Etiqueta: Pedro Almeida Vieira

  • Caso Gouveia e Melo: carta aberta à Entidade Reguladora para a Comunicação Social a pretexto de mais um procedimento oficioso contra o PÁGINA UM por um queixoso escondido

    Caso Gouveia e Melo: carta aberta à Entidade Reguladora para a Comunicação Social a pretexto de mais um procedimento oficioso contra o PÁGINA UM por um queixoso escondido


    Exmo. Senhor Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC),

    Juiz Conselheiro Sebastião Póvoas:

    Recebi esta tarde uma comunicação da Directora do Departamento de Análise de Media da ERC, comunicando-me ter V. Exa., como Presidente do Conselho Regulador, decidido a abertura de um procedimento oficioso por causa da notícia do PÁGINA UM intitulada “Gouveia e Melo ‘mercadejou’ administração de vacinas a médicos não prioritários uma semana após tomar posse na task force”, alvo de uma participação de alguém que os documentos que me foram enviados não identifica. Deduz-se, porém, quem seja.

    No ofício da ERC refere-se que os “factos alegados” pela tal pessoa não identificada “podem, eventualmente, colocar em acusa o dever de rigor informativo (..) do Estatuto do Jornalista”.

    Gouveia e Melo, actual Chefe do Estado-Maior da Armada, foi coordenador da task force. Uma semana após a tomada de posse, começou logo a fazer aquilo que prometera não permitir: vacinações à margem das prioridades definidas pela DGS, conforme investigação do PÁGINA UM publicada em 12 de Dezembro passado, após acesso a documentos administrativos na posse da Ordem dos Médicos, por determinação de sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Não diz a ERC, porém, quais os aspectos em concreto em que posso não ter sido rigoroso. A ERC parte para um procedimento oficioso sem que o seu “alvo” saiba sequer em concreto quais as eventuais falhas em termos de rigor informativo que tenha cometido.

    Por esse motivo, deveria ter sido remetido o conteúdo integral da participação, incluindo o seu autor, porque isso pode determinar os argumentos da minha, enfim, defesa.

    Por exemplo, o queixoso pode até ignorar que o artigo possui uma hiperligação para os e-mails consultados pelo PÁGINA UM na Ordem dos Médicos, no decurso de uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, e que consubstanciam tudo o que se encontra relatado na notícia em causa.

    Ou pode também o ignoto queixoso desconhecer (ou não) que o PÁGINA UM remeteu, por duas vezes, perguntas ao senhor Ministro da Saúde sobre as matérias referidas: primeira vez, no dia 5 de Dezembro passado; segunda vez, uma semana depois, em 12 de Dezembro, no próprio dia da publicação do artigo em causa.

    Primeira página do ofício da ERC comunicando a abertura de um procedimento oficioso.

    Pode também o escondido queixoso ignorar que houve uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa que possibilitou o acesso à totalidade dos documentos de uma campanha supostamente organizada pela Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos, e que portanto se teve acesso a toda a documentação envolvendo o processo de vacinação de médicos à margem das normas à data existente (Norma 002/2021).

    Na altura do acordo, em Fevereiro de 2021, e que efectivamente envolveu um pagamento ao Hospital das Forças Armadas, os médicos vacinados durante este expediente não estavam integrados nos grupos prioritários da Fase 1, que apenas incluíam “profissionais de saúde diretamente envolvidos na prestação de cuidados da doentes”, bem como aqueles que estivessem a prestar serviços em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (vulgo, lares de idosos) e Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados.

    E pode até também o obscuro queixoso ignorar todos os contactos que o PÁGINA UM estabeleceu ou tentou estabelecer.

    Como saberá, a task force é uma estrutura criada por um simples despacho, sem qualquer autonomia própria, dependente do Ministério da Saúde, uma vez que as atribuições concedidas ao “núcleo de coordenação” estavam sempre sob a liderança da Direcção-Geral da Saúde (DGS), Infarmed, Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS). Basta saber ler o artigo 4º do Despacho nº 11737/2020, de 26 de Novembro.

    E portanto, ainda mais havendo documentos que comprovam o que se escreveu, como jornalista tinha e tenho a liberdade de definir como conduzir uma investigação jornalística, se deve esta ser acompanhada por declarações e, nesse caso, quem são os responsáveis dentro de uma estrutura administrativa do Estado que devo auscultar.

