Etiqueta: Pedro Almeida Vieira

  • Glorifiquemos o memorial à estupidez, à acefalia e à vaidade

    Glorifiquemos o memorial à estupidez, à acefalia e à vaidade


    Ainda não surge no Portal Base o custo das duas esculturas de Rogério Abreu, hoje inauguradas, defronte ao Tejo, a caminho de Belém, mas por mim espero que lhe venham a pagar pelo menos os 1,6 milhões de euros da redução de custos do altar das Jornadas Mundiais da Juventude. Merece: glorifica a estupidez, a acefalia e a vaidade, que são sempre predicados necessários para um efectivo reconhecimento da arte no futuro de coisas irracionais do passado.

    Onde uns hoje se podem chocar com o estranho sentido estético e simbólico de um monumento oco aos Heróis da Pandemia, eu vejo veneração no futuro.

    Onde uns hoje podem ficar boquiabertos com as duas figuras – masculina e feminina, sendo que esta tem de ter o seu rabo de cavalo para assim ser, porque ambas estão mascaradas –, eu vejo uma lição de História para o futuro.

    Onde uns hoje podem ficar assombrados com a vanitas vanitatum et omnia vanitas (cf. Eclesiastes 1:2) do (ainda) bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, e do presidente da autarquia de Lisboa, Carlos Moedas – que pespegaram tanto os seus nomes na base de uma das estátuas, ao lado do nome do escultor, como na placa de inauguração, neste caso fazendo companhia ao nome do ministro da Saúde, Manuel Pizarro –, eu vejo um ensinamento sobre perenidade das acções para os empreendedores no futuro.

    Esqueçam as críticas. Não olhem para detalhes nem analisem obras ou acções feitas, não para nós, mas para serem admiradas e veneradas no futuro.

    Hoje, a arcaria do Vale de Alcântara é um ex-libris da capital; ontem, no século XVIII, foi tão zurzido por alguns arquitectos, por razões estéticas (arcos góticos em período barroco) que Ludovice, o criador do convento de Mafra, chamou Herodes do Aqueduto ao engenheiro Custódio Vieira, que a concebeu.

    Também estou a imaginar os mais cépticos moradores de Rapa Nui a criticarem a inutilidade dos moais – cuja edificação, aliás, aparentemente esteve na base de um ecocídio involuntário –, pois hoje as grandes estátuas da chilena ilha da Páscoa são a cobiça de qualquer turista.

    Olhem, olhem bem. Não percam assim uma passagem pelo agora denominado Passeio Carlos do Carmo, entre o Terreiro das Missas e o Jardim das Docas da Ponte, porque, sendo certo que “tudo isto existe, tudo é triste, [e] tudo isto é fado” (como cantava Amália Rodrigues), também é verdade que os protagonistas desta escultura – o seu autor e os seus promotores – conseguiram, talvez involuntariamente, transmitir várias lições para as gerações vindouras. Desfrutem, por isso. Deliciem-se, agora.

    De facto, hoje, somente por relatos sabemos que, em tempos de antanho, os arcaicos médicos para combater epidemias aplicavam, geralmente, sangrias aos enfermos – que mais os debilitavam – ou davam-lhes purgas, xaropes e mistelas diversas, que tantas vezes causavam piores males e nenhum bem. Para contrariar as supostas emanações pestilentas no ar ambiente – que se considerava estar na origem dos contágios e que, em certa medida, podemos associar à decomposição do lixo –, usavam-se meios de duvidosa eficácia, como soluções de vinagre, perfumes, ervas odoríferas queimadas e até tiros de pólvora. Mas não há símbolos disso. Só papéis.

    No futuro, haverá este memorial. Toda uma lição em perpétuo e inamovível aço.

    Ali estão as máscaras – elevadas a estúpido símbolo de suposta protecção (agora a ruir cientificamente, como um óbvio baralho de cartas), num período histórico em que conheciam as dimensões de um vírus e as dimensões dos poros das ditas máscaras. E sendo as ditas máscaras o centro nevrálgico das duas figuras escultóricas de Rogério Abreu – e tendo ele, sabiamente, introduzido profusas e profundas “porosidades” –, transmite-nos assim fielmente um sentido realista à coisa: a aragem que venha Tejo acima ou Tejo abaixo, invade e trespassa livremente as cabeças, tal como um vírus abre alas entre as fibras de uma máscara cirúrgica. Serviram tanto como uma peneira para estancar o vento.

    Imagens de vídeo das esculturas de Rogério Abreu, hoje inauguradas por Miguel Guilherme, bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Moedas, presidente da autarquia de Lisboa, e Manuel Pizarro, ministro da Saúde.

    Também de enorme felicidade, pelo realismo, embora aqui um pouco mais alegórico, se mostra a opção do escultor por duas figuras de cabeça oca, onde, efectivamente, nada existe no interior. Será esta a melhor imagem para nossos vindouros: saberão eles, quando certo dia estudarem o que sucedeu entre 2020 e 2022 – com consequências para os anos seguintes –, como foi a gestão da pandemia: acéfala.

    Por tudo isto, glória ao escultor Rogério Abreu! Glória à vaidade de Miguel Guimarães e Carlos Moedas!, porque sem eles não teríamos um Memorial tão bem conseguido, tão perene, um tão arejado Monumento destinado ao futuro, um legado sobre tempos de Estupidez e Acefalia – que não se podem repetir quando surgir um novo vírus.

