Etiqueta: Pedro Almeida Vieira

  • Dois processos num mês: a ocultação de dados pelo Ministério da Saúde “joga-se” agora nos tribunais. E pode haver terceiro…

    Dois processos num mês: a ocultação de dados pelo Ministério da Saúde “joga-se” agora nos tribunais. E pode haver terceiro…


    Em Portugal, apesar de vivermos em democracia há quase 50 anos – e de o Absolutismo há muito ser um período enterrado nos anais da História –, está enraizada em muitos dos nossos governantes a ideia de que o País, um Estado é propriedade de um Governo; sendo o Governo, formado por políticos que se comportam, acima dos demais, como senhores feudais, mandatados, com cheque em branco, pelos servis cidadãos através de uns papéis enfiados por uma ranhura de tempos em tempos, e sobre os quais exercem o poder em vez de lhes prestarem um serviço público.

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    Num país democrático decente, um Governo – como circunstancial mandatário do povo – deveria prestar continua e activamente contas à sociedade. Jamais ocultaria conscientemente qualquer informação – ou mesmo dados em bruto para que qualquer pessoa pudesse confirmar a validade dessa informação oficial. E, se por distração, e por não previsão de interesse, um qualquer cidadão se lembrasse de solicitar alguma informação que não fora activamente divulgada, logo esta, dentro de uma razoabilidade definida prévia e claramente por lei, lhe seria entregue dentro de um determinado prazo.

    Mais ainda, no caso desse pedido ser feito por um jornalista, não por este ser um cidadão acima dos outros, mas por a sua função, consagrada pela Constituição e pelas leis, lhe conceder especiais tarefas de watchdog ao serviço da sociedade.

    Ora, sobretudo nos últimos dois anos – e constituiu um agravamento do passado –, o país assistiu à mais nefasta estratégia de controlo da informação e de manipulação da opinião pública, sobretudo pela máquina mediática usada pelo Governo, que se soube aproveitar das fragilidades económicas dos media mainstream e de um conjunto de responsáveis editoriais que passaram a ser mais gestores de interesses políticos e financeiros do que jornalistas.

    Marta Temido, ministra da Saúde. Durante dois anos, ninguém insistiu para disponibilizar informação.

    Habituados que ficaram com o laxismo e a mansidão da imprensa, o Governo de António Costa pôde alimentar uma narrativa onde nada lhes era questionado; nada era pedido para se confirmar; nada lhe era solicitado para ser analisado de forma independente.

    O PÁGINA UM nasceu num período em que o jornalismo em Portugal nem ladrava, e muito menos mordia canelas. Nem latia. Lambia.

    Durante meses, o PÁGINA UM fez insistentes pedidos à Direcção-Geral da Saúde para obtenção de documentos administrativos. Foi necessário intentar-se um processo de intimação no passado dia 27 de Maio (1438/22.8BELSB) contra o Ministério da Saúde junto do Tribunal Administrativo de Lisboa para haver uma reacção em processo que corre ainda os seus trâmites.

    E qual foi a reacção? Para já, a senhora directora-geral da Saúde, Graça Freitas, enviou ao PÁGINA UM competente ofício, após meses de silêncio, a recusar o acesso a diversos documentos administrativos, incluindo base de dados, porque, por exemplo, “se torna impossível até à data de hoje, prever a sua finalização (…), porquanto os referidos dados estão em permanente alteração no decurso diário dos trabalhos”.

    E foi este documento enviado ao Tribunal Administrativo, com outra argumentação ainda mais absurda – recomenda-se mesmo uma leitura, com o desafio difícil para se manter sempre a boca fechada –, numa tentativa (que se espera vã) de convencer um juiz de que não pode ser disponibilizada mais qualquer informação para além daquele que a outra imprensa tem (com gosto) deglutido.

    A vingar esta tese da DGS, sob os auspícios do Ministério da Saúde e do próprio Governo, no limite nunca um cidadão português poderia obter documentos administrativos do Estado português, a menos que o Estado português fosse finalmente extinto, porquanto só assim ficaria patente a todos que os trabalhos do Estado português, antes perpetuamente em curso, estavam finalmente finalizados.

    Extracto do ofício da DGS com as estapafúrdias justificações para recusar acesso a documentos administrativos, mesmo em casos já analisados pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.

    Esta luta do PÁGINA UM por uma maior transparência, que na verdade é uma tarefa que deveria ser normal e corriqueira no jornalismo, não acabará por aqui. Os tempos têm de mudar. Para o Governo e para a imprensa.

    Por esse motivo – e porque ao longo de seis meses de existência foram escassíssimas as respostas do Ministério da Saúde e de entidades por si tuteladas –, o PÁGINA UM solicitou no passado dia 2 de Junho que fosse disponibilizado o acesso a todo o seu arquivo – com documentos todos eles administrativos, logo de acesso público –, desde 2020, tendo elencado um vasto leque de entidades remetentes e destinatárias de ofícios, pareceres e relatórios.

    Numa primeira fase, em 7 de Junho, a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde consideraria este pedido do PÁGINA UM como “manifestamente excessivo [e] abusivo”, mas depois reconsiderou, após se ter replicado ser temerário que o gabinete da ministra Marta Temido considerasse abusivos os pedidos de um órgão de comunicação social, e pediu esclarecimentos à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.

    Lista de processos já intentados pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa por recusa de acesso a documentos administrativos.

    Não há, porém, motivos para dúvidas nem para procrastinações. E assim, no final da passada semana, o PÁGINA UM intentou um novo processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa contra o Ministério da Saúde. Este novo processo (1779/22.4BELSB) foi já distribuído na sexta-feira passada à juíza Dinamene de Freitas, que terá, ao analisar este processo, a indirecta oportunidade de responder se Portugal é uma verdadeira democracia. Ou seja, será que os cidadãos podem saber o que, nas estreitas competências que lhe foram atribuídas por eleições, os governantes fazem e escrevem?

    Mas, como não há duas sem três – e haverá certamente mais, se necessário for –, o PÁGINA UM tomou mais medidas após o escandaloso “apagão” da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar que constava no Portal da Transparência do SNS, sobre a qual a generalidade da imprensa mainstream nada disse.

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    Também na passada semana, o PÁGINA UM solicitou a quatro entidades que, ao abrigo da lei, fosse(m) disponibilizado(s) o(s) eventual(is) documento(s) administrativo(s) que estivessem nos seus arquivos com a ordem para que fosse excluída a dita base de dados – que, como se sabe, permitiu ao PÁGINA UM, com dados até Janeiro de 2022, desenvolver um dossier de jornalismo de investigação bastante comprometedor.

    Essas entidades são as seguintes, e divulgamos as cartas: Ministério da Saúde, DGS, Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) e Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Caso estas entidades não tenham esses documentos, porque não existem, a lei determina que informem da sua não existência.

    Ou seja, o PÁGINA UM quer saber se a ordem foi escrita – e se foi, por quem, e ficando assim a saber-se a fundamentação – ou se estamos perante uma ordem política feita “por boca”. E então aí teremos de questionar se isso é legal. Se um governante ou alguém por si mandatado pode “eclipsar” uma base de dados pública apenas porque contém potencial informação comprometedora.

    Como é óbvio, se não houver respostas, ou estas não forem aceitáveis em democracia, o caminho será o Tribunal Administrativo.

    Enquanto o PÁGINA UM existir, e houver o apoio dos leitores, esta será sempre a postura, a estratégia e o modus operandi deste (vosso) jornal. Pelo menos enquanto Portugal for uma democracia…


    Os processos judiciais do PÁGINA UM são financiados pelo FUNDO JURÍDICO, proveniente dos apoios dos leitores através da plataforma MIGHTYCAUSE, tendo já sido recolhidos 6.810 euros. Além de outros custos, a taxa de justiça inicial é de 306 euros por cada um dos 7 processos já apresentados. Estão em preparação outros processos em áreas distintas.

  • A “ciência contrafactual” é uma treta ou como se salvam cientistas patetas

    A “ciência contrafactual” é uma treta ou como se salvam cientistas patetas


    Se a minha avó tivesse rodas era um camião – este dichote, bem conhecido, tem sido usado amiúde por treinadores da bola perante perguntas parvas de jornalistas.

    Nesta senda, surge agora em força uma modalidade de fazer-se Ciência: a aplicação de modelos matemáticos para simular uma contrafactualidade. É a Ciencia do Se… É a Ciência do “imaginemos que era assim como queríamos”…

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    Por oposição dos modelos preditivos, em que se estabelecem premissas e assumpções, partindo daí para uma previsão que poderá depois ser verificada – e permitindo-se assim, à posteriori uma avaliação da precisão do dito modelo –, nos modelos matemáticos contrafactuais pode-se logo “gabar cestos” sem perigo de desmentido.

    Por exemplo, basta pegar numa medida ou acção previamente tomada e avaliar a sua eficácia à posterior, sem ter em consideração qualquer outra variável. E depois atribuir à medida toda a responsabilidade (boa) do diferencial obtido.

    Imagine-se, por absurdo, que se atribuía ao assobiar nas ruas uma hipotética redução dos atropelamentos em 90%, e se avaliava depois, passado um ano, a eficácia dessa medida sem, por exemplo, incorporar as campanhas de sensibilização dos condutores, a maior concentração de passadeiras ou semáforos e uma diminuição da velocidade máxima dos automóveis. Ora, alguém sensato poderia acreditar que havendo mesmo uma redução em 90% nos atropelamentos tal se devia exclusivamente aos assobios?

    Dos seis autores do artigo da The Lancet Infectious Diseases, três estiveram na equipa de Neil Ferguson que apresentou previsões catastrofistas em Março de 2020, que estiveram longe de ocorrerem.

    Ora, nos últimos dois dias muito se tem falado de um estudo, publicado na revista científica The Lancet Infectious Diseases por investigadores do Imperial College de Londres sobre a eficácia das vacinas contra a covid-19, atribuindo-lhe a “responsabilidade” de terem salvado cerca de 20 milhões de vidas em todo o Mundo. Em Portugal, segundo as declarações de um dos autores dessa análise (Oliver Watson) ao jornal Público, estimaram que se tenham evitado 135.900 mortes até 8 de Dezembro de 2021, com “uma incerteza entre 126.700 e 179.300 mortes”.

