Etiqueta: Pedro Almeida Vieira

  • Filipe Froes, esse Grandessíssimo Cara-de-Pau

    Filipe Froes, esse Grandessíssimo Cara-de-Pau


    Este texto fez-se sozinho. Ou quase. Ou melhor dizendo, fez-se com citações ipsi verbis de uma palestra do pneumologista Filipe Froes no passado dia 23 de Outubro na Visão Fest – uma “feira de vaidades” da revista Visão, sempre com competentes patrocínios empresariais, nomeadamente da Janssen (tem de haver agora sempre uma farmacêutica), da Tabaqueira (que anda empenhada em vender saúde), da Delta Café (porque fica sempre bem um cafezinho), da McDonalds (que o fast food é uma boa dieta) e da EPAL (ter uma empresa pública a apoiar serve como bênção do Governo).

    Podia destacar o papel de nigromante de Filipe Froes – que também é –, ao anunciar que virá aí, no futuro, nova pandemia que será causada pelo “vírus influenza, sobretudo de origem aviária, talvez o H2; [ou por] um novo coronavírus; ou [por] um agente X, um micro-organismo que ainda não identificámos”.

    Filipe Froes, um dos médicos portugueses com mais ligações à indústria farmacêutica, mantém-se como consultor da DGS e com intenso palco mediático.

    Podia destacar o papel de vendilhão de Filipe Froes – que também é –, ao anunciar que “precisamos de um programa nacional para o long-covid”, porque vivemos um “pandemónio” depois da pandemia, sabendo-se que a sua amiga Pfizer anda a tentar convencer as autoridades norte-americanas a aprovarem o Paxlovid como panaceia (ou trapaceia) dessa nova condição de saúde, da qual potencialmente padecem os mais de 600 milhões de seres humanos que tiveram covid-19 e sobreviveram.

    Mas prefiro destacar o papel de grandessíssimo cara-de-pau de Filipe Froes – que sobretudo é –, através desta passagem integral da sua alocução, a partir do minuto 2:43, na dita Visão Fest. Atentem:

    É habitual nós falarmos – quando um médico é convidado para uma sessão destas –, que lhe é atribuído cerca de 20 minutos, apresentarmos os nossos conflitos de interesse. Nós nunca temos conflitos de interesses. Eu não tenho qualquer conflito de interesses. Mas eu pus este slide para vos mostrar que os principais conflitos de interesses são aqueles que muitas vezes não são revelados. E em Ciência há dois conflitos de interesses que são extremamente importantes, e que vão condicionar muito o futuro que nós vamos encontrar: são os chamados conflitos científicos. O primeiro conflito científico é o preconceito – isto vem numa revista médica. O conflito de interesses mais enraizado em Medicina é a dificuldade em reverter uma opinião prévia. Nós temos a nossa opinião, e tudo fazemos para encontrar aquilo que a gente procura para justificar a nossa opinião. E esse é o segundo conflito de interesses, também identificado por Stephen Hawking, que é ‘escolher as cerejas’, cherry-picking, que é eu escolho aquilo que me dá jeito e não mostro aquilo que põe em causa o que quero. E, portanto, estes é que são os conflitos de interesses mais frequentes em Ciência: o preconceito e a ‘escolha das cerejas’. E o que nós estamos a viver cada vez mais é uma pandemia que resulta destes dois conflitos de interesses, como eu vos vou mostrar.

    Filipe Froes apresentando um slide na sua apresentação na Visão Fest, onde revelou que “não tem conflitos de interesses”.

    Para contextualizar os mais distraídos, Filipe Froes recebeu 41.474 euros de farmacêuticas em 2020, mais 56.097 euros em 2021 e este ano vai já em 38.692 euros. Desde o início da pandemia contabiliza 136.263 euros de financiamentos de 15 distintas farmacêuticas, entre as quais a Pfizer, a Merck Sharp & Dohme, a AstraZeneca e a Gilead, todas com interesses comerciais muito directos no tratamento da covid-19, sendo que Froes integra a comissão da Direcção-Geral da Saúde que define as terapêuticas. Na última década, Froes recebeu 419.524 euros de 24 empresas farmacêuticas.

    A promiscuidade faz-se ao mais alto nível. Ao nível rasteiro da própria Ordem dos Médicos que, sendo uma mera associação privada, se tem arvorado de inquisidor-mor sobre a independência dos profissionais de saúde, ameaçando e cerceando opiniões divergentes. Froes é um peão feito torre, que agora assume a patética função de coordenador do Gabinete Estratégico para a Saúde Global, uma invenção do urologista Miguel Guimarães, circunstancial bastonário, criada ao arrepio dos colégios da especialidade deste outrora respeitável grémio.

    E perante isto ainda tem ele, Filipe Froes, o desplante de dizer que não possui conflitos de interesses, e de o dizer num encontro organizado por um (suposto) órgão de comunicação… E, ainda por cima, sabendo que lhe baterão palmas e lhe darão também palmadinhas nas costas, e convicto fica ele de novos convites per omnia saecula saeculorum, aproveitando a lábia de nigromante e de vendilhão; tudo isto com a mesmíssima cara-de-pau com que nos tem brindado nos últimos dois anos e meio. Haja paciência! E haja vergonha!

    P.S. Consta que, no próximo dia 7, Filipe Froes apresentará no Grémio Literário, um livro sobre a pandemia, “editado” por um conhecido Diário e “patrocinado” por uma farmacêutica, como convém. E tendo como convidado especial uma figura grada de alta patente militar que garantiu ter derrotado o vírus no ano passado. Nada de novo no “reino da Dinamarca”.

    Nota: A palestra integral de Filipe Froes na Visão Fest, enquanto estiver disponível, pode ser visionada aqui.

  • As contas de merceeiro do Polígrafo em prol da narrativa oficial

    As contas de merceeiro do Polígrafo em prol da narrativa oficial


    Na passada quinta-feira, o fact-checker (verificador de factos) Polígrafo, financiado a mais de 90% pelo Facebook, escrutinou como verdadeira a afirmação do primeiro-ministro António Costa de que “Portugal desde 2015 até 2019 cresceu em média 2,8% ao ano, sete vezes mais do que nos 16 anos anteriores“.

    Alcandorados a verdade oficial pelas redes sociais, os fact-checkers têm especiais responsabilidades, e, nessa medida, deviam munir-se de maiores talentos do que um simples lápis atrás da orelha e um papel pardo de embrulhar bacalhau, como antes faziam os merceeiros.

    No Polígrafo munem-se, para um caso desta natureza, de um licenciado em Jornalismo (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), pós-graduado em Direitos Humanos (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra) e mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais (Universidade Católica Portuguesa). E ainda de uma licenciada em Direito pela Universidade de Coimbra e pós-graduada em Direito da Comunicação na mesma institução.

    Podia bastar, mas não basta…

    Vemo-nos, por isso, obrigados a escrutinar, primeiro, os jornalistas do Polígrafo, para a seguir determinar se António Costa disse mesmo a verdade, ou se manipulou a estatística para tornar factos numéricos numa realidade virtual que é falsa na essência.  

    Para começar, os jornalistas Gustavo Sampaio e Marina Ferreira começam mal a mostrar os seus dotes de análise. Informam eles que no período em análise o crescimento em cada ano foi o seguinte: “+2,02% em 2016, +3,51% em 2017, +2,85% em 2018 e +2,68% em 2019”, rapidamente concluem: “Média de 2,76%, percentagem muito próxima da que foi indicada por Costa no debate de ontem na Assembleia da República.

    António Costa, primeiro-ministro de Portugal.

    Chumbados logo no primeiro teste. Os estimados jornalistas do Polígrafo deveriam saber que não se aplica uma média aritmética às taxas de crescimento anuais para um dado período, mas sim deve-se calcular o crescimento acumulado, e seguidamente anualizar.

    Como somos pela pedagogia, aqui estão os passos a seguir:

    • em primeiro lugar, calcula-se o crescimento acumulado do período: (1+0,0202) × (1+0,0351) × (1+0,0285) × (1+0,0268) – 1= 11,52%;
    • em segundo lugar, calcula-se a taxa de crescimento composta anualizada para o período: (1+0,1152)0,25-1= 2,764%.
    person using black computer keyboard

    Seguidamente, os jornalistas do Polígrafo partem para a análise dos 16 anos anteriores ao período em causa: “Relativamente aos 16 anos anteriores, como disse Costa, apontando para o período entre 2000 e 2015, verifica-se um crescimento acumulado de 7,15%, o que perfaz uma média de cerca de 0,44%”, escrevem.

    Aqui, para além de voltarem a insistir no erro da média aritmética, que deveria ter sido 0,4469%, em lugar de 0,44% – provavelmente para ajudar o primeiro-ministro –, enganam-se até a definir o período em análise, que deveria ter sido entre 1999 e 2015, e não entre 2000 e 2015 – pois apenas temos 15 períodos, e não 16.

    Eis o cálculo correcto, usando dados do Pordata:

    • em primeiro lugar, calcular o crescimento acumulado do período: (1+3,82%) × (1+1,94%) × (1+0,77%) × (1-0,93%) × (1+1,79%) × (1+0,78%) × (1+1,63%) × (1+2,51%) × (1+0,32%) × (1+0,32%) × (1-3,12%) × (1+1,74%) × (1-1,7%) × (1- 4,06%) × (1-0,92%) × (1+0,79%) × (1+1,79%) -1 = 7,04%;
    • em segundo lugar, calcular a taxa de crescimento composta anualizada para o período entre 1999 e 2015: (1+0,0704)(1/16)-1= 0,426%.

    Em resumo, na comparação entre os dois períodos, ocorreu um crescimento 6,5 vezes superior e não de 7 (2,764% vs. 0,426%), tal como afirmou António Costa.

    Mas, pronto, admitamos que um fact-checker não tenha de ser muito rigoroso, e que a sorte até o tenha bafejado desta vez, dado que o valor da simples taxa aritmética é “quase igual” à taxa de crescimento acumulado anual composta – que notem, não integra a palavra média. Aliás, o valor é “quase igual” exactamente porque não houve grande oscilações na Economia, o que é sobretudo um sinal de estagnação.