    P.S. Apelo, não irónico: espero que as pessoas mais exaltadas se contenham e não façam nenhum acto de vandalismo às esculturas. Não transformem um Monumento à Estupidez e Acefalia em Memorial da Vitimização.


    N.D. Afinal, apurou-se entretanto que a obra custou 57.000 euros, tendo sido integralmente paga pela Ordem dos Médicos.

  • Mas afinal a Tesla já faliu? E o Elon Musk ainda não foi escorraçado do Twitter?

    Mas afinal a Tesla já faliu? E o Elon Musk ainda não foi escorraçado do Twitter?


    Em Dezembro do ano passado – foi há menos de dois meses, minhas senhoras e meus senhores! –, a imprensa mainstream rejubilava. As acções da Tesla – a empresa de automóveis eléctricos dominada por Elon Musk desde 2004– estava, supostamente, a colapsar: desde Novembro de 2021, quando atingiram um máximo de 407,36 dólares, a cotação não parava de descer, com queda abrupta sobretudo a partir de Setembro de 2022.

    Em Dezembro, em cada dia que se passava, vinham os arautos da desgraça, da punição divina, do castigo do merecido karma – leiam-se os jornalistas especializados em mercados de trazer por casa –, apontar as causas. Por exemplo, o jornal Expresso, na véspera de Natal, titulava muito apropriadamente: “Voaram 85 mil milhões de dólares numa semana das ações da Tesla. Foi a rede do pássaro que os levou?”, esclarecendo-nos depois o jornalista Pedro Carreira Garcia logo no início do seu texto: “Os investidores da Tesla estão nervosos com o negócio paralelo do seu fundador [sic], Elon Musk, dono e presidente executivo do Twitter desde Outubro. E desconfiam de tal forma das capacidades de Musk para gerir o negócio de construção de automóveis elétricos que em cinco dias provocaram uma forte perda de valor das ações da Tesla em bolsa.”

    Elon Musk, novo dono do Twitter e CEO da Tesla.

    Podia-se apresentar mais exemplos da imprensa mainstream, incluindo estrangeiros, mas todos seguiram o diapasão, todos eram consensuais: Elon Musk – que nunca foi um investidor consensual – estava a pagar a ousadia de ter comprado o Twitter e aberto uma caixa de Pandora com a “libertação do pássaro” de uma gaiola de censura criada pelas redes sociais em conluio com os governos mundiais.

    Com a reabertura de contas suspensas pela anterior administração desta rede social, sobretudo daquelas que contestavam a gestão da pandemia, e sobretudo com a divulgação dos #Twitter Files, a imprensa tratou de ignorar o impacte das denúncias de ingerência do Governo Federal dos Estados Unidos nas redes sociais em simultâneo com uma estratégia conjunta para denegrir a imagem de Elon Musk. O multimilionário parecia apreciar estes ataques, alimentando-os com sondagens online sobre como deveria gerir a sua vida empresarial.

    E a imprensa caindo no jogo, e anunciando que o seu fim estava à vista. “Despedimentos, receitas em queda e muitas sondagens. Menos de dois meses depois, Twitter diz a Musk que é tempo de sair”, titulava o Eco em 20 de Dezembro do ano passado. A Exame Informática, por exemplo, dava o foco na queda da Tesla nos últimos dias de 2022: “Ações da Tesla em mínimos de dois anos”, indicando que “os investidores receiam que a liderança de Elon Musk no Twitter e as constantes decisões polémicas estejam a retirar o foco do executivo na gestão da fabricante automóvel.”

    blue coupe parked beside white wall

    Em suma, invariavelmente, a Tesla estava em colapso por culpa (basta meter a palavra colapso e Tesla no Google para confirmar) e era tudo só por culpa de Musk e da forma irresponsável como geria o Twitter. Não havia dúvidas. E ele estava a pagar a ousadia. Para a imprensa mainstream de pouco valiam os fenómenos de especulação que tinham catapultado a Tesla para uma capitalização bolsista quase inaudita (e a qual Musk até criticava).

    Veja-se: no início de 2020, as acções da Tesla cotavam ainda abaixo dos 30 dólares. E qualquer fenómeno de variação bolsista tem subjacente uma carga psicológica misturada com fundamentais que, embora possam ser previsíveis, nunca podem ser explicados por visões tão simplistas.

    Nas últimas semanas – ou melhor dizendo, desde o início do ano –, a Tesla deixou praticamente de ser notícia na imprensa mainstream. Ou, pelo menos, o seu “garantido” desastre bolsista.

    O que aconteceu entretanto, perguntará o leitor? Aqui está.

    No dia 3 de Janeiro deste ano fechou nos 108,30 dólares, uma queda de 70% face ao máximo de 2022 (361,53 dólares, em 1 de Abril). E depois, upa, que se faz tarde: hoje fechou nos 207,32 dólares, uma subida de mais de 91,79% desde o início do ano.

    Explicações para isto não as tenho, ou não as deve ter ou nem quero ter, ou nem as devo transmitir publicamente. Mas devo dizer o seguinte: isto é o mercado a funcionar; e os jornalistas da imprensa mainstream a falharem. Ou melhor, a trabalharem com uma função específica: contar histórias da carochinha para manipulação das massas e com objectivos ínvios. Aquilo que andaram a fazer em Dezembro não era informação: com os #Twitter Files no seu auge, estiveram esforçadamente a tentar mostrar que Elon Musk era o mau da fita.