    Esse estudo tem quatro problemas básicos e graves.

    Primeiro problema, estamos perante um estudo contrafactual: pressupõe que tenha sido apenas a vacina o único contribuinte para a evidente descida da mortalidade absoluta e da taxa de letalidade, ignorando, ou pretendendo ignorar, que a covid-19 de hoje, sobretudo com a variante Ómicron agora dominante, é menos letal independentemente da vacinação, e que a população já não é naïve – ou seja, a imunidade natural tem uma relevância significativa não desprezável.

    Segundo problema: o estudo apresenta pressupostos que enviesam à partida os resultados, permitindo que o “cesto se gabe”. Com efeito, em vez de confrontar a letalidade (e mortalidade) dos vacinados com a dos não-vacinados e com a dos infectados recuperados, o estudo aproveitou apenas as referências de uns poucos estudos, alguns ainda não revisados, e até mesmo um comunicado de imprensa de uma das farmacêuticas. Por outro lado, a análise matemática usa tantas estimativas e pressupostos que, enfim, por mais que o modelo matemático seja extraordinário e os cientistas uns estupendos génios da Matemática, não conseguem fazer mais do que uma porcaria embelezada.

    Terceiro problema: uma parte dos cientistas autores deste panegírico às vacinas tem um grave conflito de interesses. Não tanto por este estudo ter sido financiado pela Bill & Melinda Gates Foundation, pela Organização Mundial da Saúde, pela GAVI e pelo The Vaccine Alliance.

    O grande conflito de interesses advém, sim, de três dos seis autores – Oliver J. Watson, Peter Winskill e Azra C. Ghani – terem sido co-autores da célebre estimativa do Imperial College feita em Março de 2020 que espoletou todo o alarme mundial em redor da pandemia.

    Estudo catastrofista do Imperial College previa um morticínio sem medidas não-farmacológicas, e justificou lockdowns e máscaras, cuja eficácia nunca se comprovou. Três dos autores dizem agora que as vacinas é que salvaram milhões.

    Recorde-se que esse estudo – publicado no inicio da pandemia à Europa, em 26 de Março de 2020, e tendo Neil Ferguson como cabeça de cartaz – estimava que, sem medidas, a covid-19 poderia fazer 7 mil milhões de infectados e 40 milhões de mortes.

    Ora, para apagar este colossal e vergonhoso erro de previsão – um exemplo paradigmático da má Ciência ao serviço do alarmismo –, nada melhor do que um outro pseudo-estudo onde as vacinas surgem – como sucedeu com muitas das absurdas medidas não farmacológicas – como o ente salvador. Mas salvador sobretudo da lamentável credibilidade de certos investigadores.

    Em suma, com este suposto estudo glorificador das salvíficas vacinas, a par das tais medidas não farmacológicas, a absurda estimativa de Março de 2020 estará sempre certificada. Pelo próprios que a fizeram.

    Quarto problema: não vale a pena olhar para a razoabilidade das estimativas mundiais quando os autores nem sequer acertam com a realidade de um país. O caso de Portugal, por exemplo.

    Com efeito, atribuir às vacinas contra a covid-19 o condão de salvar entre finais de Dezembro de 2020 (quando se iniciou o programa de vacinação) e 8 de Dezembro de 2021 um total de 135.900 pessoas é um absurdo.

    Não por representar mais mortes do que as que são causadas por todas as outras doenças (a covid-19 não é a gripe espanhola), mas sim por ser uma impossibilidade.

    De facto, se analisarmos a taxa de letalidade da covid-19 antes da introdução das vacinas, observamos que, em 27 de Dezembro de 2020 (dia da inoculação da primeira), a taxa de letalidade desta doença era de 1,77% (6.693 mortes em 378.395 casos positivos).

    Ora, entre 27 de Dezembro de 2020 e 8 de Dezembro de 2021, registaram-se em Portugal 802.923 casos positivos, que resultaram em mais 11.917 óbitos, o que significa que, no primeiro ano com vacinação, a taxa de letalidade foi de 1,48%.

    Ou seja, com a introdução da vacina, a taxa de letalidade apenas baixou de 1,77% para 1,48%, algo que jamais poderia implicar um tão grande contributo das vacinas na redução da mortalidade.

    Mesmo que, por absurdo, toda a população tivesse sido infectada (cerca de 10,2 milhões de pessoas), a redução da taxa de letalidade global em apenas 0,29 pontos percentuais significava que teriam sido poupadas apenas 29.580 pessoas. Mas notem: tinha de ser infectada TODA a população no espaço de UM ano. Até agora, em dois anos e quase quatro meses foi infectada, segundo dados oficiais, cerca de metade da população (5,120,970 casos positivos, até hoje).

    Na verdade, o game changer da covid-19 não foram as vacinas, mas sim o surgimento da Ómicron, por muito que Governos, farmacêuticas e certos investigadores inescrupulosos queiram convencer-nos do contrário.

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    Com efeito, veja-se como mudou a taxa de letalidade em 2022 em Portugal com a dominância da Ómicron, de muito menor agressividade: desde Janeiro até 22 de Junho registaram-se 3.693.100 casos positivos que resultaram em 5.022 óbitos atribuídos à covid-19. Isto significa que a taxa de letalidade – que, recorde-se, era de 1,48% no primeiro ano de vacinação – se cifrou em apenas 0,14%, o que está ao nível das pneumonias.

    Querer atribuir às vacinas – e não à menor agressividade da Ómicron, que foi, para nossa fortuna, o que fez cessar a pandemia – a maior fatia desta enorme redução da letalidade do SARS-CoV-2 é, no mínimo, desonesto. E nenhum cientista o pode ser, porque a desonestidade é inimiga da Ciência, e é um defeito  moral independente das capacidade cognitivas.    

    Em suma, tal como o estudo preditivo do Imperial College de Março de 2020, também este estudo contrafactual de Junho de 2022 do mesmo Imperial College deveria ficar nos anais da má Ciência. Tanto um como o outro nem para limpar o rabo servem.

  • Ouvir a raposa sobre como morreu a galinha? Chamem é a polícia!

    Ouvir a raposa sobre como morreu a galinha? Chamem é a polícia!


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) tomou recentemente uma magna deliberação contra a Rádio Campanário porque copiou integralmente uma notícia da Rádio Portalegre sem citar a origem da informação.

    O PÁGINA UM não irá queixar-se à ERC sobre as “campanices” de diversos órgãos de comunicação social mainstream, como a RTP, o Jornal i, o Sol, o Público ou a CNN Portugal que, sem nunca citarem o PÁGINA UM, “acordaram” estremunhados para o excesso de mortalidade em Junho.

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    Nunca citarem o PÁGINA UM, mas irem depois atrás das suas notícias, ainda há-de ser um must. Um dever cívico para qualquer jornalista que se preze.

    Mas passemos à frente.

    Na verdade, até tenho o inconfessável desejo de que a imprensa mainstream me siga. E, por exemplo, em vez de irem os jornalistas a correr falar com “especialistas”, passem a clamar sim por maior  transparência – será que alguém se chocará com o “apagão” da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar denunciado ontem pelo PÁGINA UM? – e ou chamem a polícia, ou seja, a Procuradoria-Geral da República.

    Vamos ser claros.

    Primeira notícia do PÁGINA UM sobre o excesso de mortalidade total de Junho em domingo passado. Seria publicada nova análise no dia 14. A partir daí sucederam-se as notícias na imprensa mainstream.

    A situação da mortalidade total perfeitamente absurda em Junho – e já tinha sido em Abril e em Maio, sobretudo nos mais idosos – não é questão para especulação. É para investigação. Já.

    Mostra-se, por isso, perfeitamente patético que jornais como o Público peçam ao matemático Óscar Felgueiras que explique este excesso, e ele se “socorra” dos supostos 40 óbitos diários por covid-19 e da “temperatura”.

    Pouco vale recolher as dissertações – no bom sentido do termo – da demógrafa Maria João Valente Rosa, que até avisa, e muito bem, que o chamado “efeito colheita” não justifica os excessos de mortalidade em Abril, Maio e primeira metade de Junho. Aquilo que ela faz é teorizar e deduzir, mas não é com isto que se descobre a verdade.

    Mas mesmo pior é ouvir e reportar acriticamente a posição da Direcção-Geral da Saúde (DGS) sobre esta matéria.

    Segundo o Público, a DGS “junta o ‘aumento da mortalidade específica’ por covid-19 ao ‘aumento da temperatura média do ar’”, acrescentando ainda que esta entidade relembra “que este indicador tem estado ‘acima do normal para esta época do ano’”.

    A comunicação social não serve para construir “cortinas de fumo”, baralhar e contribuir para criar “falsas narrativas” justificativas.

    Mas é aquilo que muita imprensa mainstream nos tem habituado.

    Bem sei que, provavelmente, serei criticado por criticar, mais uma vez, o jornal Público, mas não pode um órgão de comunicação social com o seu histórico continuar a usar jornalistas impreparados ou agradar a “narrativa oficial”.

    No caso em concreto – e é extensível aos outros media –, o jornal Público nunca deveria destacar o argumento de uma mortalidade excessiva por via directa da covid-19 – cujos valores já são muito duvidosos, como já apontei, por estarmos em finais de Primavera e sermos um dos países com maior taxa de imunidade vacinal e natural – e de um pretenso aumento da temperatura média do ar, sem sequer qualquer posterior avaliação. E contribuindo para a manipulação da opinião pública. Fazendo desinformação.

    Notícia do Público de hoje que especula sobre as causas da mortalidade em Junho

    Por exemplo, escrever que “o último mês de Maio foi o mais quente dos últimos 92 anos” é induzir o leitor a pensar que um mês de Maio quente é altamente mortífero. Não é, pelo contrário.

    Um Maio quente não é o mesmo que um Agosto quente.

    Um Maio quente será sempre mais frio do que um Agosto frio.

    Um Agosto frio será sempre mais quente do que um Maio quente.