    Utilizemos outro exemplo do erro do Polígrafo em usar a média (aritmética) em Economia. Se houver um decréscimo de 10% num ano, seguido de um crescimento de 11%, a média aritmética daria 0,5% por ano, mas a taxa de crescimento anual composta (e bem real) seria negativa em 0,25031%.

    Mas além de tudo isto, um jornalista – e ainda mais um fact-checker – deve sempre questionar o uso das estatísticas que os governantes lhes vendem: por essa razão, no passado, muitos os definiram como o Quarto Poder.

    Vejamos então aquilo que está em causa com os números apresentados pelo primeiro-ministro, sobre os quais o Polígrafo mostrou incapacidade de análise crítica, o que pelo menos recomendaria que estivessem quietos.

    green plant on brown round coins

    Olhemos então o “problema” de outra forma:

    • O crescimento nominal do PIB entre 2015 e 2019 foi de 19,29%, segundo o Eurostat. Ou seja, comparando o PIB a preços correntes, temos 214.374,6 milhões de Euros em 2019 vs. 179.713,2 milhões de Euros em 2015;
    • Seguidamente, apliquemos o deflator do PIB, usado pelo Banco de Portugal, para o período entre 2015 e 2019:  (1+3,3%) × (1+2,4%) × (1+3,4%) × (1+4,2%) -1 = 13,97%
    • Depois, calculemos o crescimento real entre 2015 e 2019: (1+19,29%) ÷ (1+13,97%) -1 = 4,67%;
    • No final, a taxa de crescimento anual composta para o período entre 2015 e 2019: 1,15%;
    • Se aplicarmos o mesmo raciocino para o período entre 1999 e 2015, temos: (i) um crescimento nominal de 50,26% (179.713,2 milhões de Euros vs. 119.603,3 milhões de Euros) e um deflator do período de 26,68%; o que resultaria no crescimento anual composto de 1,07% ao ano.

    Em conclusão, em lugar de 6,5 vezes, já só é um ritmo de crescimento de 1,1 vezes, deitando por terra toda a exuberância do crescimento económico da Geringonça.

    timelapse photo of train

    Afinal, o ritmo de crescimento é de 10% e não de 550%.

    Seria a mesma coisa que nos dizerem que a partir de 100 euros passávamos a ter 650 euros, quando a realidade nos mostrava que só passámos a ter 110 euros. Isto é, a diferença de 540 euros são uma miragem.

    Noutra analogia, é a mesma coisa que Costa dizer-nos que andou a 700 quilómetros por hora quando os outros andavam a 100 – e a verdade mostra-nos que ele andou apenas a 110 quando antes andaram a 100. E enquanto isto, o Polígrafo diz-nos ser verdade que Costa andou mesmo a 700 quilómetros.

    O diabo está nos detalhes. E o Polígrafo vai com eles.

  • Banco de Portugal e a protecção dos infractores: a imprensa mainstream só denuncia; e o PÁGINA UM é o único que luta contra o anonimato

    Banco de Portugal e a protecção dos infractores: a imprensa mainstream só denuncia; e o PÁGINA UM é o único que luta contra o anonimato


    Esta tarde, o Expresso divulgou que o Banco de Portugal, dirigido por Mário Centeno, multou um banco em um milhão de euros por práticas ilícitas, mas manteve o anonimato do infractor porque este pagou a coima.

    Também hoje, a generalidade dos media mainstream noticiaram que o mesmo Banco de Portugal instaurou, durante o primeiro semestre deste ano, um total de 59 processos de contraordenação a 25 instituições – também todas sob anonimato – que resultaram, maioritariamente, “de indícios de violação de normas em matéria de movimentação da conta de depósito à ordem, de denúncia do contrato de abertura de conta e de bloqueio de instrumento de pagamento”.

    Ainda no ano passado, em 19 de Julho, o mesmo jornalista do Expresso, Diogo Cavaleiro, já referia que 80% das coimas aplicadas pelo Banco de Portugal não tinham a identificação da instituição financeira infractora, destacando que Portugal era o “único [país] que tem condenações sob anonimato no Mecanismo de Supervisão”.

    E, presumo, que em 2023 continuará a fazer o mesmo…

    Os portugueses, como contribuintes, têm aparado, ao longo das últimas décadas, os mais atrozes desvarios financeiros de bancários e seus sequazes, sob a suposta supervisão do Banco de Portugal. A partir da sua torre de marfim – por inépcia, por compadrio ou por irresponsabilidade –, altos funcionários públicos permitiram casos como os do Banco Português de Negócios (BPN) e do Banco Espírito Santo (BES), só para citar os que criaram mais mossa. E aqueles que estão vivos, ainda estão bem e recomendados.

    Perante isto, que devem fazer os jornalistas?

    clear glass bottles on white background

    Fazer como a imprensa, como o Expresso, que, ano após ano, lá vai batendo o ponto, noticiando a falta de transparência assumida pelo Banco de Portugal, protegendo os infractores da censura pública, e convidando-os a continuar a prevaricar, até porque o “valor do crime” compensa as eventuais multas a pagar?

    Ou fazer como o PÁGINA UM que, ao invés dessas “passivas denúncias” da imprensa mainstream, se mune de um espírito de jornalismo interventivo e independente, e com o apoio dos seus leitores, luta – com armas muito desiguais, é certo – para que o anonimato termine, para que o obscurantismo cesse?

    O tempo da simples denúncia tem de terminar. Por isso, em 21 de Julho passado, requeremos formalmente ao governador do Banco de Portugal o acesso integral ao processos de contra-ordenação de 2021 e do primeiro semestre deste ano.

    Como recusou, interpusemos em 25 de Agosto passado uma intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa contra o Banco de Portugal. Nunca nenhum outro órgão de comunicação social defendeu assim o direito de acesso à informação consagrado na Constituição e na Lei da Imprensa.

    brown wooden stand with black background

    E sabíamos o quão difícil seria quebrar este “estado de coisas” até porque o PÁGINA UM não recolhe, compreensivelmente, a simpatia da imprensa mainstream e, portanto, não teríamos a sua “solidariedade”, pelo menos divulgando o nosso acto que seja: o PÁGINA UM surgiu sobretudo porque a imprensa não tem apenas o dever e o direito de informar. Nem apenas de denunciar. Tem o dever de defender a democracia, quer esta esteja ausente; ou apenas presente no papel, mas não nos actos do quotidiano.

    Ainda ontem, nem de propósito, o PÁGINA UM interpôs um recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul. Gastou mais 306 euros em taxas de justiça que seguem para o Estado, porque perdemos na primeira instância. Perdemos na primeira parte, e continuaremos até saber se é lícito pensarmos que vivemos ainda numa democracia em Portugal, ou se o obscurantismo e a protecção de certas elites fala mais alto.

    E recorremos sobretudo porque não ficámos satisfeitos com a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, no passado dia 10 de Outubro, que determinou que quem tem competência para decidir sobre se os processos de contra-ordenação são ou não consultáveis por um jornalista é o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, sediado em Santarém.

    green plant in clear glass cup

    Está bem de se ver a “estratégia”: não sendo um jornalista uma das partes directas – apenas querendo o acesso público aos documentos administrativos –, e sabendo-se que a esmagadora maioria dos processos de contra-ordenação levantadas às instituições financeiras nem sequer chega ao tribunal (porque os tornaria públicos após o seu término), o juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa – este em particular, pelo menos – quis embrulhar tudo para se manter tudo em contínuo anonimato, em contínuo obscurantismo. O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão jamais pode determinar o acesso a processos que nem sequer lhe chegaram…

    Além disso, não se poderia ficar indiferente a um preocupante detalhe desta sentença de primeira instância do Tribunal Administrativo de Lisboa: o juiz do processo é casado com um alto quadro do Banco de Portugal, que aliás já foi assessora num ministério. O PÁGINA UM tem, aliás, documentos que provam essa ligação.

    Pessoalmente, já tenho muitas dúvidas de que um tribunal de recurso venha a dar razão ao PÁGINA UM, concedendo-lhe o direito de consultar estes documentos administrativos – que é isso que são os processos de contra-ordenação concluídos em qualquer entidade pública.

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    E se tenho dúvidas não é por duvidar da legalidade ou da justeza dessa pretensão – que, aliás, deveria ser um direito de qualquer contribuinte.

    Tenho dúvidas sim por ter plena consciência de que a luta do PÁGINA UM em prol da transparência será quixotesca, enquanto a imprensa mainstream continuar como anda: papagueando apenas aquilo que o Banco de Portugal e os outros poderes querem mostrar, e pouco mais fazendo do que denunciar, ano após ano, um perpétuo obscurantismo.

    Sem uma “vaga de fundo” da nossa imprensa – que abane consciências –, o pântano que se anda a criar em redor da nossa democracia só nos pode levar ainda mais para o fundo.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM está envolvido em 13 processos de intimação, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 11.653 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Na secção TRANSPARÊNCIA começámos a divulgar todas as peças principais dos processos em curso no Tribunal Administrativo. Este processo específico do Banco de Portugal pode ser consultado aqui.

  • Greta Thunberg: o flop da activista pop

    Greta Thunberg: o flop da activista pop


    Dei o benefício da dúvida à sueca Greta Thunberg – ou até mais do que isso –, quando, há quatro anos, começou a dinamizar movimentos sociais de jovens para uma “emergência climática”.

    Que existem impactes atmosféricos e climatéricos das actividades humanas, não tenho já qualquer dúvida. Antes mesmo de se ter tornado uma “moda” e todos se mostrarem muitos crentes, a tal ponto que se tornou uma espécie de “profissão de fé” para muitos, que não fazem mais do que greenwashing. Há muito, desde os anos 90, acompanho este tema, escrevo sobre assuntos ambientais, e sei distinguir o trigo do joio.

