Etiqueta: Opinião

  • As asas de Mafalda Anjos: a hipocrisia e a incompetência, que minam o jornalismo

    As asas de Mafalda Anjos: a hipocrisia e a incompetência, que minam o jornalismo


    A crise da imprensa nacional não é de hoje. Também não nasceu da ascensão das redes sociais, ou da desinformação, que muitas vezes servem de bode expiatório para esconder as verdadeiras falhas que corroem as redacções e as suas lideranças. Não, o verdadeiro problema da nossa imprensa é interno e, por vezes, personificado por aqueles que ocupam as direcções editoriais.

    Directores que, sob o manto do jornalismo, colocam a promoção pessoal, o apadrinhamento político e as relações empresariais acima da integridade e da missão jornalística. O caso de Mafalda Anjos, directora da Visão e directora editorial (publisher) do grupo Trust in News durante vários anos – e que veio hoje ‘chorar lágrimas de crocodilo’ –  é exemplar, mas está longe de ser único.

    Mafalda Anjos fez, em Julho do ano passado, um exercício de indignação quando o PÁGINA UM abordou as dívidas colossais que a Trust in News foi acumulando desde 2018. Mafalda Anjos na sua prepotência escreveu que: “não me pronuncio sobre o conteúdo de artigos fantasiosos que versam as contas da TI nem permito que me citem em ON em qualquer artigo”.

    Printscreen do Instagram de Mafalda Anjos onde se ‘lamentou’ da situação da Trust in News.

    Mas hoje, com cerca de uma centena de jornalistas em risco de despedimento, a Trust in News está mergulhada numa insolvência que surpreende apenas os desatentos ou cúmplices. A recente publicação de Mafalda Anjos nas redes sociais pinta um retrato desconfortável da gestão editorial em Portugal. Escreveu ela que a Visão e as submarcas de nicho deram, até 2023, “uma margem de contribuição positiva para o grupo”. Isto é de uma incompetência; é de um ultraje, é de uma hipocrisia. Sem limites.

    Ao demarcar-se dos actos de gestão da Trust in News, tentando apagar o seu papel no descalabro, Mafalda Anjos confia na ignorância ou boa-fé dos incautos leitores.

    Não se pode esquecer – e Mafalda Anjos tem obrigação de saber, pelos seus lamentados largos anos em cargos de liderança em órgãos de comunicação social – que a Lei da Imprensa é clara, no seu artigo 20º: o director tem o direito de “ser ouvido pela entidade proprietária em tudo o que disser respeito à gestão dos recursos humanos na área jornalística, assim como à oneração ou alienação dos imóveis onde funcionem serviços da redacção que dirige” e ainda de “ser informado sobre a situação económica e financeira da entidade proprietária e sobre a sua estratégia em termos editoriais”.

    Se Mafalda Anjos não quis exercer esse direito ou até teve mas nada entende de demonstrações de resultados, deveria, em qualquer dos casos, ter batido com a porta logo no primeiro ano de liderança da Visão. Mas ela esteve como directora desta revista entre 2016 (antes ainda da chegada de Luís Delgado) e final de 2023. Foi publisher de todas as revistas do grupo de Luís Delgado entre Janeiro de 2018 e Dezembro de 2022. Só saiu de tudo quando o barco estava a afundar, mas tratou antes de conseguir para si um acordo de rescisão de 54 mil euros, tendo o karma lhe concedido, em troca, (mais) um calote do Luís Delgado.

    Statetement de Mafalda Anjos no Instagram sobre a manifestação de trabalhadores da Trust in News na Praça Luís de Camões, em Lisboa.

    Portanto, posto isto, se a situação da Trust in News chegou ao ponto de implosão, onde estavam a vigilância e a responsabilidade de quem liderava uma das suas principais publicações? É possível que a ex-diretora da Visão tenha ignorado, durante anos, os sinais evidentes de insolvência, confiando cegamente numa administração que foi acumulando paulatinamente 32 milhões de euros de passivo e com as dívidas ao Estado a subirem ao ritmo de 3 milhões ao ano? Ou será que a narrativa de “vítima de má gestão” serve apenas para proteger a sua imagem, ao custo da verdade?

    A verdade, por mais dura que seja, precisa ser dita: o problema maior do jornalismo nacional não está nas redes sociais, que funcionam como veículos de informação, desinformação e opinião. Está dentro das próprias redacções, onde direções editoriais, travestidas de jornalistas, abandonaram a missão de informar para se dedicarem à promoção de interesses privados, políticos ou empresariais.

    A sobrevivência e a credibilidade da imprensa não se esfumam apenas com as quedas nas vendas de papel; esfumam-se, sobretudo, com a erosão da confiança do público. E como se pode confiar em directores que ignoram, ou fingem ignorar, os indicadores financeiros das suas publicações? Que, no silêncio ou na conveniência, contribuem para o desmoronamento das instituições que dizem defender?

    O caso de Mafalda Anjos é paradigmático, mas não isolado. É impossível não lembrar Rosália Amorim, cujo desempenho à frente do Diário de Notícias num grupo que está a caminho da derrota (a Global Media, com a transmissão dos direitos do Jornal de Notícias para uma nova empresa jornalística, não vai durar nem um ano), resultou numa ainda maior perda de credibilidade do jornal. Hoje, veste-se de nova roupagem, trabalhando na Ernst&Young (EY), onde não hesita em promover eventos com a imprensa e com figuras que antes bajulava nas páginas do jornal, como sucedeu ainda esta semana com Gouveia e Melo.

    E-mail de Mafalda Anjos de Julho de 2023 no seguimento das primeira notícias do PÁGINA UM, há mais de um ano, sobre a desastrosa situação financeira da Trust in News, muito antes da sua oficial ‘implosão’.

    Esta reciclagem de protagonistas, entre a imprensa e os negócios, é o reflexo de um ecossistema podre, onde interesses cruzados e falta de escrutínio corroem a base de um jornalismo independente.

    Os jornalistas nas redacções – que hoje são as principais vítimas em ‘parceria’ com os leitores que cresceram confiando na imprensa e hoje se sentem desiludidos –, em vez de lamentarem a perda dos empregos, o seu e o dos seus camaradas de profissão, devem sim reflectir sobre o verdadeiro papel das direcções editoriais na crise da imprensa portuguesa.

    A democracia precisa de jornalismo destemido, rigoroso e credível, mas esse jornalismo só pode nascer de redacções lideradas por profissionais verdadeiramente comprometidos com a verdade e a ética. Enquanto as redacções se mantiverem reféns de directores mais interessados na autopromoção e em carreiras políticas ou empresariais, o futuro da imprensa continuará hipotecado.


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  • Fui eu quem apanhou os Melos no bar Cockpit

    Fui eu quem apanhou os Melos no bar Cockpit


    Fui eu quem apanhou Nuno Melo com Gouveia e Melo

    Está na hora de assumir: fui eu o jornalista que registou o encontro entre Nuno Melo e Gouveia e Melo. Frederico Duarte Carvalho, jornalista desde 1992, possuidor da carteira profissional número 1581, tendo trabalhado em órgãos de Comunicação Social como O Primeiro de Janeiro, Tal&Qual e Focus. Presentemente, jornalista freelancer, escritor e colaborador (ir)regular do PÁGINA UM.

    As imagens do encontro foram retiradas de um vídeo de 20 segundos que gravei na noite de terça-feira, dia 19 de Novembro, quando estava sentado na esplanada do bar Cockpit (que não fica em Alvalade. Mas por que toda gente insiste em dizer Alvalade? Haja rigor jornalístico, pois aquilo é Areeiro: a freguesia de Alvalade termina do outro lado da linha do comboio, a meio da Avenida de Roma. Se o encontro tivesse sido no bar Old Vic, do outro lado da linha, por exemplo, aí sim, seria Alvalade).

    Foto: PÁGINA UM / FDC

    As circunstâncias em que consegui captar o momento de relevante interesse jornalístico merecem ser explicadas. É preciso travar as teorias da conspiração levantadas por gente que, alegadamente (esta frase tão jornalística e tão esquecida), é séria.

    Ouço perguntarem por aí se as fotos foram ou não foram combinadas entre o jornalista e os intervenientes. Querem saber quem pagou para o jornalista estar ali, naquele momento. Ou ainda quem deu a informação sobre o encontro e porquê, porquê, ao PÁGINA UM. Irei então, dentro do que me é possível profissionalmente, elucidar algumas das mentes brilhantes do País sobre o que ainda se pode fazer no jornalismo em Portugal.

    Por volta das 22h21 recebi uma chamada no meu telemóvel – para quem controla os metadados, sim, podem ir ver quem me ligou. Era um amigo (apolítico) que soube, através de um amigo, que soubera através de um outro amigo de um amigo, que o piso superior do bar Cockpit tinha sido reservado para um encontro entre o ministro da Defesa, Nuno Melo, e o almirante Gouveia e Melo.

    A minha primeira reacção foi: “Está bem! Já ouvi melhores”, e deixar-me estar. Aquilo não fazia grande sentido, mas como ainda sou jornalista – não tenho horários de trabalho -, meti-me a caminho do local. Ajudou à decisão o facto de, por coincidência, estar por perto – e, se quiserem saber, por acaso eu é que estava mesmo em Alvalade nessa altura.