    Entendem?

    Vejamos então. Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, durante o mês de Maio passado, o valor médio da temperatura média foi de 19,19 graus centígrados, uma anomalia de 3,47 graus, e o valor médio da temperatura máxima foi de 25,87 graus.

    As temperaturas de Maio deste ano são, afinal, mais baixas do que um Setembro médio, que é o mês do ano geralmente com a mortalidade total mais baixa!

    Aliás, basta ver que a evolução da mortalidade diária ao longo do último Maio não teve um padrão típico da ocorrência de ondas de calor (uma subida repentina, seguida de uma descida para números normais).

    Teve sim um evidente e sustentado acréscimo face aos anos anteriores. Foi um problema “estrutural”; não meteorológico.

    Aliás, se o Público quisesse confirmar esta argumentação estapafúrdia da DGS deveria ter então consultado o Índice Ícaro – ainda disponível no Portal da Transparência, não sei até quando –, que mede o risco potencial que as temperaturas ambientais elevadas têm para a saúde da população, podendo levar ao óbito.

    Notem: o supostamente tórrido Maio de 2022 teve todos os dias com o valor de 0,00. Significa que as temperaturas terão contribuído com zero mortes.

    Aliás, mesmo agora em Junho, apenas em oito dos 17 dias o valor do Índice Ícaro esteve acima de 0,00, sendo que o máximo foi no dia 13, mas apenas com 0,11.

    Evolução da mortalidade diária em Maio de 2022 e no período 2017-2021 (média móvel de 7 dias). Fonte: SICO.

    Se fosse verdade que um Índice Ícaro de 0,11 justificasse um contributo por mínimo que fosse para se chegar a 403 mortes de pessoas (como sucedeu na segunda-feira passada), nem quero imaginar então o que acontecerá se, por exemplo, no próximo mês de Julho (onde ser um mês mais quente do que o habitual é já outra “fruta”), se repetirem os valores registados em Julho de 2020 (23 dias com Índice Ícaro acima de 0,11, com o máximo a atingir 1,17).

    Aliás, se houver mesmo uma onda de calor, à séria, neste Verão, encomendem já não ventiladores à China mas sim caixões.

    Mas, na verdade, o busílis da questão – e a minha irritação sobre a postura da imprensa face à DGS – é que o Ministério da Saúde e o Governo, se assim quisessem – e não quisessem apenas “salvar o coiro” –, poderiam encontrar já, em tempo real, em cinco minutos, as causas directas de tamanho morticínio.

    Bastava que fossem transparentes e permitissem o acesso aos dados em bruto (anonimizados, claro) das causas das mortes diárias registadas no Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO).

    Esta ferramenta permite até, por exemplo, saber qual a causa da morte sancionada hoje por um médico legista que registou o óbito há cinco minutos.

    Evolução da mortalidade diária (média móvel de 7 dias) em Julho de 2020, marcada por uma onda de calor. Fonte: SICO.

    Por maioria de razão, pode a DGS saber quais foram as causas de morte ao longo de 2022, comparar essas causas, de forma estratificada, com a média de outros anos, cruzar informação por região ou concelho, e daí apurar quais os desvios mais significativos para cada doença.

    Aliás, com o acesso aberto ao SICO ficava-se a saber se o número de mortes por covid-19 anunciado pela DGS é mesmo verdadeiro, se as mortes por cancros estão a aumentar ou não, se há mais ataques cardíacos ou AVC, ou até quantas mortes houve pelas vacinas (porque têm um subcódigo próprio, segundo a terminologia da OMS, o U12.9).

    Acaba-se assim, quaisquer que fossem as perspectivas e as sensibilidades, com as especulações, as cortinas de fumo, as desinformações, as tiragens de cavalinhos da chuvas e as mortes a falecerem solteiras.   

    Mas a DGS nunca fará isso de motu proprio. Nem o Ministério da Saúde quer. E muito menos o Governo e António Costa.

    Por tudo isto, espero mesmo que um dia, a imprensa mainstream me copie mais uma vez e clame, como eu já faço agora: chamem a polícia. Ou seja, meta-se a Procuradoria-Geral da República a investigar isto, porque já estamos na fase do crime.

  • Um apagão ‘decretado’ a uma base de dados pública comprometedora: a resposta do Ministério de Marta Temido às investigações do PÁGINA UM

    Um apagão ‘decretado’ a uma base de dados pública comprometedora: a resposta do Ministério de Marta Temido às investigações do PÁGINA UM


    O PÁGINA UM nasceu em Dezembro de 2021.

    Pequeno, mas totalmente independente. Assim independente, porque assim pode definir a sua agenda, fazer perguntas incómodas e requerimentos – mesmo se o silêncio do lado da Administração é, tantas vezes, a resposta.

    O PÁGINA UM busca a verdade num mundo paradoxalmente cada vez mais fechado à informação fidedigna.

    Nunca o PÁGINA UM escreveu, até agora, uma notícia desmentida, falsa ou manipulatória, mesmo se o seu estilo assenta na denúncia, na crítica – mesmo até, hélas, a colegas de profissão –, na acutilância. Mas também sempre na seriedade e no rigor.

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    Não tendo germinado num ambiente propício, o PÁGINA UM nunca teve a sua vida facilitada, mas hoje, quase seis meses após o seu parto, e com uma redacção minúscula e com escassos meios financeiros, tem demonstrado ser capaz de fazer aquilo que outros órgãos de comunicação nunca fizeram até agora: analisar em detalhe a situação da Saúde Pública, procurando sempre, nessa tarefa, escalpelizar dados oficiais, mesmo quando estes não são activamente divulgados. Não por acaso, o PÁGINA UM tem já seis processos de intimação no Tribunal Administrativo.

    No mês passado, o PÁGINA UM decidiu debruçar-se sobre uma base de dados pública fundamental: Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, existente no Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS), uma iniciativa Open Data do Ministério da Saúde, que disponibiliza, há já alguns anos, cerca de uma centena e meia de bases de dados (umas melhores do que outras, com maior ou menor actualização).

    No caso específico da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, esta foi criada em 2018, sendo um sistema de informação de suporte à monitorização do desempenho dos hospitais do SNS.

    Em concreto, este sistema recolhe dados administrativos, incluindo codificação clínica, permitindo apurar a evolução mensal, desde Janeiro de 2017, de episódios de internamentos, ambulatório e óbitos por capítulo de diagnóstico (por grande grupo de doença) em cada hospital ou centro hospitalar, por grupo etário e sexo. Tem também a particularidade de conseguir identificar a evolução dos internamentos e desfechos da covid-19, uma vez que, neste caso concreto, esta é a única doença do grupo denominado “Códigos para fins especiais”.

    Printscreen da lista inicial actual (por ordem alfabética) das bases de dados do Portal da Transparência do SNS.

    Ora, no mês passado, o PÁGINA UM descarregou a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar – em formato de folha de cálculo Excel – para fazer uma exaustiva e detalhada análise do SNS no contexto da pandemia, confrontando também com o período pré-pandemia. Os dados estavam então actualizados a Janeiro de 2022.

    Para se ter uma ideia do potencial informativo desta base de dados salienta-se que o ficheiro de Excel, contendo dados entre Janeiro de 2017 e Janeiro de 2022 (61 meses), envolvendo 62 unidades do SNS, desagregados por sexo (dois) e por grupo etário (sete), contava 440.036 linhas.

    Embora as abordagens potenciais desta base de dados permitisse a obtenção de informação para um conjunto infindável de notícias relevantes, o PÁGINA UM “apenas” fez um dossier específico de oito artigos, entre 13 de Maio e 1 de Junho, que a seguir se expõem (detalhando o número de gráficos e tabelas incluídas):

    Um dos artigos do dossier “Investigação SNS”, publicado entre 13 de Maio e 1 de Junho no PÁGINA UM, com informação obtida a partir da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, agora “apagada”.

    13 de Maio (com quatro gráficos)

    Dois anos de pandemia: afinal, menos óbitos em hospitais. E um em cada três mortos por covid-19 sem certificado de óbito em unidades de saúde

    14 de Maio (com dois gráficos)

    Pandemia fez descer mortes por cancros em meio hospitalar para níveis atípicos: parodoxo ou embuste?

    18 de Maio (14 gráficos)

    Elevada pressão nos hospitais durante a pandemia, disseram-nos. Afinal, foi mentira…

    19 de Maio (dois gráficos e uma tabela)

    Paradoxos da pandemia: covid-19 internou 57 mil pessoas em 2020 e 2021, mas ‘tirou’ quase 280 mil doentes dos hospitais

    22 de Maio (três gráficos)

    Nos hospitais portugueses, durante a pandemia, a taxa de mortalidade da covid-19 foi 30% superior à das doenças respiratórias

    23 de Maio (quatro gráficos e uma tabela)

    Pandemia trouxe “pandemónio” aos hospitais mesmo nas alas não-covid. Janeiro de 2021 foi uma catástrofe em tudo

    30 de Maio (três gráficos e duas tabelas)

    Em Portugal, Omicron tem indicadores menos ‘agressivos’ do que a gripe

    1 de Junho

    Covid-19: afinal, internado n.º 1 em Portugal foi em Fevereiro de 2020 (e não em Março), era uma mulher de mais de 65 anos e esteve em hospital de Lisboa

    Apenas pelos títulos se pode aquilatar o quão dissonante esta investigação jornalística, usando dados oficiais, estava com a narrativa das autoridades de Saúde ao longo da pandemia. Os conteúdos, sobre os quais se recomenda a leitura, ainda mais revelavam e denunciavam situações a merecer um aprofundamento por entidades independentes.

    Note-se: este trabalho de investigação jornalística do PÁGINA UM nunca foi contestado nem desmentido. Nem em um número sequer. Se não teve eco na outra imprensa, ignoram-se os motivos. E, aliás, já tinha sido utilizada pelo PÁGINA UM, por exemplo, em Fevereiro passado, quando revelámos que a covid-19 era menos agressiva para os jovens do que as doenças respiratórias pré-pandemia do SARS-CoV-2.