    Entre um responsável de uma “estrutura de missão” (sem autonomia, mesmo se circunstancialmente ocupada por alguém mediaticamente conhecido) e o ministro da Saúde – que tutela todas as cinco entidades públicas com papel de liderança elencada no despacho (DGS, Infarmed, INSA, ACSS e SPMS), optei por colocar as questões ao ministro.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde, foi questionado por duas vezes durante a investigação do PÁGINA UM. Nunca respondeu.

    E optei, hélas, sem ouvir ninguém nem pedir autorização a ninguém. Nem sequer ao director do PÁGINA UM, porque se dá a circunstância de ser eu próprio o director. Nem sequer a um accionista ou sócio, porque se dá a circunstância de o PÁGINA UM ser gerido por uma sociedade por quotas da qual sou detentor maioritário. Nem sequer um anunciante, porque se dá a circunstância se não termos publicidade nem nenhuma parceria comercial.

    Enfim, opções…

    Ora, mas sempre direi agora a V. Exa. que não ponderei efectivamente solicitar uma consulta prévia à ERC, e em particular a V. Exa., para saber quem deveria ouvir para a elaboração do citado artigo de investigação jornalística.

    Em todo o caso, deduzi que, colocadas as questões ao senhor ministro da Saúde, se o senhor ministro da Saúde achasse que as questões deveriam ser colocadas antes ao senhor almirante Gouveia e Melo (que já nem sequer estava na task force), então deveria ter-me sugerido essa “solução”.

    Investigação do PÁGINA UM prova que houve contrapartidas financeiras para o Hospital das Forças Armadas para serem liberadas vacinas para médicos não integrados no grupo prioritário pela Norma 002/2021 então em vigor.

    E eu teria então, mesmo assim, a liberdade de decidir se haveria de contactar ou não o senhor almirante. Porém, o senhor ministro da Saúde não só não fez nenhuma sugestão como nem sequer se dignou responder a um conjunto de questões do PÁGINA UM. Aliás, a identificação do queixoso que fez a participação à ERC mostra-se pertinente também por aqui: não vá dar-se o caso de ter saído do Ministério da Saúde. Ou da Ordem dos Médicos. Ou da própria ERC… Who knows?!

    Mas, obviamente, esta é a minha opinião de jornalista; ou diria mesmo, a convicção de jornalista, de que, no quadro de uma imprensa rigorosa, existe liberdade para se recolher prova documental – mesmo que se tenha de recorrer ao Tribunal para alcançar esse desiderato, por não ser possível outra forma mais “pacífica” e cordial num Estado democrático que se esperava transparente –, considerá-la mais relevante do que uma opinião, interpretar os factos e os documentos em causa, obter reacções de quem acha relevantes… E depois de tudo isto, e muito mais – que não convém revelar, para manter o sigilo das regras de um bom jornalismo investigativo –, expor tudo de uma forma clara e incisiva perante os leitores. Não esquecendo as provas documentais.

    Contudo, com mais esta participação acolhida por V. Exa. de braços abertos, concedo a possibilidade da existência de uma cartilha da ERC dispondo de critérios e algoritmos a seguir por escribas bem-comportados para a feitura de notícias fofinhas.

    Dir-lhe-ia que, existindo a cartilha, prescindo da dita. Mesmo se, com isso, seja por demais evidente que venha a ter mais uma censura por parte do Conselho Regulador da ERC sobre o rigor do PÁGINA UM. Estou pronto, desta vez, para emoldurar a deliberação censória como sinal de eu estar no bom caminho.

    Cumprimentos.

    Pedro Almeida Vieira

    Director do PÁGINA UM

  • Da hipocrisia ou da falta da dita

    Da hipocrisia ou da falta da dita


    O Expresso fez 50 anos. Deveria ter felicitado o jornal, onde até colaborei durante cerca de sete anos, quatro dos quais de uma forma muito intensa (devo ter escrito cerca de meio milhar de artigos).

    Não o fiz, porque não sou hipócrita.

    O Expresso foi um dos jornais que, no final de Dezembro de 2021, participou activamente numa campanha para decepar à nascença a credibilidade do PÁGINA UM e a minha credibilidade, apenas por seguir uma linha de pensamento e de intervenção jornalística contrária ao regime sobre a pandemia.

    Enquanto o PÁGINA UM exigia informação; jornais instalados, como o vetusto Expresso, seguiram a narrativa. Acriticamente. Não fez jus ao papel do jornalismo em tempos difíceis. Isento e crítico.

