Etiqueta: Pelota em Pelota

  • A última dança do melhor jogador do Mundo

    A última dança do melhor jogador do Mundo

    Tal como no jogo da meia-final, contra a Croácia, a Argentina começou o jogo da final com um penalti. O quinto da competicão, o segundo seguido a desbloquear a fase inicial de um jogo onde a Argentina foi superior durante 80 minutos.

    A França, abalada pelo inexplicável penalti sobre Di Maria, nunca se encontrou e esteve longe da equipa que se superiorizou em todos os jogos até hoje. Messi conduziu os colegas magistralmente e, a espaços, a França ficou reduzida a uma equipa banal, que se limitou a andar atrás da bola. Di Maria foi um desequilíbrio constante, na asa esquerda, e a bola rodava sempre por Messi, que, com poucos toques, procurou constantemente o ex-benfiquista.

    Com a França a tentar aproximar-se da baliza argentina, o segundo golo acabou por aparecer de forma natural, tal como com a Croácia, num contra-ataque exemplar concluido por Di Maria, que, aos 33 anos, ainda faz sprints de um lado ao outro do campo.

    A aula argentina terminou a 10 minutos do fim, quando Mbappé marcou dois golos de rajada. O primeiro num penalti também bastante duvidoso e o segundo num gesto técnico de difícil execução. O jogo mudou a partir desse momento, e os franceses voltaram a acreditar, encostando os argentinos às cordas nos instantes finais.

    No prolongamento, a Argentina voltou a mostrar coração e ficou novamente por cima da contenda. Messi puxou dos galões e decidiu que este seria, definitivamente, o seu Mundial. 

    Nesta fase, os franceses insistiam essencialmente nas jogadas individuais e deixaram de atacar como equipa. Os cruzamentos para a área desapareceram e a troca de Thuram por Giroud, um perigo no jogo aéreo, revelou-se pouco acertada por parte de Deschamps.

    Os 10 minutos finais do prolongamento foram de nervos e de imprevisibilidade, com a França a atacar e a Argentina a controlar a posse como podia. Di Maria passou 15 minutos a chorar. Ora porque marcava Messi, ora porque marcava Mbappé. Não consigo imaginar o que sente um profissional num momento destes.

    O empate aos 117 minutos de jogo, conseguido pelo hat-trick de Mbappé, garantiu a montanha-russa de emoções. Nos dois minutos finais, a Argentina ainda teve uma oportunidade na cabeça de Lautaro, mal concluída, e Kolo Muani, completamente isolado em frente a Emiliano Martinez, falhou quase na última jogada do encontro o golpe de teatro que daria o 4-3.

    Depois de um jogo absolutamente épico, seguiu-se a lotaria dos penalties. Aliás, lotaria não. Ganha quem não treme, e a Argentina não tremeu. Martinez voltou a provar que é um especialista na matéria e os jogadores franceses não tiveram a frieza para seguir os passos de Mbappé que, por três vezes, facturou da linha da grande penalidade.

    Assim, 36 anos depois, a Argentina consegue colocar Messi ao nível de Maradona, e, provavelmente, terá garantido a oitava Bola de Ouro com uma despedida de sonho.

    O Mundial do Qatar termina com um vencedor que não tinha a melhor equipa, mas possuía mais alma e, como se percebeu, o ainda melhor jogador do Mundo.

    A última dança de Messi foi, por isso, perfeita. Parabéns ao génio e aos fãs argentinos que, como se percebe pela paixão, também são de outro planeta.

    Até 2026!

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A lei do mais forte

    A lei do mais forte

    Termina o sonho marroquino, de forma mais ou menos natural, frente ao grande favorito da competição. Ainda o relógio não tinha chegado aos cinco minutos e já a selecção francesa estava em vantagem com o golo de Theo Hernandez. Pela primeira vez, os leões do Atlas estiveram a perder neste Mundial e tiveram que sair do conforto do bloco baixo.

    A primeira parte foi de total controlo francês, e até o selecionador marroquino voltar ao 4-3-3 habitual, pensei que a coisa ficasse resolvida cedo.

    Destaque para Antoinne Griezmann, longe das tácticas de maratonistas impostas por Simeone, a fazer outro grande jogo na distribuição e ligação entre a defesa e o ataque.