    Certo é que, pretendendo o PÁGINA UM actualizar os dados (passando a incluir Fevereiro de 2022), até para desenvolver outra perspectiva de investigação jornalística – neste caso, sobre os internamentos em idade pediátrica –, confrontámo-nos com a pura, singela e abjecta eliminação da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar do Portal da Transparência do SNS. Desapareceu. Quem quiser agora, pela primeira vez, aceder aos dados, pura e simplesmente nem o sítio lá encontra. Não consegue “sacar” os dados (outrora de acesso público) nem de Janeiro de 2022, nem os de Dezembro de 2021, nem os de Novembro de 2021, nem os de… por aí fora, até Janeiro de 2017. Foi “limpeza” completa.

    Google ainda tem “memória”, listando as ligações (agora inactivadas) quando se pesquisa pela base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, entretanto “apagada” pelo Ministério da Saúde.

    Atenção: o Portal da Transparência continua online. Tem agora 149 bases de dados. Mas onde antes surgia a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar depois da base de dados da Monitorização Ambiental de Legionella, não há nada: passa-se de imediato para a base de dados da Mortalidade por AVC Isquémico e Hemorrágico.

    Mas vamos ser Advocatus diaboli – o famoso Advogado do Diabo, criado pela própria Igreja Católica para os processos de canonização: essa base de dados existiu mesmo?

    Ora, o Google tem memória disso.

    Pesquisando por “Morbilidade e Mortalidade Hospitalar” e “SNS”, surge, ainda hoje, a ligação directa por duas vias: pelo próprio site do Portal da Transparência e pelo Portal de Dados Abertos da Administração Pública.

    Porém, nenhum concede acesso à base de dados. Desapareceu. Apagou-se. Foi apagada.

    A Internet tem memória, e por isso, aqui pode-se ver um “retrato” (já “esbatido”), através de um snapshot do Internet Archive.

    Portanto, apresentadas as provas da sua outrora existência – se não bastasse a palavra de um jornalista que iniciou a sua actividade em meados da década de 90 do século passado – ainda se poderia admitir que, enfim, alguém tivesse, nos serviços tutelados pela ministra Marta Temido, escorregado e “desligado” inopinadamente a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar.

    E daí, o PÁGINA UM contactou por e-mail o gabinete de imprensa do Ministério da Saúde questionando sobre os motivos do “apagão”. O último contacto foi hoje.

    Printscreen da mensagem de erro após se digitar o antigo endereço da ligação directa à base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar do Portal da Transparência do SNS.

    Não houve qualquer reacção. Ontem, tentou-se um contacto telefónico para a assessoria de imprensa da ministra Marta Temido. Ninguém atendeu nem devolveu a chamada. Ninguém do Governo acha que se deve justificar depois de uma “canalhice” deste quilate contra dois direitos fundamentais (supostamente) consagrados na Constituição da República: o direito à informação e o direito de acesso à informação por parte dos jornalistas.

    Isto é uma Democracia? Ou é uma anedota patética de Democracia?

    Ou é uma “coisa” um pouco melhor do que uma Ditadura, apenas porque o Governo, enfim, lá prefere “apagar” uma base de dados pública incómoda em vez de “apagar” um jornalista incómodo. Menos mal, no que à (minha) vida me diz respeito, mas igualmente horrível para uma sociedade em pleno século XXI.

    Nota: Para obter a base de dados em formato de folha de cálculo da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar até Janeiro de 2022, antes do “apagão” promovido pelo Ministério da Saúde, pode descarregar o ficheiro Excel, AQUI, no servidor do PÁGINA UM.

  • Da vergonha ou pelas ruas da amargura da (má) Ciência e do (mau) Jornalismo

    Da vergonha ou pelas ruas da amargura da (má) Ciência e do (mau) Jornalismo


    Na semana em que sucedem os relatos de problemas nas urgências de vários hospitais e nos serviços de Obstetrícia, foi divulgado hoje, pelo jornal Público, a publicação de um artigo na Acta Médica Portuguesa, uma putativa revista científica da Ordem dos Médicos.

    Ler o suposto artigo científico e ler o correspondente artigo jornalístico que o divulga é ter um em dois: comprova-se o deplorável estado de validação da Ciência em Portugal e o lastimável percurso do Jornalismo, que deixou de ser o watchdog da sociedade para assumir a ignóbil tarefa de criar narrativas de marketing.

    O (suposto) artigo científico da revista da Ordem dos Médicos, saído em Maio deste ano, intitula-se Um ano de covid-19 na gravidez: um estudo colaborativo nacional – ou One year of covid-19 in pregnancy: a national wide collaborative study, na sua tradução para inglês, língua em que surge escrito, com excepção de resumos em português. E é assinado por 28 autoras  – todas mulheres, devido à especialidade –, sendo 26 médicas de serviços de obstetrícia e ginecologia de hospitais portugueses, uma investigadora da Universidade Nova de Lisboa e uma técnica da Direcção-Geral da Saúde.

    closeup photography of pregnant woman wearing blue panty

    Infelizmente, nenhuma teve a lucidez de achar que, com aqueles dados, e com a informação recolhida do tratamento dos dados, não tinha ali nada de científico, e muito menos para se retirar a seguinte conclusão: “A infeção pelo SARS-COV-2 na gravidez pode acarretar riscos aumentados para as grávidas e fetos. Recomenda-se uma vigilância individualizada nestes casos e a profilaxia desta população com a vacinação.” E sobretudo a segunda frase.

    Mas fizeram, e todas assinaram pomposamente o artigo, e irão listá-lo nos respectivos currículos. Hipócrates, entretanto, dá voltas no túmulo. Alberto Magno dá piruetas para a esquerda. Francis Bacon para a direita.

    E mais grave do que isso, os editores da Acta Médica Portuguesa, nos quais se destaca o editor-chefe Tiago Villanueva (médico de família na Unidade de Saúde Familiar Reynaldo Santos, na Póvoa de Santa Iria), permitiram que fosse publicado, assim como foi, o dito “estudo”. Vergonha alheia.

    Não se diga que não tiveram tempo de reflexão. O artigo foi recebido na Ordem dos Médicos em 17 de Maio do ano passado, foi aceite em 27 de Outubro, até esteve publicado online (sem qualquer relevo) desde 11 de Fevereiro, e saiu na revista em 2 de Maio.

    O Público lembrou-se agora, e não vou discutir critérios e timings editoriais, em dar-lhe parangonas de destaque, sob o título “Covid-19 pode implicar risco acrescido em grávidas e fetos”, fazendo eco das conclusões das autoras do estudo no sentido de se fazer “uma vigilância individualizada nestes casos” de infecção pelo SARS-CoV-2 (uma recomendação óbvia, aplicável a todas as doenças, presumo eu que nem sou médico).

    E acrescentando ainda a mensagem central: recomenda-se “a profilaxia desta população [de grávidas] com a vacinação”

    Sejamos claros.

    Usar a Ciência, para tomar decisões políticas, é meritório.

    Abusar da Ciência, manipulando-a, para tomar decisões políticas, é vergonhoso, ainda mais quando a Comunicação Social serve de instrumento.

    Este estudo é uma anedota. Porque sendo um mero estudo observacional é meramente descritivo e, portanto, serve para pouca coisa, e nunca para conclusões daquela jaez. Não é um estudo de coorte, nem pode ser de caso-controle, nem é transversal nem ecológico, nem nada que se pareça com um estudo epidemiológico.

    Meramente descreve, e pouco, e de forma agregada, a evolução de um conjunto de 630 grávidas portuguesas com teste positivo à covid-19, sem sequer apresentar comparação com as afecções decorrentes de outras infecções respiratórias em anos anteriores ou com as complicações gerais no decurso das gravidezes e partos; sem sequer comparar com grávidas que estivessem ao longo de 2021 vacinadas; e sem recolher dados que permitisse apontar hipóteses de explicações para os (pouquíssimos) casos graves relacionados com a covid-19.

    O “estudo” é uma inutilidade, uma anedota científica.

    Deveria servir, nas universidades, para duas coisas: ou para ensinar os alunos sobre o que não se deve fazer num estudo; ou chumbar os alunos que fizessem um estudo assim.

    clap board roadside Jakob and Ryan

    Quando muito, este “estudo” deveria merecer de editores científicos mais compaixão do que publicação: as autoras imaginaram mesmo que poderiam fazer um estudo desta natureza (e vê-lo numa revista científica) com base em 630 gravidezes entre Março de 2020 e Março de 2021! Seiscentas e trinta gravidezes! E depois acharam que poderiam retirar conclusões para todo o universo das quase 200.000 gravidezes que já se registaram em Portugal desde o início da pandemia, e também para as 85 mil mulheres que, em cada ano, vierem a engravidar.

    Não há, para as autoras, necessidade sequer de introduzir um singelo grupo de controlo (grávidas sem covid-19, vá lá, tiradas ao calhas) para comparar? Ó céus!

    Publicarem uma coisa destas numa (mesmo que suposta) revista científica com uma amostra deste tamanho, só pode ser porque a revista científica não é científica coisa nenhuma. E também revela a falta de cultura científica nas unidades de saúde portuguesas, a começar pelo desenho dos estudos, pela colecta dos dados e pela análise crítica (ou ausência) dos resultados e até onde se pode ir nas conclusões.

    Mas publicou-se. E ficamos a saber que das 630, nenhuma morreu, quase dois terços estiveram assintomáticas (só souberam que estavam com covid-19 porque fizeram teste) e apenas 10 (1,5%) estiveram em UCI, embora apenas 2 ventiladas (0,3%).

    black and white cat on brown wooden shelf

    Duas mulheres ventiladas em 630: é isto preocupante do ponto de vista de Saúde Pública? Foi só por causa da covid-19 que estas duas em 630 foram ventiladas? As autoras nada dizem, porque não sabem, porque não apresentaram comparações. Na verdade, sabiam bem que o seu “estudo” valia nada do ponto de vista científico, mas arrogam-se no direito de defender: vacinem-se todas as grávidas. E acham que isto é Ciência.