  • Da podridão e da queixa-crime do senhor juiz Sebastião Póvoas, presidente da ERC

    Da podridão e da queixa-crime do senhor juiz Sebastião Póvoas, presidente da ERC


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) anunciou esta semana a realização de sessões formativas sobre “Desinformação e fake news” e sobre “estereótipos, discurso de ódio e discriminação”, no próximo mês de Março.

    Os temas não poderiam ser mais actuais, até porque incluem tópicos que se encontram interligados, embora haja aqui algo de irónico. A desinformação, as fake news, os estereótipos, o discurso de ódio e a discriminação grassam hoje por aí, mas a ERC é uma das principais culpadas pelo regabofe, porque se demitiu do seu papel de regulação isenta, tanto mais que os estereótipos, os discursos de ódio (subliminares, é certo) e a discriminação são agora apanágio da imprensa mainstream.

    Estrada do Forte do Alto do Duque, em Lisboa, à saída das instalações da PSP onde iria, em princípio, ser constituído arguido…

    Basta olhar para o deplorável comportamento da imprensa mainstream durante a pandemia, as suas atitudes face à vacinação (sobretudo dos mais jovens) e dos efeitos adversos (anda por aí um elefante na sala que os jornalistas não querem ver nem saber), as abordagens enviesadas sobre a lamentável guerra da Ucrânia (promovendo, além disso, a russofobia como algo justificável contra qualquer cidadão daquele país e enaltecendo aos píncaros da democracia um regime ucraniano igualmente corrupto), os ataques a quem cria rupturas (veja-se o caso de Elon Musk, e a inexistência de cobertura dos #TwitterFiles), etc., etc., etc..  

    O PÁGINA UM também já levou a sua dose de efeitos adversos da desinformação, fake news, estereótipos, discurso de ódio e discriminação, tanto na imprensa como nas redes sociais (não é só a Cristina Ferreira que se queixa). Acrescem os ataques de redes sociais como o Facebook ou o Youtube, que já nos retiraram conteúdos noticiosos ou as constantes acções de shadow banning para diminuir a exposição e visibilidade do PÁGINA UM. Já sem falar nos inimigos de estimação nas redes sociais que se desunham para me enxovalhar, nem sequer se apercebendo que os seus infantis ataques são um excelente tónico para ainda fazer mais e melhor, para mais os irritar.

    Forte do Alto do Duque, sede do Divisão de Investigação Criminal da PSP de Lisboa.

    Sobre a desinformação – que deve incluir também a ausência de informação, porque, em muitos casos, o silêncio ou o silenciamento são uma forma enviesada de desinformação –, o PÁGINA UM tem procurado ser um paladino nessa luta, sobretudo da mais perniciosa de todas, a criada e fomentada pelo Estado.

    Não é por acaso que demos entrada, desde Abril do ano passado, no Tribunal Administrativo de Lisboa com 14 processos de intimação contra diversas entidades públicas exactamente pela recusa na disponibilização de dados que, hélas, serviriam para dar informação verídica aos leitores.

    Aliás, muitas destas intimações têm o exacto propósito de saber que desinformação nos têm estado a vender nos últimos anos. Mas sobre isto, a ERC – e sobretudo o seu (ainda) presidente, o juiz Sebastião Póvoas, “aos costumes tem dito nada”.

    Sobre fake news, o PÁGINA UM foi e tem sido um dos alvos desde que nasceu este projecto assente em quatro pilares: acesso livre à informação; inexistência de patrocínios, anúncios e parcerias comerciais; apoio exclusivo por donativos pessoais; e ausência de temas tabu como garante de independência. O ataque começou logo nos primeiros dias, em Dezembro de 2021, com uma ignóbil “notícia” da CNN Portugal, seguida por outra imprensa mainstream (Público, Observador, Lusa, Expresso, etc.), que pretendeu associar o PÁGINA UM a movimentos ditos negacionistas e de ter práticas supostamente criminosas por se ter revelado dados clínicos de crianças, dados esses anonimizados.

    Ao longo dos meses de 2022, o PÁGINA UM foi sendo sujeito ao mais absurdo bullying de que há memória na comunicação social por parte de duas entidades que deveriam proteger a imprensa livre e os jornalistas independentes: a ERC e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ). A primeira entidade (ERC) chegou mesmo a fazer dois comunicados de imprensa contra mim apenas por ela própria estar a incumprir a lei de acesso a documentos, como aliás concluíram pareceres da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Mas a fake news de que eu andava a “insultar os membros do Conselho Regulador [da ERC] e a exercer coação sobre os funcionários” ficou, para quem ainda quiser vasculhar, pela Internet.

    Padrão dos Descobrimentos

    De igual modo, tanto a ERC como a CCPJ tudo tentaram para que as notícias caluniosas sobre o PÁGINA UM em Dezembro de 2021 não tivessem “rectificação”, através de direito de resposta. A ERC ainda conseguiu libertar o Expresso e a Lusa (através de uma manhosa deliberação), não conseguiu nos casos mais evidentes da CNN Portugal, Observador e Público, mesmo se, neste último caso, o jornal do Grupo Sonae tenha ido até ao limite do absurdo com uma providência cautelar chumbada.