    A poluição atmosférica, desde a Revolução Industrial, é uma triste realidade. O incremento da industrialização e do tráfego automóvel é, sobretudo nos grandes centros urbanos, e mesmo em Portugal, uma das principais causas de problemas respiratórias e cardíacos.

    As mortes anuais causadas pela poluição atmosférica – incluindo por partículas finas, por chumbo e outros metais pesados, e ainda por excesso de ozono troposférico como poluente secundário – estão estimadas entre os 5,9 milhões e os 7,5 milhões de pessoas. Se juntarmos a poluição da água e de outros tipos pode-se acrescentar mais dois milhões. Vale a pena ler um artigo de Maio deste ano sobre esta matéria no Lancet Planet Health.

    As alterações climáticas decorrentes das emissões de dióxido de carbono (e de outros gases com efeito de estufa) colocam questões muito mais complexas e heterogéneas, porque nem sempre quantificáveis nem sempre negativas em todos os países, e mais dependentes de vontade dos políticos (e das políticas) do que dos comportamentos individuais. Aliás, não vale a pena mexermos uma palha na Europa, nem apelar a qualquer sacrifício colectivo ou individual, se por exemplo a China (maior emissor de dióxido de carbono) não alterar o seu paradigma energético.

    Por isso, na minha opinião, tem sido contraproducente a monopolização da temática das alterações climáticas no debate científico, e sobretudo político, porque tem menorizado ou relativizado todos os outros, mesmo aqueles que lhe estão intimamente associados. Aliás, com a desculpa das alterações climáticas, enviesa-se a causa fundamental de muitos problemas ambientais, que têm um histórico, radicando especialmente em ineficiência (energética e não só) e má gestão.

    Por exemplo, a escassez de água que Portugal pode vir a atravessar no futuro não advirá apenas dos efeitos das alterações climáticas, mas sobretudo da sua crónica má gestão dos recursos hídricos. Temos o exemplo gritante da péssima gestão dos perímetros de rega em Portugal, de que o Alqueva é um paradigma. Água (quase) de borla é e continuará a ser insustentável mesmo se invertêssemos agora as alterações climáticas.

    O mesmo se aplica ao caso dos incêndios rurais. As alterações climáticas têm vindo, aliás, a servir como bode expiatório da péssima gestão florestal, de um território abandonado, de uma externalização (negativa) dos benefícios sociais concedidos pelos espaços florestais sem qualquer vantagem para os proprietários, e de uma política de status quo na prevenção e combate assente, em Portugal, num obsoleto e ineficaz sistema de pseudo-voluntariado. O nosso país arde em média mais agora do que ardia nos anos 80 do século passado; os outros países mediterrânicos ardem muito menos.

    white and black ship on sea under white clouds

    Também à conta das alterações climáticas, temos agora um lobby dos carros eléctricos, que não passa de uma estratégia de substituição de um modelo poluente por outro um pouco menos poluente (ou com outro tipo de problemas de poluição). A questão da mobilidade e do consumo energético – e da poluição atmosférica e, daí, das emissões de dióxido de carbono – coloca-se ao nível de um novo paradigma de planeamento territorial e de transporte colectivo, mais seguro, fiável e confortável; não muda passando a usar mais carros eléctricos do que a combustão. Não podemos, por exemplo, ter um autarca em Lisboa muito preocupado com as alterações climáticas e nem ser capaz de pôr a funcionar de forma minimamente decente as bicicletas eléctricas Gira.

    E temos agora também, à conta das alterações climáticas, o ressurgimento em força do lobby das centrais nucleares, apresentadas como uma (falsa) panaceia, esquecendo que este tipo de energia apenas produz electricidade, que representa somente cerca de 20% de toda a energia necessária. E que constitui, e constituirá sempre, um perigo em termos de segurança, não apenas por acidentes ou por guerras, mas também pelos resíduos e pela possibilidade dos países produzirem armamento nuclear.

    E, no meio disto, agora, deparo-me com a nossa ressurgida jovem Greta Thunberg a confirmar-se como apenas uma activista pop star, um ícone, uma flor da lapela da irreverência juvenil, sobre a qual os adultos (leia-se, políticos) até apreciam apaparicar… e manipular.

    brown wooden boat on brown sand during daytime

    Estando “apagada” desde 2020, por força da pandemia, vejo que, em dois anos, a jovem Greta cresceu mal. Há cerca de duas semanas, veio ela criticar o encerramento já há muito previsto, após amplo debate, de centrais nucleares na Alemanha.

    Torci o nariz.

    Mas pior ainda fiquei, para a manutenção de qualquer ténue esperança de estarmos perante uma jovem visionária, quando li hoje a sua entrevista no jornal Público.

    Eis ali um completo vazio de ideias, um discurso cheio de chavões e lugares-comuns, sem uma proposta concreta, um rasgo inovador – o que já não se compreende, atendível ao facto de ela ter, certamente, ao fim de alguns anos, uma boa equipa de marketing e de consultores, além de todos os contactos ao maior nível científico e técnico.

    Bem sei que é uma miúda de 19 anos, mas é descoroçoante ler uma entrevista de uma potencial Prémio Nobel da Paz (ou do que se quiser) e ver as suas duas últimas respostas:

    Público – Pensa em ir para a universidade?

    Greta Thunberg – Não sei. Gostaria, mas ainda não sei. Tenho de decidir em breve.

    Público – Seguiria alguma área específica?

    Greta Thunberg – Não sei. Sei que, independentemente do que faça, continuarei a ser uma activista, só resta saber de que forma. Porque a necessidade de termos activistas climáticos não vai abrandar, só aumentará – sobretudo tendo em conta o actual estado do mundo.

    E eu, perante isto, também não sei o que diga mais sobre Greta Thunberg…

    Há, por certo, pessoas mais válidas e com ideias concretas que deviam estar a ser ouvidas. E não estão, porque um ícone pop, um autêntico flop, lhes está a ocupar o espaço mediático. Talvez fosse mesmo bom que a nossa Greta passasse a saber se quer ir mesmo para a universidade e, se sim, qual a área específica.

    Depois sim, pode e deve regressar, com saber, para nos ajudar mesmo a salvar o Planeta – é que o activismo, por si só, é um vazio…

  • O eclipse do jornalismo ou as fake news virais da Lusa

    O eclipse do jornalismo ou as fake news virais da Lusa


    Há metáforas tramadas. Por exemplo, eclipse.

    A Lusa – sempre a Lusa –, useira e vezeira, em mau serviço público, escreveu ontem sobre um eclipse que seria visto hoje, neste momento que vos escrevo. Erradamente.

    Mal não traria ao mundo se, enfim, mesmo existindo esse mau serviço pago pelos nossos impostos, a imprensa mainstream não fosse preguiçosa e, mais ciosa de cliques do que em informar e diversificar, e não se predispusesse acriticamente a divulgar takes atrás de takes vomitados por esta agência noticiosa do Estado e da Global Media, que são duas entidades que estão bem uma para a outra, para mal dos nossos pecados.

    O eclipse da desgraça do jornalismo português, ou o Sol no bairro da Graça, hoje em Lisboa, pelas 12:43 horas, sem vislumbre de um “anunciado” eclipse.

    Vejamos a tal notícia do eclipse parcial do Sol deste ano, tratada por um take da Lusa, e viralizada pela imprensa mainstream. Pela noite dentro, em cerca de uma hora, o dito take foi copiada pelos principais órgãos de comunicação social, fluindo em títulos e textos similares. Um fartote, ontem à noite:

    O Diário de Notícias, pelas 20:44 horas, titulava: “Eclipse parcial do Sol visível na terça-feira em Portugal se tempo deixar”.

    A Rádio Renascença, pelas 20:49 horas, titulava: Eclipse parcial do Sol visível na terça-feira em Portugal… se o tempo deixar”.

    Transmissão ao vivo do eclipse em space.com,mas não visível em Portugal.

    A TSF, pelas 20:56 horas, titulava: “Eclipse parcial do Sol visível na terça-feira se o tempo deixar”.

    O Observador, pelas 21:40 horas, titulava: “Eclipse parcial do Sol visível esta terça-feira em Portugal. Mas é preciso que as condições meteorológicas o permitam”.

    O Público, pelas 21:42 horas, titulava: “Eclipse parcial do Sol poderá ser visto em Portugal – se o tempo deixar”.

    O Jornal de Notícias, pelas 21:44 horas, titulava: “O último eclipse parcial do Sol de 2022 é esta terça-feira”.

    Em hora indeterminada, mas perto das 22:00 horas, a CNN Portugal titulava: “Vai poder ver em Portugal um eclipse parcial do Sol… se o tempo deixar”.

    Idem, a SIC Notícias titulava: “Eclipse parcial do Sol visível na terça-feira em Portugal”.

    E podia continuar… Houve muito mais a viralizar o infecto take da Lusa.

    Todas notícias iguais. Com variações de palavras no título. Quase sem alterações no conteúdo, remetendo todas até para um site credível de Astronomia, o Space.com.

    Sucede, porém, que todas sem excepção eram completamente falsas. E para confirmar isso bastaria, enfim, clicar no próprio site do Space.com…

    Na verdade, para se conseguir ver em território português este eclipse solar, que está neste momento a ocorrer, não precisaríamos apenas que o São Pedro ajudasse – como até ajudou, porque está um ensolarado dia (escrevo-vos de Lisboa); precisaríamos que, em vez de ter sido Napoleão a invadir Portugal, fosse D. João VI a invadir a França e Paris fosse ainda hoje parte de Portugal.

    E o mais ridículo é que o próprio site referenciado no take da Lusa, e replicado por toda a imprensa mainstream, explicitava de forma taxativa que o eclipse seria visível na Europa, excepto em Portugal. Até um mapa dinâmico mostravam, e até se podia colocar um pin para confirmar se em determinado local seria visível ou não,

    Nenhuma alminha, antes de colocar a notícia no ar, foi confimar a veracidade daquilo que oferecia aos seus leitores. Nem o jornalista da Lusa se deu ao trabalho de entrar no site que referenciou no take. Nem ninguém com responsabilidades editoriais dos outros órgãos de comunicação social foi confirmar.