    O galardão da Ordem da Liberdade que recebeu na sexta-feira passada é, na verdade, um prémio pelo servilismo dos últimos anos.

    Em todo o caso, concordo com uma frase do actual director do Expresso: ”É preciso pagar pela informação de qualidade”.

    Mas como a frase foi dita num evento patrocinado pela Altice, BPI, Hyundai e Navigator (nem num aniversário o marketing dos media mainstream descansa), não sei se, para João Vieira Pereira (director do Expresso), a qualidade da informação é conceito a ser avaliado pelos anunciantes e patrocinadores ou pelos leitores.

  • Epístola aos pangolins sobre variantes

    Epístola aos pangolins sobre variantes


    São Francisco de Sales é o padroeiro dos jornalistas; por isso, no podcast Que nos salves, São Francisco de Sales, Pedro Almeida Vieira destacará sobretudo os absurdos do nosso jornalismo mainstream. Neste episódios inaugural aborda os constantes anúncios pela imprensa de novas variantes do SARS-CoV, sempre (supostamente) mais perigosas do que a anterior, omitindo que, durante a pandemia, foram identificadas mais de 2.200 variantes. Ou seja, as novas variantes sempre foram o pão-nosso-de-cada-dia. Para demonstrar isso mesmo, Pedro Almeida Vieira acaba a ditar, uma a uma, as 891 variantes actualmente activas listadas no PANGOLIN (acrónimo de base de dados Phylogenetic Assignment of Named Global Outbreak Lineages), das quais 459 identificadas no ano de 2022. Por isso, este podcast tem 48 minutos, em vez da meia dúzia de minutos, porque quase 40minutos são “gastos” a ditar as denominações das 891 variantes actualmente activas.

    Acesso: LIVRE

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  • Fundo Jurídico e a luta de um David contra os Golias: o balanço de 2022 e um alerta sob a forma de apelo

    Fundo Jurídico e a luta de um David contra os Golias: o balanço de 2022 e um alerta sob a forma de apelo


    Desde a sua fundação, o PÁGINA UM quis mostrar que não era apenas mais um jornal. Mesmo com parcos meios, tomámos a decisão de pressionar as entidades públicas a disponibilizarem informação e procurámos quebrar o manto de obscurantismo que a Administração da república foi criando, perante a passividade da imprensa mainstream.

    Não há memória de um jornal, antes do PÁGINA UM, que tivesse solicitado tantos pareceres à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) como fizemos desde finais de 2021.

    No entanto, apercebemo-nos que os pareceres não-vinculativos não bastavam. As entidades públicas (ou melhor, as pessoas que as lideram, incluindo políticos) estão a marimbar-se para a CADA e para a transparência.

    Por isso, tomámos a resolução de criar o FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM, em Abril do ano passado, logo que reunimos as condições para ter o patrocínio do Dr. Rui Amores, como advogado do PÁGINA UM – e em condições excepcionalmente especiais.

    Nos últimos nove meses, graças aos leitores do PÁGINA UM, conseguimos “revolucionar” a luta contra o obscurantismo reinante, e mesmo com parcos meios dirigimo-nos ao último reduto de um sistema democrático que não funciona: entrámos com processos de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Em oito meses, entrámos com 14 processos de intimação para acesso a documentos administrativos, sempre também invocando, além da legislação neste sector, o papel fundamental da imprensa e o direito de acesso à informação. Não receámos consequências nem tivemos contemplações, fosse qual fosse a entidade envolvida que nos recusasse acesso a documentos.

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    Como saldo, por agora, das nossas acções, tivemos:

    • Duas vitórias definitivas, já transitadas em julgado (Inspecção-Geral das Actividades em Saúde; e Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos).
    • Cinco vitórias em primeira instância (Conselho Superior da Magistratura; Ordem dos Médicos; Ministério da Saúde; Administração Central do Sistema de Saúde; Entidade Reguladora para a Comunicação Social), que se encontram em recurso no Tribunal Central Administrativo Sul. No caso do processo do Ministério da Saúde, relativo ao acesso à base de dados e outros documentos, foi o PÁGINA UM que recorreu por lhe ter sido concedida apenas razão parcialmente.
    • Quatro processos em curso no Tribunal Administrativo de Lisboa (Infarmed; Instituto Superior Técnico; Comissão da Carteira Profissional de Jornalista; e Ministério da Saúde).
    • Duas derrotas em primeira instância (Banco de Portugal e Ministério da Saúde), com recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul.
    • Uma derrota definitiva, com acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, relativo ao processo contra o Infarmed para acesso à correspondência com a Agência Europeia do Medicamento.