    Foto: PÁGINA UM./ FDC

    Cheguei então ao pequeno bar do Areeiro, poucos minutos depois das 22h30, que era a hora prevista para o encontro. Perguntei se podia ter uma mesa dentro e disseram-me que só havia espaço na barra do bar, pois o piso de cima estava fechado. Olhei para o local e comprovei que, de facto, não estava ninguém nas mesas de cima. Tal não significava, contudo, que estivesse fechado para uma cimeira de Defesa à Portuguesa. Fui então sentar-me numa mesa da esplanada. A única vazia e algo afastada da entrada principal. Não me parecia o melhor local, mas era o que havia.

    Pedi uma bebida para justificar a ocupação da mesa e esperei para ver se aparecia alguma das duas figuras que me tinham sido prometidas. Cogitava sobre o meu papel de jornalista e lembrava-me das várias esperas e fotografias que fiz em anteriores trabalhos. Apesar de ser jornalista da escrita, sei também o valor que uma boa imagem pode ter e mantenho esse instinto de fotógrafo jornalístico.

    (Há um bom par de anos, por exemplo, ao serviço do Tal&Qual, fiz uma espera para fotografar o carro oficial de António Guterres – ainda como primeiro-ministro -, a fazer uma manobra, então proibida, de virar à esquerda no cruzamento da Avenida Duque de Ávila com a Avenida da República, sem qualquer indicação de marcha de urgência – como mandam as regras -, dias depois do governante ter dado início à campanha de tolerância zero nas estradas nacionais.

    Foto: PÁGINA UM / FDC

    Noutro exemplo, em 2016, quando estava de férias em Roma, fotografei duas pessoas que conversavam no telhado de um edifício que me pareceu ser governamental, pois tinha várias bandeiras oficiais. Descobri depois, ao falar com jornalistas locais, que apanhara a presidente da Câmara de Roma, Virginia Raggi, a conversar no telhado da autarquia, com o seu chefe de Gabinete, Salvatore Romeo.

    A foto foi publicada na primeira página de vários jornais italianos. A imagem levantava a questão de que a autarca suspeitava que havia escutas no seu gabinete e, por isso, preferia tratar dos assuntos importantes no telhado da câmara municipal. Tudo poderia ter corrido bem para eles até eu tirar a foto por ter achado o momento algo insólito. E poético, até).

    Já se tinham passado quase 15 minutos e não havia sinal de Nuno Melo ou Gouveia e Melo. Senti que estava numa caça aos gambuzinos. No momento em que estava a pensar desistir da espera – estava disposto aguardar mais 15 minutos, até às 23h00 – vejo um táxi a chegar ao bar.

    Ao início, não deu para ver quem vinha dentro, mas a lógica dedutiva (leiam Arthur Conan Doyle) pensou que, se alguém se dera ao trabalho de apanhar um táxi para ir a um bar numa noite de terça-feira, é porque essa pessoa estava empenhada em ali chegar. Agora, poderia ser um morador local que chegava a casa? Seria lógico o ministro vir de táxi? O almirante? Faria sentido algum deles vir de táxi? O mais certo seria ser um simples morador a chegar a casa.

    Foto: PÁGINA UM / FDC

    De qualquer modo, o tal instinto jornalístico fez com que jogasse nas hipóteses e apontei discretamente o meu telemóvel para o local onde estava o táxi. Não conseguia ver quem estava no lugar de passageiro, pois a linha de visão passava por uma viatura estacionada ao seu lado. Ainda estive 30 segundos com a câmara ligada, sem nada de importante a acontecer, até que vejo uma cabecinha a sair do táxi. Era o almirante! A “coisa” ia mesmo acontecer. A informação era boa.

    O almirante Gouveia e Melo, assim que saiu do táxi – à civil – e caminhou para o bar, vindo na minha direção, não o fez a olhar para a esplanada onde eu estava. A sua atenção centrava-se na rua atrás de mim. Mal sabia eu – que continuava a segurar o telemóvel num ângulo casual ao mesmo tempo que tentava manter fixo o enquadramento e foco – que Nuno Melo estava também a chegar em viatura oficial.

    Gouveia e Melo ficou parado à minha frente e a olhar para trás de mim. Arrumou os óculos – no vídeo, parece que os seus olhos encontram os da minha câmara.

    (Pergunto-lhe, caro almirante: Viu-me mesmo a filmar e resolveu disfarçar ou isso escapou-lhe de todo?)

    Entra Nuno Melo em campo. De costas. Dá para reconhecer que é ele, mas a foto precisa de o identificar, sem margens para dúvidas. Ouço Gouveia e Melo a comentar que até pareciam que estavam ambos sincronizados.

    Mantenho a câmara fixa e espero que Nuno Melo não se lembre de olhar para trás de si. Ter-me-ia reconhecido (fui candidato do PPM ao Parlamento Europeu em 2009, quando ele e Paulo Rangel, os dois da AD que não foi feita na altura, eram os candidatos dos CDS e PSD. Cobri ainda a comissão de Camarate que Nuno Melo presidiu. A propósito, Nuno, vais pedir os documentos norte-americanos que ainda estão por divulgar ou preferes levar-nos para a III Guerra Mundial?

    Gouveia e Melo, segundo à esquerda. Foto: D.R.

    Acompanho com o telemóvel, discretamente, a entrada de ambos no bar. Num último momento, o ministro fica de lado e é possível identificar ambos. Nuno Melo leva o almirante pelo braço e aponta, ainda à entrada do bar, para o piso de cima. Percebo então que terá sido ele o responsável pela escolha do local. Está a explicar ao almirante onde se vão sentar.

    (Marcar um encontro com um almirante para a Avenida Sacadura Cabral tem o seu quê de interessante: apesar da associação imediata à Aviação, é preciso lembrar que se tratava de um oficial da Marinha e o raid aéreo de 1922 nunca teria sido possível sem o apoio daquele ramo das Forças Armadas. E se juntarmos a isso o facto de ter sido um antepassado de um antigo líder do CDS e também putativo candidato a candidato a Presidente da República, tudo isso aumenta as possíveis especulações em relação à escolha do local para uma cimeira deste nível).

    A esplanada está cheia, mas mais ninguém se parece preocupar. Não vejo ninguém a ligar para jornais ou a fotografar. Parece que fui mesmo único a registar o encontro. E sei que isso vai causar furor. Sem o trabalho jornalístico, sem as imagens que o comprovassem, qualquer informação que viesse a público referindo que ambos tiveram um encontro nocturno num bar, seria apenas um rumor. Nunca uma notícia.

    Assim que reuni as imagens do vídeo de 20 segundos, pensei: “O que farei com esta espada?”.  Liguei então para o Pedro Almeida Vieira, do PÁGINA UM – porquê para ele e não outro jornal? Simples: o PÁGINA UM também é o “meu” jornal e o Pedro é o director de jornal que mais vezes liga para mim do que qualquer outro director do País. Por isso, é dele que me lembro primeiro sempre que tenho uma notícia. A segunda hipótese seria o director do Tal&Qual, mas não o quis incomodar àquela hora tardia, pois a edição da semana já tinha fechado.

    Foto: PÁGINA UM / FDC

    O Pedro percebeu o valor do material que tinha nas mãos e sabia que não se podia guardar a informação para mais tarde. Era preciso agir na hora. Começou a preparar o texto, que foi publicado ainda o encontro não tinha terminado. Pedi para não assinar as fotos. Ainda. Não queria matar o mensageiro antes da mensagem circular.

    Saí da esplanada antes de Nuno Melo e Gouveia e Melo terminarem o encontro. Poderia ter esperado por eles e confrontá-los à saída? Claro que sim, mas como não gosto que me mintam, resolvi deixá-los nas suas conspirações nocturnas.

    Já tinha feito o meu trabalho. Agora, outros que fizessem o seu.

    Frederico Duarte Carvalho, jornalista (CP 1581)


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  • Gouveia e Melo é só a carranca da barca

    Gouveia e Melo é só a carranca da barca


    Como atuará Gouveia e Melo, se for eleito Presidente da República (PR)?

    Ou, mais precisamente: Gouveia e Melo cumprirá a função de moderador no regime político semipresidencial que a Constituição (CRP) atribui ao PR?

    São estas as principais perguntas a que devem responder nas suas mentes, primeiro, quem planeia dar a sua assinatura para levar o Tribunal Constitucional a validar a candidatura de Gouveia e Melo e, depois, quem se inclina a votar nele para PR.

    A escolha em eleições, e sobretudo de políticos, é um processo individual, interior, subjetivo; mas é influenciado pela envolvente. E pode ser também um processo complexo; mas para a maioria dos cidadãos resume-se tipicamente a um ou dois critérios, ou talvez a um ou dois factos ou imagens, afastando tudo o resto – só uma pequena fração da população tem tempo ou disponibilidade mental na sua vida, ou sequer interesse, para considerar e refletir sobre um panorama abrangente e mais do que complicado, complexo. A popularidade da imagem de Gouveia e Melo mostra-o: a distribuição de vacinas levou os media a elevá-lo a herói (por exemplo, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui ou aqui) e após apenas 9 meses a promover uma campanha para ele ser PR; e como um herói não tem defeitos (se tivesse, era humano não era herói) editores, jornalistas e comentadores fizeram em uníssono tábua rasa do seu passado desalinhado com a narrativa mediática do herói-sem-pecado-exemplo-de-virtude – e quem duvidasse de tal imaculada conceção era negacionista, malandro ou detrator… A falta de reflexão das massas sobre as imagens e legendas que as TVs lhes dão, em geral a visar o entretenimento e simplistas, abriu espaço à aclamação generalizada.

