% foram de empresas privadas, cerca de 47,2% foram de iniciativa particular, 0,5% por iniciativa pública e um pouco mais de 0,3% por outras entidades.

    Em todo o caso, de forma global, observa-se uma tendência de crescimento do número total de fogos – que passou de pouco mais de 7 mil em 2015 para mais de 25 mil em 2024 –, mas o Estado, além de não contribuir para o volume, está muito longe de ter poder de regulação dos preços de mercado. Aliás, o Estado e as autarquias até beneficiam directamente da especulação, por via dos montantes tributados de IMT (Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis) e de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis).

    Evolução dos fogos concluídos em construções novas para habitação familiar por iniciativa de empresas privadas entre 2015 e 2024. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.
    Evolução dos fogos concluídos em construções novas para habitação familiar por iniciativa de pessoa singular (família) entre 2015 e 2024. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Os números do INE – que acabam por mostrar que os projectos, os planos, as primeiras pedras e os anúncios de entrega de chaves (que em muitos casos são de casas reabilitadas ou já existentes) – revelam que os sucessivos Governos prometem combater a especulação e a crise habitacional, mas é o mercado, com a iniciativa particular e de empresas privadas, que mostra dinamismo. Estamos perante a radiografia de um modelo de governação que trocou o cimento pelo soundbite. A política da habitação em Portugal continua a ser feita em conferências de imprensa, não em estaleiros de obra. E os cidadãos pagam, todos os dias, o preço dessa encenação.

    O dinamismo da construção de fogos habitacionais novos na última década tem estado concentrado sobretudo nos concelhos urbanos do eixo Porto-Braga e Lisboa-Setúbal, onde se intrometem Leiria, Aveiro e Viseu. O município que mais construiu entre 2015 e 2023 foi o Porto, com 6.590 fogos habitacionais, seguindo-se Vila Nova de Gaia, com 5.543 fogos. Braga é o outro concelho acima da fasquia dos cinco mil (5.045).

    Na Área Metropolitana de Lisboa, o Seixal foi o município que mais construiu (4.291 novos fogos). Segue-se depois, novamente a Norte, Guimarães (3.272), Leiria (3.062) – o primeiro concelho fora das duas áreas metropolitanas – e Vila Nova de Famalicão (3.041). Acima de dois mil fogos estão ainda Barcelos e Odivelas (ambos com 2.658), Matosinhos (2.398), Sintra (2.394), Lisboa (2.328), Mafra (2.311), Loures (2.285), Aveiro (2.234), Viseu (2.146) e Cascais (2.060). Fecham o top 20 os concelhos de Almada (1.991), Maia (1.862) e Setúbal (1.816). Quase quatro em cada 10 novos fogos habitacionais (39,3% do total) foram construídos nestes 20 municípios.

    Evolução dos fogos concluídos em construções novas para habitação familiar por iniciativa de entidades públicas (Administração Central, Local e Regional) entre 2015 e 2024. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.
    Evolução dos fogos concluídos em construções novas para habitação familiar por iniciativa de outras entidades (empresas de serviço público, cooperativas de habitação e instituições sem fins lucrativos) entre 2015 e 2024. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Porém, as dinâmicas mais recentes mostram algumas diferenças. Apesar de o Porto e Vila Nova de Gaia terem sido os que mais fogos concluíram em 2024 – 1.542 e 1.431, respectivamente –, o terceiro lugar é ocupado por Braga (mais 669 fogos), seguido do Seixal (649), Maia (567), Leiria (564), Cascais (540), Funchal (481), Sintra (472) e Oeiras (465). Estes 10 municípios foram responsáveis por 29,4% dos fogos concluídos no ano passado em todo o país.

    Recorde-se que no mês passado, o Programa do Governo estabeleceu como meta a construção de “59 mil casas públicas” e  a disponibilização de financiamento para mais projectos, incluindo parcerias público-privadas em imóveis do Estado devolutos com aptidão habitacional. Mas as promessas nem quatro paredes possuem, quanto mais tecto e acabamentos, pelo que, o mais provável, pelo histórico, é a montanha parir um rato.

    Aliás, também a promessa do Governo socialista de transformar a empresa pública Parque Escolar em Construção Pública – para assim passar a deter competências na área da habitação social – não passou do papel. E acabou por ser mais uma promessa não concretizada no sector da habitação.

  • Em quatro anos, Marcelo derrete 1,75 milhões a alugar  carros

    Em quatro anos, Marcelo derrete 1,75 milhões a alugar carros

    Em menos de quatro anos, Marcelo Rebelo de Sousa autorizou a despesa de 1,75 milhões de euros em viaturas para o parque automóvel da Presidência da República — mas nenhum desses veículos pertence ou pertencerá ao Estado.

    De acordo com uma análise do PÁGINA UM, desde Setembro de 2021, todos os contratos para viaturas da Presidência têm sido feitos em regime de aluguer operacional de (suposta) longa duração, porque duram geralmente apenas três anos, o que significa que os veículos são devolvidos às empresas no final do prazo, sem qualquer entrada no património público. São carros que custam como se fossem do Estado, mas que acabam por ser apenas emprestados — a preço de ouro.

    O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. / Foto: P.R.

    Apesar de estar a pouco mais de seis meses de abandonar o Palácio de Belém, Marcelo mandou renovar mais uma vez a frota oficial. Na passada quinta-feira foram assinados mais dois novos contratos, envolvendo uma despesa adicional de 279.516 euros. Ou seja, mesmo prestes a sair, continua a deixar contratos fechados e facturas abertas — a serem pagas já pelo futuro Presidente da República.

    Os novos contratos foram celebrados para três “lotes” de veículos. Num dos contratos, no valor de 170.920,80 euros, a empresa PPL Car foi contratada para fornecer quatro viaturas Peugeot 508 Allure Plug-in Hybrid, cada uma com 225 cv de potência. Cada viatura custará 42.730 euros pelo período de três anos — sem ficar na posse do Estado. No mercado, o preço-base deste modelo ronda os 50 mil euros, mas sem ter de ser devolvido ao ‘vendedor’ ao fim de três anos.

    No segundo contrato, no valor de 108.595,80 euros, a adjudicatária foi a habitual Lease Plan, empresa que tem vindo a ganhar praticamente todos os contratos com a Presidência desde 2021. Neste procedimento foram alugadas duas viaturas: um Mercedes Classe V 300 d Longo Avantgarde, por 71.744,23 euros, e um Peugeot 5008 Allure Plug-in Hybrid de 195 cv, por 36.851,59 euros. Só o Mercedes representa um custo diário de 65 euros, incluindo fins-de-semana e feriados — e no fim dos três anos, regressará à empresa como seminovo pronto a revender. Se a opção fosse comprar, a Presidência pagaria cerca de 90 mil euros, e o veículo poderia durar mais de três anos e ficar no Estado. No caso do Peugeot, o preço-base deste modelo está um pouco acima dos 47 mil euros.

    O aluguer de quatro viaturas Peugeot 508 Allure Plug-in Hybrid de 225 cv de cilindrada por um período de três anos vai custar aos contribuintes o valor de 170.920,8 euros. / Foto: D.R.