    Não pode bastar-nos que escrevam, na introdução do resumo do artigo, o seguinte: “Apesar do risco da covid-19 na gravidez poder ser acrescido, são necessários estudos em larga escala para o melhor conhecimento do impacto desta infeção nesta população.”

    Porque, na verdade, isto é uma mera confissão: o que fizemos não foi um estudo. Foi uma “coisa”… Mas, com esta “coisa”, recomendam depois “a profilaxia desta população com a vacinação”. Expliquem-me como é que, com “coisa” tão malparida, se afirma peremptoriamente uma coisa destas?

    Aliás, ao longo do “artigo científico” (escrevamos com aspas), nem sequer se quantifica o risco (senhores e senhoras autoras do artigo, um risco tem de ser quantificado) para se retirar qualquer conclusão digna desse nome.

    Ora, mas o objectivo desta “coisa” foi óbvio e claro, mas não-científico: contribuir para a narrativa, dar um argumento supostamente científico na promoção da vacinação das grávidas, sem sequer se apresentar um estudo decente sobre os efeitos benéficos (que poderá haver) e/ou eventualmente prejudiciais (que também poderá haver).

    white book page on black textile

    Minhas senhoras e meus senhores: só com análises rigorosas e científicas se pode concluir por uma recomendação ou por um desaconselhamento. Não é com uma “coisa” como esta assinada por 28 pessoas, muito doutas, certo, mas sem ética científica.

    Este é, para mim, mais um exemplo paradigmático do estado da Ciência em época pandémica: querendo-se, uma determinada entidade usa o seu prestígio do passado – como a Ordem dos Médicos – para “prostituir” a Ciência, abusando dela para transmitir uma narrativa, bastando que uma Comunicação Social acrítica e/ou colaborativa faça as necessárias parangonas, agora sempre com o famigerado e vergonhoso “PODE” no título.

    Em suma, blá blá blá…, isto é Ciência, e vacinem-se. Uma vergonha.

    Ao longo da pandemia viveu-se, de facto, assim. Com pseudociência e pseudo-jornalismo. E não deveria ser. Não pode ser.

    Enquanto isto, faltam obstetras nos hospitais portugueses. E o Serviço Nacional de Saúde num caos. E isso mata. Tem-se visto.

  • Covid ad infinitum? Chamem é a polícia!

    Covid ad infinitum? Chamem é a polícia!


    Enquanto o Presidente da República condecorava hoje em Londres um enfermeiro português apenas porque estava de turno quando Boris Johnson foi internado com covid-19, em Portugal os serviços de Obstetrícia andam com supostos “constrangimentos impossíveis de suprir”, diz a ministra da Saúde.

    Contudo, o Ministério da Saúde decidiu que se justificava oferecer 21 milhões de euros para que duas farmacêuticas – Pfizer e Merck Dohme & Sharpe – se “desfizessem” de dois antivirais de duvidosa efectividade, de suspeitosa eficácia em reduzir a infecciosidade, de segurança questionável e de preço especulativo.

    woman in black jacket holding white paper

    As supostas evidências em estudos feitos às “três pancadas” para garantir as compras deveriam ser algo de investigação. A Política não pode continuar a tomar decisões políticas com base em suposta Ciência que garante segurança e efectividade de um fármaco com base em estudos que ora são realizados por investigadores ligados às farmacêuticas (que beneficiarão com as compras) ora apresentam enviesamentos que chumbariam um aluno do secundário.

    Pouco importa. Para o mundo dos medicamentos, aquilo que aconteceu há 12 anos com o Tamiflu, pode bem suceder de novo com o Paxlovid. Importante é fazer negócio já, porque quem compra são sempre os políticos, quem vende e beneficia são sempre as farmacêuticas; quem paga são sempre os contribuintes.

    Não deveria ser assim. Não pode a Política continuar, como em Portugal, a basear as suas decisões com base numa Ciência feita por marketeers como Filipe Froes e outros que, prostituindo-se, se predispõem, no tempo certo, e em compadrio com certa imprensa mainstream e com políticos que lhe amaciam o pelo, a criar alarmismo – como sucede agora com a suposta sexta onda da pandemia (só tivemos uma, na verdade, no Inverno de 2020-2021) – para que o negócio das farmacêuticas continue a fluir.

    Ontem, após mais de uma semana de insistência, o PÁGINA UM divulgou que o Ministério da Saúde comprou 21 milhões de euros em antivirais que Filipe Froes e seus comparsas tanto desejavam. O negócio parece justificável, porque se inculcou mais uma vez no povo – sim, o “povo” elogiado por Marcelo Rebelo de Sousa – de que estamos tão mal ou pior do que antes. A reacção da imprensa mainstream foi, até agora, nula. Parece que é irrelevante. Sem importância. Um valor fútil.

    Enfim, para a covid-19 sempre se gastou como se não houvesse amanhã. E, enquanto isso, tudo definha, tudo arde, tudo é hipocrisia, incluindo a comenda dada a um enfermeiro que “apenas” estava no local certo (que nem sequer era Portugal) para ver o oxímetro do doente certo, e os seus colegas que ganham em redor de mil euros salvam todos os dias velhinhas de 80 anos que nem médico família têm…

    Andamos num mundo de loucos a jorrar dinheiro apenas para agradar a uns quantos.

    Por exemplo, decide-se vacinar à pressa e às cegas, com a quarta dose, todos os idosos (e depois seguirão os outros grupos etários), sobre os quais pouco ou nada se sabe: se apresentam ou não ainda imunidade vacinal ou natural, sabendo-se que até existem testes serológicos que permitem essa distinção. Vacine-se e ofereça-se mais dinheiro às farmacêuticas sem critério científico.

    Não se estuda sequer – intencionalmente, não se quer saber – se existem efeitos secundários imunológicos ou outros relacionados com as vacinas. Nunca se fizeram ensaios clínicos sobre repetições de doses com uma frequência inferior a meio ano. Isso não interessa. Realizam-se ensaios em massa, em cobaias humanas, e ninguém parece incomodar-se. A ética científica deixou de importar.

    Porém, aquilo que mais me choca é aceitar-se como natural a actual situação nacional.

    Portugal é o país com uma das maiores taxas de vacinação do Mundo, mas apresenta agora uma inusitada taxa de infecção e de reinfecção (entre vacinados) e uma mortalidade atribuída ao SARS-CoV-2 que não encontra paralelo nos países europeus e dos outros continentes, sobretudo naqueles que registaram uma incidência cumulativa até abaixo da portuguesa.

    E mais ainda: numa doença com carácter marcadamente sazonal (já não possível negar isso, cientificamente), ninguém estranha que Portugal, um país mediterrânico, se pareça mais com um país do Hemisfério Sul a entrar agora em pleno Inverno?

    Não se pode aceitar sem questionar – sem se achar estranho – que tenhamos agora indicadores piores do que há um ano, e mesmo do que há dois anos, quando nem sequer existia vacina e praticamente toda a população estava sem qualquer imunidade natural.

    Decidi fazer uma breve análise comparativa para mostrar como a situação portuguesa é uma “impossibilidade” científica, confrontando-a com a dos países da União Europeia e diversos outros países, tendo em conta a sua dimensão ou impacte da pandemia (actual e passada).

    Nessa análise, comparou-se a mortalidade atribuída à covid-19 em cada um desses países e o seu valor padronizado (à população de Portugal) com referência a 8 de Junho (média móvel de 7 dias) em três anos distintos: 2020, 2021 e 2022.

    Desta simples comparação, pode-se afirmar que os valores para Portugal aparentam não ser reais. Podem ser oficiais, mas não parecem reflectir uma realidade. Ou, pelo menos, desafiam a dúvida, que é uma virtude do método científico. Exigem investigação. Necessitam de transparência da informação.

    Comparação da mortalidade atribuída à covid-19 no dia 8 de Junho (excepto Suécia, a 2 de Junho), com base na média de 7 dias, em 2020, 2021 e 2022. Valores totais e padronizados à população portuguesa. Fonte; Worldometers. Análise: PÁGINA UM.

    Com efeito, confrontando as mortes atribuídas ao SARS-CoV-2 em 8 de Junho de 2022 (média móvel de 7 dias), e padronizando-a à população portuguesa, o nosso país surge com uma taxa de mortalidade por esta doença 17 vezes superior à do Mundo (34 vs. 2). Isto é um absurdo!

    Os países com mortalidade mais próxima – mesmo assim muito inferior –, apresentam uma muito menor incidência cumulativa, ou seja, grande parte da sua população nem teve tanto contacto com o vírus como a de Portugal, pelo menos considerando os casos positivos. Isto é outro absurdo!

    Por exemplo, a Nova Zelândia e a Austrália – onde agora se está a chegar ao Inverno – contabilizam, por agora, respectivamente 25 e 29 casos positivos por cada 100 habitantes, em grande parte pelas medidas não-farmacológicas que impuseram em grande parte dos últimos dois anos e meio.

    Como estes países do Hemisfério Sul, duas ilhas, algum dia teriam de “reabrir” à normalidade, a subida nos casos positivos e na mortalidade nos meses mais recentes constitui uma mera inevitabilidade expectável. E talvez uma prova de que a imunidade natural é mais determinante do que a imunidade vacinal.

    Similar é a situação da Finlândia, onde a maior mortalidade actual se pode explicar por ser um dos países com menor contacto com o vírus: o rácio é, por agora, de 20 casos positivos em cada 100 habitantes.

    Note-se: Portugal, além de ser um dos países mais vacinados do Mundo – e, portanto, com (suposta) maior imunidade vacinal – é também o país do Mundo, no universo daqueles que têm mais de 10 milhões de habitantes, com um maior rácio de 48 casos positivos por 100 habitantes, ou seja, com uma elevada imunidade natural.

    greyscale photography of skeleton

    Se considerarmos o universo dos países com mais de 1 milhão, estamos apenas atrás da Dinamarca (51/100) e da Eslovénia (49/100). Contudo, a mortalidade diária (média de 7 dias) destes dois países é, actualmente, de 7 e 5 mortes por covid-19, se padronizado à população portuguesa. E nós, repito, apresentamos 34 mortes.