    As perguntas acima expressas olham para o futuro. Todos projetamos o futuro a partir de pegadas do passado – e desejos. Justamente por isso, é simplista, senão mesmo irracional, que um eleitor selecione pegadas: o caminho é feito de todas as pegadas; ou melhor, o caminho é contínuo, como é a esteira de um navio a navegar.

    Como já notei, é espantoso que já haja pessoas a dizer que votarão em Gouveia e Melo; muitos não querem saber da ausência de formação ou experiência política, que reconheceu; e por o acharem um herói num cargo logístico e executivo acham que vai ser o máximo num cargo que não é executivo e é o politicamente mais sofisticado e mais complexo do regime. Poucos reconhecem que as TVs tiveram e têm um papel decisivo na imagem que formam do seu herói. Esta opção mostra que escolhem por símbolos e imagens em vez da substância e dos factos. Só “falta” depois serem muito críticos dos políticos eleitos…

    A fé no “homem-forte” ou na “mão forte” – para “endireitar o país”… – revela a preferência pela autoridade, e até pelo autoritarismo, pela firmeza e pela eficácia na governação sobre o respeito pelo Estado de Direito Democrático; alguns acham que a farda militar é decisiva e sonham com caudilhos. Mas esta visão estereotipada é uma generalização infundada que sobrevaloriza a farda, como símbolo de autoritarismo ou de virtude. Quem quer um “homem-forte” é pouco dado a mudar de ideias – até ser “atropelado” por um “homem-forte”…

    Gouveia e Melo não se fez rogado em “atropelar” o seu antecessor à vista de todos. E faz o que pode para alimentar a imagem de “homem-forte” (decerto orientado e apoiado por uma “agência de comunicação”, formal ou informal); ocasionalmente ensaia uma imagem menos radical (o que isso lhe custa! É que ele não é um português suave…) para ser aceite pelos moderados, e aumentar a popularidade – que alimenta a vaidade. Diz que não é político, e disse que não quer ser político; mas busca palco mediático, cargos e popularidade, como qualquer outro político. O poder seduz Gouveia e Melo; qualquer cargo lhe serve.

    Já citei o General Loureiro dos Santos quando disse que “O grande problema dos militares a partir de certa altura é que não sabem fazer mais nada.” Com 64 anos, Gouveia e Melo pode tentar mudar a sua imagem no palco mediático para a base de apoio alargar; só que com uma personalidade vincada e autoritária e vaidoso, as várias contradições, e com décadas a mandar, a controlar e a não gostar de ouvir quem dele diverge (os “malandros” e os “detratores”…), leigo sobre políticas públicas em democracia, pode impressionar os mais superficiais, mas dificilmente vai passar a ser um moderado e um moderador.

    Mais. É verdade que qualquer militar fora da efetividade de serviço pode concorrer a, e ocupar, um cargo político como qualquer outro cidadão. Porém, acredito que mais de 10 milhões de cidadãos em Portugal desconhecem a norma legal no Estatuto dos Militares das Forças Armadas que estabelece (desde 1990) que “Regressa ao ativo o militar nas situações de reserva ou de reforma que desempenhe o cargo de Presidente da República, […].” (nº1 do art.152º do decreto-lei 90/2015). Com esta base legal, eleito PR, Gouveia e Melo pode voltar a usar o seu uniforme militar, no cargo; estou convencido que o fará. Assim, não custa imaginá-lo a aparecer em cenários de inundações, abalos sísmicos, grandes acidentes, fogos rurais, etc. vestindo o camuflado e a mandar – para ele toda a crise é uma guerra e ele o comandante supremo!… O poder de uma farda é grande nestas ocasiões, e em ambientes de tensão e de incerteza; e poucos arriscarão contrariá-lo. Com a convicção amplamente exibida de que sabe de tudo, tudo aponta para que venha a exorbitar as suas funções e a dizer ou fazer asneiras irreparáveis. Pode não ser nada de novo no cargo; mas é indesejável.

    Pior: dada a fraca preparação para o cargo e a vaidade, será facilmente instrumentalizado nos bastidores por um grupo que o bajule – e pelos vistos há um grupo cuja “máquina está pronta para arrancar”; decerto que ela não funciona com pés descalços ou com uns quantos palradores nas redes sociais… Logo, com a “vassoura” ele não vai construir a maioria política dele: ele só vai dar cobertura ao poder fáctico da barca cuja “máquina” o governará a ele na prática. Gouveia e Melo é só a figura de proa desta barca; não dá ordens para a máquina.

    Mas há mais. Como já referi, o atual PR e o Governo já mostraram ter receio de Gouveia e Melo, como ficou claro por lhe permitirem violar o dever de isenção a que todos os militares na efetividade de serviço estão sujeitos (nº2 do art.27º da Lei de Defesa Nacional, reforçado no art.20º do Regulamento de Disciplina Militar). E acharão que o podem controlar se o reconduzirem no cargo de comandante da Armada e o levarem a comandante dos exércitos, impedindo a recondução do atual CEMGFA ou a elevação a CEMGFA do comandante da Força Aérea (como deve ser, pela rotação entre exércitos), sem qualquer facto válido ou outro motivo. Quiçá receiam que, se Gouveia e Melo não for reconduzido, seja logo contratado por uma TV para a liturgia dominical, e aí diga coisas populistas e muitos eleitores o apreciem. Não custa prever que a sua fragilidade nos temas que mexem com as massas será tratada pela “máquina”, que o preparará para a coreografada liturgia semanal. Mas acaba-se a farda e fica exposto à crítica; por exemplo, outros canais de comunicação já o podem atacar por já não ser uma figura de Estado e passarem a ver a promoção do produto de um concorrente. A TVI promoveu Marcelo Rebelo de Sousa e promove agora Paulo Portas; o Grupo Impresa promoveu de início Gouveia e Melo, e promove há anos Luís Marques Mendes; cabe agora ao NOW promover Gouveia e Melo, em linha com a promoção que o Correio da Manhã faz dele há muitos anos.

    A opção da recondução tem garantido o fracasso, porque Gouveia e Melo já percebeu que é impune; logo, continuará a usar os media como lhe aprouver. Além disso, a recondução e a elevação a CEMGFA não o impedem de se candidatar a PR: só lhe acrescentam margem para explorar o cargo e a farda para se promover nos media, e deixar o cargo quando lhe convier.

    Mas há mais e pior. Quanto mais tempo estiver a comandar a Armada, mais dirigentes fiéis a si vai promover; e enquanto CEMGFA vai escolher dirigentes dos outros dois exércitos que lhe sejam fiéis – e é de fidelidade, e pessoal, e não de lealdade que se trata. Tornando-se PR meses depois de ser CEMGFA, terá nos exércitos muitos dirigentes fiéis, subordinados até dias antes. Com as dívidas pessoais criadas, a prevalência das relações pessoais sobre o respeito por instituições como o Estado de Direito (frequente entre os militares), a fidelidade destes militares pode ser usada por Gouveia e Melo para fazerem o que ele quiser, incluindo pressão mais ou menos discreta (por exemplo, com humilhações públicas, que tanto aprecia, como o Caso Mondego mostrou) sobre o Governo e não só. Com legitimidade alcançada por uma vitória numa eleição direta, uma personalidade autoritária e vaidoso, o perfil executivo, o passado recente de impunidade, e a tendência das elites portuguesas para se acomodarem a poderes fácticos e não ao Estado de Direito nem à Democracia, Gouveia e Melo fará o que lhe aprouver sem que os mecanismos do Estado de Direito o moderem ou travem – como já mostrou. Com a criatividade e a eficácia de que se gaba, depressa moldará um regime (aparentemente) presidencial, à margem da CRP e do Estado de Direito. De facto, como não percebe o regime e o processo político, será só uma figura de proa de um grupo de “assessores” e “conselheiros”, a barca, que o manipulará através da sua vaidade.

    Este é um cenário de fugir. Os sinais estão à vista de todos.

    O cenário será improvável. De facto, não creio que Gouveia e Melo consiga ser eleito contra o PSD e o PS, cujos dirigentes já anunciaram não o apoiar para PR, e as simpatias noutros grupos e óbvias no CDS são pequenas e emocionais; de resto, a melhor sondagem no auge da sua popularidade e sem concorrentes assumidos revelava 30% de apoio – e vai descendo, em sondagens cujas taxas de resposta revelam que só ativistas se manifestam.

    Mas este cenário não é impossível – os portugueses até já reelegeram quem os prejudicou… Para o afastar é necessário que os órgãos de soberania percam o infundado receio que têm de Gouveia e Melo; que os eleitores saibam que a imagem idealizada e heroica dele é uma miragem, por mais que “a máquina” sem cara ande a tentar endeusá-lo perante as massas.

    E é necessário que, pelo menos os eleitores que refletem antes de votar, observem todos os sinais antes de ser tarde, e percebam que Gouveia e Melo não vai cumprir a CRP, não vai acabar com a corrupção, não vai melhorar o SNS ou a educação, não vai aumentar a riqueza, não vai resolver o problema dos fogos rurais, nem qualquer outro problema significativo dos portugueses. Não lhe compete; e não sabe como. Só vai servir “a máquina” que o apoia.

