Etiqueta: Pedro Almeida Vieira

  • Jogos de luz e sombra

    Jogos de luz e sombra

    Título

    Uma brancura luminosa

    Autor

    JON FOSSE (tradução: Liliete Martins)

    Editora

    Cavalo de Ferro (Fevereiro de 2024)

    Cotação

    17/20

    Recensão

    Embora já (bem) reconhecido em Portugal antes de ser laureado com o Prémio Nobel da Literatura, um leitor desatento (ou com pouco tempo) tem nesta novela de Jon Fosse uma oportunidade de ouro para se introduzir na obra (e mente) deste ‘estranho’ escritor que usa  Nynorsk, o padrão menos usado do norueguês.

    Conhecido pela sua prosa minimalista e pelas suas obras de dramaturgia repletos de pausas, silêncios e repetições, Jon Fosse construiu em ‘Uma brancura luminosa’ – a opção da editora na ‘Kviitleik, que significa ‘Jogo de Luz’ – uma atmosfera abstracta mas meditativa a partir de um absurdo: um homem, que conduz sem destino, fica atolado e busca ajuda pela escuridão até encontrar uma ‘luz’.

    Numa prosa onde leitor entra também num espaço onde a luz e a sombra – tanto literal quanto metaforicamente – se entrelaçam, o resultado é uma escrita que, em simultâneo, revela e oculta, com frases ecoando de forma circular, voltando a emergir com ligeiras variações, como ondas, transmitindo, por vezes, um efeito quase hipnótico, meditativo, tornando-se assim numa experiência sensorial e emocional.

    Ao contrário das suas obras anteriores, os personagens tornam-se quase inexistentes, no sentido da sua relevância narrativa, funcionando mais como vozes, fragmentos de pensamento e de emoção, aparentando uma intenção de se captar somente a essência daquilo que significa estar vivo, num mundo onde o tempo e a memória se desvanecem de forma imperceptível.

    Apesar da característica técnica da repetição, uma das marcas de Fosse, nada se mostra redundante; cada iteração carrega uma nuance emocional ou simbólica diferente. Em alguns momentos, a repetição gera uma sensação de claustrofobia, como se as palavras e as ideias estivessem presas num ciclo eterno, numa cadência musical, que quase convida a meditações zen, não fosse a claustrofobia do escuro.

    Assim, num mundo literário cada vez mais focado em histórias rápidas e acessíveis, Fosse oferece uma alternativa rara e preciosa em apenas 54 páginas: a literatura como experiência espiritual, como reflexão existencial, como arte. 

  • Destino e livre-arbítrio, humor e tragédia humana

    Destino e livre-arbítrio, humor e tragédia humana

    Título

    Jacques e o seu amo

    Autor

    MILAN KUNDERA  (tradução: Teresa Curvelo)

    Editora

    Dom Quixote (Julho de 2024)

    Cotação

    18/20

    Recensão

    Duas das grandes virtudes das reedições, sobretudo quando passados já longos anos da primícia edição, é de não permitir aos mais velhos, recordando-os, corrigir o erro de terem deixado escapar sem leitura uma determinada obra, e em simultâneo dá-la a conhecer a quem não era nascido ou andava por outras andanças.

    Bastaria isso, e todas as reedições mais recentes de Milan Kundera, o grande escritor checo e Prémio Nobel da Literatura falecido no ano passado, pela Dom Quixote seria alvo de elogios. Mas talvez mais ainda se deva agradecer à editora não estar a esquecer-se das pequenas obras (de pequena) dimensão, como já foi o caso, no ano passado, de Um Ocidente sequestrados ou a Tragédia da Europa Central – com textos escritos em dois fôlegos, um em 1967, outro em 1983 – e agora com Jacques e o seu amo, uma peça de teatro, publicada originalmente em 1981, mas que é mais que uma simples obra de dramaturgia.

    Ora, no caso deste Jacques e o seu amo, eram já conhecidas diversas edições, incluindo de grupos de teatro (que já encenaram esta peça), mas todas nos anos 90 do século passado. A reedição mais recente, a quarta da Asa – agora integrada no Grupo Leya –, já com a tradução de Teresa Curvelo, já é do longínquo ano de 2005. Por isso, em boa hora esta ‘ressurreição’.

    Sendo sobretudo uma homenagem e uma reinterpretação de um clássico de Denis Diderot, Jacques, o Fatalista e o seu amo – disponível em formato de bolso numa edição da Tinta da China, com tradução e prefácio de Pedro Tamen e Eduardo Prato Coelho, respectivamente –, esta peça de teatro não apenas tem o cunho de nos divertir e nos levar a reflectir.