    Como se explica, então, tanta morte atribuída à covid-19? Será isto real? Ou estamos perante um embuste para esconder as reais falhas na Saúde Pública portuguesa, dado que é uma evidência estarmos continuamente a registar um excesso de mortalidade total no país?

    Mas ninguém parece interessado em questionar ou duvidar da veracidade dos números e da “narrativa oficial” – porque ninguém, como excepção do PÁGINA UM, quer obrigar o Ministério da Saúde (e a DGS) e o Infarmed a divulgar dados em bruto para que haja uma análise independente.

    Vamos ser claros: manter a ideia de a pandemia continuar ad infinutum é o ideal para qualquer Governo, e especialmente para António Costa. Mantém-se a imprensa mainstream entretida – e apelativa a receber mais financiamentos das farmacêuticas para “falar” de saúde –, e serve de álibi para as falhas crónicas, estruturais e conjunturais, em todo o Sistema Nacional de Saúde. E continua-se assim, também, a justificar a ideia de que se está continuamente a lutar com um “inimigo público” que não permite, hélas, que o “bom do Governo” nos possa proteger com mais eficácia contra as outras maleitas. Além disso, mantêm-se os promissores negócios com laboratórios e farmacêuticas.

    blue bmw car in a dark room

    A covid-19 tem as “costas bem largas”, para mal dos nossos pecados: continuará a ser o bode expiatório apetecível, porque bastará meter um caso positivo para que seja esquecida a negligência com que o Estado tem tratado, nos últimos dois anos, o tal “povo”. Foi covid-19, e o caso é encerrado. E compre-se mais antivirais e o mais que houver. O resto, que é tudo, que se lixe.

    Isto, na verdade, só mudará quando alguém chamar a polícia.

    E se ela vier.

    Isto quer dizer, claro, que isto só mudará se a Procuradoria-Geral da República se consciencializar que está ao serviço da “arraia miúda” – leia-se, povo de Marcelo Rebelo de Sousa, que fez o país – e não da “arraia graúda”. Até agora tem sido claro de que lado (não) tem estado.

  • Um improvável e absurdo herói

    Um improvável e absurdo herói

    Título

    Volodymyr Zelensky: biografia

    Autor

    SERGII RUDENKO (tradução: Elena Luchyna)

    Editora (Edição)

    Casa das Letras (Maio de 2022)

    Cotação 

    13/20

    Recensão

    Num ápice, poucas semanas após a invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin, uma figura internacional eclodiu não apenas pelas televisões, rádios, jornais e revistas – e, claro, pelas redes sociais e Internet em geral –, mas também nos escaparates das livrarias: Volodymyr Zelensky.

    Transformado em “três pazadas” num Winston Churchill do século XXI, o antigo comediante ucraniano mereceu, em apenas dois meses, o interesse dos dois principais grupos editoriais portugueses: a Leya (através da Casa das Letras), que publicou Volodymyr Zelensky: biografia, do ucraniano Sergii Rudenko, e a Porto Editora (através da Ideias de Ler), que publicou Zelensky: o herói improvável, dos jornalistas australianos (originários do Leste Europeu) Andrew L. Urban e Chris Mcleod. Está anunciada ainda a edição pela Esfera dos Livros, para este mês, de Volodymyr Zelensky: na cabeça de um herói, dos jornalistas franceses Régis Genté e Stéphane Siohan.

    No estrangeiro ainda há mais. Muitos mais. Para aí uma dezena de obras com o presidente ucraniano como foco central. Existe mesmo uma colecção – já vai em três volumes – intitulada War speeches, de Volodymyr Zelensky: dois com os discursos de Fevereiro e Março deste ano, e outro com os de Abril. Presume-se que esteja a caminho o de Maio, e a ser escrito o de Junho…

    Na Amazon já está em pré-lançamento, para O ainda longínquo Outubro, o livro Volodymyr Zelensky in his own words, de Lisa Rogak e Daisy Gibbons. 

    A apresentação é muito sui generis, caracterizando o momento mediático que se vive: “Zelensky é o herói que não sabíamos que precisávamos – ou talvez precisássemos. Neste momento, o mundo quer saber mais sobre o heróico e inspirador presidente da Ucrânia, e a melhor maneira de fazer isso será com Volodymyr Zelensky in His Own Words, um extenso livro de citações que abrange as palavras e opiniões de Zelensky sobre um amplo espectro de questões – de guerra e paz a mudanças climáticas e direitos LGBTQ. Os leitores poderão abrir o livro em qualquer página e ver onde Zelensky está. Dada a sua vida anterior como comediante e actor mais famoso da Ucrânia, há muitas citações que fornecem uma imagem mais subtil desse homem que encantou e inspirou pessoas ao redor do Mundo.” Zelensky é o novo Messias.

    Que não haja dúvida sobre a barbárie que se vive na Ucrânia com a invasão  da Rússia de Putin, nem sobre a corajosa postura de Volodymyr Zelensky, aos 44 anos de idade, e depois de um passado profissional ligado ao entretenimento. No entanto, algo não bate certo quando o marketing subverte completamente a realidade – ou, neste caso, o conteúdo de uma pretensa biografia, que, por vezes, nem é.

    Com efeito, no caso de Volodymir Zelensky: biografia, que se decidiu ler, estamos perante uma honesta, embora não extraordinária, análise política do sexto presidente da Ucrânia – que, até certo ponto, é independente, embora o  jornalista ucraniano Sergii Rudenko, compreensivelmente, se deixe arrastar pela emoção quando aborda a invasão perpetrada Rússia –, mas que não encaixa em quase nada daquilo que a editora releva na badana: 

    “Este livro apresenta Zelensky começando como um presidente pela paz e tornando-se um presidente de guerra. Em episódios que destacam a subida ao poder de Zelensky da forma mais honesta e aberta quanto possível, e sem retoques, lemos sobre o triunfo de Zelensky em 2019, mas também sobre as suas diversas derrotas no Olimpo político. A história do homem que, sem qualquer experiência política ou conhecimento relevante, prometeu aos ucranianos mudar o seu estado. Um homem com a confiança de 13,5 milhões de eleitores. Uma pessoa que compreendeu que confiança implica responsabilidade. O homem que aceitou o desafio que é Vladimir Putin, tornando-se chefe do Estado ucraniano neste período difícil. Por último, o livro fala sobre a mudança de opinião pública – mas não apenas pública – de Zelensky, passando de um presidente com poucos sucessos e um mau ranking para um presidente a protetor do seu povo, defendendo não só a Ucrânia, mas igualmente a liberdade da Europa.”

    Porém, ao discorrer pelo livro de Sergii Rudenko – claramente escrito, em grande medida, antes da invasão russa –, somos confrontados com um político saído literalmente de filme – o Servo do Povo – e que nada mudou na política ucraniana desde a sua independência da União Soviética: corrupção, nepotismo, criação de oligarquias e uma exploração do povo sem contemplações. 

    Os primeiros capítulos desta obra de Rudenko mostram, de uma forma bem expressiva, a improvável ascensão de Zelensky assente no seu mediatismo, mas também numa máquina de propaganda sustentada por oligarcas e por amigos de índole questionável. A sua impreparação para o cargo trespassa em todas as páginas. O nepotismo, idem. Os contorcionismos e golpes palacianos, também.

    Na verdade, ao longo da leitura deste livro – que chega a ser penosa, não pela qualidade da escrita mas pelos episódios relatados que nos incomoda por vergonha alheia –, mais do que suscitar simpatia por Zelensky ou empatia pelo povo ucraniano, surge um estado de incredulidade. 

    Sem esquecer os horrores cometidos pela Rússia contra o povo da Ucrânia – e sabendo-se que com Putin e o seu regime, este é, porventura, o país menos recomendável para se viver em liberdade na Europa –, Zelensky não pode ser apresentado como um modelo para a Democracia. Chega a ser ofensivo querer casar Zelensky com um democrata. Este livro de Rudenko prova-o.

    Por fim, um problema estrutural desta obra – em certa medida, compreensível –, é a ausência de informação que permita um melhor enquadramento dos leitores no contexto político da Ucrânia. Assim, aspectos da política interna e dos políticos ucranianos referenciados por Sergii Rudenko dificilmente são compreendidos pelo leitor português. Acresce que os (estranhos) nomes dos intervenientes na cena política não ajudam.

    Mas isso, como se defende, constitui um problema compreensível: afinal, não fosse a guerra e ninguém em Portugal estaria interessado em publicar um ensaio jornalístico sobre um presidente da Ucrânia. Nem um, quanto mais três livros.

    Por outro lado, com uma estrutura em 38 capítulos, não cronológicos, mas incidindo sobretudo no período a partir de 2019, Rudenko não consegue sair de um registo demasiado jornalístico, e demasiado especulativo. Alguns capítulos são simples crónicas. Pouco ou nada é dito sobre os contornos políticos que acabariam por desencadear a invasão da Ucrânia. Em muitas partes falta-se substância, ou pelo menos substância para que um não-ucraniano entenda tudo na perfeição.

  • 9 (para não serem 10) ‘postais’ de um país de inimputáveis

    9 (para não serem 10) ‘postais’ de um país de inimputáveis


    1 – Fausto Pinto, director da Faculdade de Medicina de Lisboa, anunciou há uma semana a sua candidatura a bastonário da Ordem dos Médicos. Não deverá haver clínico com melhores relações com as farmacêuticas: a sua Associação para a Investigação e Desenvolvimento da Faculdade de Medicina recebeu, desde 2018, mais de 4 milhões de euros em patrocínios e apoios para a realização de estudos. À cabeça surge a Gilead, com mais de 1,5 milhões de euros, uma parte substancial para estudos (nunca vistos) sobre os efeitos do polémico antiviral remdesivir.

    Fausto Pinto

    2 – Tato Borges, o novo presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, já está a rentabilizar o seu novo cargo, depois de ter substituído Ricardo Mexia. Enquanto lamentava que o Governo deixasse cair a obrigatoriedade de uso das máscaras – símbolo da pandemia –, recebia 1.000 euros por uma palestra da Pfizer.