    Jorge Silva Paulo é doutorado em Políticas Públicas


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


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  • Quo vadis, PÁGINA UM?

    Quo vadis, PÁGINA UM?


    O PÁGINA UM caminha para o seu terceiro aniversário, no próximo dia 21 de Dezembro, atingindo este mês o seu período de maior impacte. Ainda faltando dois dias para o término do mês, e publicando agora a nossa edição quinzenal, ultrapassámos já, neste período de 28 dias, um total de mais de 550 mil visualizações.

    Registámos uma notícia com mais de 305 mil leituras, um recorde que constitui um número impressionante mesmo na imprensa mainstream, e isto com uma notícia que teve impacte nulo nos outros órgãos de comunicação social, o que é revelador do estado da imprensa e do desvio do foco dos assuntos mediáticos. Temos conseguido consistentemente diversas notícias com impacte, como se verificou recentemente com o ‘furo’ conseguido pelo jornalista Frederico Duarte Carvalho, que fotografou o ministro da Defesa e o Almirante Gouveia e Melo a entrarem num bar num furtivo encontro nocturno.

    Editorial

    Mas essa é a parte visível do PÁGINA UM. Os ‘bastidores’ não são tão idílicos, porque, numa estrutura tão pequena, qualquer imponderável, qualquer investigação mais dificultosa, qualquer processo em tribunal – e ainda ontem tive de me deslocar ao DIAP para prestar declarações por um aditamento a uma queixa da actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins (que tem á sua disposição uma das firmas de advogados mais caras do país, a Morais Leitão) –, qualquer tentativa soez de nos difamar, causa enormes dificuldades logísticas e financeiras.

    Mesmo sem qualquer receio – orgulho-me de não ter jamais recusado abordar qualquer tema –, a pressão é, contudo, constante, pois numa redacção com recursos tão limitados, cada obstáculo tem o potencial de desviar o foco do essencial: investigar, informar e publicar com rigor e independência.

    Cada deslocação, cada novo dado a verificar, cada exigência burocrática ou legal representa tempo e esforço que, numa grande redacção, poderiam ser diluídos por uma equipa alargada. Aqui, no entanto, não: tudo recai sobre um núcleo reduzido, onde cada jornalista acumula múltiplas funções e enfrenta desafios que vão muito além do mero trabalho editorial. Acresce ainda que, fruto do nosso trabalho, cada vez nos chegam mais denúncias, esperanças de que possamos abordar temas que os outros calam ou subvalorizam. Arrisco que a nossa incapacidade humana de dar resposta se confunda, aos olhos desses leitores, com indiferença. Não é: e por cada denúncia que não posso confirmar, há um lamento e uma certa frustração.

    Caros leitores, a independência jornalística tem um custo – e esse custo não é apenas financeiro, é também humano, logístico e emocional. No PÁGINA UM, lutamos todos os dias para trazer a verdade até vós, enfrentando desafios que muitas vezes nos colocam à beira do impossível. Não temos grandes grupos económicos por trás, nem interesses políticos a ditar o que publicamos. Mas isso também significa que dependemos cada vez mais dos leitores, apenas dos leitores, do seu apoio, da sua confiança, para continuar a ser a voz livre que te informa com rigor e coragem.

    persons right foot on white wall

    Hoje, mais do que nunca, a pergunta impõe-se: para onde vai o PÁGINA UM? Quo vadis? A resposta está nas suas mãos. Num mundo da comunicação que se desmorona e descredibiliza, se acredita na importância de um jornalismo independente, sem medo de questionar o poder, ajude-nos a resistir e a crescer. Temos conseguido até agora sobreviver – mas sobreviver não é viver nem é crescer, e para atingirmos objectivos não basta fazer ‘cócegas’, não se mostra produtivo entrar num desgaste cíclico. Por isso, cada vez mais, desafiamo-nos a crescer, mas isso apenas se alcança com o seu contributo, o único garante para que continuemos a investigar, a denunciar, a informar.

    Subscreva, partilhe, divulgue e apoie o PÁGINA UM. Porque sem si, o nosso caminho pode terminar mais cedo do que gostaríamos. O PÁGINA UM deseja, cada vez mais, ser a página de informação e de reflexão de um, de muitos, de todos; é de todos aqueles que ainda acreditam na força da jornalismo como um dos pilares da democracia e do livre pensamento, mesmo se incómodo, mesmo daquele que possa não tem razão mas que detém o direito de se expor perante os outros, até porque… pode ter razão, ou pelo menos ajuda a consolidar a nossa opinião.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

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  • Fazer jornalismo incomoda os lacraus

    Fazer jornalismo incomoda os lacraus


    O ‘agente de comunicação’ Luís Paixão Martins, fundador da LPM, diz-se reformado, mas vai espalhando as suas ferroadas venenosas, discretamente, e agora sem filtro no canal Now.

    Ora, ontem à noite, a pretexto de comentar o encontro entre Gouveia e Melo e o ministro da Defesa, Nuno Melo, veio Luís Paixão Martins chamar-me negacionista das vacinas e outros mimos. Luís Paixão Martins, e os da sua laia, sabem bem como tentar conspurcar o PÁGINA UM que, cada vez mais, incomoda em muitos assuntos, apesar de termos uma redacção pequena e poucos meios humanos. Incomodamos em todas as áreas, e também ainda sobre o que se passou na pandemia, que a muitos beneficiou, havendo agora muitos interesses em colocar pedras sobre o assunto. Mas o PÁGINA UM não lhes tem feito esse favor.

    Temos ainda em curso processos no tribunal administrativo para obter os contratos das vacinas; temos ainda em curso pressões para o Infarmed disponibilizar toda a informação sobre as reações adversas das vacinas, fomos o jornal que revelou que Gouveia e Melo se mancomunou com a Ordem dos Médicos para serem vacinados médicos não prioritários; fomos o jornal que revelou que o ex-bastonário da Ordem dos Médicos Miguel Guimarães, actual deputado do PSD, escondeu pareceres do Colégio de Pediatria que em 2021 recomendava não se vacinarem menores saudáveis; fomos o jornal que denunciou a gestão ilegal de uma campanha de solidariedade financiada por farmacêuticas por parte da actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, de Miguel Guimarães e de Eurico Castro Alves. E muito mais.

    Isto não é ser negacionista. Isto é ser jornalista. Isto é ser jornalista a questionar e escrutinar os poderes. Não fazer isso seria sim, como muitos fazem, negar os princípios do jornalismo.

    Eu sei que isto incomoda – e sei também como se contratam lacraus para tentar denegrir a minha imagem e a do PÁGINA UM. Chamarem-me negacionista não é só um ultraje; é querer intencionalmente negar aquilo que busco como jornalista: verdade e transparência.

    Não sei se este lacrau mercenário [Luís paixão Martins] terá sido pago para intencionalmente me denegrir, desinformando e semeando mentiras. Provavelmente, não. Talvez tenha feito a patifaria de borla para se vingar de duas notícias que o PÁGINA UM escreveu sobre a forma como a ‘sua’ LPM come da mão do poder.

    Uma das notícias revelou que a LPM tinha vencido o concurso para prestação de serviços de assessoria de imprensa da Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS), apesar de manter, no seu portfólio de clientes privados, sete farmacêuticas e mais uma dezena de empresas e entidades do sector da saúde, entre as quais um hospital privado, uma empresa de homeopatia, três sociedades médicas, uma empresa e uma associação de empresas de diagnóstico médico, uma fundação e duas instituições não governamentais. Esta notícia sobre a contratação da empresa fundada pelo conhecido consultor de marketing político do Partido Socialista, levou a que fossem pedidas explicações ao então ministro da Saúde, Manuel Pizarro, sobre as promiscuidades na estratégia de comunicação do SNS.

    O caso surgiu de uma investigação do PÁGINA UM aos contratos públicos para a contratação de serviços de assessoria de comunicação, que denunciou que apenas três em cada 100 contratos são feitos por concurso público, demonstrando que prevalece uma relação de uma proximidade e ‘amiguismo’ entre ‘agentes de comunicação’ e entidades públicas, na hora da contratação.

    Ou então pode não ser um acto de vingança de Luís Paixão Martins e este está apenas a posicionar-se para se candidatar a preparar a candidatura de um putativo candidato às presidenciais…

    P.S.: As imagens reveladas pelo PÁGINA UM sobre o encontro no bar Cockpit foram obtidas por um jornalista acreditado e a notícia foi escrita por mim. Não foram obtidas por um mirone nem obra do acaso, como sugeriu Luís Paixão Martins; foi sim obra da nobre arte do jornalismo.

    P.P.S.: A directora de informação da agência Lusa, Luísa Meireles, num comentário a uma publicação de Luís Paixão Martins, na rede X, mostrou-se muito preocupada em saber quem teria avisado o PÁGINA UM sobre o encontro. Que a directora da Lusa vá para uma rede social questionar ou lançar suspeitas sobre as fontes de um órgão de comunicação social já seria lamentável. Mas, pior ainda, é a Lusa, uma agência noticiosa pública, insistir em referir-se ao PÁGINA UM como “site” e às suas notícias como “publicações”. Além de lamentável esta atitude é profundamente deselegante, tendo em conta que fomos colegas no Expresso há cerca de duas décadas.