    A Presidência da República tem recorrido exclusivamente ao aluguer operacional de longa duração (AOLD), uma opção que permite o uso de viaturas novas mediante o pagamento de uma mensalidade fixa durante um período determinado (geralmente três ou quatro anos). Este tipo de contrato inclui manutenção e seguro, mas não transfere a propriedade do veículo para o Estado, nem no final do contrato, nem mediante qualquer valor residual.

    Embora essa modalidade seja frequente em empresas privadas e possa apresentar vantagens de gestão logística (sobretudo em frotas de uso intensivo), a sua aplicação sistemática na Administração Pública levanta sérias dúvidas de racionalidade económica, porque mesmo que uma entidade possa, por questões até de dignidade protocolar, desejar renovar a frota, os veículos com três anos (e uso pouco intensivo) poderiam ser encaminhados para instituições pública.

    Apesar de quase todos os contratos terem sido precedidos de concurso público, a Lease Plan venceu 19 dos 21 contratos dos últimos quatro ano, no valor global de 1.542.5781 euros. As ‘migalhas’ ficaram para a SGald, com um contrato de aluguer de um Mitsubishi Outlander em 2021, e para a PPL Car, com o contrato dos quatro Peugeot 508 Allure celebrado na passada quinta-feira no valor de um pouco menos de 171 mil euros.

    Mercedes Classe V 300 d Longo Avantgarde: opção pelo aluguer operacional é aparentemente implica que, ao fim de três ano, em vez de o Estado ficar com o veículo, este regressa à empresa.

    Os dados do Portal BASE mostram ainda que em 2023 se atingiu o pico de despesa, com 680.190 euros, enquanto em 2024, até meados de Julho, a Presidência já comprometeu 343 mil euros, ficando assim a nova frota já assegurada para o futuro chefe de Estado que será eleito em Janeiro.

    Não se conhece publicamente qualquer estudo sobre a opção por este modelo de renovação contínua de frota da Presidência da República que implicam que os veículos circulam três anos — e saem a partir daí pela mesma porta para não mais regressarem. Regressam outros, quase ao mesmo preço da compra.

  • Helicópteros: INEM celebra ajuste directo com Gulf Media para evitar ter de lhe aplicar sanções de milhões

    Helicópteros: INEM celebra ajuste directo com Gulf Media para evitar ter de lhe aplicar sanções de milhões

    Numa manobra que deixa em aberto sérias implicações jurídicas e financeiras, o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) celebrou ontem, pelas 14 horas, um ajuste directo com a empresa Gulf Med Aviation, com sede na ilha de Malta, no valor de 4.011.500 euros (acrescido de IVA), para garantir a operação de três helicópteros de emergência médica em regime de prontidão diária de 12 horas (H12).

    Este novo contrato, com uma duração de 123 dias, anula na prática os efeitos de um polémico contrato de 77.475.160 euros (mais IVA), adjudicado à mesma empresa num concurso público internacional lançado em Novembro do ano passado para vigorar a partir de 1 de Julho deste ano, mas cuja execução não está a decorrer porque a empresa de Malta não conseguiu disponibilizar a totalidade dos quatro meios aéreos em todas as horas do dia.

    Na prática, como se a Gulf Med não estava a dar cumprimento do contrato adjudicado após concurso público, o INEM poderia aplicar multas por incumprimento contratual de 730 mil euros por dia, como destacou hoje a TVI.

    O ajuste directo agora celebrado – invocando razões de “urgência imperiosa” – prevê agora a disponibilização de três aeronaves: dois helicópteros médios H145 e um helicóptero ligeiro H135, que deverão estar operacionalmente prontos para missões de emergência médica em território continental português. Um dos helicópteros médios só estará disponível a partir do próximo dia 15.

    O contrato estabelece um custo diário por helicóptero de 11.300 euros mais IVA, englobando operação, manutenção, tripulação e certificações técnicas, sem possibilidade de indisponibilidade superior a 12 horas sem substituição gratuita por aeronave equivalente.

    Este recuo estratégico surge após o falhanço da Gulf Med em garantir a entrada plena em funcionamento das aeronaves a 1 de Julho, como estipulado no contrato público original. Os dois helicópteros baseados em Macedo de Cavaleiros e Loulé só operam de dia, e por tempo indeterminado. O terceiro só estará disponível em Évora a partir de 15 de Julho. A base de Viseu deverá ter aeronave disponível em Agosto, sendo que todas estas operarão, numa primeira fase, exclusivamente em horário diurno. O uso de helicópteros da Força Aérea foi colocada em cima da mesa, mas com limitações técnicas e até jurídicas fortes. O INEM justificava que a passagem para operação 24 horas por dia será “gradual”, de acordo com uma mensagem interna citada pela CNN Portugal.

    Recorde-se que o concurso público internacional foi severamente criticado pela limitação de prazos e penalizações avultadas previstas para falhas operacionais (183 mil euros por base inactiva por dia). Apenas três empresas apresentaram propostas, entre as quais a Gesticopter, que já avançou com uma acção judicial para impugnação do concurso, actualmente em curso nos tribunais administrativos.

    A opção do INEM por este ajuste directo com a Gulf Med – ignorando por completo os pressupostos e o cronograma do concurso anterior – coloca em risco os próprios gestores públicos, que poderão vir a ser responsabilizados pelo Tribunal de Contas caso haja perdão implícito de penalidades à empresa maltesa, numa alegada “fase de transição”. Em casos semelhantes, os tribunais têm imposto restituição integral de verbas ao Estado e aplicação de multas individuais.

    doctors doing surgery inside emergency room

    Este novo contrato, ontem assinado entre o presidente do INEM e os representantes da Gulf Med, reforça assim a sensação de improvisação e falta de planeamento que tem marcado a gestão do sistema de emergência médica aérea, agora dependente de um ajuste directo de quase cinco milhões de euros por apenas quatro meses, enquanto se espera pela regularização – ou colapso – do contrato plurianual de 77 milhões.

    A polémica está longe de terminar. E os tribunais serão, ao que tudo indica, o palco principal onde se decidirá se houve mera urgência técnica ou fraude ao espírito do concurso público. Uma das empresas que perdeu o concurso público, a Gesticopter, já prometeu uma participação ao Tribunal de Contas e uma queixa-crime por indícios de favorecimento público e também à Comissão Europeia.

  • Mais circo do que pão: na região mais pobre do país, Calheta gasta quase 4% do orçamento num festival de música

    Mais circo do que pão: na região mais pobre do país, Calheta gasta quase 4% do orçamento num festival de música

    Nos Açores, a região com a maior taxa de pobreza do país, há um município que acaba de fazer um ajuste directo recorde. Tem apenas 3.500 habitantes, mas isso não impediu o a autarquia açoriana de Calheta, São Jorge, de gastar “à grande e à francesa”. No passado dia 4 de Julho, a autarquia adjudicou o seu maior contrato por ajuste directo de sempre. E não, não foi para tapar buracos numa estrada nem para mudar o telhado numa escola nem para apoio social. Calheta decidiu fazer o ajuste directo milionário para organizar um festival de música.

    A despesa recorde, efectuada em ano de eleições autárquicas, supera os 343 mil euros e destina-se a contratar músicos e serviços de montagem e desmontagem de palco no âmbito de um festival que se realiza entre o dia de hoje, 10 de Julho, e o dia 14 deste mês.

    O irlandês Gavin James é a principal estrela do Festival de Julho 2025, na Calheta, Açores. / Foto: D.R.