    Por norma, os destaques na equipa francesa são os velocistas da frente e a eficácia de Giroud, mas se perderem tempo a ver a movimentação de Griezmann, e a forma como desce no terreno para receber e distribuir, observam como se está a criar um número 10 de eleição. 

    Mesmo a perder, Marrocos não parecia interessado em sair defesa, chegando a ter 11 homens atrás da linha da bola. Os lances de perigo resumiram-se, na primeira parte, às bolas paradas.

    Na segunda parte houve, finalmente, risco. Os marroquinos mostraram que também sabiam atacar com qualidade e jogar no meio-campo adversário. En-Nesyri, que marcara contra Portugal, saiu aos 66 minutos depois de tocar três vezes na bola durante todo o período que esteve em campo. 

    França joga de forma simples: dois ou três toques e a bola está na área adversária. Seja por arrancadas de Mbappé, idas à linha com cruzamentos para Giroud ou progressão em tabela, não escolhem o clássico “controlo da posse”, que significa que os centrais tocam 200 vezes na bola a cada ataque iniciado.

    Ora, esse controlo exasperante, como feito por Portugal, significa que equipas como Marrocos podem ficar de cadeirinha à espera de uma bola para aliviar perto da baliza a cada cinco minutos. Com França, tinham sarna para se coçarem a cada 30 segundos.

    Chega à final uma das equipa que jogou sempre para ganhar e que, de forma consistente, foi sempre superior aos adversários.

    Sábado teremos, não a final sonhada pela FIFA, mas certamente a final entre a melhor equipa do torneio e a equipa que não desperdiçou as oportunidades que lhe foram surgindo pelo caminho.

    Espera-se, portanto, um jogo épico.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Eis um astro servindo o colectivo

    Eis um astro servindo o colectivo

    Vai tomando forma uma final entre duas das mais regulares equipas do torneio. Uma delas já lá está. A Argentina, que começou mal, e tremeu na fase de grupos, tem vindo a subir de rendimento neste Mundial, chegando, nesta altura, com Messi em altíssimo plano, a fazer jogar toda uma equipa sem excesso de vedetas.

    Messi parece estar a fazer tudo para se despedir deste palco com a taça a caminho de Buenos Aires. Corre, dribla, remata, vai no um para um. Sem a velocidade de outros tempos, Messi é, aos 35 anos, o motor da selecção argentina e o factor diferencial que torna um conjunto de bons rapazes numa equipa que foi capaz de chegar à final do Mundial.

    No papel existiam pelo menos cinco selecções com plantéis melhores: França, Espanha, Inglaterra, Portugal e Bélgica. No relvado, apenas duas foram constantes nas boas exibições: Inglaterra e França, que acabaram por se encontrar nos quartos-de-final.

    A Argentina chega à final sem apanhar nenhum dos candidatos pelo caminho, e não se pode queixar da sorte dos adversários ou da fortuna do jogo; basta ver o segundo golo contra a Croácia, às três tabelas. Ou dos penalties desbloqueadores, que apareceram em metade dos jogos. Contudo, há que dizer que os argentinos têm feito pela vida e, às costas de Messi, jogaram sempre como equipa, a partir do jogo com o México. Têm mérito, por isso, e, na minha opinião, chegam merecidamente à final pela sua eficácia e pragmatismo.

    É certamente o desfecho de sonho para aquele que muitos consideram o melhor jogador de futebol de todos os tempos. Pessoalmente, como adepto da modalidade, fico contente que equipas ultradefensivas, como a Croácia, fiquem pelo caminho. Vamos aos estádios para ver golos e jogadas de ataque, e não para um martírio de passes laterais e controlo de bola.

    Mesmo sabendo que defender 90 minutos já valeu a Portugal um título europeu, não gosto quando o anti-jogo vence. É desvirtuar o sentido do jogo.

    Em tempos longínquos, quando a nossa selecção jogava ao ataque, também provámos o veneno grego, que devolvemos em 2016, em Paris.

    Pode-se até ganhar a jogar como o Portugal de Fernando Santos, a Croácia ou Marrocos fazem, mas estas equipas não fazem grande serviço à modalidade ou aos fãs.

