Etiqueta: Parsifal

  • A comovente homenagem aos eternos amigos

    A comovente homenagem aos eternos amigos

    Título

    As melhores histórias do melhor amigo

    Autores

    Vários

    Editora (Edição)

    Parsifal (Outubro de 2022)

    Cotação

    15/20

    Recensão

    Este As melhores histórias do melhor amigo é um livro sobre o amor. Uma das mais bonitas, fraternas e universais formas de amor – a que existe entre o Homem e o seu eterno melhor amigo de quatro patas: o cão.

    O fundador e editor da Parsifal, Marcelo Teixeira seleccionou quase uma vintena de breves contos e textos, escritos por reputados autores nacionais e internacionais, para homenagear os nossos sempre fiéis companheiros.

     É, por isso, verdadeiramente, uma coletânea de histórias de amor. Alguns escritos são de carácter ficcional, outros contam experiências reais. Cada um deles descreve uma vivência diferente, e em todos a emoção é tónica muito presente, com a relação (ou as relações) entre humanos e canídeos como protagonista.

    Formado em Arqueologia e História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Marcelo Teixeira dedicou grande parte da sua vida às letras, sobretudo como editor, onde se destacou como coordenador editorial da Oficina do Livro, antes de fundar a Parsifal em 2013. É co-autor dos livros de poesia Terna Ausência (2005) e Santo Ofício (2006), e dos livros História(s) do Estado Novo e Reflexões sobre a expedição punitiva norte-americana no México na imprensa portuguesa.
    Como o próprio assume, esta obra sobre a paixão por canídeos não teria surgido se não fosse a insistência dos seus filhos para que acolherem, na família, um novo membro, quadrúpede e peludo.

    Nesta “enxuta” obra de apenas 156 páginas, podemos assim ler escritores, vivos e já falecidos, tão distintos como Mark Twain, Anton Tchékhov, José Luís Peixoto, Machado de Assis, Sérgio Luís de Carvalho e Filomena Marona Beja. Todos os textos são uma ode a essa encantadora espécime que são os canídeos e a quem, como tão bem elucidam as palavras de Sérgio Luís Carvalho, “pouco falta (…) para serem humanos; e o que lhes falta apenas reverte a favor deles”.

    O “acervo” escolhido é bastante heterogéneo: alguns contos ou fábulas, bem-humoradas, arrancam-nos um sorriso aberto ou até mesmo uma gargalhada, enquanto outras suscitam-nos comoção, nostalgia ou compaixão.

    Assim, com Tchékhov, em A senhora do cãozinho, um lulu-da-pomerânia branco testemunha o início de uma história de amor. Em Rumo ao primitivo, de Jack London, temos um cão estilo “super-herói” chamado Buck. O cómico e indiscreto Black, um bull-terrier, é responsável pelo desenlace de um casal, ao “denunciar” o caso de dois amantes, no conto de Artur de Azevedo. Já Mark Twain, em A história de uma cadela, fala-nos sobre uma família canina bastante erudita, em que a mãe, uma collie, sabe, inclusivamente, que a palavra “agricultura” é um sinónimo de “incandescência intramural”.

    Marcelo Teixeira salienta, e bem, na introdução, a omnipresença destes animais na arte, na literatura, na cultura, e no quotidiano do Homem desde tempos imemoriais. Conseguirá alguém imaginar um mundo sem cães? O amor incondicional, a alegria, a lealdade, a proteção e a companhia que proporcionam aos seus bípedes pais adoptivos não têm par, e por isso esta homenagem a estes seres deveras especiais é uma justa retribuição.

    Vale muitíssimo a pena ter este livro em casa – com ou sem cão –, já que a sua aquisição é um ganho duplo: por um lado, acrescenta-se à biblioteca um tributo enternecedor a estes nossos fiéis amigos de quatro patas sob a forma de peças literárias imaculadas; e, por outro, contribui-se para a Associação Zoófila de Leiria – Fiéis Amigos e para a Associação Protectora de Animais da Marinha Grande, já que as receitas obtidas com as vendas revertem, na totalidade, a favor destas instituições.