    Explorando os temas do fatalismo, da liberdade e da natureza do acaso. Há ne4ste encontro duas visões: Jacques, o servo, acredita firmemente que tudo o que acontece está predestinado, enquanto seu amo mantém uma visão mais céptica, mesmo perante situações análogas. Essa tensão entre destino e livre-arbítrio é um reflexo das condições existenciais que Kundera viria no seu próprio tempo. E o universo de Kundera está sempre pressente: tema do amor é constantemente revisitado, com uma abordagem oscilando entre o cómico e o trágico, um reflexo das relações humanas.

    Além de ser, pela forma como recria Diderot, uma celebração da liberdade narrativa e da inventividade literária do século XVIII – por vezes menorizada, mas que atinge um píncaro não apenas com o homenageado, mas sobretudo com Laurence Sterne, bem referenciado e apontado por Kundera no magnífico prefácio – trespassa nos diálogos uma mordaz análise às condições sociais e políticas.

    Mesmo não se tendo lido – e nem se assinala como obrigatória a obra de partida de Diderot –, diga-se que a peça de Kundera mantém a estrutura clássica dialógica e episódica de Jacques, o Fatalista e o seu amo, sendo interrompida por narrativas paralelas e digressões filosóficas com tiradas humorísticas. No entanto, Kundera também se adiciona uma camada metatextual, explorando mesmo as relações entre o autor, as suas personagens e o público, permitindo também uma reflexão sobre a liberdade artística e a censura. A obra acaba assim por ser, de igual modo, uma celebração da narrativa fragmentada e da complexidade do discurso humano, reconhecendo-se o estilo literário de Kundera, mais conhecido pelo magistral A insustentável leveza do ser (1983) e por O livro dos amores risíveis (1969, contos) e por O livro do riso e do esquecimento (1978).

    O prefácio – ou introdução a uma variação –, com data Julho de 1981 é de leitura obrigatória, sobretudo por não ser datado. Além de notas interessantíssimas sobre literatura – e a sua ‘análise’ em torno de Diderot, de Tristram Shandy, de Laurence Sterne, e da literatura russa –, é a visão que mostra sobre a o impacte também psicológico de uma invasão, como a da Rússia à Checoslováquia em 1968, que se mostra, e mostrará sempre, de grande actualidade.

  • O prenúncio do primeiro homicídio

    O prenúncio do primeiro homicídio

    ― Porque estás zangado e de rosto abatido?

    ― Senhor, todos os dias me levanto de madrugada para cavar, fresar, esmigalhar, plantar ou semear, sachar, raspar, amontoar, regar, colher, acarretar e, sei eu, e vós também, o que mais… Tudo isto faço, quer sob o sol inclemente quer sob a impedieosa chuva.

    ― Cuidado, rapaz… A chuva e o sol são criações minhas…

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    ― E também o jardim no Éden, que Vós concebestes sem enxadas nem enxertias. Imagino que Vos bastou um estalar de dedos… E depois de terdes mostrado o paraíso a meus pais, expulsaste-os, destinando-nos a estas terras, que amaldiçoastes, e de que só à custa de penoso trabalho, todos os dias das nossas vidas, conseguimos arrancar parco alimento.

    ― Não sejas insolente! Os teus pais transgrediram. Dei-lhes a vida, dei-lhes tudo para viverem sem esforço, apenas sob a condição de não comerem do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Violaram essa única regra. Eu até fui misericordioso, porque os ameaçara com a morte.

    ― Morte?! O que é isso?! Nunca vi tal bicho?

    ― Não é nenhum bicho, rapaz. Morte é o que sucede aos seres vivos quando por mim são chamados para a terra de onde foram tirados.

    ― Na terra ando já eu, desde que o sol nasce até fugir do horizonte. Bem que me queria tirar daqui…

    ― Irra! Estou bem fornido contigo. Eu deveria ter desconfiado da minha ideia em deixar os humanos se reproduzirem por si próprios, pela fornicação. Não deu bom resultado!… No Éden ficou a árvore da Vida, rapaz. Se os humanos comessem do seu fruto viveriam para sempre. Assim, sem isso, serão atingidos pela morte lá para os oitocentos ou novecentos anos, conforme me aprouver, caso a caso. A vossa vida cessa como a dos outros animais. Deixam de respirar, o coração pára os movimentos, ficam estáticos, os animais vos devoram, os insectos vos chupam, os fungos vos decompõem e os microorganismos vos desintegram até nada mais sobrar que nutrientes misturando-se na terra de onde eu formei teu pai…

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    ― Não estou a entender nada… Sei apenas que meus pais comeram uma certa fruta no jardim, e que deu nisto… Mas eles não falam muito disto, a mim e ao meu irmão. Dizem que a culpa foi de um animal rastejante… Serpente, penso ser esse o nome. Poderíeis ter sido condescendente e apenas castigar o raio da besta do animal. Ou ter-lhe tirado a língua, quando o criaste, para que não falasse com minha mãe. Ou, melhor ainda, não o terdes deixado entrar no Éden… 

    ― Rapaz, pensas demais e mal, e isso leva-te ao pecado. Cuidado, ele tem muita inclinação para ti, mas deves dominá-lo.