    A Argentina foi claramente superior no jogo de hoje contra a Croácia e, por isso, mereceu, sem grande contestação, marcar presença na final. E Messi, provavelmente o ainda melhor jogador do Mundo, prova que um galáctico pode servir os interesses de um conjunto.

    Agora, espero que Marrocos regresse para casa, que significa remeter-se para o confronto pelo terceiro lugar, e liberte o palco da final para duas equipas que gostam de jogar futebol.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A crónica que eu não queria escrever

    A crónica que eu não queria escrever

    Ao intervalo do jogo com Marrocos, o meu filho dizia-me que ia chorar se não conseguíssemos marcar, pelo menos, um golo àquele conjunto acantonado de 11 defesas.

    Para mal dos meus pecados, o puto chorou, e bem.

    Fernando Santos deu meia parte de avanço com uma embrulhada de ideias que ninguém percebeu. 

    Se antecipou uma ultradefensiva formação marroquina com saídas rápidas, qual foi o sentido de jogar com Ruben Neves como único médio defensivo? Foi sempre ultrapassado em velocidade, e não é, nunca foi, um médio de combate que equilibrasse o meio-campo. Para ter apenas um trinco em campo, William ou Palhinha seriam as opções naturais.

    Diogo Costa comprometeu com uma saída à Ricardo e os defesas passaram 45 minutos a lançar a bola, em profundidade, nas costas dos defesas. Tantas vezes insistiram nesta jogada que deduzo que fosse estratégia. Nunca tinha visto bombardeamentos para as costas de uma defesa que está toda fechada, com 10 homens em 30 metros. É uma inovação tática, certamente.

    Ao intervalo, Fernando Santos tentou corrigir e mexer na equipa. As entradas de Cancelo, Ronaldo e Leão foram positivas, mas não chegaram.

    Portugal voltou ao ritmo que nos habituou na era de Fernando Santos. Passes para o lado e para trás, lentidão, previsibilidade. Poucos cruzamentos bem tirados e aqueles que lá chegaram foram desperdiçados pelos jogadores. 

    Bruno Fernandes, em frente à baliza, preferiu atirar-se para o chão do que tentar rematar. Lembro-me de duas defesas do guarda-redes marroquino, a primeira aos 82 minutos. Os últimos 30 minutos foram passados com 50 passes entre os centrais e o Bernardo Silva, até que a bola chegasse inevitavelmente à área adversária sem grande perigo.

    Marrocos fez o que sabe fazer bem: defender e perder tempo. Os árbitros, argentinos, mostraram pouca qualidade (vou ser simpático) para um jogo de quartos-de-final de um Mundial. Ótavio parece-me puxado na área e o constante anti-jogo marroquino foi largamente premiado. 

    Mas não foi pelo árbitro que Portugal perdeu. Foi pela mediocridade do seu jogo que, à excepção do confronto com a Suíça, foi sempre aquilo a que as equipas de Fernando Santos nos habituaram: deprimente. 

    Quando Portugal apanha equipas que jogam em bloco baixo, é sempre o cabo dos trabalhos, porque defender 90 minutos e jogar para o pontinho é o nosso ADN há anos. Quando é preciso triturar o adversário, a equipa não tem rotinas para tal.

    O meu filho queria que este fosse o Mundial de consagração de Ronaldo. Para ele, Ronaldo representa o orgulho de uma Nação e seria mais do que justo sair de Doha com a taça nas mãos. Estava inconsolável.

    E sem saber, tinha mesmo razão. Este era o Mundial onde, pela primeira vez, apenas uma equipa melhor do que a nossa estava em prova. Podíamos ter sonhado com algo mais.

    Espero que Santos nos faça agora um favor; ou dois: que pague os impostos e que dê lugar a quem não tenha medo de ganhar. 

    Entretanto, no França vs. Inglaterra não houve surpresa. Com uma arbitragem ainda pior do que a do nosso jogo, protagonizada por um fraquíssimo árbitro brasileiro, Mbappé e Giroud marcaram a diferença no ataque francês. Os ingleses aumentaram o tamanho do fantasma dos penalties e o troféu insiste em não voltar a casa.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Uma surpresa no dia dos velhinhos. E um Sebastião.