    O PÁGINA UM esteve ainda envolvido em providências cautelares, tendo vencido um dos casos (Público), encontrando-se o outro (envolvendo a Entidade Reguladora para a Comunicação Social) em recurso no Tribunal Central Administrativo Sul.

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    Além do trabalho extraordinário do Dr. Rui Amores – que envolve não apenas as petições iniciais, mas sobretudo uma quantidade imensa de requerimentos, alegações e contra-alegações –, quase sempre contra sociedade de advogados pagos principescamente, esta ciclópica luta do PÁGINA UM em prol da transparência da Administração Pública só foi possível com o extraordinário apoio dos nossos leitores.

    Desde Abril do ano passado – portanto, em cerca de nove meses – recolhemos, em termos líquidos (descontadas as comissões da plataforma MightyCause), um total de 12.642,90 euros que serviram assim para suportar as custas dos 14 processos de intimação e das duas providências cautelares, bem como diversos e modestos gastos de representação. Em termos de receitas, acresce os recebimentos de partes das despesas processuais em processos ganhos (1.300,50 euros).

    Os encargos inerentes a estes processos são enormes. Apenas em taxas de justiça são 306 euros pela entrada do processo, a que acresce similar valor em caso de recurso, mesmo que tenhamos ganhado na primeira instância.

    Em processos que saíamos vencedores, além da documentação, podemos ser ressarcidos em parte das despesas. Mas se perdermos – como já sucedeu num processo contra o Infarmed, que acabou por mostrar que o “segredo comercial” das farmacêuticas vale mais do que a Saúde Pública –, acrescem mais despesas para o PÁGINA UM. Por exemplo, se somarmos as taxas de justiça e as custas processuais desse processo perdido, as despesas do PÁGINA UM aproximaram-se dos 1.500 euros.

    Neste momento, o balanço contabilístico do FUNDO JURÍDICO é de 1.067,87 euros no final de 2022. Podem consultar AQUI a discriminação das receitas e despesas, e também AQUI a discriminação das transferências líquidas da plataforma MightyCause.

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    Sobre o balanço daquilo que já fizemos com estes processos – grande parte ainda em curso – em prol da transparência da Administração Pública e em defesa de uma plena democracia, devem ser os leitores a avaliar.

    Em todo o caso, o actual balanço contabilístico do FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM – com um saldo pouco superior a 1.000 euros no final do ano de 2022– está a condicionar fortemente as acções futuras junto dos tribunais, sobretudo pela morosidade das decisões que nem sequer permitem que haja ressarcimento das taxas de justiça.

    Nessa medida, este Editorial, além de servir para prestar contas, constitui um apelo de cidadania. O jornalismo do PÁGINA UM, e a sua função cívica, ainda mais conflituando com poderes instalados, só tem uma possibilidade de vingar: com o apoio efectivo dos leitores.


    Caso queira fazer um donativo dirigido em exclusivo ao FUNDO JURÍDICO, utilize preferencialmente a plataforma do MIGHTYCAUSE. Se preferir usar outros meios, pode assim recorrer mas agradecíamos um aviso para procedermos ao depósito na plataforma. Se necessitar de esclarecimentos, escreva-nos para geral@paginaum.pt. A gestão das verbas do FUNDO JURÍDICO, ao contrário das verbas destinadas à actividade do jornal (geridas pela Página Um, Lda.), é da minha inteira responsabilidade, de modo a serem consideradas donativos (e não receitas ou rendimentos), o que se mostra mais favorável contabilisticamente para o jornal.

  • Inflação, Euribor & mercados

    Inflação, Euribor & mercados


    No 3º episódio de Os Economistas do Diabo, Pedro Almeida Vieira e Luís Gomes sentam-se para conversar sobre a inflação, as consequências da subida da taxa Euribor e a evolução dos mercados financeiros. Caminharemos em 2023 para uma tempestade perfeita?