    Deixo apenas uma advertência: quem não for já dono de um bichinho destes, poderá, com a leitura deste livro, ser assaltado por um forte desejo de se dirigir ao canil mais próximo e levar um consigo para casa. Se for o caso, não resista. É que, e para concluir, citando novamente Sérgio Luís de Carvalho: “E – vejam bem o que os cães nos fazem – mesmo sendo ateu convicto desde a minha juventude, chego muitas vezes ao ponto de agradecer a Deus por os ter criado”.

  • Do neo-realismo pacifista

    Do neo-realismo pacifista

    Título

    Romain Rolland: uma consciência livre

    Autor

    JORGE REIS

    Editora (Edição)

    Parsifal (Agosto de 2022)

    Cotação

    16/20

    Recensão

    Jorge Reis é o pseudónimo de Atilano de Reis Ambrósio, nascido em 1926, em Vila Franca de Xira, e falecido em 2005, em Paris. Alves Redol foi seu professor de Português, tendo sido, certamente, uma das pessoas a influenciar o seu percurso literário. Consta que dactilografou o romance póstumo de Redol, Os Reinegros, publicado três anos após a morte daquele escritor neo-realista.

    Outras influências terá tido, como as de Aquilino Ribeiro, de quem saiu em defesa aquando da edição do romance “Quando os lobos uivam” – obra censurada pelo Estado Novo. Aliás, uma das obras premiadas de Jorge Reis – Prémio de Ensaio da Associação Portuguesa de Autores – é o seu Aquilino em Paris, publicado em 1987.

    Terá sido em Paris que se conheceram, cidade onde Jorge Reis se exilou, por ter sido obrigado à clandestinidade durante a ditadura. Em Paris, trabalhou no Centre Catholique Intellectuels Français e na RTF, onde era responsável e locutor de um programa para os emigrantes portugueses.

    Além de escritor, ensaísta e ativista, Jorge Reis traduziu obras de Balzac, Rabelais, Maupassant e discursos do General De Gaulle. Não é de estranhar, portanto, que se tenha encantado com a exuberância, diríamos, de Romain Rolland, Prémio Nobel da Literatura em 1915. Com efeito, a leitura do monumental Jean-Christophe, romance em 10 volumes, foi uma referência para muitos jovens da sua época.

    A publicação desta obra de Jorge Reis, sobre a vida de Romain Rolland, sucede por vontade da Associação Promotora do Museu do Neo-Realismo, conforme afirma o seu director, António Mota Redol (filho de Alves Redol), no prefácio:

    “Este é um livro que Jorge Reis – o único dos escritores vila-franquenses que ganhou o Prémio Camilo Castelo Branco da extinta, por Salazar, Sociedade Portuguesa de Escritores – deixou inédito, apesar das suas tentativas para o publicar”.

    Uma consciência livre e inconveniente, para muitos da época, por isso dizíamos exuberante. Tanto mais que a liberdade, o princípio por que Romain Rolland pautou a sua vida, não era, não é, e provavelmente nunca será, o princípio de vida mais apreciado pelas classes políticas e económicas dominantes.

    É sobre essa vida independente que o livro de Jorge Reis trata, uma obra deveras relevante para os leitores interessados pelos valores humanistas e pacifistas. Com efeito, Romain Rolland admirava profundamente Leon Tolstói e Mahatma Ghandi, grandes defensores da não-violência e dos valores pacifistas.

    Muito escreveu sobre as razões e consequências da Primeira Grande Guerra e do quão desumanizadora é toda a acção bélica. O parágrafo que se segue data de 1914, mas poderia ter sido escrito hoje mesmo, o que mais uma vez nos mostra que os europeus e a Humanidade, em geral, não terão aprendido nada com a História:

    Sei que tais ideias têm hoje poucas probabilidades de serem ouvidas. A jovem Europa, que arde na febre do combate, sorrirá de desdém, mostrando os dentes de lobacho. Mas quando descer o acesso de febre, ver-se-á mortificada e, talvez, menos orgulhosa do seu heroísmo carnífice”.