    Uma surpresa no dia dos velhinhos. E um Sebastião.

    Tenho muita dificuldade em compreender como se endeusa uma equipa que passa 120 minutos a defender e faz um – apenas um – remate enquadrado com a baliza.

    A Croácia de Modric joga como uma orquestra afinada sem alguns instrumentos. Conhecem as suas limitações e jogam com elas.

    Apoiados num excelente guarda-redes com queda para os penáltis, com um Lovren em grande forma a comandar a defesa, um incansável Perisic na ala e um meio-campo pautado por Kovacic e o eterno Modric, a Croácia troca a bola e defende até à exaustão, fazendo acreditar que pensa nas grandes penalidades desde o apito inicial.

    Tendo em conta que, em quatro desempates em campeonatos do mundo, venceram sempre, começo a pensar que talvez seja mesmo estratégia. 

    Este era o Mundial desenhado para Neymar aparecer. Com as habituais estrelas em fim de ciclo – excepto Mbappé –, esperava-se que Neymar, aos 30 anos, assumisse finalmente o papel de líder de uma geração. Tal como Romário em 94 ou Ronaldo em 2002, Neymar tinha que ser “o cara”. E não foi.

    O Brasil tentou furar a bem organizada defesa croata que, ao contrário da Coreia, não defendeu com pouca gente e soube dar o favoritismo a quem o tinha. Sempre lento e com poucas ideias, o ataque brasileiro criou poucas oportunidades e quando apareceram na cara de Livakovic, o guardião croata defendeu tudo, deixando-me a pensar como é que ninguém o tirou ainda do Dinamo de Zagreb.

    Foi de Neymar o lampejo que criou o golo brasileiro, mas estes croatas com sete vidas, conseguiram que Petkovic, um limitadíssimo avançado que tinha perdido todas as bolas até então, acertasse o único remate na direcção da baliza de Alisson.

    Nos penáltis, os croatas fizeram o costume e não falharam. Neymar escondeu-se e não assumiu a quarta e decisiva grande penalidade.

    Segue em bom ritmo a selecção croata que, de empate em empate, lá vai seguindo. Onde é que já vi fortuna desta? Ah, já sei! Na Grécia de 2004 e no Portugal de 2016.

    A Croácia tem um estilo de jogo que adormece e que dificilmente seduz um adepto de futebol. Mas vão jogar as meias-finais de um Mundial pela segunda vez consecutiva.

    Como dizia o meu avô, “essa é que é essa” (vá-se lá perceber o futebol).

    Depois da surpresa inicial, imaginei que Holanda e Argentina proporcionassem um espectáculo interessante. São duas boas equipas que, nesta altura, jogam muito pouco e estão quase ao mesmo nível. 

    O jogo não teve grande história. Não me lembro de uma oportunidade de golo holandesa até aos 75 minutos e, de certa forma, a partida parecia resolvida com um passe de génio de Leonel Messi e um penálti perfeitamente escusado sobre Acuña. O desenho da assistência de Messi no primeiro golo devia fazer parte dos compêndios. 

    Contudo, Wout Weghorst, lançado aos 79 minutos, veio revolucionar a partida com dois golos, o segundo no último minuto de jogo, num autêntico golpe de teatro que levou tudo para mais um prolongamento e o drama dos penáltis.

    A festa acabou por ser argentina, mantendo viva a hipótese da final de sonho.

    O destaque do dia, para mim, foram Modric e Messi que, aos 37 e 35 anos respectivamente, são, de longe, os melhores jogadores das suas selecções. Jogam, fazem jogar, correm, ganham o lugar pelo rendimento. Não há justiça no desporto, há rendimento. 

    Vou lendo na imprensa portuguesa algumas cautelas com Marrocos, referências ao D. Sebastião e até a lição defensiva que a Croácia nos deu.

    Meus amigos, a Croácia defende com 11 no meio-campo, Marrocos defende com 11 na grande área, saindo para o contra-ataque com um avançado que não teria lugar no Paços de Ferreira. Até ao momento, sofreram apenas um golo e passam os 90 minutos enfiados na baliza. Tudo certo.