    Acesso: LIVRE

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  • Quer saber o que se esconde atrás das historietas das falsas urgências? Uma verdadeira carnificina de doentes agudos

    Quer saber o que se esconde atrás das historietas das falsas urgências? Uma verdadeira carnificina de doentes agudos


    Com a pandemia da covid-19 a dar as “últimas” – com uma taxa de letalidade de 0,1%, por via da Ómicron, por muito que certos media e peritos lhe tentem arranjar descendentes, incluindo “netas” perigosíssimas –, regressaram à normalidade os fluxos hospitalares. Por outras palavras: o caos no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

    Por muito que o Governo (agora socialista, mas poderia ser outro qualquer) apresente números de investimento, e mais médicos e mais enfermeiros e mais auxiliares, sabemos que fica sempre aquém do desejável para cuidar de uma população que teve o azar de conseguir que lhe “dessem” mais anos de vida, mas no país errado.

    black and white hospital bed in the middle of interior building

    Sucede assim que, num país com mais de um milhão de pessoas sem médico de família, e que mais do que duplicou a sua população de super-idosos em apenas duas décadas – o grupo dos maiores de 85 anos passou de 152 mil, no ano 2000, para 328 mil, em 2020 –, não deveria surpreender que os hospitais (e os serviços de urgência, em particular) fossem o primeiro e o último reduto para quem, repentinamente, se sente doente e desamparado. Ainda mais sabendo-se que a literacia sobre saúde é fraca, e as alternativas económicas de ter uma resposta privada rápida não é grande.

    Enfim, mas sabemos que, quando o fluxo aperta – isto é, a procura supera a oferta de serviço –, o Governo é lesto a convencer certa imprensa que a culpa é sempre da procura. E da má procura: ou seja, daqueles masoquistas que, supostamente não estando doentes, querem perder tempo e esgotar a paciência indo às urgências pela noite dentro, e madrugada fora, só chatear o Camões.   

    Evolução dos episódios emergentes (pulseira vermelha) entre 2017 e 2022. Fonte: SNS. Análise: PÁGINA UM.

    Sempre assim foi, antes da pandemia; e sempre assim será, agora que saímos da pandemia.

    Mas, na verdade, falar hoje nas estafadas falsas urgências é esquecer, é mesmo querer esquecer, aquilo que sucedeu nos últimos três anos, período em que praticamente não se falou de falsas urgências.

    De facto, não houve falsas urgências: houve sim, uma torrente de falsas informações e de umas quantas manipulações durante o triénio da dita pandemia – que teve o corolário com as ambulâncias em fila no Hospital de Santa Maria em certa (e única) noite de Dezembro de 2020 – com o trágico e execrável objectivo de desanuviar os serviços de urgência. E isso causou uma tragédia que jamais será investigada nem responsabilizada. É escondida. Mas mal-escondida; e por isso deve ser revelada.

    Evolução dos episódios muito urgentes (pulseira laranja) entre 2017 e 2022. Fonte: SNS. Análise: PÁGINA UM.

    Quando olhamos para os números de 2022 dos fluxos dos serviços de urgência em todo o SNS, verificamos, de facto, que se regressou quase à normalidade pré-pandémica, embora com um crescimento dos episódios pouco urgentes e não-urgentes. Ou seja, com, hélas, as chamadas falsas urgências.

    Comparando com o triénio 2017-2019, o ano de 2022 contabilizou mais 15,4% de pulseiras verdes (pouco urgente) e mais 12,7% de pulseiras azuis (não-urgentes). Foram mais cerca de 325 mil assistências que, efectivamente, poderiam ter tido atendimento em outros locais.

    Porém, aquilo que o Governo parece querer que esqueçamos – para além de um crescimento em 2022 da ordem dos 5,7% dos doentes muito urgentes (pulseira laranja) face à média do triénio pré-pandémico – é o “bonito” resultado dos apelos da Doutora Graça Freitas e dos responsáveis políticos do Ministério da Saúde para que os portugueses não fossem aos hospitais durante 2020 e 2021 para assim se aliviarem os serviços médicos para o tratamento da covid-19.

    Evolução dos episódios urgentes (pulseira amarela) entre 2017 e 2022. Fonte: SNS. Análise: PÁGINA UM.

    Hoje, sabemos que, com excepção dos profissionais adstritos ao tratamento dos doentes-covid – sujeitos a um esforço que merecia melhores recompensas do que um “bater palmas” –, a generalidade dos serviços hospitalares teve um inusitado alívio, por via da suspensão de muitas cirurgias, diagnósticos e consultas. A estratégia de afastar os utentes dos hospitais foi intencional e sem justificação, sobretudo depois do segundo trimestre de 2020.