    Sai na Lusa, sai tudo igual

    Enfim, a Lusa fez (mais) uma fake news. E a imprensa mainstream num par de horas tratou de a viralizar, tornando-a “verdadeira”, mesmo que de forma efémera.

    Mapa do Space.com indicando regiões da Europa onde o eclipse foi visível, podendo obter-se a informação explícita de não ser visível em Portugal.

    De facto, é certo que, com as evidências (não houve eclipse visível em solo português, apesar do céu limpo), e certamente chamadas de atenção de leitores, muitos órgãos de comunicação social foram “corrigindo o tiro”, embora muitos sem assumir o erro, a fake news, que tanto os preocupa mas apenas se forem nas redes sociais e em temas em que se mostram comprometidos.

    Este caso do falso eclipse em Portugal não teria grande gravidade se não fosse paradigmático do clima desbragado de notícias erradas, de autênticas fake news, que grassam diariamente pela nossa imprensa mainstream: incompetente, negligente, preguiçoso, homogénea ou monotemática, sem mostrar competitividade, não se importando de fazer igual aos demais, replicando textos como vírus, independentente de serem verdadeiras ou falsas.

    Fazem tudo isto em conjunto, em manada.

    E com isto eclipsam a sua credibilidade, esquecendo que sendo uma evidência que existem fake news a pulularem nas redes sociais, tal fenómeno se deve ao actual descrédito do jornalismo e dos jornalistas. Por causa de “coisas” como o eclipse.

    Viu-se isso vezes sem conta nos últimos anos, com a pandemia e a forma manipulatória, enviesada, incorrecta e mesmo falsa (por omissão ou de forma explícita) de muitas notícias. Vê-se isso agora, vezes sem conta, com a propaganda em redor de muitos assuntos, desde a guerra da Ucrânia às medidas governamentais, e tendo muitas vezes como rastilho a agência noticiosa do Estado.

    A Lusa faz e a imprensa mainstream transforma-se numa caixa de ressonância que, em demasiados casos, qual Midas, transmuta merda em ouro, mentira em verdade.

    Lamentavelmente, ao contrário do que sucede nos eclipses, que duram poucos minutos, temo que este eclipse do jornalismo perdure, ajudando a corromper a nossa já débil democracia.

  • Crónica de uma vergonha anunciada: como a imprensa mainstream (se) vendeu (a)os certificados digitais

    Crónica de uma vergonha anunciada: como a imprensa mainstream (se) vendeu (a)os certificados digitais


    Em 17 de Março de 2020, no dia seguinte à primeira morte por covid-19 em Portugal, o director do Público, Manuel Carvalho, como se (já) fosse um ideólogo do regime em matéria de políticas de saúde, traçava aquilo que viria a ser uma linha orientadora do seu jornal e, talvez não por coincidência, da narrativa oficial e das medidas de mitigação da covid-19. No seu editorial, escrevia:

    “(…) E mesmo que o estado de emergência não altere significativamente o modo de vida que a maioria dos portugueses já adoptou, o simples facto de ter sido activado vai servir para convencer os mais recalcitrantes ou os que teimam em considerar que a epidemia não passa de um exagero.”

    person in black knit cap and gray sweater

    E continuava:

    “(…) Não é populismo, nem cedência aos impulsos primários dos cidadãos que se trata: é a urgência de garantir a cumplicidade das pessoas e de criar um sentimento de comunidade que precisamos mais do que nunca para derrotar a epidemia. Em momentos drásticos como o de hoje, é necessário recorrer a medidas drásticas. Essa atitude não bastará para travar as consequências da doença. Mas servirá ao menos para todos sentirem que o seu esforço, o seu desconforto e as suas ansiedades são reflectidas por quem nos governa.”

    Recordo estas palavras, supostamente de grande sentido de responsabilidade humanitária e patriótica, porque ajudam a compreender os equívocos, as falácias, os enviesamentos de semântica e a manipulação que grassaram (e nos desgraçaram) ao longo da pandemia, alimentada pela imprensa mainstream. Viu-se isso em todas as medidas de gestão da pandemia, na forma acrítica (e entusiástica) como eram aceites pelos directores dos órgãos de comunicação social.

    Isso passou-se para as vacinas, e daí para uma das suas alegadas (e mais polémicas) características, que justificou a mais infamante medida discriminatória de que há memória na nossa geração: o certificado digital.

    shallow focus photo of black corded microphone

    Mais do que um instrumento de gestão epidemiológica, o certificado digital (de vacinação e de recuperação) foi, na verdade, apenas uma arma de persuasão ou de coação em prol da vacinação, porquanto “castigava” quem não o detivesse. Ou seja, quem não se tivesse vacinado, independente do motivo ou da motivação. Invocava-se ainda por cima a Ciência, mas nada houve de científico, embora muito argumento de autoridade tivesse sido vergonhosamente usado.

    Não deveria ser necessário recordar que, numa sociedade, temos direitos e deveres, subsumindo-se daí que, existindo inúmeras vantagens da integração individual num grupo, tal não significa que o indivíduo possa ser sacrificado por ter como consequência uma vantagem para o grupo. Em concreto, mesmo que uma vacina contra a covid-19 pudesse trazer mais vantagens inequívocas globalmente se todos os indivíduos fossem vacinados – a tal imunidade de grupo –, mesmo assim não seria lícito, pelo menos eticamente, obrigar todos os indivíduos se a vantagem para si não fosse inequivocamente superior às eventuais desvantagens. E, havendo uma desvantagem potencial, é lícito que o indivíduo possa recusar.

    Ainda mais sabendo duas coisas fundamentais: o risco da covid-19 é incomensuravelmente diferente nos diversos grupos etários; e não se conhecem ainda todos os efeitos adversos das vacinas face à sua tecnologia nova e à inexistência de um histórico.

    Mas ainda se poderia colocar a hipótese de estarmos mesmo num “momento drástico”, e que as vacinas contra a covid-19 pudessem mesmo criar a “imunidade de grupo” – isto é, quebrar as cadeias de transmissão –, erradicando assim o vírus. Não seria impossível, mas pouco provável em tão curto espaço de tempo.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Na verdade, apenas dois vírus foram virtualmente erradicados por acção das vacinas (varíola e peste bovina), estando outra (poliomielite) em vias desse desfecho. Foram, contudo, necessárias algumas décadas neste processo. A pressa é, em Medicina, uma péssima conselheira. E nunca com uma vacina em fase inicial da sua implementação – para não dizer que se encontra numa fase experimental, tantos são os estudos de farmacovigilância em curso) –; e nunca através de um programa de vacinação maciça que pretendia abranger em apenas um ano pelo menos 70% da população mundial.

    Contudo, na verdade, em relação à covid-19, nunca estivemos sequer perto de almejar vacinas com capacidade de criar imunidade de grupo – ou seja, medicamentos que, além de reduzirem o risco de hospitalização e morte, concedessem uma menor transmissibilidade. Se tal pudesse suceder, ainda se poderia admitir a legitimidade ou de não de premiar os vacinados em detrimento dos não-vacinados – através designadamente de certificados digitais.

    Porém, essa discussão somente deveria ser colocada se, efectivamente, ficasse provada, pela Ciência, que a vacina reduzia de forma muito relevante a capacidade de um vacinado infectar outros, quer vacinados quer não-vacinados.

    E isso nunca ficou provado antes – e mesmo depois – da aprovação do certificado digital imposto pela Comissão Europeia em 14 de Junho de 2021, onde, no ponto 7 do preâmbulo, se diz o seguinte:

    man in red crew neck shirt

    As pessoas vacinadas ou as que obtiveram um resultado negativo num teste de despistagem à COVID-19 recente e as pessoas que recuperaram da COVID-19 nos seis meses anteriores parecem ter um risco reduzido de infetar outras pessoas com o SARS-CoV-2, de acordo com dados científicos atuais, ainda em evolução. A livre circulação de pessoas que não representam um risco significativo para a saúde pública de acordo com provas científicas sólidas, por exemplo porque são imunes ao SARS-CoV-2 e não o podem transmitir, não deverá ser restringida, uma vez que tais restrições não seriam necessárias para alcançar o objetivo de salvaguarda da saúde pública. Se a situação epidemiológica o permitir, estas pessoas não deverão ser sujeitas a restrições adicionais à livre circulação relacionadas com a pandemia de COVID-19, tais como testes para despistagem da infeção por SARS-CoV-2 por motivos de viagem, ou cumprimento de quarentena ou autoisolamento por motivos de viagem, a menos que essas restrições adicionais sejam, com base nos dados científicos disponíveis mais recentes e em conformidade com o princípio da precaução, necessárias e proporcionadas para o efeito de salvaguardar a saúde pública, e não sejam discriminatórias.

    Foi neste pressuposto – “dados científicos actuais, ainda em evolução” –, completamente falso, que se baseou o certificado digital, primeiro para viagens transfronteiriças, e mais tarde para segregar não-vacinados mesmo no seu país.

    Como se sabe, a Pfizer veio este mês admitir que, nos seus ensaios iniciais, nunca estudaram a questão da menor transmissibilidade dos vacinados. E, de facto, nunca houve uma assumpção clara das farmacêuticas de que as vacinas tinham esse nível de eficácia. Mas as farmacêuticas, nem que fosse por omissão, foram entrando no “jogo”, não se comprometendo e até “patrocinando” a imprensa e os políticos que iam “vendendo” as vacinas como “bóia de salvação” com efeitos milagrosos. Por isso, quando foi “vendida” ao povo a ideia de que a vacinação evitava a transmissão, as farmacêuticas sabiam que assim venderiam mais. Por omissão, pactuaram.

    person in white gloves holding white plastic bottle

    Onde esteve o jornalismo mainstream durante este processo que levou à imposição do certificado digital baseada numa falsidade?

    Denunciaram a falácia?