    Dito isto, o respeito pelos adversários é obrigatório. Agora, medo de encontrar Marrocos nos quartos de final de um Mundial, tenham lá paciência. A disparidade de talento nas duas equipas é abismal.

    Saiu-nos o brinde, agora não tenham é medo de ganhar. E se começarem a tremer, chamem o Ronaldo. Que o rapaz nasceu para dias destes. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A dia em que Fernando Santos não jogou para o empate

    A dia em que Fernando Santos não jogou para o empate

    Ao décimo quinto dia do Mundial, finalmente, uma extraordinária exibição da selecção portuguesa. Fernando Santos mexeu na equipa, mostrou coragem e ganhou em toda a linha.

    O talento dos jogadores portugueses soltou-se e jogaram como se estivessem na rua, sem constrangimentos tácticos e calculismos desnecessários quando se tem um grupo com tanta qualidade.

    A Suíça ainda ameaçou nos primeiros 15 minutos, mas a partir daí só deu Portugal, como sói dizer-se. As trocas rápidas e o futebol envolvente amassaram a equipa helvética.

    Gonçalo Ramos, Félix, Otávio e William foram sublimes. Pepe esteve imperial. Dalot não tremeu e Guerreiro apareceu nos espaços abertos por Félix, de cada vez que este baixava para receber a bola.

    Félix jogou e fez jogar. Esteve solto, sem medo de ter a bola e sem obrigação de a passar sempre para o mesmo sítio. Simeone, o seu treinador no Atlético de Madrid, deve ter aprendido algo esta noite.

    Numa noite absolutamente perfeita, Rafael Leão saiu do banco aos 85 minutos ainda a tempo de marcar o melhor golo da partida. Que alegria, que irreverência, que futebol de sem regras que Portugal jogou esta noite. E que qualidade tem uma equipa para se dar ao luxo de ir ao banco, a poucos minutos do fim, buscar o melhor jogador do campeonato italiano.

    No dia em que, por fim, Portugal disse aos adversários que também está no Qatar, a Espanha foi para casa, depois de falhar três penalties frente a uma aguerrida selecção de Marrocos. Para quem viu esse jogo, ficou a sensação que com um ponta de lança de primeira água (que Cheddira obviamente não é), nem aos penalties a Espanha teria chegado, tal foi a quantidade de oportunidades desperdiçadas.

    Depois de um playoff para aqui chegar e uma fase de grupos sem exibições de encher o olho, Portugal está a um jogo com Marrocos da meia-final do Mundial.

    E, desta vez, também por “culpa” de Fernando Santos.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A boca, os penalties e o atropelamento

    A boca, os penalties e o atropelamento

    O Japão, depois de vencer as fortíssimas selecções da Alemanha e de Espanha, voltou a surpreender, desta vez frente aos croatas. Grande atitude e garra dos samurais que mostraram uma vontade incrível e um verdadeiro espírito de equipa. A Croácia, sempre lenta de processos neste Mundial, fez-me acreditar numa surpresa nos quartos-de-final. Mas valeu a experiência croata e, devagarinho, não só empataram como controlaram o jogo até obrigarem à realização do primeiro prolongamento da competição.

    O ritmo nesta parte foi tão lento que imaginei que todos se sentissem confortáveis com penaltis, a decisão mais angustiante na minha opinião. Os croatas são especialistas na matéria já que este seria a sua quarta vez a decidir num Mundial depois dos 90 minutos sem nunca terem perdido. Os japoneses, bom, tendo em conta a péssima forma com que bateram as grandes penalidades, talvez devessem ter apostado algo mais enquanto a bola correu.

    Ainda assim uma boa prestação dos nipónicos e a dúvida de, nas pernas de um Modric, com 37 anos, saber até onde poderá chegar esta Croácia?

    Já no jogo que opunha o Brasil aos comandados de Paulo Bento a história foi a de um crime. Atropelamento e fuga, com o 3-0 a chegar antes dos 30 minutos. Joga muito este Brasil, e Tite, ao fim de alguns anos, consegue meter a equipa a fazer aquilo para que nasceu: atacar.

    Perdi a conta ao número de vezes que os brasileiros chegavam à área coreana, com quatro ou cinco jogadores, num carrossel imparável de futebol a um ou dois toques. Paulo Bento ainda tentou recuar as linhas e defender com mais gente, mas a fragilidade desta Coreia, a equipa mais fraca do grupo de Portugal, ficou exposta a cada cavalgada de Neymar, Vinicius, Raphinha e Richarlison.