    Não satisfeitas, tanto uma como outra destas entidades reguladores (ERC e CCPJ), ao invés de intentarem processos por desinformação e falhas deontológicas graves da imprensa mainstream – incluindo parcerias pouco ortodoxas com empresas que prostituem o jornalismo (há uma lista de 56 contratos suspeitos na ERC a aguardar comentário e acção do regulador desde Maio do ano passado) –, lançaram-se numa campanha de apoio a quem o PÁGINA UM denunciava.

    Exemplos disso são os dois vergonhosos pareceres que as duas entidades ofereceram ao presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia a censurar o trabalho de investigação do PÁGINA UM. No caso da CCPJ, o parecer aparentemente nunca antes fora feito a visar outro qualquer jornalista.

    Sede do Público

    E também recentemente surgiu novo processo na ERC, por via de uma queixa de alguém cuja identidade o regulador esconde, por causa de notícias em redor da campanha de vacinação de médicos não-prioritários em Fevereiro do ano passado, e que envolve o então líder da task force, o actual chefe de Estado-Maior da Armada, Gouveia e Melo. Note-se que ambos os casos denunciados pelo PÁGINA UM originaram processos na Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).

    Sei estar em curso, contra o PÁGINA UM, aquilo que se denomina SLAPP, acrónimo de Strategic Lawsuit Against Public Participation, uma estratégia que consiste na apresentação de queixas judiciais por dá cá esta palha apenas com o intuito de obrigar a uma dispersão de tempo e recursos, ou mesmo da constituição de provisões para supostas indemnizações que asfixiam contabilisticamente uma empresa jornalística independente.

    Ainda na passada sexta-feira, lá tive eu de subir ao Forte do Alto do Duque, para os lados de Monsanto, porque o senhor presidente da ERC não apreciou um escrito de 10 de Março do ano passado – que, entre outras verdades, dizia que o Conselho Regulador tinha deliberadamente analisado um caso “por um prisma tão redutor, tipo antolhos de equídeos” – e meteu-me um processo por difamação.

    Estas fotografias foram tiradas no regresso ao PÁGINA UM, na passada sexta-feira, após a ida à PSP. A tarde estava bonita e decidi pegar numa bicicleta eléctrica e seguir zona ribeirinha desde Belém até ao Cais do Sodré.

    Usando, claro, dinheiros públicos, porque quem paga aos advogados que fazem a queixa e aos funcionários judiciais e de investigação que a processam não é o senhor Sebastião Póvoas. Somos todos nós. Ainda mais debalde, lá fui e saí: o senhor presidente da ERC afinal desistira da queixa apenas dois dias antes, talvez acossado por mais uma sua diatribe na sua já penosa travessia deste mandato do regulador dos media.

    Há notícias que mais casos virão. São os ossos do ofício. Por isso, se por vezes não conseguimos fazer mais, não é por preguiça; é porque estamos na podridão de um pantanal, promovido em grande parte por aqueles que até andam sempre a falar contra a desinformação, contra as “fake news”, contra os estereótipos, contra os discurso de ódio e contra a discriminação, e sempre com o Credo na boca, mas que, por detrás do pano, afiam facas contra a imprensa livre e incómoda.

  • As delícias dos erros e os prazeres das falácias

    As delícias dos erros e os prazeres das falácias

    título

    O mundo pelos olhos da língua

    autor

    MANUEL MONTEIRO

    Editora (Edição)

    Objectiva (Novembro de 2022)

    Cotação

    17/20

    Recensão

    Por mais excelso que seja um escritor, ou dotado que seja um jornalista – e permitindo uma só pessoa possuir os dois predicados pela ordem indicada, ou inversa –, não há jamais capacidade para se livrar de um aziago e medonho companheiro: a gralha. Ou como gralhas. Muitas ou poucas, são horrorosas, envergonham qualquer escriba.

    Se, como sucede com a PÁGINA UM, as folhas forem digitais, a vergonha mostra-se efémera. Entra-se no backoffice e corrige-se, sendo certo que quem viu, já viu, mas já passou.

    Em papel mostra-se mais complicado, sobretudo em livros. É mais persistente. Fica para a eternidade. José Saramago, por exemplo, confessou com propriedade que “quando pegamos no livro novo [da nossa autoria] e abrimos, a gralha normalmente aparece imediatamente, é a primeira bofetada que levamos”, contando depois ao jornalista (e também escritor) João Céu e Silva a famosa gralha da primeira edição do Memorial do Convento em que alguém decidiu corrigir (mal) a expressão “estridor operática”, que passou a “escritor operário”.

    Há uns anos, a editora e escritora Maria do Rosário Pedreira também contava, no seu blog Horas Extraordinárias , o caso de uma editora australiana que publicou um livro de culinária onde se recomenda acrescentar na receita de tagliatelle com sardinhas, em vez de “salt and black pepper” (sal e pimenta preta), “salt and black people“ (sal e gente preta). Retirar os livros do mercado custou-lhe cerca de 20.000 dólares australianos.

    Sendo certo que as gralhas irritam – e causam fúrias, mas também histórias deliciosas que até valorizam edições para bibliófilos –, acrescem aos involuntários corvachos os demais erros dos escritores, que nem sempre escrevem tão bem como parece, numa perspectiva ortográfica e gramatical.