    Contudo, depois desse período inicial, até meio do ano de 2020, nada justificou a quase perpetuação de uma estratégia que quis deliberadamente afastar as pessoas das urgências, através do medo e da intimidação. Ir a um hospital por uma urgência passou a ser quase um acto de falta de civismo e de irresponsabilidade. E tanto assim se fez que fugiram dali mesmo as pessoas que tinham no hospital o único local que as poderia salvar em caso de doença súbita.

    Evolução dos episódios pouco urgentes (pulseira verde) entre 2017 e 2022. Fonte: SNS. Análise: PÁGINA UM.

    Olho para os números de 2020 e de 2021 relativos aos episódios emergentes (pulseira vermelha) e sobretudo os muito urgentes (pulseira laranja) e mesmo os urgentes (pulseira amarela), e não me custa imaginar um sem número de caixões que se fecharam de forma desnecessária e criminosa. A conta – ou pelo menos uma estimativa – poderia ser feita se o Ministério da Saúde libertasse informação.

    Comparando estes dois anos (2020 e 2021) com a média do triénio 2017-2019 (e com 2022, cujos valores são praticamente similares ao período pré-pandémico), constata-se que houve menos 8.518 episódios de emergência (vermelha), menos 256.615 episódios muito urgentes (laranja) e menos 1.502.493 episódios urgentes (laranja). Em termos relativos registou-se assim decréscimos de 22%, 23% e 29%, respectivamente.

    Evolução dos episódios não-urgentes (pulseira azul) entre 2017 e 2022. Fonte: SNS. Análise: PÁGINA UM.

    Ora, tendo em conta que não existe nenhum factor relevante que possa ter feito diminuir em 2020 e 2021 a prevalência de doenças agudas de média e extrema gravidade – que justifique uma redução tão significativa destes casos nos serviços de urgência –, aquilo que sucedeu parece muito simples de inferir: durante os dois primeiros anos da pandemia, os apelos da DGS, dos políticos, de certos “peritos” e dos media mainstream conseguiram convencer as pessoas a “aguentar”; a não irem saturar os hospitais, “coitadinhos”. Tinha de se ser solidário, aguentar em prol de todos, até porque, no fim, “vai ficar tudo bem”.

    Muitos destes, mulheres e homens que responderam de forma solidária e humanista, estão agora nas estatísticas do excesso de mortalidade. E coloca-se uma pedra no assunto. E continua-se com o folclore das falsas urgências, porque nos convenceram que temos de ser nós a salvar o SNS; e não o SNS a salvar-nos.


    Nota: Não analisei os episódios de pulseira branca e cinzenta, uma vez que a sua utilização pelos hospitais têm, em muitos casos, razões administrativas que não afectam os serviços de urgência. Em todo o caso, genericamente os anos de 2020 e 2021 registaram menos episódios do que nos período pré-pandémico, embora não seja comparável a complexidade dos episódios.

  • Os falsos jornalistas sobre as verdadeiras urgências

    Os falsos jornalistas sobre as verdadeiras urgências


    Começa a ser escandalosa a qualidade do jornalismo mainstream português. E, aliás, não surpreende por isso que a redação da RTP tenha elegido António Costa como Figura do Ano.

    Pois bem: na RTP justifica-se os tempos de espera no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, por via de “falsas urgências”. Ou seja, a “culpa” é das pessoas que, por um resfriado ou maleita fútil, entopem os hospitais, e isto só para complicarem a vida do senhor Costa e do senhor Pizarro.

    Ao jornalista da RTP que faz este tipo de fretes – e à sua direcção editorial – nem sequer vale a pena consultar dados online do Tempo de Espera que indicam que tipo de doentes estão, neste preciso momento, no Hospital de Santa Maria (e em outros). E se é verdade que aquilo está entupido por “falsos doentes”.

    Pois eu digo, daqui sentado: estão, neste preciso momento, 85 doentes nas urgências do Santa Maria. Destes, um é muito urgente e 54 urgentes, Todos estes casos clínicos são triados por profissionais de saúde (não é a opinião do doente), e não me parece que, assim, sejam “falsas urgências”.

    São pessoas, sim, com problemas de saúde a pedir intervenção rápida, que pagam impostos, mas que graças a um Governo sem prioridades tem de aguardar horas e horas a fio, porque faltam médicos, faltam enfermeiros, faltam auxiliares… só não faltam os muitos contratos chorudos com farmacêuticas, que são escondidos do público.

    Tempo de espera às 18:15 horas de 3 de Janeiro de 2023. Fonte; SNS.