    Joga mesmo muito este Brasil. Com França e Inglaterra, o Brasil é uma selecção que apresenta qualidade e regularidade, desde o início da competição. Se tivesse que colocar dinheiro numa aposta para a final, diria que França e Brasil são os claros favoritos. Até os caminhos ajudam.

    No reino de Marcelo, as novidades não são estridentes, e não chegam bem a ser novidades. Afinal, Fernando lá viu as imagens e percebeu que as bocas eram mesmo para ele. Ficou chateado e, ainda por cima, ninguém na FPF lhe passou o guião oficial antes da conferência de imprensa. Já o Mundo inteiro sabe que a marrada era para o nosso engenheiro e o escriba de Fernando Gomes, nos escritórios da FPF, ainda está a escrever a versão 1.0 da desculpa oficial. Caros, já não estamos em Saltillo. Somos profissionais disto. Há que aprimorar essa coordenação no departamento das tangas.

    Santos disse que não sabe se Ronaldo será titular amanhã, ou por outras palavras, quando um f***-se tem mais poder do que 10 golos falhados. Pragmatismo luso é todo um novelo. As capas dos jornais para esta quarta-feira já estão preparadas e a minha aposta vai para “relógio suíço sem corda”. Agora, lembrai-vos, nem um passe para trás! A não ser que venha do William. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O pauzinho, Mbappé e a mota que ninguém tem

    O pauzinho, Mbappé e a mota que ninguém tem

    Na minha infância, passada nos Açores, ouvi muitas vezes a expressão “tirada com um pauzinho do cu” para descrever ideias de merda.

    [N.D. O autor decidiu ser mais papista do que o papa, censurando um idiotismo com asteriscos em duas palavras, que o editor “descensurou”; cu e merda são palavras que constam do léxico português, e aqui fazem todo o sentido serem expostas, mesmo se remetendo para aspectos da escatologia]

    A FIFA que, imagino, deve ver os jogos do Mundial, chatíssimos, com blocos ultra-defensivos e ataque nos últimos minutos, está a estudar atribuir 2 pontos aos empates e decidir a coisa por penalties, ao fim dos 90 minutos. Também vão alargar o Mundial e trazer as ilhas Fiji, o Toga, os Barbados, o Laos, a Namíbia e mais uma série de potência, para que a competição se arraste quase dois meses com a emoção de um Moreirense vs. Penafiel numa noite chuvosa em terreno empapado. É aqui que entra o pauzinho.

    A Polónia entrou no jogo com a França a mostrar-nos que sabia mais do que aquilo que tinha jogado na fase de grupos. Quiçá se tivessem mostrado esta coragem, fosse hoje a Argentina a estar eliminada. A Polónia atacou, por momentos encostou a França, e falhou as oportunidades. Uma, duas, três vezes. Giroud teve uma oportunidade e não falhou. Eficácia e cinismo francês e a prova da máquina em que se tornaram. Mbappé esteve intratável e nem de mota, como Milik tinha sugerido, a Polónia o conseguiu parar. Pergunto-me quem o conseguirá parar? A ele e a esta França.

    Há festa em Paris com uma qualificação perfeitamente merecida e natural dos super-favoritos franceses. Marine Le Pen está a pensar como é que vai fazer um tweet a falar bem de tantos emigrantes africanos.

    No segundo jogo do dia, a história repetiu-se. Os menos cotados, neste caso o Senegal, atacaram e estiveram por cima do jogo, desperdiçando algumas oportunidades. A Inglaterra aproveitou os espaços e, contra a corrente do jogo, marcou num rápido contra-ataque, repetindo a dose pouco antes do intervalo. O segundo golo inglês é um compêndio na arte de contra-atacar.

    Compêndio: bolas, já estou armado em Luís Freitas Lobo…

    As nossas esperanças residem agora na armada do Rei Carlos. Ou param eles os franceses ou não há santa que nos valha.