    ― Inclinado ando eu todos os meus dias, na labuta da terra. E nem um sorriso levei de agrado quando ontem Vos fiz uma oferta de frutos da terra. Escolhi para Vós os mais viçosos pimentos verdes da minha horta… Ao invés, só tivestes olhos para aquele carneiro mal morto, cheio de banhas, entregue pelo meu irmão. Ainda por cima, ele fez uma fogueira e deixou aquilo esturricar-se tudo!

    ― Desgraçado. Não entendeste mesmo! As oferendas devem ser-me feitas sempre em holocausto, rapaz. É a mais nobre, diria a única, forma de me honrar e agradar desde o tempo dos tempos.

    ― E como eu haveria de imaginar isso, se somos os primeiros humanos e nunca nos orientaste para o melhor proceder?…

    ― O teu irmão, de bom coração, intuiu o meu gosto…

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    ― Pois, pois… Fartou-se de se pavonear por o elogiares, o fedelho; E logo a mim, que lhe tomo a primazia na idade. Fiquei-lhe com uma fúria…

    ― Acalma a tua raiva. Vai chamar o Abel, e ele que te leve ao campo para mostrar como se faz um bom holocausto…

    ― E queres que eu asse os meus pimentos?!

    ― Sim!… Mas, olha, Caim: junta-lhe umas sardinhas!


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  • Coisa

    Coisa

    Nenhuma outra coisa se afigura mais obscura ao génio e simultaneamente mais clara ao néscio do que a natureza das coisas. Sendo tudo e nada, tocando o corpóreo e o incorpóreo, tangendo o incognoscível e o sabido, tratando do desmesurado infinito e do imensurável infinitésimo, tropeçando no inanimado e no animado, e transcorrendo o nominado e o inominado – que, em abono da verdade, podem ser a mesma coisa, dependendo do conhecimento das coisas que cada um detém –; repito de novo: e transcorrendo o nominado e o inominado, dissertar sobre coisas pode resultar em tratado de epistemologia, ou simplesmente redundar em sudário de imbecilidades. Sai sempre uma das duas coisas.

    Fina e ténue é a fronteira entre uma coisa e uma outra. Temo, assim, que, por ausência de aptidão, por falhas de preparação, e por inabilidades de volição, abrolhe deste texto coisas sem jeito, triste desenlace para quem, em seu íntimo, até almejava coisa grande, nada menos que coisa maior que Da Natureza das Coisas, do filósofo romano Tito Lucrécio Caro – ou, para dar ares de coisa grandíloqua, do autor do poema De Rerum Natura, que isto de escrever em latim é outra coisa.

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    Antevejo que escrevendo eu assim todas estas coisas sem conta, pensareis, talvez com razão, que me deu coisa má, que já não digo coisa com coisa, e que, enfim, este texto não é lá grande coisa. E, de facto, não estou bem em mim, que ontem sucederam-me coisas do arco-da-velha, que desconfio terem sido coisas do coisa-ruim. Apenas vos digo que se me ficaram bem pretas as coisas, e só depois de obrar coisas e loisas consegui escafeder-me do demo.

    Portanto, não tive sezão para melhor endireitar a coisa, ou seja, compor um decente texto. E, por isso, se desprazimento aqui vos trago, desculpai qualquer coisinha. Ou então, parafraseando Machado de Assis nos prolegómenos de Memórias Póstumas de Brás Cubas, se esta coisa não te agradar, fino leitor, talvez seja melhor te pagar “com um piparote, e adeus”. Ou coisa e tal.


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  • O tradutor, criador ou traidor?

    O tradutor, criador ou traidor?

    Título

    Miséria e esplendor da tradução

    Autor

    JOSÉ ORTEGA Y GASSET (tradução: Pedro Ventura)

    Editora (Edição)

    Guerra & Paz (Janeiro de 2024)

    Cotação

    19/20

    Recensão

    Pelo menos até ao século XVIII, a tarefa da tradução foi altamente elogiada, porque se considerava que se o escritor tinha completa liberdade criativa, o tradutor sofria as amarras do escrito (impostas pelo escritor), exigindo-se que fizesse mais do que substituir as palavras de um para outro idioma. E isso era mais do que um trabalho. Era, e é, efectivamente, uma arte maior.

    Miséria e esplendor da tradução, obra seminal do espanhol José Ortega y Gasset, originalmente publicada em 1937 num diário de Buenos Aires, enquanto ainda estava exilado na França, mergulha na complexidade e nuances do acto de traduzir, mas não vai, longe disso, pela parte técnica, mas sim filosófica e até humanista. É obra para todos os amantes das línguas e da linguagem. E lê-se de um fôlego.

    Contrariando a visão da tradução como uma mera tarefa mecânica, Ortega y Gasset defende, como esplendor, a interpretação e recriação do texto original, mas que se pode transformar – ou traduzir – numa traição (traduttore, traditor) ao escrito original, se na nova língua não forem consideradas as particularidades culturais, históricas e contextuais envolvidas.