    Segundo o contrato, adjudicado sem concurso à empresa Excellent Vanguard, entre os artistas que vão actuar neste festival contam-se Gavin James, David Fonseca, The Gift, À variações, Némanus, Wet Bed Gang, Karetus, Tropa do Lima e os DJ’s John c e Oram. O preço final inclui a montagem e desmontagem do palco, som e luz..

    Assim, David Fonseca e À variações actuam hoje, 10 de Julho e os Némanus actuam amanhã. Já os Wet Bed Gang e os Karetus actuam no dia 12 enquanto a banda The Gift sobe ao palco no dia 13. Gavin James encerra o evento com um concerto no dia 14. Quanto aos dois DJ’s contratados, actuam no dia 12. Todos os concertos têm uma duração aproximada de duas horas.

    Para o município açoriano, trata-se do quinto maior contrato de sempre registado pela autarquia na plataforma de contratos públicos, o Portal Base. Só é superado por quatro despesas referentes a empreitadas de reabilitação de infrastruturas.

    David Fonseca sobe ao palco hoje na Calheta. / Foto: D.R.

    Em termos de despesa, este ajuste directo ‘comeu’ 3,6% do orçamento anual global da autarquia, da ordem dos 9,5 milhões de euros. Comparando com o caso do orçamento de Lisboa, é como se a capital decidisse gastar 49 milhões de euros com um só evento.

    Tendo em conta o número de habitantes, este festival ‘grátis’ na Calheta corresponde a 98 euros por residente naquele município açoriano que engloba cinco freguesias.

    Para a empresa que ganhou este contrato sem concurso, trata-se da maior facturação de sempre com uma entidade pública. Dos cinco contratos que tem no Portal Base, o segundo maior contrato que obteve com o sector público foi no ano passado, também o município de Calheta, para organizar o Festival de Julho 2024.

    The Gift. / Foto: D.R.

    Mas o contrato obtido no ano passado com aquela autarquia foi de ‘apenas’ 135.736 euros, ou seja, um valor que corresponde a 40% do montante que a empresa conseguiu facturar com o contrato feito agora para o ‘Festival de Julho 2025’.

    O contrato assinado em 4 de Julho do ano passado aparece em branco no documento que é disponibilizado no Portal Base, estando apenas registados os dados com um resumo do procedimento.

    A empresa Excellent Vanguard foi criada em Setembro de 2017 e é detida por um casal que reside em Angra do Heroísmo. A maior quota está nas mãos de Elisa Margarida Oliveira Terroso e uma quota menor pertence ao marido, Rui Duarte Alves Álamo.

    A Excellent Vanguard anunciou que fez o ‘bis’ e ganhou a organização do ‘Festival de Julho 2025’. / Foto: Captura de imagem do Instagram

    Rui Álamo conseguiu, individualmente, um outro ajuste directo no ano passado, no valor de 60.614 euros. Tratou-se de um contrato adjudicado pelo município de Angra do Heroísmo relativo à aquisição de “serviços de manutenção de pavimentos através do corte de infestante no centro urbano da cidade de Angra do Heroísmo”.

    De resto, não se encontra site da empresa na Internet, mas nas sua página na rede social Instagram, a Excellent Vanguard apresenta-se como a organizadora de outros eventos nos Açores, designadamente o Graciosa Sound Fest e o Festas na Praia, na Terceira, e a ‘Festa do imigrante’, nas Flores.

    Para os residentes nos Açores, música não faltará este Verão. No caso da Calheta, haverá música e festa a ‘bombar’ nos próximos dias.

    O cais da Calheta, São Jorge, Açores. / Foto: D.R.

    Segundo o relatório ‘Balanço Social 2024‘, uma em cada 10 famílias na Região Autónoma dos Açores não consegue fazer uma refeição proteica de dois em dois dias, sendo que “a taxa de pobreza está quase 8 pontos percentuais acima da média nacional nos Açores, a região com maior taxa de pobreza em Portugal”.

    De resto, segundo o mesmo relatório, a região apresenta o valor mais alto de privação em diversos indicadores de pobreza, a nível nacional. Os Açores registaram, em 2023, o mais alto coeficiente de desigualdade — GINI — (36,0)em Portugal. Em 2024, a região apresentava a maior taxa de risco de pobreza a nível nacional, chegando aos 24,2%. No relatório, os Açores surgem ainda como a região do país com maior nível de desigualdade.

    Mas, apesar destes indicadores, música não faltará. Pelo menos na Calheta.

  • CMTV arrisca multa de 150 mil euros por ‘vender’ Lidl e aparelhos de audição

    CMTV arrisca multa de 150 mil euros por ‘vender’ Lidl e aparelhos de audição

    A fronteira entre informação, entretenimento e publicidade continua perigosamente diluída na grelha da CMTV, canal detido pela Medialivre – grupo de comunicação social com Cristiano Ronaldo entre os seus accionistas de referência. E, desta vez, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu não ficar indiferente: após analisar uma emissão do programa Manhã CM, transmitida em directo no passado dia 3 de Março, instaurou um processo de contra-ordenação por violação grave da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (LTSAP).

    Em causa está a promoção encapotada da inauguração de um supermercado Lidl em Odivelas, sem qualquer aviso aos telespectadores de que se tratava de conteúdo publicitário. A coima prevista poderá atingir os 150 mil euros, conforme estipulado pela legislação aplicável.

    Num estilo de reportagem jornalística, a CMTV nem avisou os telespectadores de que se tratava de publicidade. A ‘brincadeira’, se a lei se aplicar com rigor, pode custar-lhe 150 mil euros.

    A rapidez da deliberação – cerca de um mês – é invulgar e revela a gravidade atribuída pela ERC à infracção. No documento a que o PÁGINA UM teve acesso, a entidade reguladora descreve em detalhe a forma como a CMTV transformou um suposto momento de entretenimento matinal numa acção promocional descarada. Em directo do novo espaço comercial, uma apresentadora do canal, com pose de jornalista, exaltou o local como “um espaço moderno, totalmente renovado”, afirmando ainda que “esta loja conta com um investimento de nove milhões de euros (…). Já sabe que é aqui que pode encontrar a melhor qualidade ao melhor preço”.

    Durante a emissão, a apresentadora entrevistou clientes visivelmente seleccionados, cujos testemunhos reforçavam o tom publicitário: “Está muito bem, está muito grande e com muita variedade de produtos”. As imagens mostravam o interior da loja, produtos nas prateleiras e respectivos preços, acompanhadas de mensagens no ecrã como “Lidl Portugal”, “Nova loja em Odivelas”, “Frutas e legumes sempre frescos” e “Investimento de 9 milhões de euros”.

    O programa não se ficou por aí. Pouco depois, foram exibidas imagens de um aparelho de audição da marca Philips, que ocupava cerca de metade do ecrã, com a legenda: “Audição com estilo? Sim, é possível”. Em momento algum foi identificado que se tratava de publicidade, colocação de produto ou ajuda à produção – exigências legais obrigatórias.

    A inauguração do Lidl de Odivelas em Março deste ano está ainda no medialivre Boost Solution, dedicado a publicidade, mas a emissão não avisou que era publicidade e ‘deu ares’ de se tratar de uma peça jornalística.