    Puxem todos da santinha e façam a vossa parte.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A lei do mais forte e a novela lusa

    A lei do mais forte e a novela lusa

    Chegaram os jogos a doer entre as 15 melhores seleções do Mundo e a Austrália. A expressão não é minha, mas é tão boa que a vou repetir até ao Natal.

    O primeiro dia de mata-mata não tinha grande cartaz. Holanda e Argentina eram claramente favoritas e, sem terem feito ainda uma boa exibicão nesta competicão, despacharam os respectivos adversários sem grande esforço.

    Norte-americanos e australianos terminam a participação no Campeonato do Mundo com uma qualificação para os últimos 16. No caso australiano parece-me que passarem a fase de grupos já é um título, tais são as limitações da equipa. Os norte-americanos já estão num nível diferente e apresentam um 11 com alguns jogadores muito interessante, com Pulisic à cabeça. Mereceram chegar a esta fase, mas, daqui para a frente, o filtro é muito apertado e sobra menos espaço para supresas.

    A Holanda, esta Holanda que está longe da laranja de outros tempos, chega aos quartos de final sem um jogo feito contra um adversário difícil. Não se podem queixar da sorte, mas terão de subir o nível, para o primeiro jogo a sério que terão na competição, contra a Argentina.

    Enzo Fernandez parece ter garantido o seu lugar na equipa argentina e, para mal dos meus pecados, deve estar de malas feitas do Benfica. Qualidade como esta não pode ficar nos domingos à noite a jogar em Arouca. 

    Os comandados de Scaloni marcaram três golos e ganharam 2-1. Enzo mantém o sentido de golo e, como dizia um amigo meu sempre que acertava na própria baliza nas futeboladas de domingo, “o que importa é marcar!”.

    Messi mantém aquele hábito irritante de ser útil à equipa. Passa, dribla e não cria confusão. Pelo meio ainda vai marcando uns golitos. Tivesse ele Bernardo Silva e Bruno Fernandes ao lado, e Pepe com Ruben Dias lá atrás e, provavelmente, outro galo, que não o francês, cantaria.

    Entretanto, começo a perder a paciência para as novelas em torno de Cristiano Ronaldo. Aceito que ele tenha lugar garantido na equipa até aos 50 anos, jogando pouco ou nada. Reconheço que Portugal lhe deve muito. São cinco Mundiais e cinco Europeus nas pernas de Ronaldo, e apenas seis (três Europeus e 3 Mundiais) nos restantes 80 anos de História do futebol português. Portanto, se Ronaldo for o Miura português e jogar até aos 60, por mim tudo bem.

    Não pode é continuar a exigir o tratamento, tempo de jogo e atenção como se a selecção fosse Ronaldo + 10. Não é. Há alguns anos que já não é.

    A FPF vive obcecada com os recordes de Ronaldo e não há jogo em que ele fique de fora, porque há sempre um recorde novo para bater. Até há poucos meses nem sequer era substituído, nem que fosse um jogo contra o Kuwait. Agora, perante as evidências, vá lá, que já há coragem de substituir Ronaldo. A selecção de 2016 ganhava apesar do Fernando Santos. A de 2022 ganha apesar de Fernando Santos e Ronaldo.

    A gratidão, a tão afamada gratidão que os life coaches usam a cada três frases, e que todos devemos a Ronaldo, não pode toldar o espírito do jogo e o seu objectivo. É um desporto colectivo, dividido em momentos de ataque, controlo e defesa. O Ronaldo, nesta fase, não faz nenhum. Mas mantém a arrogância de quem não aceita a realidade. 

    Não gosto das manifestações de ódio que Ronaldo desperta. Nunca Portugal teve alguém, em qualquer ramo de actividade, que tenha atingido, durante tanto tempo e de forma constante, o topo do Mundo. É verdade que muitas pessoas nem sabem onde fica Portugal mas sabem quem é Ronaldo. E para lá da marca global em que se tornou, os méritos desportivos são inegáveis. É um dos três melhores jogadores de sempre. Portanto, a memória não pode ser curta.

    Mas não podemos, por causa disso, comprometer o desempenho da selecção e as aspirações num Mundial. Ronaldo pertence a esta equipa e merece lá estar. Mas não pode estar todos os jogos, 90 minutos. Já não dá. Está a prejudicar.