    A leitura do livro deste livro de Jorge Reis pode ser compreendida como um convite à reflexão e, sobretudo, a visitar ou revisitar a obra de Romain Rolland – na segunda parte do livro, encontramos excertos de alguns dos seus escritos –, para quem todos os seres vivos mereciam viver em liberdade e de forma digna e respeitada.

    Romain Rolland, um dos maiores representantes do neo-realismo, foi um humanista que agora valerá a pena conhecer (ou recordar, ou invocar), numa época em que a liberdade, a dignidade e o respeito pela pessoa humana parecem estar em risco crescente.

  • Crónicas de uma cidade que se passeia

    Crónicas de uma cidade que se passeia

    Título

    Lisboa: indo e vindo

    Autora

    FILOMENA MARONA BEJA

    Editora (Edição)

    Parsifal (Abril de 2022)

    Cotação

    18/20

    Recensão

    Não tendo a pretensão de se tornar um guia e muito menos um livro técnico, Lisboa: indo e vindo consegue levar-nos a passear pela cidade e a ensina-nos Arquitectura, História e Arte sem que, para isso, sejam necessários conhecimentos prévios. Podia até ser mais uma no meio de tantas outras obras sobre a capital portuguesa, mas o ritmo, o tom e o estilo convidam a experimentar uma outra forma de conhecer a cidade dos alfacinhas.

    A escritora Filomena Marona Beja, num roteiro bem organizado e num estilo peculiar, junta memórias da capital portuguesa à História. No conjunto, revelam-se verdadeiros tesouros de curiosidades. Quem conhece a cidade, facilmente se recordará dos espaços descritos neste livro, e quem ainda não a conhece virá certamente a querer visitá-la.

    Como acontece em qualquer lugar habitado pelo Homem, também as cidades sofrem mudanças diárias. Os ritmos de vida, a evolução e o crescimento obrigam à construção de novos prédios, à inauguração de novas ruas e à demolição de edifícios. Por isso, não é tarefa fácil conhecer a génese dos espaços e das gentes, assim como não é fácil acertar no essencial da vida da comunidade, na vida quotidiana.

    Para o conseguir isso é preciso viver, gastar tempo, passar pela experiência da cidade. Filomena Beja faz tudo isto com competência e simplicidade. Contrariando outras obras menos credíveis, quiçá mais mercantilistas, desperta os sentidos do leitor e descreve cada lugar de forma expressiva, cristalina. Conta histórias, revela particularidades honestamente sustentadas.

    Neste conjunto de escritos a autora foge ao seu estilo habitual. Dedica-se a falar do Poço do Bispo, do Tejo, do Hospital de São José, do Jardim Zoológico, dos cafés lisboetas… Mas, porque estamos a falar de uma cidade tão vasta e tão rica, podemos perguntar: onde estão os outros lugares icónicos como o Campo Pequeno, o Jardim da Estrela, a Feira Popular ou tantos outros espaços que compõem e harmonizam o ritmo da cidade? Sabemos a resposta. Não estão. Não podiam estar. Não tinham que estar. Ainda que tenham feito parte dos 78 anos de vida da autora – e fizeram certamente – contribuir com demasiada informação seria correr o risco de transformar a obra num livro pesado, maçador.

    Livros como este são úteis. Neles se guardam memórias pessoais e coletivas. Fixam-se histórias. 

    Por isso, a crónica, estilo que Filomena Beja adoptou, foi uma excelente opção para deixar saudade a uns, matar a curiosidade de outros e despertar a vontade de passear pela cidade aos demais. São cento e quarenta páginas de equilíbrio e sobriedade. De Lisboa.