    A análise da ERC é taxativa: as referências exibidas tinham inequívoco carácter promocional, utilizavam linguagem elogiosa e destacavam vantagens comerciais. Mais grave ainda, essas inserções ocorreram sem qualquer enquadramento legal. O regulador recorda que a publicidade televisiva deve ser “facilmente identificável como tal e claramente separada da restante programação”. E sublinha que a colocação de produto “não pode influenciar os conteúdos e a sua organização na grelha de programas (…) de modo que afecte a responsabilidade e a independência editorial do operador de televisão”.

    Apesar da possível coima, o episódio parece antes indicar uma prática reiterada da Medialivre, que, sob pretextos informativos ou lúdicos, tem acumulado casos de ilegalidade e promiscuidade. Ainda recentemente, o PÁGINA UM revelou que, sob o disfarce de um ciclo de debates intitulado “Uma Cidade para Todos”, a Câmara Municipal de Lisboa pagou 147.600 euros à Medialivre por “serviços” que incluíram a presença do próprio director editorial do grupo, Carlos Rodrigues.

    A jornalista Daniela Polónia desempenhou o papel de ‘mestre-de-cerimónias’ e o jornalista João Ferreira assumiu funções de moderador contratualizado, num evento que não contou com qualquer representante da oposição a Carlos Moedas.

    Carlos Rodrigues, director do Correio da Manhã e da CMTV, na conferência paga pela Câmara Municipal de Lisboa á sua empregadora, a Medialivre. A jornalista Daniela Polónia, ao seu lado, foi a ‘mestre-de-cerimónias’: eis as novas funções, cada vez mais banalizadas, de jornalistas num mercado em que os reguladores tudo permitem.

    No ano passado, a ERC instaurou igualmente um processo de contra-ordenação à Medialivre por uma campanha de autopromoção do Correio da Manhã disfarçada de reportagem jornalística. O episódio decorreu numa papelaria e foi protagonizado por uma jornalista estagiária, em violação flagrante das normas editoriais, onde se falava de cupões de desconto.

    Ainda mais grave foi, em 2023, a celebração de 11 contratos com autarquias para as comemorações dos 10 anos da CMTV. Neste caso, o canal por cabo da Medialivre recebeu mais de 200 mil euros para promover municípios em programas de entretenimento e informação. A troco de valores entre os 20 mil e os 25 mil euros, as autarquias puderam indicar locais e pessoas a entrevistar – incluindo os próprios autarcas –, e até foram definidos os horários dos blocos noticiosos, como previsto nos cadernos de encargos consultados pelo PÁGINA UM. Nessas emissões, o jornalista Francisco Penim, ex-director de programas da SIC e também da CMTV, conduziu os programas, acompanhado da jornalista Sofia Piçarra. Nenhuma sanção conhecida foi aplicada a estas promiscuidades por parte da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ).

    Em 2023, os jornalistas Sofia Piçarra e Francisco Penim foram os mestre-de-cerimónias de 10 emissões pagas por autarquias, elogiando os concelhos e entrevistando autarcas e outras pessoas indicadas pelas Câmaras Municipais, que pagaram os programas de informação, onde ficaram explicitadas as horas dos directos. A ERC e a CCPJ ainda não tomaram decisões definitivas sobre estas promiscuidades que descredibilizam o jornalismo.

    O exemplo mais extremo de promiscuidade registou-se no programa informativo Falar Global, onde o então jornalista Reginaldo Rodrigues de Almeida promovia entidades que, simultaneamente, contratavam os seus serviços através da empresa Kind of Magic. O conflito de interesses era total: jornalistas a fazerem contratos privados com fontes de informação para lhes dar visibilidade num espaço supostamente editorial.

    A reincidência é, pois, notória. Mas o verdadeiro problema reside sobretudo na complacência institucional: mesmo perante actos reiterados de promiscuidade e publicidade disfarçada, as sanções concretas tardam – o que, na prática, legitima o jornalismo vendido ao melhor patrocinador. Com efeito, nenhum dos referidos processos de contra-ordenação à Medialivre, levantados ainda sob liderança de Sebastião Póvoas, foram concluídos pelo Conselho Regulador da ERC agora liderado por Helena Sousa.

  • Distância às urgências: há quem demore menos de dois minutos; e outros mais de hora e meia

    Distância às urgências: há quem demore menos de dois minutos; e outros mais de hora e meia

    Há números que desmentem de forma irrefutável o discurso político da coesão territorial. E o acesso aos serviços de urgência, através do tempo gasto entre a residência e o hospital mais próximo, é um dos mais eloquentes. Segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados este mês e relativos ao ano de 2022, um quarto da população portuguesa demora mais de 21,5 minutos de automóvel ligeiro a chegar ao hospital com urgência mais próximo. A mediana nacional, que representa o tempo abaixo do qual está metade da população, situa-se nos 12,7 minutos.

    Mas estes valores médios são como o caso do frango comido por uma só pessoa, enquanto outra passa fome, porque, de forma enganosa, a Estatística diz que cada uma comeu meio frango. De facto, os valores nacionais na rapidez de acesso às urgências escondem realidades profundamente assimétricas entre regiões, distritos e concelhos. Por exemplo, considerando o tempo mediano de 12,7 minutos, na verdade há 87 concelhos em que esse tempo é inferior, mas 222 municípios onde é superior; em alguns casos mais de cinco vezes superior.

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    Nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, a resposta hospitalar está à distância de um curto passeio de carro. Em Lisboa, por exemplo, a mediana é de apenas 4,3 minutos, enquanto no Porto é de 5,5 minutos. Ou seja, metade da população destes concelhos demorava, no máximo, esse tempo para chegar a uma urgência hospitalar.

    Um total de 11 municípios apresentava tempos inferiores a 5 minutos de distância para metade da população: Amadora e Barreiro (4,8 minutos), Lisboa, Elvas e Lagoa, nos Açores (4,3), Espinho (4,2), São João da Madeira (3,7), São Brás de Alportel (3,5) e Sines (2,7). Este concelho alentejano é, aliás, aquele que melhor situação apresenta a nível nacional, uma vez que somente 25% da população gasta mais de 4,2 minutos para chegar à urgência hospitalar. Esse indicador é mesmo melhor do que o de Lisboa, já que este tempo diz respeito ao terceiro quartil.

    Em contraste, em muitas regiões de concelhos mais rurais e de baixa densidade populacional, particularmente no interior Norte, Centro e Sul do país, as distâncias para as urgências hospitalares tornam-se obstáculos que podem ser fatais.

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    A região do Alentejo apresenta o quadro mais grave. A mediana de acesso é de 30,6 minutos, e 25% da população demora mais de 40,5 minutos a alcançar cuidados urgentes. Este cenário estende-se ao interior Centro — sobretudo nas Beiras e na Serra da Estrela — e a vários concelhos da região Norte oriental.

    O problema agudiza-se ao nível concelhio. Um total de 15 concelhos portugueses regista tempos medianos superiores a 45 minutos, o que significa que metade da população nesses territórios está a mais de 45 minutos de um hospital com urgência. São os casos de Barrancos (distrito de Beja), Freixo de Espada à Cinta (Bragança), Miranda do Douro (Bragança), Moura (Beja), Pampilhosa da Serra (Coimbra), Odemira (Beja), Mértola (Beja), Ourique (Beja), Mogadouro (Bragança), Alcoutim (Faro), Figueira de Castelo Rodrigo (Guarda), São João da Pesqueira (Viseu), Penedono (Viseu), Sernancelhe (Viseu) e Vila Nova de Foz Côa (Guarda).