    Um dos conceitos-chave discutidos por Ortega y Gasset é o da capacidade fundamental de todas as línguas serem capazes de serem (bem) transpostas noutro idioma, negando a visão tradicional de que algumas línguas são intraduzíveis ou que a tradução inevitavelmente resulta em perda de significado. E isso porque, embora as línguas possam diferir no seu vocabulário e estrutura, comungam uma essência permite a compreensão mútua entre diferentes culturas.

    Contudo, para que tal seja feito com sucesso, Ortega y Gasset explora no seu texto a relação entre tradução e criatividade, envolvendo escolhas estilísticas e interpretativas, de modo a ser transmitido ao destinatário da obra traduzida  algo que seja compreendido face à suas sensibilidades e aspectos culturais.

    Em todo o caso, a ‘radical tradutibilidade’ nem sempre é uma realidade prática, sobretudo quando se trata de expressões idiomática, trocadilhos e conceitos culturais específicos. Ortega y Gasset fornece exemplos curiosos: “Face à nossa paupérrima classificação dos nomes em masculinos, femininos e neutros, os povos africanos que falam as línguas bantas apresentam outra riquíssima: uma destas, há vinte e quatro signos classificadores – quer dizer, frente aos nossos três géneros, nada menos que duas dúzias. As coisas que se movem, por exemplo, são diferenciadas das inertes, o vegetal do animal, etc. Onde uma língua mal estabelece distinções, outra exibe uma exuberante diferenciação. Em jeje há trinta e três palavras para expressar outras tantas formas diferentes do andar humano, do ‘ir’. Em árabe, existem cinco mil setecentos e catorze nomes para o camelo” (pg. 46-47).

    Por esse motivo, mais do que um ser invisível e transparente – que, na maior parte das obras surge, se tanto, na ficha técnica –, Ortega y Gasset defende a figura do tradutor como um intérprete e criador, que deve ser destacado na obra.

    Por isso, de uma forma muito apropriada, e coerente, a Guerra e Paz – que é a primeira editora portuguesa a publicar o ensaio de Ortega y Gasset em Portugal – identifica Pedro Ventura como tradutor (e introdutor) logo na capa.

  • OBRIGADO aos nossos leitores. MUITO OBRIGADO aos 541 leitores que nos financiam

    OBRIGADO aos nossos leitores. MUITO OBRIGADO aos 541 leitores que nos financiam


    Para o PÁGINA UM todos os meses são cruciais. Ainda há dias fizemos 25 meses de existência, e sentimos que temos uma obrigação moral de dizer OBRIGADO aos nossos leitores que nos acompanham e estimulam a fazer um jornal de acesso livre. E também um MUITO OBRIGADO aquele grupo (crescente) dos leitores que, contrariando a falaciosa ideia de o trabalho jornalístico necessitar de promíscuas parcerias comerciais para sobreviver, nos têm apoiado financeiramente.

    Em Dezembro do ano passado, o PÁGINA UM foi ‘escrito’ (leia-se, apoiado) por 478 leitores. No mês passado, em Janeiro, com novo apelo, chegámos aos 541 leitores a conceder-nos apoio financeiro.

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    O crescimento do PÁGINA UM faz-se através dos leitores, mas também sabemos que o ‘incentivo’ tem de partir de nós, que necessitamos de ‘provar’ que fazemos um jornalismo independente, e que merecemos a confiança dos leitores. Queremos, em cada dia, que nos vejam como uma suficientemente credível para nos concederem recursos para fazer mais.

    E se no mês passado já fizemos mais, este mês faremos ainda mais.

    Em Janeiro, passámos a contar com mais colunistas, que se juntaram aos que já tínhamos. Destaco aqui o Manuel Matos Monteiro, a Sara Battesti (com as suas análises semanais aos cartazes políticos), o Ruy Otero e o Bruno Cecílio. Daqui também sairá em breve mais novidades com ‘movimento’ e muita crítica.

    Mas este mês vamos dedicar uma especial atenção às eleições e à actividade política. Como anunciámos no passado dia 22, estamos a preparar a Hora Política. Pela primeira vez, pelo menos nos últimos 30 anos, o PÁGINA UM será o primeiro órgão de comunicação social português a querer ouvir, em é de igualdade, os líderes dos 24 partidos inscritos no Tribunal Constitucional. As entrevistas – daqueles que aceitarem (sendo que este será também um teste ao nível de ‘democraticidade’ dos partidos) –, conduzidas sempre pela jornalista Elisabete Tavares, começarão a ser divulgadas, por ordem crescente de antiguidade, a partir do dia 12 de Fevereiro, com a Nova Direita, e estender-se-ão até 6 de Março, com o Partido Comunista Português.