    3 – Filipe Froes, pneumologista do SNS e consultor da DGS, nos intervalos das suas colaborações com a indústria farmacêutica, é agora consultor da Sanofi para a vacina contra a gripe da marca Fluzone HD. Esta nova versão da vacina para idosos contra o vírus influenza é uma aposta da farmacêutica francesa para a conseguir compatibilizar com a vacina contra a covid-19. O médico-marketeer já recebeu uma tranche de 2.514 euros.

    4 – Luís Varandas, infecciologista pediátrico no Hospital Dona Estefânia (Lisboa) e também professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, que foi um dos subscritores da denúncia contra o presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, Jorge Amil Dias – por delito de opinião –, dá conselhos à Pfizer facturando 2.000 euros por mês. O caso foi denunciado há já quase um ano, mas continua. De permeio, escreveu artigos de opinião em jornais a recomendar vivamente a vacinação de crianças contra a covid-19.

    5 – António Morais, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPS), é um ‘fazedor de dinheiro’: este ano, a sua associação já recebeu 499.228,4 euros da indústria farmacêutica. Para ele continuar a ser consultor da DGS e do Infarmed, a SPP só poderia receber em média 50.000 euros por ano. A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde precisa, contudo, de um “processo de esclarecimento” para acabar com este regabofe, enquanto Infarmed e DGS estão calados que nem ratos.

    António Morais (ao centro), preside à Sociedade Portuguesa de Pneumologia, e é consultor da DGS e do Infarmed.

    6 – A Pfizer pagou em Maio mais de 90 mil euros a médicos para estarem presentes no habitual encontro sobre vacinas, desta vez na Trofa. Estiveram lá nomes sonantes, de grande “independência” aquando da pandemia, tais como Baltazar Nunes, Luís Varandas, Maria João Brito, Tato Borges, Ricardo Mexia e António Diniz.

    7 – Em vez do Estado português, e o seu Ministério da Saúde, promover um estudo independente sobre a insuficiência cardíaca, deixa que seja a Sociedade Portuguesa de Cardiologia a receber 151.927,49 euros da AstraZeneca para o fazer. O Porthos Study iniciou-se em Dezembro do ano passado e consistirá numa baterias de testes a 5.616 voluntários com mais de 50 anos. Os resutados ficam nas mãos da farmacêutica, que os pode usar para convencer o Estado a gastar mais dinheiro em medicação.

    AstraZeneca é o financiador de um estudo necessário mas que o Estado não faz. Os dados vitais ficam na posse da farmacêutica.

    8 – A Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares que, visto está, tem administradores hospitalares como sócios, não tem razões de queixa das farmacêuticas: desde 2018, as diversas empresas já lhes concederam subsídios e apoios no valor de 1.521.815 euros. À cabeça está a incontornável Gilead – a produtora do polémico antiviral remdesivir – que concedeu 320.846 euros durante esse período. Só este ano, o crédito a favor da associação dos administradores pela parte da Gilead vai em mais de 84 mil euros, grande parte dos quais para a segunda edição da Bolsa de Desenvolvimento do Capital Humano em Saúde.

    Gilead é um dos principais financiadores da associação que integra os administradores hospitalatres que decidem as compras de fármacos.

    9 – A Cofina recebeu 133.455 euros da Sanofi, desde o ano passado, para organizar o Prémio Saúde Sustentável. Ignora-se se o valor é grande ou pequeno em comparação com os montantes recebidos pela Impresa, Público e Global Notícias, entre outros órgãos de comunicação social, porque mais nenhuma outra farmacêutica envia essa informação para o Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed. A transparência é um conceito teórico em Portugal.

  • O Hipócrita que “matou” Hipócrates

    O Hipócrita que “matou” Hipócrates


    Nas últimas semanas, o pneumologista Filipe Froes – um dos mais promíscuos médicos desta Nação, tantas são as suas relações com a indústria farmacêutica, ao mesmo tempo que é clínico no SNS e consultor na Direcção-Geral da Saúde (DGS) – desdobrou-se em declarações elogiosas a favor dos antivirais e anticorpos monoclonais para tratamento da covid-19.

    Estes medicamentos – cuja rapidez na aprovação por parte dos reguladores causa espanto, apesar das dúvidas da sua eficácia e das notícias sobre os efeitos secundários – têm sido, claramente, uma aposta de marketing das farmacêuticas nesta fase da pandemia: na generalidade, destinam-se a doentes com sintomas ligeiros a moderados, numa altura em que a Omicron, no caso português, somente causa a hospitalização de 0,2% dos casos positivos.

    Como cada tratamento poderá vir a custar cerca de 500 euros, fácil se conclui que as farmacêuticas ficam com os louros e com o dinheiro mesmo se a eficácia dos medicamentos for idêntica à de um placebo. E isto já para não falar nos problemas já anotados, sobretudo nos Estados Unidos, onde o seu uso, promovido por Joe Biden, se tem generalizado.

    Filipe Froes é pneumologista no SNS, consultor da DGS (incluindo a definição de terapêuticas contra a covid-19) e consultor e palestrante pago por farmacêuticas.

    Mas voltemos ao Doutor Filipe Froes. Para o Infarmed garantir a “luz verde” para compras e o Governo tratar de gastar uns bons milhões de euros para constituir uma Reserva Nacional – como sucedeu com o remdesivir, da Gilead –, este especialista desmultiplicou-se, nesta última quinzena, em perorações em tudo quanto era sítio que lhe dá guarida – leia-se, imprensa mainstream – a promover dois antivirais das suas queridas farmacêuticas, a saber: o Paxlovid, da Pfizer, e o Lagevrio, da Merck Sharpe & Dohme (MSD).

    Em simultâneo, como consultor da DGS, o mesmo Doutor Filipe Froes afanosamente procurava incluir os tais antivirais e anticorpos monoclonais nas terapêuticas oficiais contra a covid-19. No intervalo disto – ou aquilo é que é o intervalo – continuava a passar facturas às farmacêuticas, como a Pfizer, Merck Sharpe & Dohme e GlaxoSmithKline, interessadas neste chorudo negócio. Este ano já vai em 23.383 euros de oito farmacêuticas. E o ano ainda nem vai a meio, e nem sempre tudo se vê.

    Mas regressemos às aparições mediáticas do Doutor Filipe Froes nas últimas duas semanas.

    Foi um fartote.

    Uma pornografia.

    No dia 16 de Maio era vê-lo na Visão numa peça jornalística (?) de pura publicidade a elogiar o antiviral Paxlovid, produzida pela sua “querida” Pfizer. O título não poderia ser mais sugestivo: O que é Paxlovid, o antiviral campeão de vendas nos EUA, que pode pôr a salvo os doentes de risco”. Se pode ou não, ignora-se. Sabe-se, sim, que a Pfizer já anunciou metas de vendas até ao final do ano de 20 mil milhões de euros.

    Paxlovid, o antiviral da Pfizer.

    No dia 19 de Maio, era ouvi-lo na Rádio Renascença a dizer que era necessário “divulgarmos rapidamente e termos acesso aos novos medicamentos antivirais que têm impacto na diminuição da circulação do vírus e aos anticorpos monoclonais, de maneira ainda a protegermos mais as pessoas mais graves.” (sic)

    No mesmo dia, também o encontramos no inefável Diário de Notícias, em artigo de opinião, em que avisa que “Portugal não pode continuar a ser dos escassos países europeus que não disponibiliza as novas intervenções terapêuticas à sua população e, em particular, aos doentes com maior risco de evolução para gravidade ou incapazes de montar uma resposta eficaz à vacinação e que se mantêm ‘prisioneiros da pandemia’”.

    No dia 22 de Maio, lá o encontrámos na CNN Portugal, a dizer que “nós temos de acelerar, para o nosso país, o acesso a dois fármacos que já têm muito impacte nos outros países em termos de controlo da doença, que são os novos antivíricos”.

    No dia 27 de Maio, em mais um artigo de opinião, desta vez no Expresso, lá surgiu o Doutor Filipe Froes a defender, entre outras coisas, hélas, “o acesso prioritário aos novos antivirais e anticorpos monoclonais”.

    Anteontem, dia 29 de Maio, mais uma nova notícia na CNN Portugal, com o Doutor Filipe Froes a botar faladura sobre antivirais e anticorpos monoclonais.

    Nos Estados Unidos têm sido relatados casos de reincidência de covid-19 pouco depois do tratamento com Paxlovid, que custa mais de 500 dólares por tratamento.

    E eis, portanto, que hoje surge a notícia de ter sido homologado, no passado sábado (!), uma nova norma terapêutica farmacológica para a covid-19 pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas, que passou a incluir, como forma de tratamento convencional, e em alguns casos de forma prioritária, os antivirais da Pfizer (Paxlovid) e da Merck Sharpe & Dohme (Lagrevio), mais os anticorpos monoclonais da GlaxoSmithKline (Xevudy).

    A inclusão não é nada discreta: na verdade, os clínicos que sigam doentes-covid têm, a partir de agora, de fundamentar no processo clínico a existência de uma “eventual impossibilidade da aplicação da presente Norma”. Leia-se: se não quiserem chatices, prescrevam o que está aqui, que as farmacêuticas agradecem.

    Ora, mas adivinhem quem é um dos peritos da DGS-Infarmed que compôs a norma?

    Parabéns!!!

    Acertou!!!

    O Doutor Filipe Froes, claro!, que surge logo no segundo posto na lista (que não está por ordem alfabética).

    Este país, de facto, não sabe o que é o pudor. Não tem vergonha na cara.

    Mas eu quero ir mais longe. Tenho de ir mais longe.

    Que o Doutor Filipe Froes se venda e haja quem o compre, eu dou de barato, mesmo que ele se faça caro. Não posso é aceitar, como cidadão, que ele brinque com a Saúde Pública, com o dinheiro dos contribuintes e com um dos princípios básicos da Medicina: o primum non nocere.