    Estes territórios, localizados em regiões de fraca densidade populacional e débil investimento público, representam zonas de alto risco em termos de equidade no acesso à saúde. Mas o retrato é ainda mais inquietante quando se analisa o terceiro quartil (Q3), que indica o ponto abaixo do qual se encontra 75% da população. Em dez concelhos, pelo menos 25% da população vive a mais de uma hora de um hospital com urgência. São os casos de Barrancos (Beja), Freixo de Espada à Cinta (Bragança), Miranda do Douro (Bragança), Moura (Beja), Mogadouro (Bragança), Alcoutim (Faro), Figueira de Castelo Rodrigo (Guarda), Penedono (Viseu), Sernancelhe (Viseu) e Vila Nova de Foz Côa (Guarda).

    No caso de Barrancos, o cenário é extremo: toda a população demora cerca de 90 minutos para chegar a uma urgência. Nos concelhos de Freixo de Espada à Cinta, Miranda do Douro e Melgaço, mais de 75% da população demora uma hora a chegar às urgências. Com tempos entre 45 minutos e uma hora estão ainda mais de 75% da população dos concelhos de Alcoutim (58,6 minutos), Penedono (57,8), Figueira de Castelo Rodrigo (57,2), Sernancelhe (56,3), São João da Pesqueira (52,2), Vila Nova de Foz Côa (51,7), Mogadouro (49), Odemira (44), Moura (47,5), Mora (51,1), Pampilhosa da Serra (44,7), Mourão (51,3), Mértola (45), Mêda (48,6), Montalegre (40,8), Aguiar da Beira (47,9), Ourique (46,1), Monção (45,7), Porto Moniz (41,8), Oleiros (44,7), Sousel (44,4) e Almodôvar (45,8).

    Apesar de este ser um indicador pouco relevado quando se analisam as políticas de saúde pública — e sobretudo a expectativa de vida em função da residência —, estas discrepâncias colocam em causa o princípio constitucional da igualdade de acesso à saúde.

    Quando uma pessoa que sofre um enfarte em Lisboa pode estar, em minutos, numa sala de hemodinâmica, enquanto outra em Penedono depende de um percurso de mais de uma hora por estradas sinuosas, a universalidade do Serviço Nacional de Saúde revela-se uma ficção estatística.

    A estas disparidades somam-se outros factores, como a carência de transportes públicos nas zonas mais afectadas, o encerramento progressivo de unidades hospitalares periféricas, e a centralização cada vez maior de recursos humanos e técnicos nos grandes centros urbanos.

  • 90 mil euros: custo de ‘retiro’ de 25 dirigentes de Isaltino daria para férias nas Maldivas

    90 mil euros: custo de ‘retiro’ de 25 dirigentes de Isaltino daria para férias nas Maldivas

    Cada vez mais as organizações apostam em acções de motivação dos seus líderes e funcionários. Na Câmara Municipal de Oeiras essa aposta é em grande, pelo menos no que toca a quadros dirigentes. É que o município contratou uma empresa unipessoal desconhecida no meio para efectuar um retiro de ‘team building‘ para 25 líderes na autarquia.

    Esta acção motivacional custou aos contribuintes quase 100 mil euros. Mais precisamente, o município pagou 89.175 euros para “motivar” 25 dos seus quadros dirigentes.

    Engaged adults playing tug of war, showcasing teamwork and fun outdoors.
    Foto: D.R.

    A empresa escolhida para levar a cabo esta acção para animar e fortalecer o espírito de equipa dos “25 líderes” do munícipio foi a Atmosférica Unipessoal, uma empresa detida por Maria Ermelinda Varela Carvalho. A empresa foi criada em 28 de Março do ano passado, não tem ainda contas apresentadas nem curriculum conhecido, designadamente no campo de acções de ‘team building‘. O PÁGINA UM pesquisou e não conseguiu encontrar um site da empresa na Internet ou sequer um contacto.

    A sociedade foi selecionada através de um processo de consulta prévia, mas o registo do procedimento que consta no Portal Base é omisso sobre se mais alguma empresa foi consultada pelo município no âmbito desta contratação.

    Uma pesquisa pelo nome da proprietária da Atmosférica Unipessoal também não detecta nenhum curriculum ou experiência profissional nesta ou outra área.

    O presidente da Câmara Municipal de Oeiras numa inauguração. / Foto: D.R. | CMO

    O que se sabe é que foi esta empresa a ser contratada no dia 17 de Junho para “a prestação de serviços de Teambuilding – Retiro para 25 Líderes”. O valor do contrato é de 89.175 euros, com IVA incluído.

    O contrato é omisso quanto aos contornos desta acção de ‘team building‘, designadamente se o preço inclui estadia em hotel ou transportes para levar os 25 líderes para algum local específico.

    O que é certo é que esta acção motivacional vai ficar em 3.567 euros por cada um dos participantes que vão beneficiar da experiência. Como termo de comparação, se o município de Oeiras decidisse antes enviar aqueles “25 líderes” numa viagem de 10 dias às Maldivas, com voo, hotel e refeições incluídas, iria gastar praticamente o mesmo valor.

    Silhouette of a group of friends jumping on a beach at sunset, expressing joy and freedom.
    Foto: D.R.

    Apesar de a proprietária da empresa Atmosférica não apresentar publicamente curriculum na área de ‘team building‘, o seu nome surge ligado a outro sector. É que já foi dona de uma empresa de construção, a DCHJ.

    Actualmente, esta empresa é detida pela World Templet – Gestão e Investimentos, que teve como sócia, até 2023, Maria Ermelinda Varela de Carvalho. A World Templet é agora detida por um seu familiar, Hermenegildo Varela de Carvalho – que já teve pelo menos duas outras empresas de construção insolventes -, e um outro sócio, Carlos Garcia Ribeiro.

    A DCHJ efectuou 26 contratos com entidades públicas num valor global de 454 mil euros. Desses, 20 foram contratados com o Município de Oeiras, todos por ajuste directo, sendo que o último data de Janeiro de 2022. No total, a DCHJ facturou 292 mil euros com a autarquia.

    Floating colorful plastic balls in a sunlit swimming pool, creating a vibrant and playful scene.
    Foto: D.R.

    A maioria dos contratos públicos foram obtidos em 2015, 2016 e 2017, sendo que a empresa também efectuou reparações e obras no Palácio das Necessidades, em contratos efectuados por ajuste directo pela secretaria-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

    Da construção de paredes para o ‘team building‘, certo é que a proprietária da empresa Atmosférica encontrou no município de Oeiras um cliente generoso que não poupa a esforços para motivar os 25 líderes que vão beneficiar de uma experiência rica. Nem que seja pelo preço.

  • Bilderberg discutiu despovoamento e migração

    Bilderberg discutiu despovoamento e migração

    Depois dos encontros peninsulares de Lisboa (2023) e Madrid (2024), o Grupo Bilderberg escolheu o norte da Europa para a reunião de 2025, tendo rumado até Estocolmo, capital do mais recente país da NATO – a Suécia tornou-se no 32º membro da Aliança Atlântica a 7 de Março de 2024. Os participantes estiveram reunidos entre os dias 12 e 15, no Grand Hotel, propriedade do banqueiro Marcus Wallenberg, representante sueco no Comité Director, para aquele que foi o 71ª encontro deste grupo internacional, criado em 1954, e que toma o nome do primeiro hotel, na Holanda, onde decorreu a cimeira inaugural.