    Não! Esteve, como confessou um defensor do Público, a “criar consenso social em favor da vacinação”.

    E, para isso, valeu tudo.

    Até ser incongruente.

    De facto, jornais como o Público – muito antes de se discutir a aplicação do certificado digital – estiveram a fazer lobby pela vacinação, mesmo para aqueles que fossem recuperados.

    Por exemplo, em 14 de Janeiro de 2021 – ou seja, cerca de duas semanas após o início do programa de vacinação em Portugal –, o Público noticiava que até as pessoas com a chamada imunidade natural (adquirida através de uma infecção prévia) seriam capazes de transportar o SARS-CoV-2 no nariz e na garganta e transmiti-lo a outras pessoas.

    E estavam empenhadíssimos em falar da imunidade de grupo, como se fosse uma evidência. E da necessidade de promover rapidamente taxas de cobertura elevadas.

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    Por exemplo, em 26 de Janeiro de 2021, o Público divulgava nas suas páginas um artigo do Washington Post, onde surgia a seguinte passagem: “(…) embora as vacinas sejam um passo crítico para abrandar a propagação de um vírus que já causou mais de dois milhões de mortes em todo o mundo, os especialistas têm alertado repetidamente que ser vacinado não significa um regresso imediato à vida pré-pandémica.”

    E porquê?

    Porque, explicava-se, “as autoridades de saúde pública dizem que pelo menos 70% da população precisa de ser inoculada para que o país alcance a imunidade de grupo e pare a propagação do vírus”, e acrescentava-se que “com o vírus a continuar a propagar-se rapidamente por grande parte do país [e pelo mundo], muitas formas de socialização implicam algum nível de risco, incluindo reuniões entre pessoas que estão totalmente vacinadas”.

    Ninguém estranhava esta falácia: tinha de se chegar aos 70% para haver imunidade de grupo, mas até os totalmente vacinados estariam pouco seguros entre eles enquanto essa meta não fosse atingida?

    Esta notícia é, aliás, paradigmática do enviesamento da Ciência ao longo da pandemia sempre que usada pela imprensa mainstream. Apesar de diversos cientistas, entre os quais um médico de doenças infecciosas de Houston (Robert Atmar), acabarem a fazer uma declaração de fé: aqueles que receberam as suas vacinas “deram um passo para nos aproximar a todos daquela luz ao fundo do túnel e voltar a ter uma certa sensação de normalidade”.

    E continuou. Em 11 de Fevereiro de 2021, o Público titulava “CDC [agência norte-americana de controlo e prevenção de doenças] diz que as pessoas vacinadas (com as duas doses) não precisavam de cumprir quarentena após exposição de risco”. E porquê? Porque “a vacinação demonstrou prevenir quadros sintomáticos de covid-19”. Mas, e quanto à transmissão? Podiam transmitir, se novamente infectadas. O CDC dava a resposta: “o risco de transmissão do SARS-CoV-2 de pessoas vacinadas para outras ainda [era] incerto”, mas acrescentava-se na notícia que “os especialistas acreditam que as pessoas que se encontram na fase sintomática e pré-sintomática ‘têm um papel maior na transmissão’ do que as pessoas que permanecem sem sintomas”. Acreditam! Eis a fé.

    O primeiro trimestre de 2021 foi, efectivamente, o período em que a imprensa mainstream seguia, sem pestanejar nem questionar, a tese da menor transmissibilidade dos vacinados, através de declarações de “profissão fé” por parte de especialistas, mesmo se esses especialistas jamais apresentassem provas. Não precisavam: o argumento de autoridade bastava por si.

    Por exemplo, o Público divulgou um take da Lusa, nesse mesmo dia 11 de Fevereiro de 2021, sobre um suposto estudo da Universidade de Aveiro que indicava ser prioritário vacinar primeiro os chamados “super-disseminadores”, ou seja, pessoas “com contacto directo com um grande número de pessoas”. Isto porque, supostamente, vacinando-se aquele grupo se “limita[ria] muito mais a propagação do coronavírus e pode[ria] diminuir o número global de mortes do que a estratégia que está a ser seguida pelos países da União Europeia (…), de vacinar primeiros os idosos e sucessivamente os grupos etários de idades inferiores”

    stack of white yellow green and blue textiles

    É certo que, no dia seguinte, 12 de Fevereiro de 2021, até se divulgava que para a Organização Mundial da Saúde “não é claro” que os vacinados não transmitissem covid-19. Mas a responsável da OMS dava uma no cravo e outra na ferradura, não se querendo comprometer: “há relatos de que quem está vacinado, se ficar infectado, a carga viral será menor. Por isso, a hipótese de infectar os outros é menor.” Palpites!

    Mesmo assim, numa altura em que se estava já a preparar o certificado digital, a OMS foi talvez a única entidade que, inicialmente, colocou reservas. Em 3 de Março de 2021, o Público noticiava, através de um take da Lusa, que a OMS defendia que “estar vacinado contra a covid-19 não pode ser um requisito para viajar”, realçando que a “utilização de ‘certificados de imunidade’ para viajantes internacionais (tanto para os que foram vacinados como para os que possuem anticorpos após superar a doença) não é recomendável nem está sustentada actualmente por provas científicas”.

    Pouco importou. A falácia e a semântica falaram mais alto. Em 25 de Março de 2021, uma resolução do Parlamento Europeu, instava a “Comissão e os Estados-Membros a desenvolverem, com caráter prioritário, um certificado de vacinação comum e um sistema de reconhecimento mútuo dos procedimentos de vacinação para fins médicos, acrescentando que “uma vez que as vacinas tenham sido disponibilizadas ao público em geral e existam provas científicas suficientes de que as pessoas vacinadas não transmitem o vírus, o certificado pode ser considerado, para efeitos de viagem, como uma alternativa aos testes PCR e aos requisitos de quarentena (…).

    Repita-se: teriam de existir “provas científicas suficientes de que as pessoas vacinadas não transmitem o vírus”…

    two gray pencils on yellow surface

    Nunca surgiram essas provas, mas também a imprensa mainstream – imbuída do espírito de missão em prol do “consenso social” para a vacinação – nada questionou quando o certificado digital foi implementado em 14 de Junho de 2021.

    Aliás, em meados do ano passado, foi dando palco a sucessivos “especialistas”, cheios de argumento de autoridade, que continuavam a falar da imunidade de grupo como a quimera para o término da pandemia, mesmo quando a vacina tinha sido desenvolvida para uma variante que não a então dominante (Delta).

    E que se deveria então fazer? Ora, fazer o absurdo: vacinar mais, como defendeu mais um “especialista” na imprensa mainstream, como no Público (20 de Junho de 2021) ou no Diário de Notícias (29 de Junho de 2021). Com efeito o médico intensivista José Artur Paiva, imbuído do seu estatuto de autoridade, acriticamente aceite pelos jornalistas, teve o desplante de dizer que com a variante Delta, a imunidade de grupo só se deverá atingir perto dos 85% de taxa de vacinação em vez de ser nos 70%.

    Mas, a esquizofrenia epidemiológica do Público continuava. No dia 21 de Junho, o diário de Manuel Carvalho divulgava a opinião de Miguel Castanho que, embora recomendando a vacinação em quase tudo o que mexesse, dizia taxativamente que “essa ideia [imunidade de grupo] está ultrapassada porque as vacinas não são 100% eficazes, por um lado, mas sobretudo porque as vacinas não protegem contra a infecção e contra a capacidade de transmissão e, portanto, qualquer pessoa mesmo vacinada em algum grau contribui para a transmissão do vírus”.

    Em 30 de Julho de 2021, o Público escrevia que “a variante Delta”, então já dominante, “se propagava tão facilmente como a varicela à medida que os casos aumentam nos Estados Unidos e novas investigações sugerem que as pessoas vacinadas podem espalhar o vírus.”

    man sitting on bench reading newspaper

    Escrevia ainda que vários estudos mostravam “que indivíduos vacinados que foram infectados com a variante Delta podem ser capazes de transmitir o vírus tão facilmente como aqueles que não estão vacinados”, acrescentando que “as pessoas vacinadas que ficaram infectadas com a variante Delta têm cargas virais semelhantes àquelas que, não estando vacinadas, estão infectadas com a variante.”

    Alguém da imprensa contestou que não fazia sentido continuar com o certificado digital? Claro que não: o Público, então, continuava a sua cruzada para obter o “consenso social” em torno da vacinação, em vez de fazer jornalismo.

    Tanto assim que continuou a dar palco ao mais destrambelhado clínico desde os tempos de Viriato: Gustavo Carona, que não teve pejo em escrever o seguinte na sua croniqueta de 19 de Agosto de 2021 em prol da vacinação pediátrica: “A vacina previne infecção e transmissão na ordem dos 50 a 80%, diminui a carga viral caso infectada, e diminui os dias de potencial contágio. Ou seja, as crianças têm muito menos probabilidade de levar o vírus para casa, com o que daí possa vir.”

    Em 29 de Outubro de 2021, a “machadada final” em qualquer justificação científica para a manutenção do certificado digital: um take da Lusa, também publicado pelo Público, revelava que um artigo científico na revista The Lancet Infectious Diseases concluía que “as pessoas infectadas com a variante Delta do vírus SARS-CoV-2 registaram um pico de carga viral semelhante independentemente do estado de vacinação contra a covid-19”.

    white and black typewriter on table

    Porém, em 25 de Novembro de 2021, a generalidade da imprensa mainstream “aplaudiu” a medida do Governo de António Costa que usou o certificado para segregar não-vacinados, obrigando que este vergonhoso passaporte sanitário passasse a ser “obrigatório no acesso a restaurantes, estabelecimentos turísticos e alojamento local, eventos com lugares marcados e ginásios” a partir do mês seguinte, e que esteve em vigor até finais de Fevereiro deste ano.