    Bem sei que isto é molhar a chuva, porque o Doutor Filipe Froes existe como o sabemos porque ele não é só ele: ele representa uma tipologia de pessoas que juraram perante Hipócrates mas servem apenas Mamon. Por isso, onde se lê Doutor Filipe Froes, leia-se pessoas como o Doutor Filipe Froes.

    silver and black stethoscope on 100 indian rupee bill

    Para o Doutor Filipe Froes basta-lhe apenas as simpatias da imprensa mainstream, o ouro das farmacêuticas e o despudor das autoridades de Saúde em o manterem como consultor.

    Ele faz o resto, e bem, como bom marketeer: vende fármacos, apenas garantindo, sem qualquer base que não seja o seu paleio e os argumentos das farmacêuticas, que se tem de salvar a velhinha da covid-19, custe o que custar, mais o gato e o periquito, e ele garantirá que tudo é verdade, e que por isso ali está ele nas televisões, rádios e jornais – e que, quem o contestar, só pode ser por maledicência, por ser um negacionista, um anti-vacinas, um anti-ciência, um terraplanista e o mais que lhe aprouver inventar, desde que ele, assim como se comporta e o deixam comportar, continue o acarinhado ponta de lança do lobby das farmacêuticas.

    Nunca ouviremos da boca do Doutor Filipe Froes que, por exemplo, o “seu” Paxlovid foi ensaiado apenas para a variante Delta (muitíssimo mais agressiva do que a actual dominante Omicron), e que, portanto, os potenciais benefícios são uma mão-cheia de nada.

    Nem dele se ouvirá qualquer comentário sobre a (fraca) segurança efectiva deste fármaco que, no Resumo das Características do Medicamento (RCM lista (e ainda estamos no começo) 125 medicamentos com interacções indesejadas ou ainda não completamente conhecidas (vd. pp. 6-21). São cento e vinte e cinco medicamentos – agora por extenso: uma coisa raramente vista. Se acham que exagero, eu listo-os:

    assorted medication tables and capsules

    Alfuzosina, Anfetamina, Buprenorfina, Norbuprenorfina, Petidina, Piroxicam, Propoxifeno, Fentanilo, Metadona, Morfina, Ranolazinha, Amiodarona, Bepridil, Dronedarona, Ecainida, Flecainida, Propafenona, Quinidina, Digoxina, Teofilina, Afatinib, Abemaciclib, Apalutamida, Ceritinib, Dasatinib, Nilotinib, Vincristina, Vinblastina, Encorafenib, Fostamatinib, Ibrutinib, Neratinib, Venetoclax, Rivaroxabano, Vorapaxar, Varfarina, Carbamazepina, Fenobarbital, Fenitoína, Valproato, Lamotrigina, Fenitoína, Amitriptilina, Fluoxetina, Imipramina, Nortriptilina, Paroxetina, Sertralina, Desipramina, Colquicina, Astemizol, Terfenadina, Fexofenadina, Loratadina, Rifabutina, Metabolito 25-O-desacetilo da rifabutina, Voriconazol, Cetoconazol, Itraconazola, Eritromicina, Atovaquona, Bedaquilina, Delamanid, Claritromicina, Metabolito 14-OH da claritromicina, Sulfametoxazol/trimetoprim, Ácido fusídico, Rifampicina, Efavirenz, Maraviroc, Raltegravir, Zidovudina, Glecaprevir/pibrentasvir, Clozapina, Pimozida, Haloperidol, Risperidona, Tioridazina, Lurasidona, Quetiapina, Salmeterol, Amlodipina, Diltiazem, Nifedipina, Bosentano, Riociguat, Di-hidroergotamina, Ergonovina, Ergotamina, Metilergonovina, Cisaprida, Hipericão, Atorvastatina, Fluvastatina, Lovastatina, Pravastatina, Rosuvastatina, Sinvastatina, Etinilestradiol, Ciclosporina, Tacrolímus, Everolímus, Lomitapida, Avanafil, Sildenafil, Tadalafil, Vardenafil, Clorazepato, Diazepam, Estazolam, Flurazepam, Midazolam, Triazolam, Petidina, Metabolito da norpetidina, Alprazolam, Buspirona, Zolpidem, Bupropiom, Propionato de fluticasona, Budesonida, Triamcinolona, Dexametasona, Prednisolona e Levotiroxina.

    Venha o Doutor Filipe Froes dizer-nos quantos medicamentos com consumo em ambulatório têm tamanha quantidade de contra-indicações. E venha dizer-nos ele – na verdade, deveria ser o Infarmed, ou a DGS, ou melhor mesmo a ministra da Saúde, Marta Temido – quem prescreverá estes fármacos pagos a preço de ouro pelo Estado (porque vai ser o Estado a pagar), quem os avia, quem confere se os doentes não estão a tomar quaisquer daqueles medicamentos com possíveis interações graves.

    Ah, já agora, atenção: o RCM do Paxlovid diz que os atrás referidos medicamentos listados “servem de referência e não são considerados uma lista exaustiva de todos os possíveis medicamentos que são contraindicados ou que podem interagir” (sic) com o Plaxovid. Mas que interessa isso ao Doutor Filipe Froes?

    Dele, do Doutor Filipe Froes, só ouviremos loas e ditirambos, hosanas e panegíricos em honra das supostas benesses de antivrais e anticorpos monoclonais para uso extensivo – como previsto na norma da DGS – em “doentes” com sintomas leves ou moderados.

    girl covering her face with both hands

    Qual a razão de tamanha pressa na compra de fármacos que arriscam a dar mais problemas do que vantagens, quando nem sequer se permitiu ainda realizar estudos carcinogénicos nem sobre a gravidez nem sobre a fertilidade nem sobre muitos outros aspectos vitais.

    Mesmo sendo escrito pela própria farmacêutica, a leitura do RCM do Paxlovid – mesmo dizendo pouco – mostra bem, aliás, como a prudência é deitada às malvas por pessoas como o Doutor Filipe Froes. Por exemplo, lá se escreve que “não existem dados sobre a utilização de Paxlovid em mulheres grávidas”, pelo que se recomenda que “as mulheres com potencial para engravidar devem evitar engravidar durante o tratamento com Paxlovid e, como medida de precaução, durante 7 dias após a conclusão da terapêutica com Paxlovid”. Contudo, mais adiante acrescenta-se que um dos fármacos que integram o Paxlovid (ritonavir) “poderá reduzir a eficácia de contraceptivos hormonais combinados”. Se isto não fosse grave, seria cómico.

    Enfim, por vezes me pergunto, muitas vezes, perante médicos como o Doutor Filipe Froes: o que os move?

    Os princípios de Hipócrates não são, certamente. E se ele os invoca – em vão –, então a sua atitude entra, clara e etiologicamente falando, na esfera da Hipocrisia. Temos um Hipócrita que todos os dias “mata” Hipócrates.

  • Dos ‘macacos’ da Direcção-Geral da Saúde

    Dos ‘macacos’ da Direcção-Geral da Saúde


    Começou este mês. Recebo no dia 1 de Maio, o primeiro comunicado de imprensa da Direcção-Geral da Saúde (DGS) sobre os casos positivos da “varíola dos macacos” – ou monkeypox – uma doença endémica em certas regiões do continente africano, mas rara na Europa. A doença, sabe-se, é de difícil transmissão e, por regra benigna. Está longe de ser um problema premente de saúde pública.

    Porém, a DGS – provavelmente já para testar a nossa participação no projecto-piloto da Organização de Saúde no âmbito do Universal Health and Preparedness Review (UHPR) – tem estado a transformar este evento numa operação de criação de alarme, alimentando a imprensa com “actualizações” diárias. O objectivo é claro: fornecer “combustível” para criar pânico.

    Só esta semana, a DGS enviou para a imprensa cinco comunicados sobre o monkeypox.

    brown coated monkey on branch

    Sobre outro qualquer assunto de Saúde Pública, nada.

    Nada sobre as consequências dos atrasos nos rastreios de cancros.

    Nada sobre os ataques cardíacos.

    Nada sobre os casos de AVC.

    Nada sobre a tuberculose.

    Nada sobre as infecções do aparelho respiratório não-covid e, muito menos, sobre uma infindável quantidade de doenças infecciosas e parasitárias com letalidade superior à causada pelo SARS-CoV-2.

    Nada sobre os doentes que não conseguem ter médico de família.

    Nada sobre o facto de não se conseguir já marcações online de consultas.

    Nada mais. Deve chegar hoje ainda, ao final da tarde, um novo update sobre a covid-19, mas de resto, esta semana só saiu monkeypox do gabinete de imprensa da senhora directora-geral Graça Freitas.

    E o que são esses comunicados sobre o monkeypox?

    Bem, o de segunda-feira passada dizia que havia 37 casos, mais 14 do que três dias antes.

    O de terça-feira apontava 39 casos, mais 2 do que no dia anterior.

    Graça Freitas, directora-geral da Saúde.

    Quarta-feira seguia nos 49 casos, mais 10 do que no dia anterior.

    Quinta-feira lá estávamos nos 58 casos, mais 9 do que no dia anterior.

    E, por fim, hoje, 74 casos, mais 16 do que no dia anterior.

    Tudo isto, assim, para uma doença que não matou sequer alguém. Em média, garanto-vos, há mais casos detectados de tuberculose, que felizmente é doença bem mais rara do que no passado, mas ainda bastante mortal.

    Enquanto andamos nisto, e após um excedente de mortalidade de cerca de 20% nos últimos dois anos, a doutora Graça Freitas, mais a doutora Marta Temido, e mais ainda o doutor António Costa, nada dizem sobre a actual situação de Saúde Pública em Portugal. Em Maio (até ao dia 25), a mortalidade por todas as causas está em níveis absurdos: 14% acima do período homólogo de 2020-2021 e 18% acima da média do período homólogo dos cinco anos anteriores à pandemia (2015-2019).

    Sobre isto nem um piu se ouve da DGS ou do Ministério da Saúde ou do Governo. E da imprensa mainstream, que anda há muito anestesiada.

    Como já não têm cara para culpar a pandemia – afinal como podemos estar a falhar se “nós já ganhámos a este vírus”, como nos afiançou o putativo candidato a Belém, o almirante Gouveia e Melo, em Setembro passado –, inventam agora uma manobra de diversão.

    Entretêm-nos com “macacadas”, enquanto a “casa arde”.