    Não se critique os autores em demasia. Numa língua de tamanha riqueza mas de imensas regras, mostra-se impossível saber-se tudo, lembrar-se de todas as exceções, saber a globalidade dos detalhes linguísticos. Por exemplo, sabem todos em que circunstâncias se escrevem glaciares e glaciais? E sabem também que é correto escrever que ser leve é melhor do que ser pesado, mas já assim não será se se disser que ser pesado não é o mesmo do que ser gordo? E quanto ao gênero de certas palavras? Aluvião? Amálgama? Pulseira? Cotonete? Dengue? Entorse? Usucapião? Acertam em tudo? Ah!, e as vírgulas!, onde e como as colocar de modo correcto, para evitar mal-entendidos?

    Na hora de publicar um livro – ou até um jornal –, o melhor amigo do escritor (e também do editor) acaba por ser o revisor. O seu trabalho é discreto (uma linha na ficha técnica do livro) e meticuloso, mas de enorme erudição. Para tudo ficar perfeito, não basta ele ter bom olho (ajuda, é certo); tem ele de (ou que?) saber preciosismos ortográficos e gramaticais. E o mais que (nos) vale. Para um escritor, o revisor é o seu pára-quedas, embora também deva ele (o escritor) aprender com o saber dele (o revisor).

    Daqui se vê que o escritor não sonha apenas com bons leitores; deseja ardentemente um bom revisor. Ora, um desses revisores perfeitos é – dizem-me, e parece ser – Manuel Monteiro, que nos últimos anos, além de trabalhar para evitar vergonhas alheias (dos autores), tem aproveitado para escrever livros sobre a arte de não escrever mal, ou pelo menos a de não cometer erros muito horríveis enquanto se dedilha no teclado. 

    Começou em 2015 com Dicionário de erros frequentes da língua e, mais recentemente, lançou Por amor à língua (2018) e Sobre o politicamente correto (2020), além de um livro de contos, tudo obras que, talvez infelizmente, (ainda) não se leram.

    Se forem como O mundo pelos olhos da língua serão, por certo, obras não só de grande utilidade pedagógica como de diversão didática. Pelo menos neste, Manuel Monteiro usa um estilo escorreito, associado a um humor peculiar, para nos apresentar uma deliciosa colectânea de erros (ou dúvidas quotidianas na arte da escrita), e não só, agrupando tudo em 11 categorias, com mais de uma centena de “casos”, quase todos hodiernos – que parece ser palavra que o autor aprecia muito. 

    Em muitos casos, os erros são tratados de uma forma sucinta; Manuel Monteiro vai logo ao osso, porque basta curto e grosso para se cortar o mal pela raiz. Noutros, espraia-se mais, como um contista, como sucede na história do menino italiano que escreveu para a Accademia della Crusca depois de inventar uma palavra nova: petalosa. Ou errada.

    Mas não só de léxico, ortografia e gramática vive O mundo pelos olhos da língua . Particularmente interessante é, já na parte final do livro, o conjunto de falácias usadas em discussões (aí está) hodiernas: a falácia do falso nexo de casualidade, a falácia do verbo poder (muito usada pelos jornalistas mainstream nos últimos anos), a falácia da exceção, a falácia da adversativa, a falácia do espantalho, a falácia “E se fosse com o seu filho?”, a falácia “O que ganhou fez tudo certo”, a falácia da tradição e a falácia do afunilamento. Depois disso, há ainda mais umas páginas de armadilhas, truques e (arti)manhas para vencer ou evitar segredos. Os rótulos, por exemplo.

    Um livro para ir lendo e relendo, até se aprender a não errar… tanto. Até porque, enfim, teremos sempre necessidade de revisores. Humanos e eruditos.

  • Correio da Manhã, bem-vindo ao (nosso) Clube contra o Obscurantismo do Estado

    Correio da Manhã, bem-vindo ao (nosso) Clube contra o Obscurantismo do Estado


    Hoje, o Correio da Manhã faz manchete com o título “Governo esconde pensões dos políticos”. Em causa está a recusa da ministra da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações (CGA) de permitir o acesso aos documentos administrativos que contenham os valores reais das pensões mensais vitalícias pagas a 298 beneficiários.

    O Correio da Manhã, após a recusa governamental, recorreu à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) que, em parecer de 14 de Dezembro passado, concluiu que no que “diz respeito ao acesso ao valor atual das subvenções mensais vitalícias, trata-se de informação que não é de acesso reservado, na esteira do que foi afirmado no Parecer n.º 217/2016 [na verdade, é o Parecer nº 472/2016] , em que a CADA subsumiu o acesso à subvenção mensal vitalícia à doutrina aplicada a vencimentos, ajudas de custo, despesas de representação e outros suplementos remuneratórios e de apoio social auferidos pelo exercício de funções públicas, que “[p]or serem pagos com dinheiros públicos e em obediência a critérios legais objetivos, não têm qualquer caráter reservado”.

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    Mas, mesmo assim, o Governo continuou a recusar.

    O mais surpreendente disto não é a recusa governamental.

    Na verdade, o mais surpreendente é o Correio da Manhã – e os outros jornais que fizeram eco desta recusa – só agora terem acordado para um Estado obscurantista, que engloba não apenas o Governo como a Administração Pública e mesmo instâncias judiciais.

    Os leitores e apoiantes do PÁGINA UM sabem, desde o nosso início, a quantidade enorme – mais de uma dezena em poucos meses – de pareceres favoráveis que obtivemos da CADA face a recusas de acesso a documentos administrativos.