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  • Trump, o ambientalista acidental

    Trump, o ambientalista acidental


    Vale a pena começar pelo básico. A poluição é um termo em Ecologia associado ao processo de introdução de substâncias ou energia no Ambiente que causem efeitos negativos nos ecossistemas e na saúde humana, desregulando-os, tanto a curto como a longo prazo. Nessa medida, somente nas últimas décadas, o dióxido de carbono passou a considerar-se um poluente, em sentido lato, não por causar um efeito imediato ou ser tóxico, mas pela influência que terá no clima.

    Porém, antes disso, os processos de combustão – as principais fontes de emissão de dióxido de carbono, havendo também outros gases com o chamado ‘efeito de estufa’ – não devem ser olhados apenas nessa perspectiva climática. É um erro crasso – e por eu, que comecei a minha actividade jornalística nos anos 90 sobre questões ambientais, exaspero-me agora, e irrito-me deveras, com o monotema mediático das alterações climáticas no contexto ambiental, como se nada mais houvesse, ‘sequestrado’ que foi por políticos e empresas que encontraram aí ‘fermento’ para o ‘greenwashing’, transformando a Ecologia num negócio e numa espécie de culto onde vale mais parecer do que ser. A Ecologia passou a ser política. E na política usam-se demasiadas vezes artimanhas de desresponsabilização, sendo que um dos truques é encontrar bodes expiatórios.

    Se houvesse, globalmente, políticas sustentáveis de promoção de tecnologias, de eficiência energética, de mobilidade e transporte, de produção industrial, de comércio internacional e de planeamento urbanístico – onde os políticos falham redondamente – não seria preciso estar constantemente a ‘massacrar’ as pessoas de que vem aí o ‘diabo’, e de criar bodes expiatórios. Com boas políticas feitos com bons políticos, a redução das emissões de gases de efeito não seriam o objecto mas a consequência de um uso sustentável, equilibrado e eficiente dos recursos.  

    Mas nada disso tem interessado.

    Tem interessado, sim, criar um circo mediático, de que a Conferência das Partes na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP), já na vigésima nona edição, é o símbolo máximo da inépcia e do faz-de-conta. E criar sobretudo bodes expiatórios.

    O renovado bode expiatório chama-se Donald Trump. Nada há a dizer de muito favorável ao próximo presidente dos Estados Unidos em termos de políticas e sensibilidades ambientais. No seu primeiro mandato, entre Janeiro de 2017 e Janeiro de 2021, era conhecido o seu (mais do que) cepticismo sobre a causa humana das alterações climáticas e quis mesmo abandonar a ‘mesa de negociação’ do Acordo de Paris. Não quero discutir aqui esse aspecto, mas tão-só relativizar (e enquadrar) a sua acção: nos anos do seu primeiro mandato, os Estados Unidos até registaram uma redução relevante nas emissões (-7,3%), passando de 6,07 Gton em 2016 para 5,63 Gton em 2020. Os valores conhecidos nos primeiros dois anos da Administração Biden mostram, hélas, um crescimento de 13%, passando para 6,0 Gton em 2022. Quem diria, não é?

    Mas a questão essencial, que todos procuram ignorar, é a existência de um gigantesco elefante no meio da sala – e que, por pudor, receio ou interesse comercia, os políticos não falam, porque convém diabolizar Trump: a China.

    Em 1970, a China emitia apenas 1,83 Gton de gases de efeito de estufa. Duas décadas depois subiu para as 4,41 Gton, superando os Estados Unidos em 2004 como o país com maiores emissões. Nesse ano, em virtude do forte crescimento económico baseado na queima de carvão e no aumento das exportações, a China emitiu 7,03 Gton. Uma ‘coisa’ de nada, se observarmos que 18 anos depois, em 2022, as quantidades tinham mais do que duplicado, para impressionantes 13,94 Gton, mais do que os três países juntos nas posições seguintes: Estados Unidos (6,0 Gton), India (4,05 Gton) e Rússia (2,29 Gton).

    Por esse motivo, paradoxalmente, a intenção de Donald Trump de reduzir o fluxo de exportações da China para os Estados Unidos poderá, afinal, ter um impacto significativo nas emissões de gases de efeito de estufa, especialmente se considerarmos o peso do país asiático no comércio global e em tecnologias, frequentemente obsoletas e poluentes, que utiliza nas suas cadeias produtivas. Aliás, diversas análises confirmam que as exportações da China para os Estados Unidos representam um défice de custos ambientais para o país asiático, já que os produtos chineses, de menor valor agregado e alta intensidade de carbono, custam àquele país 74% mais emissões por unidade económica do que os bens que os Estados Unidos exportam para a China.

    Num mundo globalizado, a produção e o transporte de mercadorias acarretam também custos ambientais elevados. Grande parte dos produtos exportados pela China utilizam métodos de produção intensivos em carbono, com uma pegada ecológica que abrange desde a extracção de matérias-primas até o transporte.

    a group of people standing in a foggy area

    Reduzindo-se as exportações a partir da China, e promovendo a produção local (leia-se, Estados Unidos), de forma “acidental” estará Trump também a contribuir para uma redução global nada negligenciável na redução dos gases com efeito de estufa. Não apenas porque os Estados Unidos têm tecnlogias mais limpas, mas também porque se reduzirá o transporte marítimo, responsável por cerca de 3% das emissões globais de gases com efeito de estufa. Assim, uma redução do volume de importações da China para os Estados Unidos até poderia aumentar as emissões do país americano, mas reduziria o impacte directo global, por ‘cortar’ nas emissões do transporte e da produção chinesa com maior pegada ecológica.

    Deste modo, numa perspectiva de descarbonização, Trump arrisca ser um autêntico ambientalista, mesmo se acidental. Para desespero de muitos, que jamais apontam o dedo à China. Afinal, convém manter bem alimentados um bom bode expiatório, enquanto também se ‘culpam’ as pessoas, e os políticos continuam a passear-se ‘verdejantes’.


    N.D. Foi feito um pedido expresso, que decidimos acolher, para divulgar um pequeno mas relevante manifesto de um grupo de pessoas que trabalharam ou colaboraram em publicações do actual grupo Trust in News. Os subscritores iniciais são os seguintes: João Gobern, José Silva Pinto, Inácio Ludgero, Fernando Dacosta, Manuel Vilas-Boas, Rui Pregal da Cunha e Carlos Oliveira Santos.

    As novas subscrições devem ser dirigidas ao email costerra1953@gmail.com.

    Os signatários, tendo trabalhado ou colaborado com publicações atualmente integradas no grupo Trust In News, vêm manifestar a sua indignação pela incúria e irresponsabilidade a que chegou este importante grupo de comunicação social, e solidarizam-se com os seus trabalhadores, desejando a positiva continuidade das respetivas publicações.


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  • Brasil: entre a amnistia e a democracia

    Brasil: entre a amnistia e a democracia


    Na língua portuguesa, o vocábulo “amnistia” adquiriu ao longo do tempo feições diferentes. De inspiração divina, a noção de amnistia está de certo modo associada à idéia de perdão. Quando Pedro pergunta-lhe se deveria perdoar até sete vezes o irmão que pecasse contra si, Jesus responde-lhe: “Não te digo que até sete, mas até setenta vezes sete” (MT 18:21-22).

    No contexto histórico, o termo quase sempre esteve associado a transições pacíficas de poder, quando um sistema autoritário cedia passo – por pressão ou por exaustão – a regimes democráticos. Foi assim que a Espanha deu adeus ao franquismo (1977). Foi assim que o Uruguai despediu-se de quinze anos de ditadura (1986). E foi assim que a África do Sul conseguiu superar, sem enfrentar uma guerra civil, a pesada herança do Apartheid (1995).

    O Brasil, contudo, preferiu outra toada. Ou, por outra, levou ao paroxismo o conceito de amnistia. Como se quisesse dar razão à canção de Chico Buarque, o Brasil adotou o lema segundo o qual não há pecados ao sul do equador. Tudo valia para olvidar o passado, desde que não fosse necessário encarar suas cicatrizes históricas. Por pior que fosse o delito, sempre haveria uma pedra para colocar em cima do assunto.

    Christ Redeemer statue, Brazil

    A “teoria da pedra” era, a um só tempo, simples e sedutora. Simples, porque resolvia numa só canetada todas os imbróglios que porventura existissem entre diferentes facções políticas. E sedutora porque, não sendo possível punir infratores, dispensavam-se os próceres do novo regime de contrariar poderosos. Daí, por exemplo, a amnistia aos golpistas de 1955, que se levantaram contra a eleição de Juscelino Kubitschek, impedidos tão-somente pelo contragolpe do Marechal Henrique Teixeira Lott. Daí, também, a amnistia aos sediciosos da Força Aérea, que tentaram derrubar o mesmo JK alguns meses depois, na Revolta de Jacareacanga, no Pará.

    Foi com esse mesmo espírito que se arquitetou o último perdão da qual se tem registro no Brasil: a amnistia de 1979. Uma vez que a ditadura não estivesse fraca o suficiente para sucumbir, nem a oposição forte o suficiente para derrubá-la, o retorno à normalidade democrática ficou vinculado a um arranjo de bastidores entre a turma da caserna e aquela liderada por Tancredo Neves. Coube a Tancredo negociar um arreglo através do qual se aceitava a autoamnistia requerida pelos militares, condicionada a uma transição pacífica de poder após o fim do governo de João Figueiredo.