    Vergonhosamente, para branquear esta infâmia, o Público ainda deu palco a epidemiologistas que se venderam ao sistema, como Henrique Barros, como se viu numa entrevista inclassificável em 31 de Dezembro de 2021. Intitulava-se: “As vacinas são para prevenir uma doença que eu posso transmitir aos outros. Não são um tratamento individual”. De uma forma surpreendente, dizia ele, nessa altura, que “quando eu decido vacinar-me, eu estou a fazer um contrato entre mim e os outros em que beneficio eu porque me protejo e em que beneficiam os outros porque eu, ao proteger-me, também os estou a proteger. A vacina, como medida de saúde pública, é diferente de um tratamento que uma pessoa queira ou não queira fazer para a sua doença. Não é um tratamento, é um esforço de prevenção. Por outro lado, previne uma doença que eu posso transmitir aos outros; e transmito aos outros no lado mais indispensável do ser vivo, que é respirar.”

    Balelas. O essencial não era dito: as vacinas nunca provaram os pressupostos subjacentes ao certificado digital e, por maioria de razão, às medidas segregacionistas a si associadas.

    woman in black leather jacket wearing white framed eyeglasses covering her face

    Além disso, se prova ainda fosse necessária de que a vacina jamais teve a capacidade de evitar a infecção e a transmissão, basta observar o que sucedeu após o surgimento da variante Ómicron a partir de Novembro de 2021. Em menos de um ano, com uma taxa de vacinação de cerca de 85%, mais de 40% dos portugueses foram infectados (casos positivos). Ou seja, grosso modo, metade da população vacinada “alegremente” foi infectada e infectou-se…

    Nunca mais se ouviu alguém defender a capacidade das vacinas em evitar a infecção ou a transmissão do SARS-CoV-2. Só a Direcção-Geral da Saúde e o Instituto Nacional da Saúde, nos seus habituais relatórios de monitorização, a dizerem, sem se rir, que a malvada variante Ómocron (que, na verdade, foi uma “bênção” face às outras variantes, muito mais letais) tem “uma capacidade de evasão à resposta imunitária”… concedida pela vacina… e também concedida pelo soro fisiológico… ou pela água da torneira….

    Mas mais vergonhoso ainda foi ver o desprezo com que a comunicação social mainstream (não) acompanhou a consulta pública da renovação do certificado digital na primeira metade deste ano. Foi, de muito longe, o mais participado diploma legislativo em discussão na União Europeia, como o PÁGINA UM foi salientando durante o período de consulta pública, entre 3 de Fevereiro e 8 de Abril deste ano. Foram 385.463 comentários de cidadãos e entidades.

    silver and black framed eyeglasses on white textile

    Não houve nenhum debate. Nenhum órgão de comunicação mainstream fez uma só notícia sobre a validade da renovação, e, sem isso, pouca ou nenhuma relevância deram ao tema os nossos partidos políticos.

    Mas já deram notícia sobre a aprovação da renovação do certificado digital em Junho passado, por mais um ano.

    E continua em vigor, embora caduco, porque nenhum país já o usa, pela sua própria inutilidade.

    Mas não o devemos esquecer. Nunca. Nem esquecer que o papel da imprensa mainstream, da qual o Público é um paradigma, num dos momentos de discriminação mais torpes que se possa imaginar, porque colocou no papel de odioso as pessoas que, legitimamente, não se quiseram vacinar pelos mais diferentes motivos.


    Nota final: Como é do conhecimento público, não me vacinei, porque, com base na Ciência, confiei nos estudos que foram confirmando e reforçando os dados sobre a imunidade natural, após ter ficado doente, e em estado bastante grave, em Junho do ano passado.

    Tenho acompanhado os meus níveis de imunidade natural realizando, desde Dezembro passado, análises serológicas (IgG) com periodicidade trimestral. No passado mês de Julho, testei positivo e com sintomas bastante ligeiros compatíveis com a variante Ómicron, confirmando assim a forte e duradoura imunidade natural, que prescinde a toma de vacina em condições normais, mesmo por pessoas que tiveram em estado grave numa primeira infecção.

    Poucos dias depois desta reinfecção, fiz novo teste serológico com um resultado de 846 BAU/ml, que confronta com os 331 BAU/ml que obtivera em finais de Junho, pouco antes da infecção. Estava, portanto, com imunidade natural antes dessa nova infecção; reforcei a imunidade natural com a nova infecção. Estou, portanto, com a imunidade reforçada porque não andei a fugir do vírus.

    Considero que, com base nos estudos e dados disponíveis, a Ómicron apresenta, independentemente da eficácia das vacinas, uma muitíssima menor taxa de letalidade face às anteriores variantes, sem prejuízo de continuar a ser uma infecção respiratória eventualmente relevante para pessoas vulneráveis. A Ciência deve prevalecer; não uma estúpida e incompreensível burocracia.

    Nunca usei nem usarei o certificado digital, mesmo tendo tido “direito”. Constitui um factor de discriminação sem qualquer justificação epidemiológica.

  • Um cartão de visita à leitura

    Um cartão de visita à leitura

    Título

    Guia para 5o personagens da ficção portuguesa

    Autor

    BRUNO VIEIRA AMARAL

    Editora (Edição) 

    Guerra & Paz (Setembro de 2022) 

    Cotação

    15/20

    Recensão

    Entre 2013, ano da edição original deste Guia para as 50 personagens da ficção portuguesa, e o presente ano, o da sua reedição, Bruno Vieira Amaral transformou-se num dos mais respeitados escritores portugueses, com uma estreia auspiciosa que não tem esmorecido.

    O seu romance de estreia, As pequenas coisas, publicado então nesse ano de 2013, lançou-o logo para o estatuto de escritor “amadurecido”, arrebatando logo o Prémio Fernando Namora e o Prémio PEN Clube Narrativa, e dois anos mais tarde, o Prémio José Saramago, então para autores com menos de 35 anos – Bruno Vieira Amaral nasceu em 1978.

    Quatro anos mais tarde, o seu segundo romance Hoje estarás comigo no paraíso, recolheu o segundo lugar no Prémio Oceanos (Brasil) e foi finalista do Prémio Correntes d’Escritas, seguindo-se dois livros de contos e a biografia do escritor José Cardoso Pires (1926-1998), Integrado marginal, publicado no ano passado.

    Mas Bruno Vieira Amaral não nasceu literariamente em 2013. Nesse ano, trabalhava como assessor de comunicação da editora Quetzal e como crítico literário, sobretudo da revista Ler. E leria, leria muito, por certo.

    Na verdade, só quem for um leitor compulsivo se mostra capaz da ousadia de seleccionar meia centena de personagem de romances (e um conto, Léah, de José Rodrigues Miguéis), percorrendo todo o espectro literário português desde o século XIX até à actualidade, incluindo todos os movimentos artísticos, géneros e sensibilidades.

    Seguindo, como modelo assumido, o Livro dos seres imaginários, de Jorge Luis Borges e Margarida Guerrero, e o Dicionário dos lugares imaginários, de Alberto Manguel e Gianni Guadalupi, esta obra de Bruno Vieira Amaral é despretensiosa.

    E é despretensiosa no sentido de não ambicionar ser um ensaio nem sequer uma crítica literária, antes sim é uma “mostra”, um convite, através de personagens, à leituras de obras de ficção que, se não já lidas pelos leitores de maior “consumo literário”, pelo menos estarão com quase todos eles familiarizados, pelos títulos e autores.

    Assim, não surpreende que Bruno Vieira Amaral não apresente grandes surpresas na escolha de personagens (e romances e autores), sobretudo quando abrange o século XIX e a primeira metade do século XX. Revela apenas os “clássicos”, que constituem o cânone, e nada mais.

    O século XIX surge representado por nove obras / personagens, mas apenas de cinco escritores: Eça de Queirós (O primo Basílio; O crime do Padre Amaro; Os Maias; A relíquia), Camilo Castelo Branco (Amor de perdição; A queda dum anjo), Júlio Dinis (A morgadinha dos canaviais; Uma família inglesa); Alexandre Herculano (Eurico, o presbítero) e Almeida Garrett (Viagens na minha terra).

    A primeira metade do século XX – que, apesar da crescente alfabetização da população, e concomitantemente da oferta de livros, foi de certa pobreza literária – encontra-se ainda menos representada. No primeiro quartel, Bruno Vieira Amaral escolheu somente Lúcio Vaz, de As confissões de Lúcio, de Mário Sá Carneiro, publicado em 1914, e António Malhadinhas, de O Malhadinhas, de Aquilino Ribeiro, de 1922. Depois, só duas obras do neorrealismo, quase óbvias: Gaibéus (1939), de Alves Redol; e Esteiros (1941), de Soeiro Pereira Gomes.

    Mau tempo no canal (1949), de Vitorino Nemésio, é a antecâmara de um período literário que aparentemente agradou bastante a Bruno Vieira do Amaral, porquanto na década de 50 encontramos as personagens principais de Uma abelha na chuva (1953), de Carlos Oliveira; A sibila (1954), de Agustina Bessa Luís; de Seara de vento (1958), de Manuel da Fonseca; de Léah, (1958), de José Rodrigues Miguéis; de Bastardos do sol (1959), de Urbano Tavares Rodrigues, e de Aparição (1959), de Virgílio Ferreira.

    Mais romances, portanto, do que aqueles que surgem desde a década de 60 até ao fim do Estado Novo. Neste período, Bruno Vieira Amaral apenas nos mostra quatro personagens de obras de Marcello Mathias, Fernando Namora, Natália Correia e José Cardoso Pires.

    No período democrático, e pela proximidade geracional, não faltam, até ao final do século XX, personagens de obras dos escritores mais emblemáticos deste período, como José Saramago (com Baltasar e Blimunda, em Memorial do convento; e um dos heterónimos de Fernando Pessoa, em O ano da morte de Ricardo Reis), Jorge de Sena, Fernando Assis Pacheco, Dinis Machado, David Mourão Ferreira, Fernando Dacosta, António Alçada Baptista, José Cardoso Pires (que repete a sua presença, desta vez com Alexandra Alpha, de 1987), João Aguiar, Baptista Bastos, Lídia Jorge, João de Melo, Mário Zambujal e Clara Pinto Correia, apenas surgindo aqui dois (então) jovens escritores: José Riço Direitinho (com Breviário das más inclinações, publicado em 1994, aos 29 anos) e Manuel Jorge Marmelo (com Portugués, guapo y matador, em 1997, ao 26 anos).