    Os tópicos da agenda deste ano foram “Relações Transatlânticas”; “Ucrânia”; “Economia dos Estados Unidos”; “Europa”; “Médio Oriente”; “Eixo Autoritário”; “Inovação e Resiliência na Defesa”; “Inteligência Artificial”; “Dissuasão e Segurança Nacional”; “Proliferação”; “Geopolítica da Energia e dos Minerais Críticos” e, finalmente, “Despovoamento e Migração”.

    Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud, à porta do Grand Hotel, em Estocolmo, na manhã de 15 de Junho. / Foto Frederico Duarte Carvalho

    Este último item da lista, “despovoamento e migração”, é uma novidade em relação a agendas anteriores, sendo que o tópico do despovoamento e migração tem sido um tema de discussões políticas em vários países pelos partidos de extrema-direita para recolha de proveitos eleitorais. Questionado à saída do encontro sobre a discussão deste assunto em particular, o jornalista do Financial Times e participante habitual dos encontros do Grupo Bilderberg, o britânico Gideon Rachman, explicou aos jornalistas presentes à frente do Grand Hotel que os convidados se limitaram “a ver quais são os países que têm mais nascimentos e os que têm menos”.

    O jornalista britânico do Finantial Times, Gideon Rachman, falou com os jornalistas à porta do hotel.
    / Fotos: Frederico Duarte Carvalho

    Entre os participantes do 71º encontro do Grupo Bilderberg estavam dois portugueses, convidados pelo representante de Portugal na direção da organização, Durão Barroso, ex-primeiro-ministro de Portugal e ex-presidente da Comissão Europeia, actualmente dirigente da Goldman Sachs Internacional e ainda presidente da Gavi, a aliança mundial para as vacinas. Uma das convidadas de Barroso foi a vice-presidente do PSD e presidente da Fundação Champalimaud, Leonor Beleza, que assim marcou a sua segunda presença nestes encontros. A primeira vez de Leonor – que também é a presidente da comissão de honra da candidatura de Luís Marques Mendes à presidência da República – foi na Turquia, em 2007, então a convite de Francisco Pinto Balsemão, militante número 1 do PSD, ex-primeiro-ministro e dono da SIC e Expresso. Balsemão cedeu a Barroso o seu lugar na direcção de Bilderberg, que ocupava desde o início dos anos 80, em 2015, após o encontro que teve lugar na Áustria.

    Albert Bourla, presidente-executivo da farmacêutica Pfizer (primeiro à esquerda), ao lado de José Manuel Durão Barroso, presidente da Gavi, Aliança Global das Vacinas e presidente da Goldman Sachs International LLC. / Foto Frederico Duarte Carvalho

    O outro convidado português de Barroso para o encontro de Estocolmo foi Diogo Salvi, dono da empresa de tecnologia de telecomunicação, TIMWE. Um rosto pouco conhecido em Portugal, mas dono daquela que é tida como uma das empresas portuguesas com maior representação internacional, e que permite ao empresário, por exemplo, poder pagar do seu próprio bolso para competir no Rali de Portugal. Salvi é igualmente um repetente nestes encontros, tendo estado presente, pela primeira vez, na reunião de 2022, em Washington, também a convite de Durão Barroso.

    Michael O’Leary, dono da Ryanair em conversa animada com o convidado português, Diogo Salvi, fundador e presidente-executivo da TIMWE. /Foto: Frederico Duarte Carvalho

    Tido pelos amigos como um indivíduo “jovial”, isso confirmou-se quando, na noite de sábado, 14, no passeio de barco a caminho do jantar na residência privada da família Wallenberg, o português conversava animadamente com o irlandês Michael O’Leary, dono da Ryanair e membro permanente da organização, que se ria com as palavras do português. Do que falavam exactamente? Só eles saberão. Por perto, estavam Wes Streeting, secretário de Estado da Saúde do Reino Unido e Gabriel Attal, ex-primeiro-ministro da França.

    Fareed Zakaria, jornalista da CNN (ao centro), na companhia do presidente do World Economic Forum (WEF), Borge Brende (primeiro a contar da direita). / Foto: Frederico Duarte Carvalho

    Uma terceira convidada portuguesa presente em Estocolmo, mas a convite da organização devido ao cargo público que ocupa, foi Maria Luís Albuquerque, antiga ministra das Finanças de Portugal e actual Comissária Europeia dos Serviços Financeiros e União da Poupança e dos Investimentos. Esta foi a segunda vez que a portuguesa participou nestes encontros, tendo a sua estreia sido em 2016, na Alemanha, então a convite pessoal de Durão Barroso. De Bruxelas, veio também Sophie Wilmés, ex-primeira-ministra da Bélgica e actual vice-presidente do Parlamento Europeu.

    Este fórum internacional, de debate à porta fechada, com políticos, jornalistas e empresários de países membros da NATO, rege-se pelas regras de Chatham House, onde os participantes são livres, posteriormente, de prestarem as declarações que quiserem, mas não devem identificar os autores de ideias ou citações, permitindo assim manter um ambiente descontraído que promova uma maior e franca troca de ideias entre todos participantes onde, parte deles são pessoas com cargos públicos – e eleitos segundo regras ditas democráticas nos seus países de origem do espaço NATO –, enquanto outros são os principais donos de empresas privadas, que movimentam milhões de euros e dólares e que provocam impacto directo na vida dos cidadãos que não estão presentes nestes encontros. 

    Maria Luís Albuquerque, comissária europeia com a pasta de Serviços Financeiros e União da Poupança e dos Investimentos, a caminho do jantar privado organizado pelo banqueiro sueco, Marcus Wallenberg. / Foto: Frederico Duarte Carvalho

    Durante os três dias da conferência, os participantes assistem a palestras e sentam-se por ordem alfabética, como se fosse um banco da escola. Isso proporciona combinações interessantes onde, este ano, por exemplo, ao olhar para a lista dos convidados divulgada pela organização no início dos trabalhos, vemos que Leonor Beleza, sentou-se entre a francesa Valérie Baudson, CEO da empresa de gestão de activos, Amundi, e, do outro lado, Fatih Birol, directora executiva da International Energy Agency. Uma outra combinação de mais três nomes permitiu colocar Albert Bourla, CEO da farmacêutica Pfizer – uma pessoa que, recorde-se, está envolvido num processo judicial sobre as mensagens privadas que trocou com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen – fica sentado entre a dona do Banco Santander, a espanhola Ana Botín, e o norueguês Brende Borge, actual presidente do World Economic Forum – organizador da Conferência de Davos – que substituiu Klaus Schwab.

    Entre os jornalistas presentes no encontro, confirmou-se a presença do membro da direção do Grupo Bilderberg e colaborador regular da CNN norte-americana, o jornalista indiano, residente nos EUA, Fareed Zakaria, que chegou ao hotel de Estocolmo no mesmo momento em que Alex Karp e Peter Thiel – responsáveis da empresa de tecnologia e Inteligência Artificial Palantir, que tem, entre outros, a CIA e os ministérios da Defesa de Israel e Ucrânia entre os seus clientes – saíam para destino desconhecido. Alex Karp não seria mais visto ao longo da reunião, mas Peter Thiel manteve-se em Estocolmo até ao último dia, altura em que o Irão e Israel estavam envolvidos em ataques e contra-ataques de mísseis.