    Silver and Black Dynamic Metal Microphone

    Neste momento, já foram gravadas sete entrevistas, duas das quais com partidos com actual assento parlamentar, estando já agendadas outras para as próximas semanas.

    Em paralelo, a Hora Política terá ainda uma rubrica em podcast com a participação do jornalista Frederico Duarte Carvalho, onde se conversará sobre as eleições passadas em regime democrático, desde a primeira em 25 de Abril de 1975, para formar a Assembleia Constituinte. Ainda estamos em fase de gravação, mas contem com pelo menos uma dezena e meia de boas conversas que vamos colocando ao longo deste mês.

    E de resto, continuaremos a ser o mesmo jornal que temos habituado os nossos leitores, fazendo investigações incómodas e abordando temas que os outros se esquecessem ou se fazem esquecidos.

    Uma coisa posso garantir aos nossos leitores: gostávamos de fazer ainda muito mais. Mesmo muito mais. Mas para isso precisamos de dar mais passos, com os nossos leitores, garantindo a nossa sustentabilidade financeira. Para formar uma equipa com mais jornalistas independentes em condições salariais adequadas. Desejamos chegar, ainda este ano, aos 1.000 leitores apoiantes, e seguir em frente. No mês passado tivemos um crescimento de 63 apoiantes, embora estejamos ainda a pouco mais de meio caminho. E, por isso, o mês de Fevereiro, como todos, será para o PÁGINA UM o continuar de uma viagem desafiante.


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  • A ‘Censura do Bem’ é a pior das censuras

    A ‘Censura do Bem’ é a pior das censuras


    O Público – e falo do Público, porque fez ontem um trabalho sobre esta matéria – e outros órgãos de comunicação social ‘mainstream’ andam muito entusiasmados com a possibilidade de os ‘gigantes digitais’ combaterem a denominada ‘desinformação’ durante os actos eleitorais deste ano.

    Contas feitas, ao longo de 2024 haverá mais de 80 países a irem às urnas, incluindo os Estados Unidos, o Reino Unido, a Rússia, a Ucrânia, a Índia e, claro, Portugal. Estão ‘todos’ – não sei bem quem são os ‘todos’, mas encabeçados pelos directores dos media ‘mainstream’ – preocupados com os malefícios da ‘desinformação’ nas campanhas políticas, como se o Mundo só agora tivesse descoberto a existência de mentiras, de manipulações, de promessas faraónicas feitas por certos políticos. Eu, sinceramente, pensava que sempre foi assim e por todos quadrantes. Neste frenesi, Otto von Bismarck deve estar a rir-se na sua sepultura em Friedrichsruh – isto se não for, hélas, uma mentira a frase que lhe atribuem: “nunca se mente tanto como antes de umas eleições, durante as guerras e depois das caçadas”.

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    Sabemos bem, pela amostra dos últimos anos, como os ‘gigantes digitais’ actuam, e a forma tentacular com que seduzem e envolvem os media ‘mainstream’ (que aceitam a ‘linha’ directora adoçada com financiamentos para supostos ‘fact checkings’), catalogando e tratando a ‘desinformação’ com critérios do poder. A verdade, em tristes épocas, sempre se impôs pelo poder, em vencer em vez de convencer. Antes, e num sistema verdadeiramente democrático, quando a credibilidade da imprensa valia por si, a verdade sobrepunha-se à mentira através do debate e sobretudo do papel intermediador dos jornalistas. E da pluralidade de opinião. Acabava por ser premiada, pelos leitores, a imprensa que ‘dizia’ a verdade; e penalizada a que mentia.

    Agora, não! Tudo mudou. Agora, são os ‘gigantes tecnológicos’ que determinam a ‘verdade’, através de algoritmos comandados e manipulados à distância por ‘entes’ absolutamente nada democráticos (inalcançáveis e não-identificáveis), mas seguindo uma ‘narrativa’, determinando-se à priori se algo é verídico ou não, se algo é aceitável ou não, se algo é censurável ou não. Vimos isso na pandemia, onde, por exemplo, eu e muitos – e muitos com Ciência feita de décadas – fomos censurados por dá cá esta palha, sem apelo nem agravo.

    Tão fácil que foi então, e agora continua a ser, rotular, catalogar, censurar. Se o Facebook bloqueava, era porque se era negacionista, lunático, chalupa. Ainda hoje, por exemplo, a minha conta do Facebook está condicionada por ter divulgado notícias do PÁGINA UM baseadas em artigos científicos de revistas científicas com peer review. Julgo que o ‘castigo’ terminará em Março, pelo que talvez consiga, depois disto, ultrapassar as agora 20 ou 30 reacções por post. Nunca houve sequer oportunidade de apelação. Os ‘gigantes digitais’ são inalcançáveis.

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    E vimos isso, depois da pandemia, na invasão da Rússia à Ucrânia, onde também se permitiu a imposição de uma absurda censura aos órgãos de comunicação social russos, como se a Comissão Europeia se achasse detentora de um mandato paternalista considerando-nos inaptos por ineptos em distinguir a verdade da mentira, os factos da ficção.