    O primeiro caso, por sinal, foi para aceder ao inquérito da distribuição da Operação Marquês por parte do Conselho Superior da Magistratura, que continuou a ser recusada, e mesmo tendo perdido na primeira instância no Tribunal Administrativo de Lisboa recorreu, aguardando-se ainda o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul.

    Sobre recusas da Direcção-Geral da Saúde e de outras entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde, como o Infarmed, foram também incontáveis os pedidos de parecer que fizemos à CADA por recusa de acesso a documentos.

    Contudo, não me recordo de nenhum parecer favorável da CADA que tenha desbloqueado a recusa de acesso. Todos foram ignorados. A CADA é uma entidade presidida por um juiz conselheiro e tem membros indicados pela Assembleia da República, Ordem dos Advogados e Governos regionais da Madeira e dos Açores. Mas isso pouco incomoda.

    A título de exemplo, recordemos a recusa do Infarmed em fornecer o acesso ao Portal RAM das reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e o remdesivir. Em Março de 2022 – há quase um ano –, o PÁGINA UM obteve um parecer da CADA que chegava a considerar que “o interesse público no conhecimento de elementos que possam informar quanto à segurança da vacina é, por conseguinte, manifesto”. E instava assim o regulador dos medicamentos a fornecer os elementos convenientemente anonimizados. Foi isso que aconteceu? Não. E o caso está ainda numa renhida luta no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Foram tantos os pareceres da CADA, obtidos pelo PÁGINA UM mas ignorados pelas entidades públicas, que mudámos de estratégia: perante um Estado e um Governo claramente obscurantistas – e que já incluem mesmo instituições universitárias, como se viu recentemente com o Instituto Superior Técnico –, a solução passou por, face à recusa inicial, seguir imediata intimação para o Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Se o parecer da CADA – uma instituição que está associada à Assembleia da República – continua a ser não-vinculativo e ignorado pelas entidades públicas, acaba assim por ser uma inutilidade. Daí essa mudança de estratégia.

    Nos últimos seis processos de intimação do PÁGINA UM – contra a Administração Central do Sistema de Saúde, Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Banco de Portugal, Instituto Superior Técnico, Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e Ministério da Saúde (para obtenção dos contratos das vacinas contra a covid-19) – já nem sequer pedimos parecer à CADA. Prescindimos de vitórias de Pirro e de ver entidades públicas a gozarem o pagode na chafurdice do obscurantismo em que botaram a nossa democracia.

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    Assim, com a recusa da ministra da Segurança Social em fornecer ao Correio da Manhã os documentos sobre os políticos beneficiários da subvenção mensal vitalícia, esperamos que este jornal – que tem muitas mais posses do que o PÁGINA UM – se junte na luta contra este obscurantismo.

    Estamos numa fase em que já não basta só denunciar na imprensa. A boa imprensa tem de ir mais longe, e recorrer aos tribunais para salvar a democracia de pessoas que nos querem sonegar o direito de saber o que se passa na res publica.

    Mas se for intenção do Correio da Manhã, e da sua proprietária (Cofina), ficar só pela denúncia, avisem-nos: o PÁGINA UM terá todo o prazer, e coragem, com a ajuda dos nossos leitores, através do FUNDO JURÍDICO, apresentar mais uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Seria a nossa 15ª desde Abril do ano passado – é que já andamos a fazer o tipo de denúncias, que hoje foi manchete do Correio da Manhã, há muitos meses, e mesmo se a imprensa mainstream tenha mantido um incessante silêncio a este respeito. E temos já um bom punhado de vitórias alcançadas em prol da democracia.

  • Davos & clima & outros casos (também políticos)

    Davos & clima & outros casos (também políticos)


    Depois de ultrapassados problemas técnicos, Pedro Almeida Vieira e Luís Gomes sentam-se novamente para conversar (e gravar) sobre o World Economic Forum em Davos (e que acaba por se desviar para as alterações climáticas), e também sobre os casos políticos recentes e o papel do Estado (ou se ele é pior ou melhor do que o mercado). Uma conversa ziguezagueante, mas nunca monótona, sem papas na língua, destes Economistas do Diabo, no seu 4º episódio…

    Acesso: LIVRE

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  • Epístola aos Jornalistas do Pode

    Epístola aos Jornalistas do Pode


    São Francisco de Sales é o padroeiro dos jornalistas; por isso, no 3º episódio de Que nos salves, São Francisco de Sales, Pedro Almeida Vieira apela ao santo e comenta as sistemáticas notícias que, no título e no conteúdo, usam e abusam do verbo “poder”. Pode isto e pode aquilo foi o pão-nosso-de-cada-dia das “notícias” durante a pandemia. Repete-se agora com a China. Pode haver jornalistas assim?

    Acesso: LIVRE

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  • Um livro para saciar a sede de saber

    Um livro para saciar a sede de saber

    Título

    Atlas mundial da água

    Autor

    DAVID BLANCHON (tradução: Maria Ana Matta)

    Editora (Edição)

    Guerra & Paz (Setembro de 2022)

    Cotação

    16/20

    Recensão

    Depois da pandemia, tem sido a questão energética a estar, actualmente, na ordem do dia. Não apenas pelo mediatismo (para além do drama humano) da invasão russa à Ucrânia e das consequências no fornecimento de gás à Europa, como também pela “emergência” das alterações climáticas, independentemente de se concordar ou não com as causas – e também atendíveis as hipocrisias dos políticos e das grandes empresas quanto às responsabilidades para a sua minimização.