    Alex Karp e Peter Thiel, da Palantir Technologies, empresa de software fundada com financiamento da CIA. / Foto: Frederico Duarte Carvalho

    Igualmente presente, e vista a caminhar fora do hotel, longe das medidas de segurança, foi a jornalista norte-americana, Anne Applebaum, acompanhado pelo marido, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, Radoslaw Sikorski que, tal como a mulher, é já um participante habitual nestes encontros. Na lista dos membros permanentes da direção do grupo constam ainda o nome da jornalista britânica Zanny Minton Beddoes, editora-chefe da revista The Economist e do norte-americano John Micklethwait, editor-chefe da Bloomberg. O editor-chefe do jornal belga De Standaard, Karel Verhoeven, e o jornalista italiano Stefano Feltri também estavam entre os convidados.

    Radoslaw Sikorski, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, na companhia da sua mulher, a jornalista norte-americana, Anne Applebaum, da revista The Atlantic. / Foto: Frederico Duarte Carvalho

    O secretário-geral da NATO e ex-primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte, compareceu novamente nesta cimeira transatlântica, assim como seu antecessor, o dinamarquês Jens Stoltenberg, agora ministro da Finanças do seu país.

    O secretário-geral da NATO, Mark Rutte (ao centro), marcou presença. / Foto: Frederico Duarte Carvalho

    O encontro de 2026, segundo os normais e conhecidos procedimentos logísticas da organização, está já escolhido, mas ainda não foi tornado público, impedindo assim que os jornalistas possam planear, com tempo, a próxima cobertura. Sem o devido registo jornalístico, é como se nada tivesse acontecido em Estocolmo, entre os dias 12 e 15 de Junho de 2025. Mas, estivemos lá e vimos que aconteceu mesmo.    

  • Pé-de-meia: Ex-secretário de Estado da Saúde garante  5.535 euros por mês com entidade que já tutelou

    Pé-de-meia: Ex-secretário de Estado da Saúde garante 5.535 euros por mês com entidade que já tutelou

    Caiu em desgraça no início de 2021, quando liderava a task force do programa de vacinação contra a covid-19 — sendo então secundado por Gouveia e Melo, que lhe tomou o lugar —, mas Francisco Ventura Ramos nunca foi abandonado à sua sorte. Aos 69 anos, garantiu este mês a renovação por mais dois anos de uma choruda avença com o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH), uma entidade pública que tutelou directamente como governante

    Secretário de Estado na área da Saúde por cinco vezes, sendo que a última vez fora entre 2018 e 2019, como adjunto de Marta Temido, Francisco Ramos foi a escolha inicial do Governo em Novembro de 2020 para coordenador o processo de vacinação no auge da pandemia. No mês seguinte, acumulou com a presidência da comissão executiva do Hospital da Cruz Vermelha. E foi por causa de irregularidades na selecção de pessoal a ser vacinado nesse hospital, associado à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que Francisco Ramos foi afastado da task force, dando lugar a Gouveia e Melo.

    Francisco Ventura Ramos foi o primeiro coordenador da ‘task force’ criada em Novembro de 2020 para elaborar e gerir o plano de vacinação contra a covid-19. No início de Fevereiro de 2021, demitiu-se do cargo devido a irregularidades detectadas na administração de vacinas no Hospital da Cruz Vermelha, ao qual então presidia. Foi substituído na coordenação da ‘task force’ por Gouveia e Melo. /Foto: D.R.

    O administrador hospitalar acabaria por sair do Hospital da Cruz Vermelha em Junho de 2022, já em idade de reforma, mas mantendo as funções de professor convidado da Escola Nacional de Saúde Pública.

    Mas os seus rendimentos, e a sua ligação à Administração Pública, não se reduziram por muito tempo, porque menos de um ano depois foi-lhe oferecida de ‘mão-beijadas’ uma avença mensal de 5.535 euros com a Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH), uma entidade que tutelou directamente enquanto governante.

    Celebrado no dia 2 de Maio de 2023, o contrato entre o SUCH e Francisco Ramos engloba um valor de 132.840 euros, com IVA. Sem qualquer caderno de encargos publicado no Portal Base, o contrato de dois anos estabelece apenas que serão prestados serviços de “consultadoria de desenvolvimento de projectos”. Contactado o SUCH, não foram dados quaisquer esclarecimento sobre as funções e tarefas efectivamente concretizados por Francisco Ramos nos últimos dois anos.

    (Da esquerda para a direita) Joel Azevedo, administrador da SUCH, Paulo Sousa, presidente da SUCH, Marta temido, ex-ministra da Saúde, e Ana Maria Nunes, administradora da SUCH. A equipa executiva da SUCH foi reconduzida num despacho de Abril de 2022 pela então ministra da Saúde, Marta Temido (na foto, a segunda a contar da direita), e o ministro das Finanças, Fernando Medina. / Foto: D.R.

    E também não se sabe o que fará nos próximos dois anos, para além de receber mensalmente os 4.500 euros acrescidos de IVA. Nesta avença, integrada num contrato assinado na semana passada, está estabelecido que Francisco Ramos, que já deve ter desenvolvido todos os projectos do anterior contrato, mostrará a sua polivalência, passando agora a fazer “consultadoria no âmbito da comunicação institucional na área da saúde”.

    No global, nos dois ajustes directos, e durante quatro anos e sem funções específicas (e sem cumprimento de horário), o antigo governante encaixará 265.680 euros, com IVA incluído, a prestar serviços de consultadoria na entidade que agrega múltiplos serviços dos hospitais, desde a gestão dos resíduos até à manutenção. Aliás, foi no pólo logístico da SUCH que ficou sediada a recepção, armazenamento e distribuição das vacinas contra a covid-19.

    Recorde-se que enquanto secretário de Estado de Marta Temido, e mesmo antes, Francisco Ramos teve sob sua tutela directa diversos organismos públicos, incluindo o SUCH. Licenciado em Economia e diplomado em Administração Hospitalar, foi secretário de Estado em quatro anteriores governos, mesmo sem estar filiado no Partido Socialista. A partir de 2014, foi presidente do conselho diretivo do Grupo Hospitalar dos IPO. Voltou a integrar um governo quando, em 17 de Outubro de 2018, assumiu a secretaria de Estado da Saúde, cargo em que ficou até 26 de Outubro de 2019.

    Gouveia e Melo, actual candidato às presidenciais, e Paulo Sousa, presidente da SUCH, numa visita às instalações da SUCH em Setembro de 2021. Gouveia e Melo sucedeu a Francisco Ventura Ramos como coordenador da ‘task force’ da campanha de vacinação. Sob a liderança de Gouveia e Melo, foram administradas vacinas a médicos não prioritários do Hospital Militar e até a um político, numa operação envolvendo a Ordem dos Médicos e então bastonário Miguel Guimarães, actual deputado do PSD. / Foto: D.R.