    E vimos isso agora nas represálias de Israel à Faixa de Gaza, onde se ‘declarou’ como dogma que qualquer crítica aos israelitas será um discurso anti-semita e qualquer atitude de compaixão sobre os palestinianos passaria a ser considerada uma apologia ao terrorismo.

    E vemos agora em todas as questões fracturantes (e.g., alterações climáticas, migrações, género, etc.), onde quem quer fracturar deseja partir literalmente os seus opositores, promovendo medidas de cancelamento, de ostracismo, de silenciamento, de perseguição – e isto enquanto batem no peito clamando as virtudes da democracia. Mesmo os artistas, agora já nem podem ser subversivos, provocadores, imperfeitos, de contrário perdem o sustento.

    Por isso, quando vejo o entusiasmo da imprensa ‘mainstream’, da qual o Publico é um flagrante expoente nacional, congratulando-se orgasticamente pela intervenção censória dos ‘gigantes digitais’, identificando, desde logo a ‘desinformação’ como sinónimo (ou somente proveniente) do Trump, da extrema-direita e da Rússia, assusto-me com o triste caminho que estamos a trilhar.

    Silver and Black Dynamic Metal Microphone

    A simplificação da origem da ‘desinformação’ tem um propósito: não é apenas calar (pela pior forma) opositores (mesmo que sejam pouco recomendáveis, como a extrema-direita ou regimes não-democráticos como a Rússia), mas validar como ‘verdades’ todas as mentiras, todas as manipulações, todas as promessas não cumpridas, todos os actos de corrupção moral e material dos políticos ‘mainstream’.

    Fazer esquecer, aliás, que foram eles, os políticos ‘mainstream’, com os seus actos e omissões. ‘benzidos’ por uma imprensa comprometida e vendida, que deixou de ser o ‘watchdog’ dos cidadãos, que ‘empurraram’ uma cada vez maior franja da população portuguesa (e ocidental) para os braços dos partidos populistas, antissistema e até de extrema-direita. Os europeus (e os portugueses incluídos) não se tornaram de repente fascistas: estão é fartos dos políticos que usurparam a expressão ‘partidos democráticos’. E começam também a estar fartos de uma imprensa que acha bem uma ‘Censura do Bem’.

    A ‘fúria’ em combater a ‘desinformação’ dos ‘outros’ com o borrão da censura, passando uma esponja pelas próprias mentiras, não é um acto democrático; é o acto próprio de uma ditadura. É um acto que deve ser denunciado pela Imprensa, nunca apoiado. É um ultraje aos princípios do Jornalismo achar que há ‘Censura do Bem’, ainda mais por ‘gigantes digitais’ que janelas opacas.

    Convençam-se: permitir ‘regulação’ através de ‘gigantes digitais’ não é regulação: é uma ditadura. Não se substitui o papel de uma Justiça lenta e coxa através de empresas que ‘silenciam’ carregando num botão. Isso é uma ditadura mesmo que supostamente esteja imbuída de santos princípios.

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    Convençam-se: não há ‘Censura do Bem’. Não há ‘Ditaduras do Bem’. Uma ditadura é uma ditadura – sempre será má. E sobretudo quando apadrinhada, como anda a suceder, pela própria imprensa ‘mainstream’.

    Convençam-se: a ‘desinformação’ combate-se sim com (boa) educação, (boa) formação e (boa) informação, para melhorarmos o entendimento das coisas por parte das pessoas, sem doutrinamentos nem dogmatismos; não se combate recorrendo à censura. E ver certa imprensa explicitamente a apoiar qualquer forma de censura faz-me dar voltas ao estômago. Por isso, camaradas jornalistas, preocupem-se, sim, em dar boa informação; apenas isso. E vigiem sim Governos e ‘gigantes digitais’. Já não será pouco. É muito – é, aliás, uma fundamental razão da existência do Jornalismo.


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  • Fragmentos que estilhaçam uma obra

    Fragmentos que estilhaçam uma obra

    Título

    As botas de Mussolini

    Autora

    GONÇALO M. TAVARES

    Editora (Edição)

    Relógio d’Água (Novembro de 2023)

    Cotação

    13/20

    Recensão

    Gonçalo M. Tavares é, talvez a grande distância, o mais talentoso escritor da sua geração, o que me coloca aqui numa posição delicada, por sermos praticamente da mesma idade e eu possuir uma modestíssima bibliografia (quatro romances e uns pares de ensaios) em comparação com a sua profusa obra, vastamente premiada e traduzida, transversal a todos os estilos.