    Aquilo que este tipo de jornalismo pretende é afastar as pessoas dos hospitais, mesmo quando estas apresentam sintomas graves. A ideia deste tipo de jornalismo é fazer com que as pessoas morram longe, sem incomodar um Serviço Nacional de Saúde que está um caco autêntico. O envelhecimento da população e o “descompensamento” dos últimos anos dá este tipo de porcarias.

    E jornalismo, como este da RTP, só ajuda a agravar o caos.

  • Sinecuras, Graça Freitas & China, e ainda IVA em Espanha

    Sinecuras, Graça Freitas & China, e ainda IVA em Espanha


    No 2º episódio de Os Economistas do Diabo, Pedro Almeida Vieira e Luís Gomes sentam-se para conversar sobre sinecuras (e ainda o caso Alexandra Reis & Pedro Nuno Santos), Graça Freitas (e a China também) e eliminação do IVA em Espanha.

    Acesso: LIVRE

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  • #TwitterFiles: da vergonha e da liberdade

    #TwitterFiles: da vergonha e da liberdade


    Desde o dia 2 de Dezembro, o PÁGINA UM tem acompanhado detalhadamente os #TwitterFiles, a súmula de documentos disponibilizados por Elon Musk sobre as práticas da anterior administração do Twitter sobre liberdade de expressão, propaganda e manipulação de massas.

    escrevemos 11 artigos sobre esta matéria, fazendo um esforço suplementar de acompanhamento destas revelações, através das notícias das jornalistas Elisabete Tavares e Maria Afonso Peixoto.

    Elon Musk

    A imprensa mainstream, internacional e nacional, vê o elefante na sala e nota-se o incómodo no silêncio. Consigo imaginar a sua consciência a remoer, já no vazio. É fácil ignorar uma notícia, uma investigação, uma história… Mas como conseguir isso perante uma catadupa de provas sobre interferências ao mais alto nível de instituições ditas democráticas que colidem com os mais básicos direitos e garantias de sociedades democráticas?

    Mas a imprensa conseguiu isso. Uma vez, duas vezes, já vai na casa da primeira dezena de vezes. Os jornalistas da imprensa mainstream olham e não vêem. Pior: não querem ver porque se recusam a olhar. Ou pior ainda: não querem ver porque lhes dizem que não devem olhar para ali. E muito obedientemente assim agem.

    Como jornalista, pergunto aos outros jornalistas da dita imprensa mainstream: não sentem vergonha de estarem ostensivamente a desviar os olhos de algo como os #TwitterFiles, que são apenas a ponta do icebergue de algo tenebroso que a classe jornalística deveria combater?

    white ipad on red textile

    De forma passiva, mas também activa por isso, pactuam V. Exas. com o “apagamento” das revelações, censurando assim as notícias da censura? Ignorando as manipulações feitas, “desculpando-as” no pressuposto de que os meios justificam bons fins, esquecendo que esses mesmos maus meios servem sempre maus fins?

    São vocês jornalistas? Querem que os leitores vos considerem credíveis depois disto? Têm a noção do suicídio?

    Não tenho por vós comiseração alguma: enquanto se envergonham, eu tenho um imenso orgulho no PÁGINA UM. No trabalho que fazemos. E na liberdade alcançada a pensar nos leitores. Sem a hipocrisia de ocas declarações de fé sobre independência e coisas que tais.

  • Fernando Medina: o incompetente sempre-em-pé

    Fernando Medina: o incompetente sempre-em-pé


    Há um mistério na vida política portuguesa: por mais porcaria que, como pessoa e político, Fernando Medina faça, tudo se lhe mantém igual. Ele é o iceberg que afunda o Titanic, e ainda faz uma perninha a tocar na orquestra enquanto o transatlântico afunda.

    Do seu percurso profissional, a política partidária, sempre ligada ao Partido Socialista, é a sua única imagem de marca, sempre com bons padrinhos. Nada há de marcante na sua vida que não seja a política, mas sem qualquer pensamento que nos fixe ao homem. Desde cedo assim tem sido. Ainda nos anos 90, da então verdura dos seu 20s, foi assim que chegou a assessor ministerial, primeiro através de Marçal Grilo, para a Educação, e depois para o gabinete de António Guterres até à demissão do então primeiro-ministro em 2002.