    Os militares, claro, cumpriram apenas parcialmente o prometido. Dois anos depois da Lei da Amnistia, integrantes da linha dura do Exército tentaram literalmente explodir a abertura política, ao colocar uma bomba no show de 1 de Maio de 1981. Enterrado sem exéquias em um inquérito policial-militar de fancaria, o atentado do RioCentro entraria com desonras no panteão de maiores vergonhas da historiografia nacional. A morte dos incompetentes militares terroristas – que deixaram a bomba explodir ainda dentro do carro que guiavam – foi atribuída a “elementos de esquerda” e nunca mais investigada, a despeito de ser cronologicamente impossível que o crime estivesse sob o abrigo da lei de 1979.

    Obviamente, as sucessivas amnistias retiraram dos golpistas tupiniquins a percepção de perigo. Como as ações ilegais praticadas por paisanos ou militares golpistas jamais eram punidas, o risco de ir para a cadeia deixou de ser considerado nessa equação. Ao contrário da Argentina, onde os militares foram condenados em um julgamento histórico, aqui a idéia sempre foi a de colocar uma pedra em cima do assunto e simplesmente esquecê-lo. Com todas as desgraças que já se abateram sobre nuestros hermanos desde a última ditadura – e elas não foram poucas –, nunca se ouviu sequer sussurro de gente propondo golpe de Estado por aquelas bandas. Por quê? Porque Jorge Rafael Videla, o mais emblemático dos presidentes-generais portenhos, morreu aos 87 anos sozinho e esquecido na prisão, sentado em um vaso sanitário imundo e fétido, siderado por uma diarréia.

    A close up of a barbed wire with a blurry background

    Cá no Brasil, ao contrário, ao invés de ser exorcizado, o fantasma da intervenção militar ficou apenas trancado no armário. Bastava alguém disposto a abri-lo para que ele voltasse a assombrar-nos. Foi exatamente o que aconteceu com a eleição de Jair Bolsonaro, ele próprio um elemento subversivo da tropa, “expulso a convite” depois de um julgamento absolutamente bizarro do Superior Tribunal Militar, por ameaçar colocar bombas em quartéis e na adutora do Guandu, no Rio de Janeiro (para quem quiser se aprofundar no assunto, recomenda-se a leitura do livro O cadete e o capitão: a vida de Jair Bolsonaro no quartel, de Luiz Maklouf Carvalho). Tudo que se sucedeu no país após sua eleição é reflexo directo dessa “cultura do perdão” expressa na “teoria da pedra”.

    Que houve uma tentativa de golpe no dia 8 de Janeiro de 2023, parece inteiramente fora de questão. O roteiro para a ação golpista – e, portanto, criminosa – é claro como água de bica: os “patriotas” invadiriam a Praça dos Três Poderes, detonariam tudo e clamariam pela “intervenção militar constitucional”. No melhor cenário (para os golpistas), os comandantes mandariam tirar seus homens dos quartéis, tomariam de assalto (literalmente) o poder e prenderiam Lula e todo o seu governo. Bolsonaro, então, faria um regresso triunfal do seu autoexílio na Disney, descendo ao campo de batalha para “matar os feridos”, isto é, iniciar o expurgo contra a ordem derrubada. O primeiro da lista, evidentemente, seria Alexandre “Xandão” de Moraes. Depois dele, Luís Roberto “Boca de Veludo” Barroso e Edson “Advogado do MST” Fachin. O resto a combinar.

    No “pior cenário”, os militares não dariam um golpe clássico, mas o governo – pego de calças curtas pela destruição das sedes dos três poderes – convocá-los-ia através de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (as famosas GLOs) para “pôr ordem na casa”. Nesse caso, depois de ver a ordem restabelecida pelos mesmos militares a quem os golpistas pediam intervenção, Lula estaria magnificamente emparedado. Ou bem seria obrigado a renunciar, em prol de uma suposta “pacificação nacional”; ou então ficaria na Presidência como um animal empalhado, sem poder algum, tutelado pelo pessoal da caserna. Felizmente, contudo, ocorreu o “pior pior cenário” para os golpistas: o golpe malogrou e a maioria foi em cana. O que se desenrola, agora, é a tentativa de saber até onde vai a responsabilidade de cada um pelo que sucedeu naquela fatídica data.

    Mesmo a saber de tudo isso, parte da mídia especializada e da classe política insiste na concessão de uma amnistia à cúpula do golpismo. Segundo essa gente, somente assim seria possível “moderar” o bolsonarismo e diminuir a temperatura da polarização política que nos aflige. É o tipo do raciocínio que só pode ser produto de tabagismo com cannabis apodrecida. A uma, porque não existe “bolsonarismo moderado”, eis que o próprio movimento depende, para sobreviver, de um estado de tensão e provocação institucional permanentes. A duas, porque o que modera golpista é cadeia. Repetindo: CADEIA. Bolsonaro não foi condenado quando capitão. Deu no que deu. Donald Trump saiu ileso da intentona golpista do 6 de Janeiro. Deu no que está dando.

    A esperança de que uma amnistia traga um futuro melhor, de calma e tranquilidade, já foi desmentida vez após vez. Ela só funciona – quando funciona – se for fruto de um pacto genuíno em que a parte amnistiada exerce um ato sincero de contrição. Isso no Brasil nunca houve. Em todos os casos, a amnistia serviu apenas de muleta jurídica para resolver sem grandes traumas nosso crônico problema de accountability.  Deixar impunes os pecados pretéritos não representa senão um convite à repetição desses mesmos pecados no futuro. Errar é humano. Insistir no erro tem outro nome.

    Por todas essas razões, se, ao final do processo, ficar comprovado que Bolsonaro e seus generais estiveram de facto envolvidos numa tentativa de golpe de Estado, que a espada da Justiça caia sobre as suas cabeças com todo o rigor que dela se pode exigir. Não se pede nada além disso. Não estamos mais em 1964. Não estamos mais em 1979.

    Amnistia?

    Nunca mais.

    Arthur Maximus é advogado no Brasil e doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa


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  • Da informação à manipulação: o caminho até ao desastre (como se viu nas eleições dos Estados Unidos)

    Da informação à manipulação: o caminho até ao desastre (como se viu nas eleições dos Estados Unidos)


    Nos últimos anos, o panorama mediático português, mimetizando a imprensa internacional que passou a ‘eleger’ temas e formas ‘correctas’ da sua abordagem – criando assim ‘narrativas’ –, tem-se deixado enredar num jogo perigoso. O distanciamento que antes marcava a sadia relação entre jornalistas e actores políticos (que não envolve apenas políticos), permitindo um espaço e tempo de reflexão crítica, deixou de existir: progressivamente, estamos perante um contínuo ‘campo de batalha’, onde se misturam convicções pessoais e posições ideológicas, convertendo-se, neste processo, a função primordial de informar numa plataforma de manipulação de opinião pública.

    O caso mais paradigmático, e até vergonhoso, sucedeu com as recentes eleições norte-americanas, onde se repetiu o erro colossal de uma avaliação ideológica por parte da esmagadora maioria de jornalistas, a tal ponto esmagadora que condicionou o mero acto de informar. O jornalismo lusitano quis mesmo imitar o modelo da imprensa norte-americana, abandonando a missão de ser um autêntico Quarto Poder para se arrogar como formador de opinião e, pior ainda, como orientador de voto. Em Portugal, de uma forma ainda envergonhada, já se tinha assistido a essa faceta nas eleições legislativas, com a ‘diabolização’ do Chega, que afinal até ‘cavalgou’ a onda da vitimização e da ausência de apreciação crítica por parte da imprensa aos falhanços clamorosos das políticas dos partidos tradicionais (e pouco criticados pelo seu desempenho). O populismo cresce quando a imprensa adormece.

    blue and white round plate

    Um ‘sinal dos tempos’, uma terrível tendência, a enraizar-se perigosamente nas sociedades ocidentais, tudo agora se bipolariza e se dramatiza, e maniqueiza-se, se reduz a uma visão dualista e simplista de bem versus mal, certo versus errado, com que se parte assim para a ostracização da outra parte, diabolização da outra parte e, claro, assim se justifica uma ‘benéfica’ censura da outra parte. Adjectiva-se sempre. Rotula-se ainda mais. Isola-se para eliminar.  

    Viu-se esta abordagem no caso da pandemia da covid-19. Na invasão da Rússia à Ucrânia. Nas eleições brasileiras de Outubro de 2022. No conflito (agravado) de Israel e da Palestina. E agora, de uma forma absurda, nas eleições norte-americanas, exacerbadas a um nível de mediatismo jamais visto. E bastou ver isso nas manchetes, nas reportagens, nos debates e nas redes sociais, onde, diria, praticamente todos os jornalistas mostravam uma veemente posição anti-Trump, como se esta fosse uma medalha de honra e prestígio, colocando-o numa luz inteiramente negativa, e favorecendo (endeusando) uma narrativa pró-Kamala Harris, posicionando-a como símbolo de mudança e progresso.

    As escolhas editoriais serão sempre inevitáveis em qualquer redacção; o problema não reside em reconhecer que cada jornal, e cada jornalista, tem os seus valores – mas sim na total falta de capacidade em discernir que um jornalista é mais do que a sua opinião; é sobretudo a sua função. Ele tem de saber distinguir entre a sua opinião – que pode dar – e a informação factual – que deve dar. Se assim não funcionar, como não funcionou no caso das recentes eleições nos Estados Unidos, o resultado será sempre uma visão distorcida da realidade.