    Porém, não há nenhum outro “elemento” mais relevante para a vida humana, e mais perene como pomo de discórdia, do que a água. Ao longo dos milénios da civilização humana, a água desempenhou um papel fundamental, não apenas na fixação das populações, como no desenvolvimento de actividades económicas. Era água – ou a falta dela – que obrigava primitivas comunidades humanas a serem nómadas; foi o controlo sobre os recursos hídricos que permitiu que nos tornássemos sedentários. É certo que foi a agricultura, mas sem água não há agricultura.

    Por maior que seja capacidade tecnológica humana, apenas de uma forma limitada se consegue alterar o “curso natural” das disponibilidades hídricas da chamada “água doce” – ou, mais concretamente, da água potável. A sua distribuição irregular do ponto de vista espacial e temporal é, infelizmente, uma questão incontornável; os efeitos daquilo que os vizinhos (a montante) fazem ou deixam de fazer é crucial.

    Não poucas vezes, por isso mesmo, tem sido a água a estar na origem de imensos conflitos, alguns bélicos, outros mais discretos (diplomáticos), outros mais locais, mas não menos sangrentos. Muito mais até do que os recursos energéticos.

    Ora, a obra Atlas mundial da água, da autoria do francês David Blanchon, geógrafo e professor da Universidade de Paris Nanterre, mostra de uma forma extremamente didáctica como esse bem renovável mas irregular se distribui pelo Mundo, revelando em simultâneo os seus benefícios e problemas, as suas ameaças e potencialidades, além dos desafios que se se colocam às sociedades para uma desejável gestão futura sustentável.

    Este livro – que surge integrado numa colecção da editora Guerra & Paz sob o título comum Atlas Mundial (tendo sido já publicadas obras similares sobre África, Império Romano, Médio Oriente, Estados Unidos da América, Holocausto, Antigo Egipto, Guerra Fria e, recentemente, Mediterrâneo) – não tem pretensões académicas (pelo menos aprofundadas) nem de substituir muita informação mais detalhada que se pode “adquirir” em sites especializados em recursos hídricos.

    No entanto, a forma cuidada e rigorosa como se encontra estruturado (e relativamente actualizado) este Atlas mundial da água é uma mais-valia para aguçar o apetite, ou saciar a sede de saber, de qualquer principiante ou mesmo um estudante na área do ambiente. 

    Além disso, o aprumo gráfico dos esquemas e mapas que acompanham os vários assuntos “devolvem” também o prazer de fazer a aprendizagem através de um livro – o que é fantástico nos tempos que correm, onde os jovens (que me parecem ser os principais destinatários) aparentam só querer aprender através dos smartphones.

    Na verdade, tenho pena de ter feito a minha aprendizagem básica sobre recursos hídricos, na minha formação académica inicial, há mais de três décadas, sem ter um livro assim…

  • Contratos ou a morte da Democracia, oferecida em holocausto (no sentido bíblico) às Farmacêuticas

    Contratos ou a morte da Democracia, oferecida em holocausto (no sentido bíblico) às Farmacêuticas


    Nas primeiras fases da pandemia criou-se o mito que todos íamos (ou podíamos) morrer.

    Depois, fizeram-nos crer que, por artes da Ciência, as maravilhosas farmacêuticas – que já o eram antes, e não estou a ser irónico, porque efectivamente foram concedendo anos de vida às últimas gerações – tinham criado um Santa Maná (vacinas) que, não ressuscitando mortos, salvavam os vivos da perdição.

    E foi tudo a eito, independentemente da leges artis, do princípio da prudência, dos princípios éticos. A urgência de supostamente nos salvarem a todos (mesmo àqueles grupos que não precisavam de ser salvos porque nunca estiveram em perigo) colocou a Democracia em suspenso. Pior: foi amordaçada.

    person holding white plastic bottle

    E, em seguida, colocadas as Farmacêuticas em andores, para serem veneradas, se impôs um dogmático silêncio. Ah! herege de uma figa, como ousas questionar o preço de uma vida que pode ser salva por uma vacina? E se houver negócios e negociatas? E trampolinices e intrujices entre os queridos políticos e as farmacêuticas?

    Cala-te, evitaram o fim da Humanidade…

    [… à enésima pandemia]

    Portanto, foi isto que sucedeu…

    Que nos sucedeu.

    Que sucedeu à Democracia por conta da pandemia.

    Foi vendida. Foi oferecida em holocausto, no sentido bíblico do termo, como oferenda de sacrifício e devoção, ao Deus da Farmácia – às Farmacêuticas.

    Última página das alegações do Ministério da Saúde considerando que basta a consulta do site da Comissão Europeia para conhecer informações sobre as condições de compra de vacinas contra a covid-19 pelo Estado português.

    Que Democracia é esta quando se pede acesso a contratos com dinheiros públicos, e o Ministério da Saúde – e um Governo de um país com quase nove séculos de existência e quase meio século depois da saída de uma ditadura – responde que não os dá?

    E não apenas por alegadamente estar em curso uma conveniente auditoria (que parece desculpa), mas sobretudo porque tudo foi feito pela Comissão Europeia, burocrática instituição, nunca eleita pelos cidadãos dos diversos países.