    Mas para este caso, pouco importa. Uma obra vale por si, e não pelo passado do seu autor. E, nessa medida, pode afirmar-se que, sendo evidente, em muitas das suas obras, tanto em romances como em ensaios e contos, Gonçalo M. Tavares se apresenta ser sublime, sucede em outros casos (demasiados, e mesmo que poucos fossem, para que um escritor seja genial, como ele poderá ser) que a leitura dos seus textos se mostra desconcertante. E diz-se desconcertante, porque o non sense impera e supera o experimentalismo e mesmo a reconstrução de estilos.   

    Se na última obra que lera de Gonçalo M. Tavares, O diabo, romance sobre o qual se fez uma recensão, já sobressaíam alguns desequilíbrios que manchavam o seu conjunto, neste As botas de Mussolini há talvez um ‘hiper-aproveitamento’ da sua produção. Aparentemente, Gonçalo M. Tavares acha que deve publicar tudo o que produz, e decide fazê-lo; neste caso, parece-me que abusou.

    O ponto de partida desta obra – que aparentemente inicia um conjunto de livros que integrará uma colecção denominada História Fragmentada do Mundo – é interessante: pegar em factos e personagens históricos, que percorrem os séculos, e resumi-los em curtos pensamentos, flashes, fragmentos. Começa aqui o primeiro problema: em muitos casos, só os entendidos (ou que pesquisem à posteriori) entendem aquilo que o autor quer alcançar, como aliás sucede no último texto (talvez o melhor) que dá o título a esta obra.

    Porém, em poucos ou nenhuns destes fragmentos, Gonçalo M. Tavares consegue convencer-nos de que aquilo que escreve tem beleza intrínseca, um estilo que vá para além de matraquear palavras (metálicas, apenas aqui e ali vibrantes), num determinado contexto histórico, mas que acrescentam pouco. Gonçalo M. Tavares ainda tenta, de forma artificiosa, convencer-nos a entrar no seu mundo, na sua cabeça – e sugere-se na contra-capa que esta “prosa sonoramente pensada e partida [é] para ser lida em voz semi-alta”. Mas em muitas partes, tudo saiu forçado.

    Por mais que tenha tentado – e procurado mesmo compreender a própria estrutura dos textos, elencados numa incompreensível versificação –, e até apreciado um ou outro aspecto biográfico focado em certos fragmentos –, esta obra não acrescenta absolutamente nada àquilo que Gonçalo M. Tavares já nos deu. Ao contrário, só desacrescenta. A avaliação surge assim como uma compensação à conta da sua (excelente) bibliografia.

  • Sondagens, ou como a imprensa procura não sei bem o quê: talvez o fim

    Sondagens, ou como a imprensa procura não sei bem o quê: talvez o fim


    Na semana passada, durante o Congresso dos Jornalistas, viram-se os ditos baterem muito no peito, e jurando que a Democracia ruiria sob os escombros do Jornalismo, se este, enfim, fosse deixado colapsar pelo Estado, já que os leitores, ouvintes e telespectadores parece não serem suficientes para lhes reconhecerem valor.

    E, de repente, olho hoje para (mais uma) daquelas ‘sondagens’ e ‘inquéritos’ que vai enxameando esta, repetindo outras, época pré-eleitoral. Neste caso, foi no Correio da Manhã, mas poderia ser noutros quaisquer, como no diário que anunciava que Medina sucedia em Medina, e em muitos outros que, depois de se envergonharem perante os leitores, e contribuírem para a manipulação dos incautos, ainda se questionam estupidamente.

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    Em todo o caso, há muito que não assistia a uma tão pesarosa ‘sondagem’, que, além de enviesada nas questões (mas nisto cada um mete as perguntas que quer), retira as mais absurdas conclusões em parangonas. Neste caso, hoje, saiu um: “Portugueses voltam a preferir maioria socialista”.

    Ora, mas a partir da ficha técnica deste Barómetro Intercampus, em letras muito miudinhas, boas para míopes, mas péssimas para a credibilidade da notícia e do jornalismo, vemos que só 62 pessoas disseram que gostavam, face a outras alternativas, que houvesse uma maioria absoluta do PS. Repito: 62!

    Mas isto foi suficiente para hoje o Correio da Manhã titular: “Portugueses voltam a preferir maioria socialista”. E isto num inquérito que tinha 9 alternativas, com uma amostra de 637 entrevistas e uma taxa de resposta de 62,9%. E esta alternativa foi a mais votada teve 15,4% das respostas: as tais 62 pessoas, se considerarmos que o famoso “Ns/Nr” (Não sabe / Não respondeu) não saiu mesmo ‘vitorioso’, pois arrecadou 22,3% dos ‘votos’. E isto sabendo que a segunda alternativa mais votada foi a de “um Governo AD aliada ao Chega”, que registou 13,7% das preferências da tal amostra de 637 entrevistas das quais só 62,9% responderam e, destes, 22,3% nem quiseram ou souberam responder. Contas feitas, foram 55 pessoas.

    A terceira alternativa – “uma maioria relativa do PS, sem fazer alianças e governar com apoios pontuais” – teve, contas feitas pelo mesmo processo, as respostas concretas de 46 pessoas.