    A sua queda em desgraça no processo de vacinação no Hospital da Cruz Vermelho, do qual viria a ser ‘ilibado’ ao fim de oito meses, marcou a ascensão do então discreto vice-almirante Gouveia e Melo que nunca teve problemas em cometer ‘pecadilhos’, como sucedeu na vacinação de cerca de quatro mil médicos não prioritários (e até a um político) à margem das normas então em vigor da Direcção-Geral da Saúde. Esta operação de desvio de vacinas, numa altura ainda em escassez, foi protagonizada por um acordo ‘ad hoc’ com o então bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, actual deputado do PSD.

    A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) abriria formalmente um “processo de esclarecimento” sobre o caso, que envolveu indirectamentea gestão de um fundo solidário do qual esteve também envolvida a então bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins, actual Ministra da Saúde. Mas a IGAS acabou por deixar ‘morrer’ a investigação, recorrendo a uma mentira sobre a data crucial de uma norma da DGS e recusando pedir testemunhos e analisar a lista dos supostos médicos vacinados.

  • Chega teve melhor desempenho onde houve mais imigração? A estatística mostra que nem por isso

    Chega teve melhor desempenho onde houve mais imigração? A estatística mostra que nem por isso

    Em Outubro do ano passado, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o PÁGINA UM assinalava uma viragem demográfica pouco discutida: em 17 concelhos portugueses, mais de um em cada 10 residentes em 2023 tinha chegado do estrangeiro nos seis anos anteriores.

    A partir de saldos migratórios acumulados, esse estudo revelou como a imigração, longe de estar confinada às grandes cidades, estava a moldar profundamente o tecido social de zonas rurais, sobretudo nos distritos de Lisboa, Santarém, Leiria e Faro.

    Perante esse contexto, a ascensão eleitoral do Chega e o seu discurso centrado na imigração colocam uma questão inevitável: a crescente presença de imigrantes nesses territórios alimentou directamente o voto no partido liderado por André Ventura no último domingo? Ou seja, terá tido o Chega melhores resultados nos concelhos com maior entrada de estrangeiros?

    Para dar resposta a esta interrogação, numa análise estatística robusta mas simplificada para efeitos de uma resposta célere, o PÁGINA UM cruzou os resultados eleitorais das Legislativas de 2025 com os 30 concelhos com maior peso relativo da imigração no período 2018-2023. O critério foi o saldo migratório acumulado nestes seis anos por concelho dividido pela população residente, conforme metodologia utilizada no artigo publicado em 3 de Outubro de 2024.

    O resultado, porém, contraria muitas narrativas simplistas: na verdade, não existe prova de qualquer relação estatisticamente significativa entre o peso da imigração e a votação no Chega nestes concelhos. Nem mesmo no sentido oposto — isto é, que maior presença de imigrantes leve a uma rejeição do discurso do partido.

    Municípios com maior peso do saldo migratório acumulado entre 2018 e 2023 em função da população residente em 2023 e desempenhos eleitorais do partido Chega Fonte: INE e resultados eleitorais das legislativas de 2025. Análise: PÁGINA UM.

    De facto, numa análise directa, até se constata que em 13 dos 30 concelhos com mais imigração o Chega foi o partido mais votado. Estão nesse lote municípios como Benavente (36,2%), Salvaterra de Magos (36,1%), Entroncamento (31,8%) e Azambuja (29,5%). O caso de Odemira, frequentemente apontado como epicentro da presença migrante sazonal no sector agrícola, regista também uma vitória do Chega com 29,6% dos votos. Contudo, o Chega ganhou em 60 municípios, e nos 17 concelhos restantes também com elevadas taxas de imigração — como Lagos, Lagoa, Ponta Delgada, Vila do Bispo, Pedrógão Grande ou Aljezur — o Chega não conseguiu vencer. Em alguns deles, ficou mesmo longe do topo pódio.

    Análises demasiado simplistas, de mera estatística descritiva podem dar indicações erróneas. Por isso, para verificar se existe uma tendência global, o PÁGINA UM comparou a média de imigração nos concelhos onde o Chega venceu e onde não venceu. Resultado: 11,15% versus 11,18%, respectivamente. Ou seja, uma diferença praticamente nula. E quando submetidas a teste estatístico formal [ por exemplo, t de Student], essas médias revelam, em linguagem técnica, que não se pode rejeitar a hipótese de que são iguais. Em suma, o voto no Chega, nos concelhos mais marcados pela imigração, não está correlacionado com o peso dessa imigração. Existirão assim outros factores.

    Mas o PÁGINA UM foi mais longe nesta análise, criando um Índice de Reacção ao Imigrante (IRI), calculado como a diferença entre a votação do Chega num concelho e a sua média distrital, dividida pelo peso da imigração nesse território. Este índice permite perceber se a votação no Chega esteve desproporcionalmente acima (ou abaixo) do que seria de esperar tendo em conta o contexto regional e migratório.

    Se o IRI for superior a 0, o concelho tem uma votação no Chega superior ao padrão distrital, considerando o seu nível de imigração, e interpreta-se como reacção acima do esperado ao fenómeno migratório. Se o IRI for inferior a 0, então é porque o concelho tem uma votação inferior ao padrão distrital, apesar do peso da imigração, devendo-se interpretar como resistência à narrativa anti-imigração ou ausência de capitalização eleitoral.

    Aqui, sim, surgem sinais de assimetrias interessantes. Municípios como Azambuja (IRI = 0,96), Benavente (0,83) e Lourinhã (0,78), mais próximos da capital portuguesa, destacam-se por apresentarem uma votação superior à média distrital do Chega apesar da elevada imigração — o que sugere uma potencial mobilização específica contra este fenómeno. Salvaterra de Magos, Alenquer, Vagos e Sabugal apresentam valores de IRI superior a 0,5.

    Pelo contrário, concelhos como Aljezur (−0,63), Vila do Bispo (−0,55), Pedrógão Grande (−0,34), Alpiarça (−0,33) e Vila de Rei (−0,30) mostram uma votação inferior ao esperado, mesmo com presença significativa de imigrantes.

    Equação do Índice de Reacção ao Imigrante aplicado à votação do Chega, criado pelo PÁGINA UM para aferir a eventual capitalização de votos para o partido de André Ventura em função dos fenómenos migratórios recentes.

    Para clarificar os perfis eleitorais, aplicou-se ainda uma análise de clusters (agrupamento de padrões), e assim os 29 concelhos (excluindo o Corvo, considerado um ‘outlier’, pela sua pequena dimensão) foram divididos em três grupos, cruzando percentagem de imigração com votação no Chega. O resultado foi revelador: alguns concelhos conjugam imigração alta com fraca adesão ao Chega, outros combinam imigração média com votação intensa, e há ainda concelhos onde a correlação é mais ténue ou inexistente.

    Ou seja, a ligação directa entre presença de imigrantes e crescimento do Chega, tantas vezes invocada em debates mediáticos e políticos, não encontra confirmação em dados concretos, embora se recomende uma análise em que sejam testados todos os municípios. Na verdade, aquilo que se observa é um fenómeno mais complexo e multifactorial, onde o contexto económico, a oferta de serviços públicos, a tradição política local e até a visibilidade de episódios pontuais de conflito ou exploração laboral pesarão, porventura, mais do que a mera estatística demográfica.

    No fundo, a realidade aponta para a desmistificação de que o crescimento do Chega é um reflexo directo e imediata da chegada de imigrantes. E mais uma vez, os números mostram aquilo que os discursos não revelam: a política, mesmo quando populista, é mais complexa do que parece.