    Que contratos são esses das vacinas contra a covid-19 assinados pela Comissão Europeia? O Ministério da Saúde português remete para um site específico de transparência da Comissão Europeia, e assume mesmo nas suas alegações perante o Tribunal Administrativo de Lisboa que é o suficiente, que está lá tudo aquilo que um cidadão e um jornalista merecem saber.

    Será?

    Vejamos.

    O primeiro contrato assinado em Janeiro de 2021 (SANTE/2020/C3/043) com a BioNTech-Pfizer tem 104 páginas. Destas, 44 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Há 46 páginas completamente sombreadas a cinzento, tapando todas as palavras. Somente em 14 páginas (13,5% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Ainda vivemos em democracia?

    O segundo contrato com estas duas farmacêuticas foi assinado em Fevereiro de 2021 (SANTE/2021/C3/005) tem 90 páginas. Destas, 44 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Há 32 páginas completamente sombreadas a cinzento, tapando todas as palavras. Somente em 14 páginas (15,6% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Ainda vivemos em democracia?

    Existe ainda um anexo aos contratos (SANTE/2021/03/020) com 77 páginas. Destas, 45 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Há 17 páginas completamente sombreadas a cinzento, tapando todas as palavras. Somente em 10 páginas (13,0% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Ainda vivemos em democracia?

    Página 15 do primeiro contrato assinado em Janeiro de 2021 (SANTE/2020/C3/043) entre a Comissão Europeia e a BioNTech-Pfizer

    O primeiro contrato com a Moderna (SANTE/2020/C3/054), assinado em Dezembro de 2020, tem 70 páginas. Destas, 49 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Há 8 páginas completamente sombreadas a cinzento, tapando todas as palavras. Somente em 13 páginas (18,6% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Ainda vivemos em democracia?

    O segundo contrato com a Moderna (SANTE/2021/C3/010), assinado em Fevereiro de 2021, tem 66 páginas. Destas, 48 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Há 7 páginas completamente sombreadas a cinzento, tapando todas as palavras. Somente em 11 páginas (22,9% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Ainda vivemos em democracia?

    O contrato com a Johnson & Johnson (SANTE/2020/C3/047), assinado em Outubro de 2020, tem 72 páginas. Destas, 38 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Há ainda 1 página completamente sombreada a cinzento, tapando todas as palavras. Somente em 33 páginas (45,8% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Ainda vivemos em democracia?

    O contrato com a AstraZeneca, assinado em data incerta, tem 41 páginas. Destas, 24 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Somente em 17 páginas (41,5% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Ainda vivemos em democracia?

    O contrato com a CureVac (SANTE/2020/C3/049), assinado em data incerta, tem 67 páginas. Destas, 30 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Há 18 páginas completamente sombreada a cinzento, tapando todas as palavras. Somente em 19 páginas (28,4% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Página 4 do contrato entre a Comissão Europeia e a AstraZeneca,

    Ainda vivemos em democracia?

    O contrato com a Sanofi e GlaxoSmithKline (SANTE/2020/C3/042), assinado em Setembro de 2020, tem 63 páginas. Destas, 27 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Há 12 páginas completamente sombreadas a cinzento, tapando todas as palavras. Somente em 24 páginas (38,1% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Ainda vivemos em democracia?

    Cansada de tapar vergonhosamente as páginas com sombreados a cinzento ou a negro, recentemente a Comissão Europeia alterou o método, retirando simplesmente os trechos e substituindo-os por três asteriscos (***), tendo no início do contrato disponível ao público a seguinte referência:

    CERTAIN INFORMATION IDENTIFIED WITH [***] HAS BEEN EXCLUDED FROM THIS EXHIBIT BECAUSE IT IS BOTH (I) NOT MATERIAL AND (II) IS THE TYPE THAT THE REGISTRANT TREATS AS PRIVATE OR CONFIDENTIAL.

    [certas informações identificadas com (***) foram excluídas deste anexo porque são (i) não materiais e (ii) são do tipo que se trata de informação particular ou confidencial.]

    Deste modo, o obscurantismo faz-se de uma forma mais pulha: a censura não é tão chocantemente visível, e por isso mesmo mais perniciosa.

    Assim, o contrato com a Novavax, em data incerta, tem 78 páginas, das quais 57 páginas com asteriscos, significando assim que somente 21 páginas (26,9% do total) não terão sido alvo de cortes.

    Ainda vivemos em democracia?

    Como chegámos aqui?

    Como recuperamos a Democracia? Ou já desistimos de viver em Liberdade?

  • Epístola sobre o Ronaldo, a Kraken e a Aritmética

    Epístola sobre o Ronaldo, a Kraken e a Aritmética


    São Francisco de Sales é o padroeiro dos jornalistas; por isso, no 2º episódio de Que nos salves, São Francisco de Sales, Pedro Almeida Vieira comenta as “notícias” (falsas) sobre os 200 milhões de euros que Cristiano Ronaldo ia receber (para trair Portugal) mas afinal não vai receber; demonstra como afinal a “montanha” sensacionalista do Público em redor da subvariante Kraken (da Ómicron) é um “rato” quando se olha para os verdadeiros números dos Estados Unidos; e finaliza com notas sobre os títulos absurdos do Diário de Notícias e do Observador (a partir de um take da Lusa) que “inflacionam” o peso da covid-19 na mortalidade total em Portugal durante 2022, e que revela que nem copiar (nem corrigir) sabem.

    Acesso: LIVRE

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