    Portanto, é com esta ‘ciência’ que andamos a brincar ao jornalismo.

    Isto, repito, foi no Correio da Manhã, mas podia pegar noutra qualquer sondagem ‘martelada’ para retirar conclusões absurdas.

    A imprensa continua, dia a dia, a enterrar a sua credibilidade, procurando não sei bem o quê: talvez o fim.


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  • Jornalismo: ‘o meu reino não é deste mundo’

    Jornalismo: ‘o meu reino não é deste mundo’


    O V Congresso dos Jornalistas começou hoje. É um evento duplamente público: teve inscrições para jornalistas e não-jornalistas, realizando-se num espaço público (Cinema São Jorge, em Lisboa), pertencente à Câmara Municipal de Lisboa desde 2001.

    Não sendo minha intenção participar nos trabalhos deste congresso profissional, incluindo votar moções, muni-me do Estatuto dos Jornalistas onde se diz claramente que os jornalistas não podem ser impedidos de entrar ou permanecer em locais abertos ao público quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional. A comissão organizadora, presidida pelo jornalista da SIC Pedro Coelho, recusou conceder qualquer acreditação, exigindo um pagamento a título de inscrição.

    A posição do PÁGINA UM sobre esta matéria não se deve ao montante exigido pela Comissão Organizadora do V Congresso dos Jornalistas – 20 euros –, mas sim por uma questão de princípio.

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    O PÁGINA UM considera absurda a exigência de um qualquer pagamento, independentemente do valor, para a cobertura noticiosa de um evento de interesse público, porque isso viola o princípio sagrado do livre acesso às fontes de informação. Além de ser uma prática inédita em Portugal (a exigência de um pagamento prévio), é um absoluto absurdo que seja introduzida por jornalistas. É a própria classe jornalística que abre uma caixa de Pandora, de onde poderão sair os maiores abusos possíveis para obstaculizar o trabalho de jornalismo incómodo (uma redundância se o jornalismo for jornalismo).

    A deliberação da ERC, hoje conhecida, e solicitada pelo PÁGINA UM, é manifestamente ad hominem, no sentido de surgir de uma queixa de um órgão de comunicação social que lhe tem causada muitas arrelias –, ‘inventando’ argumentos (incluindo dizer que o Cinema São Jorge é um espaço privado, quando é da autarquia de Lisboa desde 2001) para agradar a uma ‘clique’ do Jornalismo lusitano que teve a ideia peregrina de exigir pagamento a jornalistas para fazerem cobertura noticiosa do seu evento. Tenho sérias dúvidas de que o regulador agiria da mesma forma se esta questão fosse suscitada por um órgão de comunicação social de grande dimensão.

    O meu interesse neste congresso não é pessoal, é exclusivamente jornalístico no sentido de cobertura noticiosa. Deixei de ponderar inscrever-me neste congresso – e, portanto, de dar o meu dinheiro a uma organização elitista, constituída por uma ‘clique de jornalistas’ que são o problema e não a solução para a actual crise na Imprensa – logo que ficou definido o programa, que omite duas questões relevantes: a crescente dificuldade de acesso livre aos documentos administrativos e à informação pública (de que o Estado tem sido o maior promotor) e a crescente promiscuidade do Jornalismo.

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    Aliás, como discutir este último tema num congresso onde a própria organização aceita apoio financeiro de 13 empresas e uma fundação que se encontram fora da esfera da comunicação social? O dinheiro de empresas como a Mota-Engil, a Brisa, a REN, a Fidelidade, o Santander, o Millenium BCP é apenas por ‘amor’ aos jornalistas? Ou será por ‘interesse’. Seja como for, ‘amor’ ou ‘interesse’ o simples imaginar o acto de ver Pedro Coelho a agradecer os euros entregues por estas empresas concede uma excelente explicação para a falta de reputação dos jornalistas na sociedade.

    Repito, o PÁGINA UM tinha a intenção de assistir aos debates sobre o financiamento dos órgãos de comunicação social, que, aliás, terá a presença de responsáveis editoriais (jornalistas), e não de administradores de empresas de media, e de deputados. Não o faremos. E acho que não perderemos demasiado. Em alternativa, continuaremos a analisar criticamente – uma redundância quando o Jornalismo quer mesmo ser Jornalismo – a situação da imprensa e dos seus actores, os jornalistas, a esmagadora maioria dos quais vivendo numa ‘bolha’.

    A continuarem assim, estes ditos jornalistas acordarão um dia no desemprego, ou de mão estendida para os políticos e os empresários lhes ‘salvarem’ o emprego (é apenas isso que os preocupa na actual crise), porque os leitores, esses, se divorciarão deles sem piedade. E eu não quero estar com eles nessa altura, tal como já não estou agora. O meu mundo não é, de facto, o deles, mesmo se (ainda) partilho a mesma denominação quando se classificam as profissões.


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