    Cenas como a de ontem, com o desaforo entregue a Fernando Santos (“estás com uma pressa do c**** para me tirar, f***-se!”) fazem as manchetes do dia de hoje. Discute-se mais a azia de Ronaldo do que o jogo miserável contra a Coreia. 

    Estou longe de ser um fã de Fernando Santos, mas se há homem que tem aparado os golpes todos a Ronaldo, tem sido ele. São cenas atrás de cenas com treinadores, reclamações com os colegas e falhanços atrás de falhanços.

    A tentativa da FPF de controlar danos, com a história do impropério dirigido ao sul-coreano, é quase deprimente. Mais do que nos atirar areia para os olhos, tratam-nos como se fôssemos uma cambada de idiotas.

    Alguém tem de dizer a este homem que está, em poucos meses, a destruir o crédito acumulado e a encher a paciência de quem o idolatrou, justamente, durante toda a sua carreira.

    A sério Ronaldo, já chega. Joga ou deixa jogar. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Vem aí o relógio suíço

    Vem aí o relógio suíço


    Ontem escrevi aqui que o Fernando Santos ia devolver a gentileza a Luis Enrique, perdendo o jogo com a Coreia e apostando tudo no “lado brasileiro” da competição. Há que dizer que tentou. Entrou com segundas linhas e ainda meteu o André Silva, ou seja, ninguém pode acusar o nosso engenheiro de não ter tentado.

    Uma coisa que nunca entendi nestas competições é esta necessidade de rodar as equipas, e “descansar” quando o apuramento está garantido. Descansar de quê? Miúdos de 20 e tal anos ficam cansados de jogar à bola de quatro em quatro dias? Cansado fico eu de trabalhar todos os dias com este frio de Dezembro, que devia ser proibido.

    À mesa, com um grupo de portugueses residentes na Suécia, discutia a influência de Ronaldo na selecção portuguesa, enquanto Son corria metade do campo sem que o Palhinha lhe desse a “varridela” desejada e necessária. Um deles tentava explicar-me que Ronaldo ainda era letal em frente à baliza, embora cada jogada nos contasse o contrário.

    Eu faço parte daquela geração que cresceu a ver Portugal fora das grandes competições, portanto, se alguém quiser fazer um estátua ao Ronaldo no Marquês do Pombal e deixá-lo jogar na selecção até aos 50, eu assino por baixo. Portugal deve umas coisas a este extraordinário atleta. Mas não me digam que ainda é letal. Não é, infelizmente.

    O jogo da selecção portuguesa, pela terceira vez neste Mundial, foi pobre, muito pobre. Uma confusão de posse de bola e passes laterais, sem procura de baliza ou qualquer objectividade na procura do golo. Acaba por desesperar qualquer crente.

    A boa nova é que Paulo Bento também passou e o Gana vingou-se, finalmente, de Luis Suarez. A história acaba sempre por se endireitar. E todos gostamos do Son, que é uma espécie de herói da banda desenhada.

    Os jogos da noite trouxeram, entretanto, a notícia mais ou menos esperada: a Suíça, liderada pelo albanês Xhaka, enviou a Sérvia para casa num jogo rasgadinho. Como dizia um companheiro de jornada, o Xhaka pagou com a pancada que levou nas pernas a independência do Kosovo. Confesso que a vitória dos Camarões perante o super-favorito Brasil me deixou alguma esperança. Eram por eles que torcia no grupo G.

    Portugal sabe agora que disputará os oitavos com a Suíça, uma selecção chata, competente e que, há pouco tempo, venceu Portugal numa qualificação. Quando as contas se fecharam, comecei a implorar aos céus que não fosse Luís Freitas Lobos a comentar o jogo: quantas vezes é que se consegue usar a expressão “relógio suíço” durante 90 minutos?

    Para selecções com aspirações – como Portugal, Argentina, França, Brasil e Espanha –, começa verdadeiramente agora o Mundial. O caminho dos comandados de Fernando Santos é, em teoria, incrivelmente complicado até à final: Suíça, Espanha e França. 

    Vamos precisar um bocadinho mais do que o Éder, desta vez. A minha fé, essa, está inabalável: ainda não acredito. É preciso jogar mais. Muito mais.  

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.