    Embora a obra de Bruno Vieira Amaral distribua os personagens e as obras que eles enchem de forma aparentemente ao correr da pena – ou seja, sem ter uma linha cronológica nem alfabética –, as obras de autores do presente século são justificadamente escassas. Estão aqui assim personagens de romances de Miguel Sousa Tavares (Equador), Mário de Carvalho (A sala magenta), Hélia Correia (Lillias Fraser), J. Rentes de Carvalho (A amante holandesa), Miguel Real (A ministra) e Francisco José Viegas (Um crime capital).

    Haverá, por certo quem possa identificar falhas ou injustiças, ou aqui e ali julgar ser exagerado a inclusão de uma ou outra personagem nesta colectânea ou antologia, mas, como se disse, esta obra de Bruno Vieira Amaral é despretensiosa – e, acrescentar-se-ia, de grande honestidade e até generosidade, constituindo-se sobretudo como um cartão de visita à leitura.

  • O Pacto de Silêncio dos media mainstream vai rebentar quando?

    O Pacto de Silêncio dos media mainstream vai rebentar quando?


    Se um dia nos tivessem dito que iríamos testemunhar uma onda de supressão de informação de relevo para a população, por parte dos maiores grupos de comunicação social, daríamos uma gargalhada. Diríamos que jamais isso aconteceria a não ser que Portugal deixasse, obviamente, de ser uma Democracia. Que a Europa, por qualquer catástrofe, se transformasse numa espécie de “Federação” totalitária. Pois, era isso que faríamos. Mas enganar-nos-íamos, porque esse dia chegou.

    Assistimos nas últimas duas semanas – pelo menos – à divulgação de informação crucial, que em outros tempos seria abertura de noticiários e faria manchete nos diários. Informação tão relevante que tem gerado a indignação de milhões em todo o Mundo.

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    O que fez a imprensa mainstream? Fez aquilo que tem feito nos últimos dois anos. Manteve o Pacto de Silêncio. Simplesmente fingiu e finge que nada aconteceu. Que nenhuma revelação foi feita. Manteve o seu Pacto de Silêncio também com as gigantes tecnológicas. E se um órgão de comunicação social independente ou um jornalista independente noticiasse a informação – como fez em alguns destes casos o PÁGINA UM –, esperava-o o ostracismo e a censura nas redes sociais. Mesmo agências noticiosas – cuja função é noticiar a actualidade e fornecer notícias aos restantes meios de comunicação social – fingem que nada se passa.

    E pur si muove! – assim terá dito Galileu Galilei, quando foi obrigado a renegar a visão heliocêntrica do Universo perante o santo Ofício. Apesar deste Pacto de Silêncio, apesar da censura, passa-se algo. Mesmo que os principais media finjam que não, as pessoas vão acabar por descobrir a informação que está a ser sonegada pela imprensa mainstream, de uma maneira ou de outra.

    Comecemos pelo “segredo” mais mal guardado, porque não se passou numa esconsa cave de uma aldeia recôndita, mas no Parlamento Europeu. Trata-se da audição de uma responsável da farmacêutica norte-americana Pfizer perante os eurodeputados de uma comissão sobre a gestão da pandemia de Covid-19. 

    Audição de Janine Small no Parlamento Europeu

    A representante da Pfizer, Janine Small, admitiu, sem pestanejar, que a farmacêutica norte-americana nunca testou a sua “vacina” contra a covid-19 para apurar se evitaria a transmissão do vírus SARS-CoV-2 quando foi pedida a autorização do uso de emergência para este fármaco. Recorde-se que, há mais de um ano, assumindo que o dito fármaco conseguiria “estancar” a transmissão entre vacinados, foi criado o impensável certificado digital covid, que segregava a população que optava por não se vacinar, quer porque acreditava na imunidade natural, quer porque considerava não estar em grupo de risco, quer por receio dos efeitos adversos, quer por outras quaisquer razões.

    As pessoas que não tinham certificado foram impedidas de viajar, de entrar em restaurantes ou espectáculos, olhadas com desdém ou censura social, colocadas como entes insensíveis, irresponsáveis ou até criminosas. Pessoas foram ameaçadas. Trabalhadores perderam os seus empregos. Cidadãos foram forçados a tomar as novas vacinas para poderem circular, trabalhar, estudar…

    Numa conferência de imprensa realizada ontem, seis eurodeputados exigiram, de novo, que seja fornecida mais informação sobre as vacinas contra a covid-19, muita da qual se mantém secreta. O PÁGINA UM continua a ser o único órgão de comunicação em Portugal que tem lutado por conhecer essa informação, que o Infarmed continua a sonegar desde Dezembro do ano passado e que o Tribunal Administrativo anda para decidir desde Abril.

    Também foi pedida a realização de uma comissão de inquérito sobre a gestão da covid-19 para que os cidadãos europeus possam ser informados sobre a verdade que se mantém escondida em torno da segurança e eficácia das vacinas contra a Covid-19 e os contratos secretos feitos entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas.

    Para as pessoas que não tomaram as novas vacinas e que foram perseguidas e discriminadas, apurar a verdade é crucial. Mas o apuramento dos factos é ainda mais importante para os milhões de europeus que foram levados a tomar as novas vacinas, muitos sob coacção.

    Neste tópico, até se compreende que os media mainstream queiram meter a cabeça na areia. Afinal, eles desempenharam um papel fundamental em “vender” as novas vacinas à população e a quase “criminalizar” todos os que não as tomaram.

    Entretanto, do outro lado do Atlântico, no estado norte-americano da Califórnia, uma nova lei prevê a punição dos médicos que se oponham ou meramente questionem as políticas de saúde oficiais. Sim, leu bem. O estado da Califórnia tornou ilegal que qualquer médico discorde do governo em matérias sobre saúde. Se ainda não está chocado, vamos prosseguir.

    Na Califórnia, médicos podem ser punidos se discordarem das orientações políticas.

    Até porque, entretanto, na Florida, as autoridades de Saúde lançaram uma nova recomendação no sentido de não se vacinarem os homens com idades entre os 18 e 39 anos com vacinas mRNA. 

    A recomendação está fundamentada num estudo científico oficial do Departamento de Saúde da Florida que apurou a a ocorrência de um aumento de 84% de incidência de mortes relacionadas com problemas cardíacos entre os homens dentro daquela faixa etária nos 28 dias após a vacinação. Adiantou que, “com o elevado nível de imunidade à covid-19 que existe a nível global, o benefício de vacinar é inferior a este risco anormal de mortes por problemas cardíacos entre os homens neste grupo de idades”. Joseph Ladapo – cirurgião-geral da Florida, homónima da “nossa” Graça Freitas –, doutorado em Políticas de Saúde na Universidade de Harvard, partilhou essa recomendação na sua conta oficial na rede social Twitter

    E o que aconteceu logo? Seguindo a perigosa tendência de censura das grandes tecnológicas, o Twitter apagou-lhe a recomendação oficial. Assim. A onda de choque que o acto de censura gerou fez com que o Twitter voltasse a repor o tweet. Mas o mal estava feito e o sinal dado: já não vivemos numa democracia e foi eliminada a liberdade de expressão no mundo dito ocidental.

    Mas, perguntam: isto saiu em algum órgão de comunicação social mainstream em Portugal? Não vimos nada.

    A prova definitiva – se é que era necessária – de estarmos numa época de censura, ainda mais “apadrinhada” pela imprensa mainstream, chegou após a publicação, no final de Setembro, de um artigo cientifico de um reputado médico e especialista em Medicina Baseada em Evidência. O artigo, que foi revisto por pares, pedia a suspensão da administração das vacinas contra a covid-19 por questões de segurança. O autor do estudo, Aseem Malhotra, até promoveu a toma das vacinas contra a covid-19, mas mudou de opinião devido aos seus efeitos adversos, sobretudo nos mais jovens e jovens adultos, e à baixa eficácia observada na prevenção da infecção e transmissão do SARS-COV-2.

    O Facebook suspendeu a conta do reputado cardiologista por três dias, mas no futuro poderá suspender por muito mais tempo. Malhotra acusou entretanto o Facebook de ser “uma ameaça à democracia” por “deliberadamente suprimir a liberdade de expressão e a verdade sobre o produto mRNA” e frisou que Mark Zuckerberg é um inimigo da democracia e que “é assim que deve ser mencionado”.

    Facebook tem aplicado, nas últimas semanas, “castigos” por causa de posts com referências à covid-19, mesmo se citando artigos científicos.

    Aliás, o PÁGINA UM noticiou as conclusões do artigo científico e foi alvo de censura no Facebook, que apagou também o post sobre a notícia, num aparente “processo de silenciamento em curso“.

    Estas censuras nas redes sociais são tornadas possíveis com a ajuda dos media tradicionais e de supostas empresas de “verificação de factos”, cujas análises, muitas vezes erradas e pobres, conduzem à censura de informação nas plataformas como o Facebook.

    Vale a pena lembrar que as grandes tecnológicas financiam empresas e media para fazerem “verificação de factos”. Ora, estas empresas seguem as guidelines das grandes tecnológicas. Muitas são financiadas quase na íntegra pelas tecnológicas, como sucede com o português Polígrafo que recebeu 860 mil euros do Facebook em apenas dois anos. Isto significou 91% do total das receitas. Ou seja, o Polígrafo trabalha para o Facebook, não para os seus potenciais leitores.

    Ou seja, aquilo que aparentemente seria positivo – a luta contra a desinformação – está a ser o alimento de um “monstro”, promovendo a censura mesmo de factos e informações verídicas, bastando que contrariem aquilo que é “aceite” como “verdade” pelos “verificadores de factos” e as grandes tecnológicas.