    Hoje, depois dos resultados das eleições, não está em causa os perigos inerentes à recuperação do poder por parte de Trump nos Estados Unidos – um país que, em todo o caso, sendo uma federação sólida, possui ‘defesas’ ao despotismo que a União Europeia não tem perante os burocratas não-eleitos –, mas sim as tristes reportagens, as desoladoras análises e os desastrados estados de alma pessoais transmitidos por tantos jornalistas que, por estarem presos a análise subjectivas, falharam rotundamente. A realidade tratou de destratar as certezas absolutas dos jornalistas; e isso sucedeu porque eles quiserem moldar as suas convicções a uma realidade virtual que desejavam. E isso mostra-se dramático para a credibilidade da imprensa.

    Os últimos anos têm mostrado e demonstrado os erros da deriva da imprensa, que deixou de ser o watchdog (o vigilante sobre os excessos do poder) para se comportar como uma máquina ideológica amestrada (petdog), transformando-se numa força manipuladora que infantiliza o público, privando-o até de uma visão informada e multifacetada dos acontecimentos.

    Ao optarem por esta via, os jornalistas desrespeitam o princípio da imparcialidade – essencial para uma informação credível –, abrindo as portas para uma profunda desconfiança por parte do público.

    Este cenário mostra-se ainda mais grave quando se considera a formação de grande parte dos jornalistas e comentadores que dominam a imprensa mainstream e, especialmente, os canais de televisão. A proliferação de comentadores em espaços informativos sem preparação sólida ou conhecimento profundo dos assuntos abordados, que se repetem e são caixas de ressonância, constitui um fenómeno que agrava a componente enviesada dos jornalistas. Hoje, os comentadores são escolhidos não pela sua competência, mas pela sua capacidade de cativar a audiência quer com o seu estilo, quer com o seu visual, quer como um certo charme retórico.

    Esta seleção, que se baseia mais na forma do que no conteúdo, contribui também para uma erosão, para um crescente desgaste da qualidade da análise e da informação oferecida ao público. Em vez de especialistas ou vozes críticas, informadas e diversificadas, temos frequentemente comentadores que falam com a mesma confiança sobre política, economia ou desporto, como se todos os temas se reduzissem a uma opinião simplista e pessoal.

    Quando jornalistas, como Luís Ribeiro (Visão), perante eleições democráticas de um país com uma democracia sólida, observam tudo com um olhar maniqueísta, e o transmitem como jornalistas, a credibilidade da imprensa, e a sua função informativa e de watchdog, segue o seu curso a caminho do desastre.

    Além disso, ao se preferirem comentadores ideologicamente alinhados – e não apenas política ou ideologicamente falando –, que reforçam as mesmas narrativas, os meios de comunicação estão a cooptar vozes que, em vez de alargarem o debate, o limitam, alimentando uma espécie de câmara de eco onde apenas se ouvem as opiniões que confortam uma certa visão do mundo.

    Este círculo fechado de opiniões está a criar uma distorção da realidade que, inevitavelmente, afecta a percepção pública – e isto é manipulação, não informação. Quando o leitor ou espectador é confrontado somente com uma visão parcial e enviesada dos acontecimentos, perde-se a capacidade de analisar de forma independente e ponderada.

    Ao fim de algum tempo – como sucedeu com a pandemia ou agora com as eleições nos Estados Unidos –, o público começa a duvidar da veracidade da informação que consome, percebendo a falta de neutralidade e objectividade. Vira-se para as fontes alternativas. Se se critica as redes sociais – onde, aliás, pululam jornalistas e comentadores que criticam essas mesmas redes sociais, mesmo se estas os promovem –, por terem passado a ser uma fonte (pouco credível) de informação, tal se deve á contínua perda de credibilidade da imprensa tradicional.

    Capitol Hill, U.S.A.

    Para piorar, no decurso da campanha eleitoral nos Estados Unidos, até a imprensa portuguesa esboçou, talvez se preparando para uma mimetização de consumo interno, a postura de endossamento público de candidatos. Sendo algo comum na imprensa norte-americana, seria uma novidade em Portugal – e um grave erro estratégico e ético. Ao assumirem posições partidárias e, em alguns casos, ao endossarem explicitamente candidatos, os meios de comunicação colocam-se numa posição insustentável: como podem, depois, assumir-se como fiscalizadores de um Governo ou de uma política que anteriormente apoiaram?

    Em suma, a imprensa sempre que quiser ser agente político – como quis ser um agente de saúde pública na pandemia – perde, em toda a linha, a sua independência crítica, tornando-se prisioneira de alianças ideológicas que comprometem a sua capacidade de escrutínio. A eventual transição de uma imprensa informativa para uma imprensa orientadora de voto é de uma extrema gravidade para a sustentação democrática, pois compromete a relação de confiança entre os jornalistas e o público.

    Se o jornalismo no século XXI insistir em ser uma espécie de ‘educador’ ou ‘orientador moral’ da sociedade – como o Estado Novo fez com a criação do Secretariado de Propaganda Nacional (SPN) e depois com o Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (SNI) – coloca-se numa posição que desrespeita a inteligência e a autonomia dos cidadãos, tratando-os como incapazes de formar as suas próprias opiniões.

    a microphone that is sitting on a stand

    Ora, dos cidadãos, os jornalistas só têm de saber que lhes exigem um trabalho de rigor e de objectividade, que lhes permitam estar informados e capazes de formar opiniões fundamentadas e consequentes acções daí derivadas. Por isso, nunca será de mais avisar que quando o jornalismo falha nesse papel, e se torna um actor ideológico, corre o risco de perder a sua essência.

    A imprensa deve ser um espaço de liberdade e de questionamento, onde todas as vozes têm lugar, e não uma arena de proclamações e julgamentos morais. A missão de informar implica responsabilidade, somente possível com distanciamento crítico, imparcialidade e o compromisso com a verdade. Substituir esses valores por convicções pessoais e por uma postura militante é desvirtuar a própria natureza da profissão. Muitos jornalistas já nem percebem isso, porque nunca ‘encarnaram’ essa função.


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  • A filantropia de fachada, ou a derrota do Estado Social

    A filantropia de fachada, ou a derrota do Estado Social


    Há um novo ‘desporto nacional’ sustentado nas redes sociais, por vezes tão abominadas pelas cliques, mas por elas usadas para auto-promoção: a filantropia dos ‘influencers’, supostamente sérios – isto é, comentadores da imprensa –, usando o dinheiro dos outros para auto-promoção. A mais recente campanha é protagonizada por Helena Ferro de Gouveia, uma ex-jornalista, ex-administradora da Lusa por via de uma empresa (Global Notícias, que era uma das principais devedoras dessa mesma empresa pública), comentadora televisiva e assessora da presidente da autarquia de Almada.  

    Lançou ela, por estes dias, uma campanha de angariação de fundos para apoio ao motorista da Carris, de nome Tiago, vítima dos tumultos após a morte de Odair Moniz. E vai de vento em popa, tendo mesmo já ultrapassado o objectivo inicial de arrecadação fixado nos 33 mil euros, contando, a meio da tarde, mais de 1.600 donativos.

    white ceramic mug on white table

    Nada tenho, muito pelo contrário – até porque o PÁGINA UM nasceu e mantém-se através de financiamentos voluntários –, qualquer aversão a este tipo de campanhas, mas causam-me, por um lado, estupefacção, e por outro, aversão, quando se direccionam para o apoio a vítimas.

    A estupefacção advém do facto de, sendo eu defensor do Estado Social, não possa conceber para os infelizes e lamentáveis casos como os do motorista da Carris que o Estado possa faltar ou possa sequer ser ineficiente. No seu sofrimento, que jamais poderá ser compensado, acredito eu (e tenho quase a certeza, porquanto o contrário seria uma desilusão imensa) que a sustentabilidade financeira deste motorista da Carris (e a da sua família) só pode já estar mais do que assegurada pela função social e solidária do Estado, sem necessidade de peditórios públicos nem de ‘esmolas’ protagonizados por influencers ou outros entes.

    Acredito – e isso é extensível a outros trabalhadores – que exista um seguro com uma indemnização suficientemente avultada para compensar de forma decente e justa o motorista da Carris por aquilo que lhe sucedeu, independentemente do apuramento de responsabilidade civis e criminais sobre os autores. E mesmo que o seguro privado não seja suficiente, deve o Estado, e genericamente as entidades públicas, garantir-lhe a compensação devida. Concebo o Estado sobretudo para esta função – e saber que ela existe e é exercida ajuda-me a compreender a justeza dos impostos e da máquina burocrática do Estado.

    Por esse motivo, uma angariação de fundos desta natureza, para apoiar vítimas, protagonizada por pessoas como Helena Ferro de Gouveia (e o mesmo se aplicaria se fosse a Madre Teresa de Calcutá) causa-me estupefacção: a sua própria existência significa uma fortíssima percepção de que, para os cidadãos e contribuintes, o Estado Social não dá respostas dignas, eficazes e rápidas, e que tem de ser a iniciativa ‘privada’ a fazer aquilo que o Estado e Governo são incapazes de fazer. Não podemos sentir isso do Estado nem é admissível que os representantes do Estado – ou seja, um Governo – o permitam.