    Um “tacho” – não há outro termo – na Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) permitiu-lhe curta travessia no deserto durante a governação social democrata de Durão Barroso e de Santana Lopes, até a liderança do Governo ter caído no colo de José Sócrates, outro “político de profissão”. Pois bem: como entrado estava nos 30s, José Vieira da Silva chama-o para secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, depois segue para a Secretaria de Estado da Indústria e Desenvolvimento.

    Perdidas as eleições para Passos Coelho, seguiu ele a carreira política na Assembleia da República, em oposição, até lhe surgir novo padrinho. António Costa levou-o para a Câmara de Lisboa como número 2, e ainda com um presente suplementar: a cadeira do poder na autarquia se, como sucedeu, o actual primeiro-ministro assegurasse o cargo de secretário-geral do Partido Socialista.

    Estávamos então em Abril de 2015, e aos 42 anos lá chegava Fernando Medina a um verdadeiro lugar de responsabilidade. E pôde então começar a mostrar a sua fantástica incompetência. Numa época gloriosa de turismo na capital, Medina conseguiu piorar a qualidade de vida dos lisboetas, com uma gestão caótica desde os transportes à recolha de lixos e limpeza urbana, passando por intervenções urbanas onde Manuel Salgado punha e dispunha.

    woman sitting on white bench in front of sea

    Perder as eleições de 2021 – que até o rato Mickey ganharia se fosse socialista, nas condições políticas de então – foi somente o corolário da sua patente incapacidade de liderança do principal município português, mais ainda manchado pela divulgação de um procedimento torpe e intolerável num país democrático: o envio da identidade de manifestantes em Portugal à embaixada da Rússia, bem como às de outros países “repressivos”, como Angola, China e Venezuela.

    Num país decente, perder umas eleições não seria a única consequência deste “feito”. Mas foi, para Medina. E pior, para nós: recebeu ele a tutela das Finanças do novo Governo de António Costa.

    Ser ministro das Finanças com uma visão de merceeiro é o que Fernando Medina nos tem mostrado: com uma inflação galopante, tem ele apenas sido um façanhudo porteiro da caixa-forte, aproveitando-se da intolerável inflação para sacar mais dinheiro dos contribuintes. Vamos ter de o ouvir, num país de baixa literacia financeira, a vangloriar-se de um produto interno bruto (PIB real) a crescer 6,8%, mas a omitir que se usou um deflator de 3,6%, quando a inflação será de 8,1%. Ou seja, na verdade, o PIB cresceu poucochinho (2,3% se considerado um deflator de 8,1%). O Governo português, como outros, manipula números e apresenta os brilharetes, aproveitando o desconhecimento do povo.

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    Mas Medina poderia ser apenas um sofrível ministro das Finanças, sem rasgo nem ousadia, porque já tivemos similares, e teremos piores, por certo. Porém, é mais do que isso: Medina consegue meter-se em sarilhos, culpando os outros, encontrando bodes expiatórios.

    Ainda como presidente da autarquia, Medina “imolou” o responsável pela protecção de dados. Em consequência desse processo, também não retiraria quaisquer ilações políticas – nem António Costa, que o convidaria para o Governo – quando a Comissão Nacional de Protecção de Dados multou a Câmara Municipal de Lisboa em 1,2 milhões de euros por 225 contraordenações.

    Já em funções governamentais, vimos então ainda Medina envolvido no convite ao ex-jornalista Sérgio Figueiredo – que o levara a ser comentador na TVI – para consultor especial no Ministério das Finanças. A polémica levou ao afastamento de Figueiredo, e não de Medina.

    E agora tivemos o caso moralmente abjecto da secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, com a sua saída da TAP com uma indemnização legal, mas indecente. Medina, que a escolhera este mês, sai também aparentemente incólume. As notícias dizem mesmo que ela se demitiu do cargo governamental “a pedido de Fernando Medina”.

    E numa nota do Ministério das Finanças diz-se que a demissão de Alexandra Reis visa “preservar a autoridade política do Ministério das Finanças num momento particularmente sensível na vida de milhões de portugueses”, tendo em consideração ser “essencial que (…) permaneça um referencial de estabilidade, de autoridade e de confiança dos cidadãos.”

    Troque-se, na última frase, Alexandra Reis por Fernando Medina, e esta passaria a ser verdadeira. De contrário, não. Mas seria uma violação dos “princípios” do ministro das Finanças que, em cada mês, mostra e demonstra ser um incompetente sempre-em-pé, que derruba a nossa esperança num mundo de decência.