    Mas há casos cada vez mais graves, e que transcendem matérias de Saúde e as redes sociais. Na semana passada, a Repórtes Sem Fronteiras denunciou que o Tribunal do Comércio francês ordenou que o jornal Reflets parasse de publicar artigos sobre o grupo Altice e o seu presidente-executivo, Patrick Drahi. A RSF considera a decisão uma “violação da lei da Imprensa”, não apenas porque “o tribunal impõe uma proibição em relação a artigos ainda não publicados” mas também por recusar “aplicar a excepção jornalística especificada na lei sobre segredo comercial”.

    O jornal francês veio já, contudo, garantir que não respeitará o tribunal, mas e aqui: alguém escreveu sobre este tema na imprensa mainstream? Não.

    Para terminar, outra notícia de relevo que praticamente passou despercebida em Portugal – somente o Observador abordou hoje o tema – é a revelação de que a empresa de comunicação e relações públicas Weber Shandwick tanto trabalha para a Pfizer e a Moderna como para a poderosa CDC – Centers for Disease Control and Prevention, a agência de saúde norte-americana, que muito tem promovido a vacinação contra a covid-19, incluindo de crianças.

    Repórteres Sem Fronteiras denunciaram proibição ilegalmente decretada pelo Tribunal de Comércio francês

    Note-se que a revelação foi feita por um pequeno órgão de comunicação social, o The DisInformation Chronicle.

    O óbvio conflito de interesses existente está a gerar celeuma, com a CDC a ser criticada pela contratação daquela firma que está comprometida com as duas fabricantes de vacinas contra a covid-19. A empresa disse ao Daily Mail que levou a cabo um “processo completo de verificação e mitigação para evitar conflitos de interesse”, mas isso parece-nos música para os ouvidos.

    Acontecimentos e informações como os descritos acima, e muitos outros, não são mencionados na maioria dos principais órgãos de comunicação social, os quais são grandes aliados das tecnológicas que operam redes sociais. Estas duas indústrias criaram uma simbiose artificial, alimentada por financiamento e interesses mútuos, para agradar ao grande poder económico e às “autoridades” que dependem de políticos.

    Que existe um Pacto de Silêncio entre os grandes grupos de media nacionais e internacionais e as tecnológicas, que de forma dominadora e em oligopólio operam redes sociais, disso não há qualquer dúvida. Que esse Pacto de Silêncio é já óbvio para muitos, também não há dúvida.

    Quanto tempo vai levar até que essa barragem de censura nacional e global rebente, é a dúvida que permanece.

    A batalha pelo jornalismo, os factos, a transparência, essa vai prosseguir. E todos temos responsabilidade para que o desfecho seja apenas um: a vitória da liberdade e da verdade. O PÁGINA UM não quer apenas testemunhar esse evento; quer agir para que suceda.

  • Vidas e dramas dos génios

    Vidas e dramas dos génios

    Título

    As guerras de Albert Einstein (1/2)

    Autores

    FRANÇOIS DE CLOSETS, CORBEYRAN e ÉRIC CHABBERT (tradução: Ana Maria Pereirinha)

    Editora (Edição)

    Gradiva (Setembro de 2022)

    Cotação

    16/20

    Recensão

    Conhecida sobretudo por ser uma editora de obras científicas, apesar dos retumbantes sucessos comerciais dos romances de José Rodrigues dos Santos, a Gradiva tem vindo a apostar cada vez mais na banda desenhada, ajudando a conhecer algumas figuras ímpares.

    Destaque-se, por exemplo, a colecção Descobridores, sobre as vidas de Fernão de Magalhães, Charles Darwin, Tenzing Norgay e Marco Polo; a colecção Grandes Figuras da História, sobre as vidas de Lenime, Chirchill, Estaline e Mai Tse-Tung.

    Não estando em nenhuma destas colecções, As Guerras de Albert Einstein, em dois volumes, contribui para trazer (mais) luz sobre um dos mais brilhantes génios do século XX, através da pena e do traço de um trio francês de luxo: Françoise de Closets – jornalista e ensaísta de 88 anos, e autor de uma biografia deste físico –, Corbeyran – que aos 57 anos é um dos mais destacados escritores de banda desenhada do Mundo – e ainda Éric Chabbert, autor dos desenhos.

    Mais do que retratar Einstein como cientista, cada um dos volumes – embora apenas se tenha ainda contemplado o primeiro – destaca dois períodos-chave da sua vida e do Mundo no século XX: a I Guerra e a II Guerra Mundial.

    No primeiro período, vemos o pacifista Einstein num episódio marcante do primeiro grande conflito mundial que envolve a participação do seu amigo Fritz Haber – um brilhante químico inventor do fabrico do amoníaco para fomento agrícola e que seria galardoado com o Prémio Nobel em 1918 – no esforço de guerra alemão, através do iníquo desenvolvimento de armas químicas à base de cloro, usadas primeiramente na batalha de Ypres em 1915. Este evento teria uma trágica consequência: o suicídio da mulher de Fritz Haber.

    Numa obra desta natureza, mostra-se difícil dar densidade psicológica aos personagens – ainda por cima bem reais –, mas a estratégia dos autores e os próprios desenhos ajudam a dramatizar cada um dos episódios. Não apenas os dilemas dos dois cientistas (Einstein, um pacifista, e Haber, um pragmático), mas também os dramas das suas relações com as respectivas mulheres (Mileva e Clara), ambas de grande inteligência, mas “condenadas” por viverem com dois génios num período histórico que não lhes dava liberdade plena para ombrearem com eles.

    Na verdade, para quem se debruça neste breve primeiro volume de banda desenhada, por certo quererá buscar mais sobre a vida não apenas de Albert Einstein (alguns anos antes de ser galardoado com o Prémio Nobel da Física, em 1921), mas em especial de Fritz Haber, de Mileva Marić e, ainda mais, sobre Clara Immerwahr.

  • Os fact-checkers e o suicídio da Ciência: os mosquitos agora andam sempre por cordas

    Os fact-checkers e o suicídio da Ciência: os mosquitos agora andam sempre por cordas


    Antes, os debates científicos faziam-se na academia e nas revistas científicas. Sempre. Era modo lento, mas eficaz. A Ciência não evolui segundo a espuma dos dias. Outros tempos. Agora, a Ciência impõe-se na Internet, consolida-se nas redes sociais. O debate científico ganha-se no imediato, elimina-se uma tese em meia dúzia de dias, bastando para a vitória que se tenha a possibilidade de decretar um veredicto, geralmente através de um popular fact-checking reconhecido, por exemplo, pelo Facebook.

    Isto a pretexto de um artigo científico do cardiologista Aseem Malhotra, publicado em 26 de Setembro passado no Journal of Insulin Resistance, e da sua validade científica.

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    O PÁGINA UM divulgou-o três dias mais tarde, pela relevância da temática, e porque começam a surgir cada vez mais estudos independentes sobre os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19. A restante imprensa mainstream ignorou completamente. Se juntarmos a postura obscurantista das farmacêuticas e das entidades de regulação – veja-se o exemplo do Infarmed –, dar destaque a este tipo de estudos visa sobretudo lançar o debate.

    Porém, não pode ser tolerável a manutenção do modus operandi dos dois primeiros anos da pandemia que impuseram um unanimismo e uma ausência de debate, através da ostracização e mesmo perseguição de todos aqueles que, muitas vezes com argumentos sólidos, procuraram “dar luz” a um problema.

    Sobre o artigo de Malhotra – e até mais ainda o da autoria de um grupo de investigadores italianos, que o PÁGINA UM divulgou no passado dia 6 de Outubro –, esperar-se-ia um amplo debate. Mas tal não sucedeu.

    Aquilo que ocorreu foi um veredicto na Science Feedback feito por Iria Carballo-Carbajal, uma reputada especialista catalã… em doença de Parkinson, que determinou que o artigo de de Aseem Malhotra não tem “suporte científico” (Unsupported), acusando-o também de cometer cherry-picking.

    A análise do artigo de Aseeem Malhotra no Science Feedback (secção Health Feedback) foi feita apenas oito dias após a sua publicação original.

    Este tipo de veredictos fulminantes (nas palavras e na rapidez) supostamente científicos são, na verdade, a anti-Ciência no seu máximo esplendor, porque não são isentos nem ingénuos.

    A análise académica de um artigo científico não se faz em meia dúzia de dias nem é publicado num site de fact-checking. Até porque o site em causa, embora seja se apresentado como “uma organização apartidária e sem fins lucrativos dedicada à educação científica”, está longe de provar a sua independência.

    Com efeito, a Science Feedback, além de fazer recrutamento de cientistas para que ali escrevam, é membro da denominada Vacine Safety Net, promovida pela Organização Mundial da Saúde, e que tem como membros (financiadores) diversas entidades governamentais (como o CDC) ou dos lobbies associados ao sector farmacêutico, como a GAVI, ligada à Fundação Bill e Melinda Gates.

    Além disso, apesar de compor uns bonitos Communuty Standards, não revela quem são especificamente os seus responsáveis (apenas os editores), nem sequer tem um contacto físico ou um endereço de correio electrónico directo. A comunicação faz-se por mero formulário. Anda-se, enfim, a brincar com coisas sérias. A Ciência não se pode basear em coisas destas.

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    Pode até o estudo de Malhotra – e tantos outros – serem uma fraude, tal como foram muitos outros que apresentaram as vacinas como contribuindo para a imunidade de grupo – e que levaram à iníqua segregação de não-vacinados em Estados democráticos durante meses – ou que cantaram loas a absurdas medidas não-farmacológicas.

    Porém, uma coisa me parece evidente: para se “derrotar” uma tese ou um artigo científico dever-se-ia sempre seguir a “velha escola”, ser feita através de um debate na academia, e não através das redes sociais, onde fact-checkers, de mãos não completamente impolutas, sentenciam que determinado “herege” não merece falar e deve ser silenciado.

    A Ciência não pode continuar a portar-se assim. Será o seu suicídio.