    Já a minha aversão a este tipo de campanhas advém mais, neste caso, das pessoas que a protagonizam e também, em casos concretos, às pessoas que fazem donativos. Por exemplo, ver Helena Ferro de Gouveia como ‘protagonista’ isolada desta campanha causa-me ‘urticária’, porque a sua visão da vida humana – esparramada nos seus comentários televisivos e nas redes sociais nos últimos anos – não ‘casa’ com uma angariação de fundos de cariz humanitário. A intolerância e o enviesamento das suas opiniões são o azeite que não se consegue misturar na água. Por outro lado, fico abismado por ver, entre os doadores, e de entre aqueles que não quiseram manter-se no anonimato, um senhor chamado Marco Belo Galinha, nada mais nada menos do que o líder da Global Notícias, a empresa de media que no ano passado devia 10 milhões de euros ao Estado. Deu 200 euros.

    Se calhar, digo eu, se os senhores Marcos Belos Galinhas desta vida quiserem mesmo ajudar o Estado a ser Estado Social, talvez o passo fundamental seja pagar os impostos que devem. Depois disso, podem ficar de consciência tranquila e com os 200 hipócritas euros no bolso.

    P.S. O Chega está, cada vez mais, numa estratégia de abutre. Cada morte envolvendo um acto de violência, que possa envolver directa ou indirectamente questões étnicas, lhe serve para galgar um discurso de radicalização, que já ultrapassa os limites da contenda política. Mas também aqui, tal como sucede com as campanhas de angariação em relação ao Estado, não deve ser uma petição de milhares de pessoas a fazer com que o Ministério Público intervenha; deve ser a Procuradoria-Geral da República, com eficácia e rapidez, a determinar por motu proprio se é ou não susceptível de penalidade criminal aquele tipo de (lamentável) linguagem.


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  • O saldo das eleições municipais e o desafio político brasileiro

    O saldo das eleições municipais e o desafio político brasileiro


    Tratar das eleições municipais no Brasil pode parecer, para o leitor português, franca atitude de desperdício de tempo. A uma, porque o sistema brasileiro difere em grau e em forma do sistema político-eleitoral lusitano. A duas, porque, salvo raríssimas exceções (caso da eleição do ano 2000), não é possível inferir das eleições locais qualquer repercussão na eleição federal, que se passa dois anos depois. Apenas para exemplificar o quão estatisticamente desprezível é projectar o resultado das eleições gerais com base no das eleições municipais, basta dizer que, em 2020, o PT não conseguiu eleger um candidato seu em nenhuma prefeitura em capitais, feito inédito desde a redemocratização. Um biênio depois, Lula recebia do povo seu terceiro mandato como Presidente da República.

    Se a estatística não favorece a projecção de tendências do eleitorado, observar a fundo as particularidades de cada pleito, ao revés, pode ao menos oferecer pistas de para onde caminha o país. E este pleito de 2024 está cheio delas.

    landscape photography of mountains

    À partida, tem-se o óbvio: a esquerda perdeu, e perdeu feio. Somados, todos os partidos da ala jacobina do espectro político não alcançaram sequer 1/5 dos votos depositados nas urnas. Trata-se do mais baixo patamar da história. Enquanto isso, partidos da direita e do chamado “Centrão” (que também é maioritariamente de direita) alcançaram mais de 80% dos votos. Esse percentual é superior, por exemplo, aos melhores dias da Arena (Aliança Renovadora Nacional), o fantoche partidário de apoio à ditadura militar, que se autointitulava na altura “o maior partido do Ocidente”.

    O Brasil, pois, virou à direita?

    Não exactamente.

    Na verdade, desde sempre a população brasileira inclina-se para o conservadorismo. Em toda a República, nunca um governo de esquerda foi eleito à Presidência. João Goulart, o mais próximo que se pode chegar disso, somente ascendeu ao posto máximo da Nação após a renúncia de Jânio Quadros (1961), numa época em que Presidente e Vice concorriam em chapas separadas. Mesmo assim, Jango somente assumiu depois de uma crise militar contra sua posse redundar na chamada “solução parlamentarista”, um arremedo de emenda constitucional que transmudou o sistema de governo para um regime com primeiro-ministro. Quando um plebiscito dois anos depois devolveu-lhe as prerrogativas de Presidente (1963), os militares golpearam-no no ano subsequente (1964).

    A excepção, claro, atende pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva. Forjado no sindicalismo metalúrgico, Lula gradualmente abandonou sua condição de “radical de esquerda” para aninhar-se numa centro-esquerda de viés social-democrata. O desastre económico do segundo governo Fernando Henrique Cardoso, causado em grande parte por uma política cambial insana, certamente ajudou na conjunção astral. Com o país sedento por mudanças, os planetas alinharam-se e o barbudo ex-operário do ABC paulista era eleito presidente.

    Lula da Silva, presidente do Brasil.

    Com a vitória de 2002, Lula deu início a um ciclo de hegemonia política sem precedentes em nossa história democrática. Reeleito em 2006, Lula ganharia ainda outras duas vezes (2010 e 2014) por interposta pessoa (Dilma Rousseff). Preso em 2018, o ex-líder sindical saiu do cárcere para ganhar em nome próprio, pela terceira vez, a Presidência da República. Nenhum outro político brasileiro mandou tanto e por tanto tempo.

    Os anos de sucesso, porém, ficaram no passado. Depois de atingir o auge da expressão no pleito de 2012, quando ganhou até a municipalidade paulistana com Fernando Haddad, o PT tem experimentado um processo de acentuado declínio no eleitorado nacional. Como nenhum outro partido conseguiu desafiar a sua hegemonia nesse lado do espectro, ficamos, pois, numa situação em que “ser de esquerda” praticamente virou sinónimo de “ser petista”. E o fardo desses anos todos de domínio eleitoral parece ter-se tornado demasiado pesado para o partido da estrela vermelha. Daí o desastre eleitoral de 2020, visto como reprise agora, em 2024.

    A direita, contudo, não desempenhou melhor papel. Como o PSDB não quisesse abraçar abertamente as pautas ditas “conservadoras”, o eleitor furibundo com o PT foi paulatinamente jogado para o extremo do espectro político. Quando Jair Bolsonaro lançou-se candidato em 2018 e permitiu à direita “sair do armário”, subitamente foi transformado no estuário de todas as deceções do eleitorado. O eleitor conservador tinha, enfim, um “líder” para chamar de seu.

    Todavia, esse fenómeno foi mal ou pouco compreendido pela imprensa especializada. Não é que Bolsonaro tornara-se o “Lula da Direita”. Ele apenas passou a ocupar o posto de “anti-Lula” de ocasião. Só isso explica como uma personagem caricatural, que jamais concorrera a nenhum cargo maioritário (por absoluta falta de votos), pudesse eleger-se Presidente da República justamente na primeira eleição que disputara. Querer transformar essa triste figura do baixíssimo clero congressual em um líder “popular” e “carismático” foi um dos pratos mais grotescos que o mainstream mediático quis empurrar goela abaixo dos brasileiros.

    gray concrete building under blue sky during daytime

    É essa constatação, aliás, que torna possível explicar – ao menos parcialmente – o fenómeno Pablo Marçal. Autodeclarado “coach”, o sujeito fez fama e fortuna a vender ilusões para o público incauto. Lançando-se praticamente sozinho à prefeitura do maior município do país (São Paulo), Marçal rapidamente conquistou corações e mentes e, por um momento, pareceu comandar uma onda que varreria a eleição e o conduziria à vitória no primeiro turno. Não fosse a bizarra cadeirada que levou de José Luiz Datena em um debate televisivo e a divulgação do infame laudo médico segundo o qual Guilherme Boulos teria sido internado por abuso de cocaína, talvez Marçal tivesse conseguido cavar uma vaga na segunda ronda da capital paulista.

    Bolsonaro, que apoiava o actual prefeito, Ricardo Nunes, quis fazer-lhe frente, mas foi violentamente devolvido à toca pelos mesmos extremistas das redes sociais que ele pensava comandar. Uma vez que, no entender desse eleitorado, Marçal representava “os verdadeiros valores do conservadorismo”, apoiar Nunes seria o mesmo que converter-se ao “comunismo” ou algo do género. Evidenciando a covardia típica de sua acção política, Bolsonaro colocou um pé em cada canoa (Nunes e Marçal) e deixou tudo como estava, para ver como é que ficava.

    Conseguiu, assim, a suprema façanha de sair desprezado por Marçal (que exigiu um pedido público de desculpas para reatar relações) e sem poder comemorar a passagem de Ricardo Nunes ao segundo turno, mesmo tendo indicado o vice de sua chapa. Se essa assombração denominada Pablo Marçal serviu para algo, foi para demonstrar que o eleitorado extremista não tem dono e está pronto a abraçar qualquer alternativa dita “conservadora” que se mostre eleitoralmente viável.

    Pablo Marçal

    O Brasil sai dessa eleição, portanto, com fracturas à esquerda e à direita. À esquerda, porque, com cada vez menos votos, depende cada vez mais de Lula, um septuagenário que, na melhor das hipóteses, disputará apenas mais uma eleição. E à direita porque, com Bolsonaro inelegível e em vias de ser preso, não surgiu ainda outra figura com consistência ideológica que lhe permita afastar-se de seus Marçais e quetais.

    Em resumo, o desafio brasileiro passa pela construção do pós-Lula e do pós-Bolsonaro. Quem melhor souber manejar suas forças de maneira a atrair o eleitorado flutuante do centro ditará os rumos da política brasileira pelos próximos anos.

    Arthur Maximus é advogado no Brasil e doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa


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